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15 de Novembro de 2010   Lógica

Argumentos e explicações

Douglas Walton
Tradução de Artur Polónio

Até aqui, aprendemos neste capítulo a reconhecer muitas espécies diferentes de argumentos, e começámos a aprender a analisá-los e a avaliá-los. Tendo chegado a este ponto, há uma tendência para ver argumentos em toda a parte, e mesmo para classificar como argumentos coisas que realmente não são, de todo, argumentos, apesar de poderem parecê-lo. Por exemplo, por vezes um orador está meramente a relatar um facto ou a apresentar uma crença, mas não a argumentar a seu favor. Um dos mais comuns tipos de casos em que algo pode ser tomado por um argumento quando realmente não o é são as explicações. Suponhamos, por exemplo, que Larry e Sandra vêem o seu cão a coçar-se. Ele pergunta-lhe:

— Por que está o teu cão a coçar-se?

E ela responde:

— Está a coçar-se porque tem uma pulga.

Neste caso, Sandra ofereceu a Larry uma explicação. Ambos vêem que o cão está a coçar-se, e ela explica por que razão está a fazê-lo. O acto de fala de Sandra pretende claramente ser uma explicação. Mas, de certo modo, parece poder tratar-se de um argumento. Sandra está a dar uma razão pela qual o cão está a coçar-se, e usa, inclusivamente, a palavra “porque”, o que pode, por vezes, ser um indicador de argumento. Como poderemos, nesse caso, identificar as explicações, contrastando-as com os argumentos e, consequentemente, evitar confundir os dois? Afinal, se algo não é de modo algum um argumento, seria um erro grave acusá-lo de ser um mau argumento, pretendendo que falha os critérios requeridos por um bom argumento.

Mostrámos anteriormente que o propósito de um argumento é oferecer uma razão para sustentar uma crença apresentada por uma das partes num diálogo. Essa crença é, por vezes, aquilo de que duvida quem responde, no contexto do diálogo. É uma proposição que está em debate ou que não foi estabelecida. Supostamente, um argumento apresenta uma boa razão para que quem responde acabe por aceitar essa proposição como verdadeira, removendo assim a dúvida. O propósito de uma explicação é ajudar quem interroga, que não compreende algo. Assim, o conceito de explicação, tal como o de argumento, baseia-se no diálogo, no sentido em que envolve uma troca conversacional entre dois participantes. No caso em que quem responde oferece uma explicação a quem pergunta, uma certa função deve ser cumprida. Para a explicação ser útil, deve cumprir uma função de clarificação, o que significa que deve ajudar quem pergunta a compreender algo que não compreendia antes. Uma explicação útil deve tornar claro o que era duvidoso para quem pergunta, exprimindo-o em termos com que este está familiarizado ou que já compreende. Num diálogo, um pedido de explicação toma a forma de uma pergunta que pede ajuda para compreender algo.

Há diferentes tipos de perguntas que caracteristicamente funcionam como pedidos de explicação. Uma é a pergunta “Como?” Se, por exemplo, não compreendo como funciona um certo computador, posso perguntar a alguém “Como funciona?” e, fazendo-o, estaria a pedir uma explicação acerca de como funciona. Não estaria a pedir a essa pessoa que provasse que o computador funciona, ou que usasse um argumento para me mostrar que funciona. Estaria, sim, a pedir ajuda para compreender como funciona. Sucede também frequentemente que a pergunta “Porquê?” é usada como incitamento a uma explicação. Posso, por exemplo, perguntar ao leitor:

— Por que parece o céu azul, visto da superfície da Terra?

E pode então o leitor dar-me uma explicação. Pode dizer, por exemplo:

— Os raios da luz do Sol são difundidos por partículas na atmosfera de tal maneira que a parte azul do espectro é activado quando a luz atinge os nossos olhos, se olharmos para o céu.

Tal explicação pode ser bastante complexa, e pode envolver um considerável número de inferências de umas proposições para outras a elas ligadas.

Assim, as explicações parecem, frequentemente, semelhantes a argumentos. Tanto as explicações como os argumentos consistem em grupos de afirmações em que algumas delas são tomadas como pontos de partida e conduzem a outras, que são pontos de chegada. Contudo, quando lidamos com explicações, não usamos os termos “premissas” e “conclusões”. Em vez disso, há uma proposição que é investigada ou que é suposto ser explicada. O propósito de uma explicação não é dar uma razão para a outra parte aceitar que essa proposição é verdadeira. O propósito de oferecer uma explicação é tomar essa proposição que o respondente não compreende e clarificá-la, relacionando-a com outras proposições com que ele está familiarizado e pode compreender. Assim, as explicações são diferentes dos argumentos, porque têm propósitos diferentes num diálogo. O objectivo de uma explicação não é convencer ou persuadir uma das partes de que uma dada proposição é verdadeira, mas sim exprimir a proposição investigada em termos mais familiares, ou relacioná-la com outro conjunto de proposições que podem ser ligadas de tal modo que possam ser-lhe mais familiares ou compreensíveis.

