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7 de Maio de 2005   Lógica

Indução cogente

James W. Cornman, Keith Lehrer e George S. Pappas

Num argumento indutivo as premissas são indícios a favor da conclusão ou hipótese. Ao contrário de um argumento dedutivo sólido, no qual as premissas implicam a conclusão, num argumento indutivo sólido as premissas não implicam a hipótese inferida. O que é então um argumento indutivo sólido? Uma condição de solidez é que as premissas sejam verdadeiras. Esta é uma condição partilhada por argumentos dedutivos sólidos. Mas se as premissas não implicam logicamente a hipótese que delas se infere, que virtude dos argumentos indutivos corresponde à condição de validade dos argumentos dedutivos?

Alguns filósofos duvidam que exista alguma resposta satisfatória, e consequentemente repudiam a ideia de uma lógica indutiva. Todavia, tendo em conta a controvérsia que rodeia este assunto, iremos tentar formular uma segunda condição de solidez para os argumentos indutivos.

Mesmo que uma inferência indutiva da hipótese a partir dos indícios não preserve necessariamente a verdade — isto é, mesmo que seja logicamente possível que os indícios sejam verdadeiros e a conclusão falsa — tal inferência é todavia sólida se for racional pensar que a inferência preserva a verdade; isto é, se for racional pensar que a hipótese é verdadeira se os indícios forem verdadeiros. Um argumento dedutivo sólido é aquele em que as premissas são verdadeiras e em que, se as premissas são verdadeiras, a conclusão tem de ser verdadeira. Um argumento indutivo sólido é aquele em que as premissas são verdadeiras e em que, se as premissas são verdadeiras, então é racional aceitar a hipótese como verdadeira. Assim, a segunda condição de solidez de um argumento indutivo, a que vamos chamar cogência indutiva, pode ser posta da seguinte forma: se os indícios são verdadeiros, é racional aceitar a hipótese como verdadeira. Um argumento indutivo sólido é aquele em que as premissas são verdadeiras e que é indutivamente cogente.

Verdade e crença racional

O termo “racional” é usado aqui com um sentido especial. Se é racional pensar que uma afirmação é verdadeira, isso depende do propósito de cada um. Pode fazer alguém feliz pensar que é verdade que Deus existe e, se o seu propósito for obter felicidade ao pensar tais coisas, talvez seja racional para ele acreditar que Deus existe. Mas isto não tem absolutamente nada a ver com argumentos indutivos ou o tipo de racionalidade que requerem para a sua solidez. Em vez disso, o tipo de racionalidade requerido para um argumento indutivo sólido tem de ter como únicos fins a verdade e o evitar do erro. Um argumento indutivo sólido tem de ser um argumento no qual, se os indícios são verdadeiros, então aceitar a hipótese inferida como verdadeira é racional para os propósitos de aceitar hipóteses verdadeiras e evitar a aceitação das falsas.

Todavia, deve sublinhar-se que os fins de aceitar afirmações verdadeiras e evitar a aceitação das falsas são de certo modo questionáveis. Por um lado, o caminho mais simples para evitar afirmações falsas é não aceitar nenhuma afirmação. Deste modo, não se aceita nada falso. Por outro lado, para aceitar o que é verdadeiro, o caminho mais simples é aceitar todas as afirmações, porque desse modo se aceitará todas as afirmações verdadeiras. Mas o problema de aceitar todas as afirmações, mesmo que qualquer pessoa o pudesse fazer, é que se estaria a aceitar tantas afirmações falsas como verdadeiras. Da mesma maneira, o problema em não aceitar qualquer afirmação é que assim se estaria a renunciar à hipótese de aceitar afirmações verdadeiras. O problema está em estabelecer um equilíbrio entre os dois fins de aceitar o que é verdadeiro e, ao mesmo tempo, evitar a aceitação do que é falso.