O diálogo dos convectores

Fred: Por que razão estão os convectores habitualmente localizados por baixo das janelas, quando as janelas são a maior fonte de perda de calor?

Donna: As janelas são a zona mais fria da sala, e é por isso que os convectores são colocados por baixo delas. O ar que entre em contacto com as janelas é arrefecido e segue na direcção do chão. Isto cria uma corrente de ar, porque o movimento do ar resulta numa corrente de convecção. Se o convector estivesse colocado numa parede interna, então a parte mais fria da sala, onde as janelas estão localizadas, permaneceria mais fria; e a parte mais quente, em direcção ao interior, permaneceria mais quente. Esta localização não seria um arranjo confortável para a utilização da sala. Logo, os convectores são normalmente colocados sob as janelas, numa sala.

Na sua resposta à pergunta de Fred, Donna oferece-lhe uma explicação, mostrando-lhe o que resultaria da colocação do convector próximo de uma parede interna, e mostrando por que seria isso indesejável. Neste caso, Fred fez uma pergunta que exprimia a sua perplexidade relativamente ao facto de os convectores estarem colocados na área onde existe a maior fonte de perda de calor. Esta colocação pareceria esbanjadora e, portanto, parece-lhe estranho que, normalmente, os convectores estejam colocados por baixo das janelas, numa sala. Se se considera a sequência de raciocínio envolvido na pergunta de Fred, a conclusão sugerida é que a colocação dos convectores não é prática, porque se presume que, normalmente, o nosso propósito ao construir uma casa é minimizar a perda de calor desnecessária. Logo, colocar o convector sob a janela pareceria pouco prático. Donna respondeu citando outro factor importante a ser considerado: o conforto dos habitantes da sala. Os convectores são normalmente colocados por baixo das janelas, explica ela, porque as correntes de convecção criam uma corrente de ar, e assim a parte fria sob a janela precisa de ser aquecida. Claro que, ao conceber uma sala, queremos evitar qualquer situação em que as pessoas que a habitam se sentissem desconfortáveis em virtude de uma corrente de ar ou de uma severa diferença de temperatura entre duas partes da sala. Logo, explica ela, colocar o convector na parede interna não seria prático.

Neste caso, o propósito da resposta de Donna no diálogo não é produzir um argumento que daria a Fred uma razão para aceitar como verdadeira uma proposição acerca da qual ele exprimiu dúvida. Donna não está a procurar, por exemplo, dar a Fred uma razão para aceitar a proposição questionável de que os convectores estão localizados por baixo das janelas. Ele nem duvida desta proposição, nem exprime dúvida acerca de qualquer outra. Ele está perplexo com o facto de se colocarem os convectores por baixo das janelas, segundo a prática normal, quando tal parece pouco prático, pela razão que ele citou. Donna explicou-lhe por que razão esta é a prática normal, ajudando Fred a compreender de que modo as correntes de convecção estão envolvidas. Logo, a resposta de Donna à pergunta de Fred é uma explicação e não um argumento.

As explicações das acções humanas são semelhantes às explicações dos fenómenos naturais, uma vez que ambas são tentativas de ajudar um interrogador a compreender algo.

O exemplo da condutora

Uma condutora vê um automóvel vazio sem um pneu estacionado na berma de uma estrada. À medida que avança ao longo da estrada, observa um homem fazendo rolar um pneu ao longo da berma. Ele transporta um bebé no outro braço, e três crianças seguem-no. A condutora explica o que vê inferindo que o pneu que o homem fazia rolar tinha sido retirado do automóvel por ele. Inferiu que o homem levava o pneu para ser reparado. Inferiu ainda que o homem não quis deixar as crianças sozinhas no automóvel.1

Tendo observado os vários acontecimentos em sequência, a condutora que passava fez inferências que os explicavam. Ela tinha de saber bastante acerca de como funcionam os automóveis e de que modo podem avariar. A condutora que passava supôs que o homem com as crianças também sabia dessas coisas. Este tipo de conhecimento de senso comum acerca de como normalmente se pode esperar que as coisas sejam, num tipo de situação familiar, é frequentemente necessário para que um agente seja capaz de explicar as acções de outro agente e para que ambos se envolvam num diálogo. É também a base de muitos argumentos plausíveis. Mas, neste caso, a condutora que passava não está a apresentar um argumento quando faz as inferências citadas no exemplo da condutora. Ela está a explicar o que vê. O que vê parece, inicialmente, familiar, e pede alguma espécie de explicação. Por que caminham o homem e as crianças ao longo da berma da estrada? Ela é capaz de explicar as acções do homem porque consegue fazer inferências plausíveis acerca do que ele procura fazer, nomeadamente tratar de reparar o pneu sem abandonar as crianças, baseada no seu próprio conhecimento de senso comum acerca de como os pneus podem furar e do que normalmente é necessário fazer para os reparar.