Cogência e competição

Um argumento indutivo corre assim o risco de falhar na preservação da verdade, isto é, de conduzir ao erro. O que faz valer a pena correr o risco de erro é a possibilidade de, numa competição entre hipóteses, aceitar uma que é verdadeira em vez de alguma que seja falsa. Podemos melhorar a explicação da cogência indutiva sublinhando a importância do conceito de competição entre hipóteses como uma característica da indução. Se é ou não racional aceitar uma afirmação como verdadeira depende das outras afirmações em competição e da probabilidade da afirmação ser verdadeira a partir dos indícios a seu favor.

Consideremos um argumento indutivo que outrora conduziu filósofos e cientistas à conclusão de que o universo foi criado por algum agente. Para apreciar o raciocínio indutivo que levou a esta conclusão, lembremo-nos que antes da teoria da evolução ser concebida, a existência dos seres humanos constituía um problema intelectual fundamental. Mesmo que se tivesse teorias da matéria adequadas para explicar muitas características do universo físico, a existência dos seres humanos permanecia sem solução. A existência de animais apresentava um notório contraste em ralação à matéria inerte, mas, embora alguns filósofos estivessem dispostos a ver os animais como mecanismos físicos complexos, tirar a mesma conclusão no que diz respeito aos seres humanos era repugnante. Talvez a principal razão para esta aversão tenha sido a existência de pensamento consciente e racional. Um filósofo que de bom grado rejeitasse a ideia de que os animais inferiores pensam e raciocinam, não podia negar que ele próprio estava a pensar e a raciocinar enquanto envolvido nestas mesmas actividades. Por isso, a existência de humanos, seres que pensam e raciocinam, constituiu de facto um fenómeno problemático. Explicá-la era uma questão que surgia naturalmente.

Podemos enquadrar esta questão perguntando que hipótese seria racional aceitar como verdadeira por indução a partir dos indícios disponíveis. Para alguns pensadores, parecia haver apenas duas hipóteses em confronto. Uma era que os seres humanos começaram a existir por simples acaso ou acidente cósmico. A outra era que os seres humanos começaram a existir como resultado de algum desígnio ou plano. Logo, enquanto estes pensadores consideraram o assunto, as seguintes hipóteses competiram pela sua aceitação neste contexto:

1: Os Seres Humanos começaram a existir por acaso.
2: Os Seres Humanos começaram a existir por desígnio.

Não surpreendentemente, dado que essas foram as hipóteses à escolha, a segunda, mais do que a primeira, foi considerada mais provável com base nos indícios disponíveis. Pareceu extremamente improvável que algo tão extraordinariamente intrincado e complexo como um ser humano começasse a existir por acidente. De facto, a intrincada e complexa organização dos seres humanos pareceu surpreendentemente análoga às intrincadas e complexas características dos objectos criados pelos seres humanos. Este argumento por analogia, que mais tarde voltaremos a considerar (Cap. 5), era indutivo, claro, mas também se baseava num conjunto bastante limitado de hipóteses alternativas. Com a competição limitada desta forma, não é minimamente surpreendente que alguns dos mais profundos e críticos pensadores do passado considerassem a hipótese 2 aquela a ser inferida indutivamente dos indícios disponíveis.

Neste momento, o leitor arguto pode ter reparado que, estritamente falando, uma pessoa que considera as hipóteses 1 e 2 devia, para ser completamente judiciosa, considerar uma outra hipótese, nomeadamente a hipótese de que nem 1 nem 2 estão correctas. Assim, podemos considerar também a seguinte hipótese negativa:

3. Os seres humanos começaram a existir por outra razão que não o acaso ou o desígnio.

A exclusão desta hipótese da competição foi justificada pela sua natureza não informativa: não oferece qualquer explicação dos fenómenos observados. Apesar de poder ser verdadeira, a hipótese 3 não entra em competição quando se trata de explicar a existência do homem.

Uma proporção muito menor de filósofos e cientistas consideraria hoje cogente a inferência indutiva da hipótese 2. Mas uma razão para isto é que actualmente não consideramos estas duas hipóteses como sendo as únicas alternativas em competição. Existe, obviamente, a hipótese evolucionista:

4. Os seres humanos começaram a existir graças à evolução.

Aqui é importante não confundir a hipótese informativa 4 com a hipótese não informativa 3. A hipótese 3 é logicamente implicada por 4, mas a justificação de 3 depende inteiramente da cogência do argumento indutivo a favor de 4. Uma vez a hipótese da evolução concebida, a competição inclui não só a 1 e a 2, mas também a 4. Uma vez que muitos cientistas e filósofos, talvez a maioria, considerariam a hipótese 4 como a mais provável das três, a indução dessa hipótese seria encarada como cogente.

É importante reparar na diferença entre a hipótese 3 e a hipótese 4. A primeira é negativa e não explica o fenómeno em questão, a existência dos seres humanos. Em contraste, a segunda oferece uma teoria muito sofisticada e abrangente, a teoria da evolução, como uma explicação para esses fenómenos. Por essa razão, uma pessoa que não considerasse a hipótese 3 como competidora, consideraria a hipótese 4 como competidora e, de facto, uma competidora de sucesso. Os argumentos precedentes conduzem a importantes conclusões. Primeiro, a cogência de um argumento indutivo depende em parte das outras afirmações que entram em competição com a hipótese do argumento. Segundo, as afirmações com que a hipótese compete dependem por sua vez das hipóteses que foram concebidas, e neste sentido, do contexto de investigação.

Cogência indutiva e competição bem-sucedida

Concluímos que a cogência indutiva depende essencialmente da informação e dos conceitos que formam o contexto de raciocínio. Podemos dar a definição de indução cogente a partir da noção de competição, tal como se segue: um argumento indutivo que infere uma hipótese a partir dos indícios a seu favor é indutivamente cogente se, e só se, a hipótese for aquela que, de todas as hipóteses em competição, tem a maior probabilidade de ser verdadeira com base na informação disponível. Assim, saber se é ou não racional aceitar uma hipótese como verdadeira, caso a informação disponível seja verdadeira, é determinado pelo facto de essa ser ou não a hipótese mais provável de todas aquelas com que compete com base na informação disponível.

A conclusão a que chegamos fornece-nos um método para verificar a cogência de um argumento indutivo. Confrontados com um argumento indutivo, devemos levantar duas questões críticas:

1: Com que afirmações a hipótese do argumento compete?
2: É a hipótese mais provável de todas as hipóteses com que compete?

Só no caso de uma resposta afirmativa à segunda questão é que devemos considerar o argumento cogente. Alem disso, não há um teste automático ou uma regra formal com que se possa dar uma resposta a qualquer uma destas questões. Para responder à primeira, temos de usar todos os recursos intelectuais à nossa disposição. A falha de não considerar algum competidor como hipótese pode levar-nos a aceitar alguma hipótese que é irracional aceitar. Todavia, se tivermos procurado diligentemente competidores e seriamente considerado a probabilidade de cada um, então podemos provisoriamente considerar um argumento indutivamente cogente quando a conclusão é a mais provável de todos os competidores concebíveis.

A procura de um competidor mais provável para refutar uma indução cogente é como procurar um contra-exemplo para refutar a validade dedutiva. Falhar na procura de um contra-exemplo não prova que não exista nenhum. Do mesmo modo, falhar na procura de uma hipótese competitiva mais provável não prova que não exista nenhuma. Além disso, estes métodos de refutação não são mais eficazes do que a pessoa que os emprega. No final, aquando da decisão de aceitar ou não um argumento como dedutivamente válido ou indutivamente cogente, não devemos depender de qualquer procedimento automático, mas da nossa inteligência e integridade. Isto não é um defeito: todo o progresso da ciência e da humanidade depende fundamentalmente destes elementos. Nenhum método transcende ou ultrapassa o intelecto humano.

James W. Cornman, Keith Lehrer e George S. Pappas
Philosophical Problems and Arguments (Hackett Publishing Company, Indianopolis, 1992). Trabalho de tradução realizado na aula de Técnicas de Tradução de Inglês pelas estudantes Angelique Dreyer, Ana Pinho, Inês Amorim, Mariana Amorim e Rita Teixeira, com o apoio da professora Clara Reis (Escola Secundária João da Silva Correia, S. João da Madeira).
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ISSN 1749-8457