A fim de distinguir argumentos de explicações num contexto dado é necessário ver não só o contexto do diálogo, mas também a linguagem usada no raciocínio, nesse trecho de diálogo. Um critério para reconhecer um argumento é a existência, nesse trecho de discurso, de indicadores. Como se mostrou na lista de indicadores de conclusão no capítulo 1, secção 2, algumas palavras, como “logo”, “portanto”, “assim” e “consequentemente”, indicam, tipicamente, a conclusão de uma inferência. Como se mostrou na lista de indicadores de premissa no capítulo 1, secção 2, outros tipos de palavras indicam a ou as premissas da inferência. Estas incluem palavras como “dado que”, “porque”, “uma vez que” e “a razão é que”. Contudo, os indicadores não são suficientes, por si só, para determinar se uma sequência de raciocínio é ou não um argumento, porque muitos dos mesmos indicadores, ou indicadores muito semelhantes, são usados em explicações. Assim, para distinguir entre quando uma sequência de raciocínio é usada como um argumento ou uma explicação, num caso particular, temos de examinar o trecho de discurso, a fim de determinar a natureza da pergunta a que o raciocínio é usado para responder. Temos de tentar determinar, num dado caso, qual o propósito do uso do raciocínio.

O teste básico para fazer esta distinção, em cada caso, é centrarmos a atenção na proposição que está a ser explicada, ou a favor da qual se argumenta, isto é, centrarmos a atenção na proposição específica que é objecto de explicação ou que é a conclusão do argumento. Se se presume que esta proposição é aceite como verdadeira por ambas as partes intervenientes num diálogo, então o raciocínio está a ser usado como explicação. Se a proposição em questão é objecto de disputa, isto é, se uma das partes duvida de que seja verdadeira ou pensa, inclusivamente, que é falsa, então o raciocínio está a ser usado num argumento. […]

Assim, e de um modo geral, para determinar, num caso particular, se uma sequência de raciocínio está a ser usada como um argumento ou como uma explicação, devemos perguntar qual é o propósito do discurso que contém o raciocínio. Então, em seguida, o melhor teste é focarmo-nos na troca conversacional a um nível mais localizado, a fim de determinarmos qual é a natureza da pergunta feita e que tipo de resposta lhe foi dada. Para determinarmos isto, um teste crucial é focarmo-nos na proposição específica que é a conclusão do argumento ou a proposição a ser explicada, e perguntarmo-nos se os participantes no diálogo parecem presumir que é verdadeira ou não. Se presumem que é verdadeira, é uma explicação. Se não, é um argumento. Eis o teste. Haverá, contudo, casos em que não temos informação suficiente acerca do contexto da conversação, ou do trecho do discurso num caso particular, e então podemos não ser capazes de dizer se o raciocínio está a ser usado como um argumento ou como uma explicação. O melhor que podemos fazer, ao avaliar semelhante caso em lógica, é uma avaliação condicional. Isto é, podemos dizer que se é um argumento, então é um argumento correcto ou incorrecto em certos aspectos. O erro que devemos tentar evitar é assumir, de um modo geral, que uma vez que um trecho de discurso contém uma inferência ou uma sequência de raciocínio, deve automaticamente ser um argumento, e prosseguir avaliando-o como um argumento correcto ou incorrecto, usando métodos lógicos. O problema, aqui, é que tendo os estudantes aprendido a usar a lógica para avaliar argumentos, há uma tendência para usar métodos lógicos de avaliação onde quer que ocorra um raciocínio, num trecho de discurso. Mas isto pode ser um erro, porque se o raciocínio não está a ser usado como um argumento, mas sim como uma explicação, ou talvez como uma descrição, ou qualquer outro tipo de acto de fala, então é inapropriado avaliá-lo como um argumento. Em particular, não queremos cometer o erro de acusar uma determinada sequência de raciocínio de ser um mau argumento, ou um argumento falacioso, quando na realidade nem sequer é um argumento.

Douglas Walton
Fundamentals of Critical Argumentation (Nova Iorque: Cambridge University Press, 2006), pp. 75-80.

Notas

  1. Este exemplo foi retirado de uma obra sobre computação: Sandra Carberry, Plan Recognition in Natural Language Dialogue, Cambridge, Mass., MIT Press, 1990, 9. 17.
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