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7 de Agosto de 2004   Lógica

Implicação existencial: dois conceitos

António Zilhão

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De entre os conceitos cujo estudo faz parte do curriculum da cadeira de Lógica da licenciatura em Filosofia, um dos que mais dificuldades costuma trazer à aprendizagem do estudante médio é o conceito de implicação existencial. A causa desta situação parece-me que reside não em quaisquer dificuldades intrínsecas ao tema, mas antes numa conjunção de dois factores: por um lado, a exiguidade do material relevante que o estudante tem à sua disposição para consulta; por outro lado, o factor determinante de que sob esta mesma designação são habitualmente referidos na bibliografia especializada, sem que isso nem sempre seja explicitamente mencionado, dois conceitos diferentes e não apenas um. Caso não se tenha este facto presente, corre-se o risco, frequentemente tornado realidade, de submersão numa confusão conceptual cujo deslindamento se tornará tanto mais difícil quanto menor for a consciência da sua ocorrência. O objectivo deste artigo é assim o de, pondo em contraste os diferentes conteúdos que constituem cada um dos conceitos a que é habitualmente atribuída a designação “implicação existencial”, bem assim como os diferentes contextos em que esses conteúdos ocorrem, tentar clarificar decisivamente esta questão.

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Como é sabido, a doutrina aristotélica da dedução lógica reinou indisputada no pensamento europeu durante cerca de dois milénios. Isso não significa, porém, que, no interior do paradigma por ela criado, não se tenham dado progressos substanciais, tanto no tocante à obtenção de uma maior transparência nas formulações e exposição da doutrina, como no que diz respeito à aquisição de uma maior maneabilidade por parte dos instrumentos dedutivos por ela criados. Para a elucidação do nosso problema, interessa referir dois momentos desse movimento progressivo: a invenção por Apuleio, no século II da nossa era, do quadrado da oposição (quadrata formula, de acordo com os seus próprios termos) e a elaboração, já na Idade Média, de uma espécie de código genético da silogística, tornada possível pela decisão anónima de representar por intermédio de vogais cada um dos tipos lógicos de proposições declarativas categóricas contemplados na doutrina aristotélica.

Ao encontrar uma forma geométrica de representar as relações lógicas existentes entre os valores de verdade dos diversos tipos de proposições declarativas categóricas, Apuleio permitiu que essas mesmas relações, por definição abstractas e de difícil apreensão, adquirissem um aspecto visualmente perceptível, o que representou, como é óbvio, um enorme ganho em termos da possibilidade de se adquirir uma visão panorâmica sobre o conjunto da doutrina aristotélica. Todavia, o mérito de Apuleio não se esgota aqui. Além de ter traduzido Aristóteles, Apuleio criou também uma nova terminologia1. Esta divide-se fundamentalmente em duas séries de designações: as designações para o tipo de oposição lógica em que os diversos tipos de proposições se encontram uns com os outros e as designações para os seis pares de tipos de proposições ligados por um determinado tipo de oposição. Deste modo temos: a oposição entre cada um dos juízos universais e o juízo particular da qualidade oposta, isto é, entre aqueles juízos cujos valores de verdade são necessariamente diferentes (a qual é representada geometricamente pelas diagonais do quadrado) é designada por “oposição perfeita” (pugna perfecta); a oposição entre ambos os juízos universais, isto é, entre aqueles juízos que, não podendo ser ambos verdadeiros, podem todavia ser ambos falsos (a qual é representada geometricamente pelo lado superior do quadrado) é designada por “oposição parcial” (pugna dividua); a oposição entre ambos os juízos particulares, isto é, entre aqueles juízos que, não podendo ser ambos falsos, podem todavia ser ambos verdadeiros, (a qual é representada geometricamente pelo lado inferior do quadrado) é designada por “oposição parcial invertida” (pugna dividua mutata vice); finalmente, a ausência de oposição entre os juízos universais e particulares da mesma qualidade leva a que à relação lógica existente entre eles (representada geometricamente pelos lados laterais do quadrado) não seja de todo atribuído um nome. Por outro lado, as designações para os seis pares de juízos que se podem constituir no contexto do quadrado da oposição são as seguintes: os juízos que se encontram na relação de oposição perfeita são denominados de “exclusivos” (alterutrae propositiones), aqueles que se encontram na relação de oposição parcial são denominados de “mutuamente incompatíveis” (inter se incongruae), aqueles que se encontram na relação de oposição parcial invertida são denominados de subpares e aqueles que não se encontram em qualquer oposição são denominados de subneutrae propositiones.

Repare-se que, em comparação com a terminologia de Boécio, criada no século VI e que é ainda aquela que hoje em dia é usada, a terminologia de Apuleio é mais completa, uma vez que, em vez de apenas uma, usa dois géneros de caracterizações: uma para definir as relações lógicas existentes entre os valores de verdade das proposições e outra para referir a relação entre os esquemas proposicionais propriamente ditos. Por outro lado, ele abstém-se de caracterizar a relação lógica entre os juízos universais e particulares da mesma qualidade por não se encontrarem em qualquer relação de oposição. Ora, é precisamente em virtude da caracterização por Boécio desta relação como uma relação de subalternidade, que, como iremos ver de seguida, surge a necessidade de se introduzir o primeiro dos conceitos de “implicação existencial”. Em todo o caso, e para evitar uma sobrevalorização da posição de Apuleio, se é verdade que ele desvaloriza as inferências subalternas apodando-as de minus concludere, também não é menos verdade que, tal como Aristóteles ou Boécio, ele afirma que cada proposição particular é verdadeira no caso de a proposição universal que lhe corresponde (isto é, a que é da mesma qualidade) ser verdadeira.

Mas esta tese, aparentemente óbvia, levanta um problema peculiar. Imaginemos que alguém formula no contexto de um domínio de objectos onde não se encontram quaisquer lobisomens a proposição universal afirmativa “Todos os lobisomens são mamíferos”. Esta proposição será verdadeira ou falsa?

De acordo com Abelardo e a tradição medieval, a inexistência de lobisomens acarretaria a falsidade da proposição universal afirmativa onde o termo “lobisomem” fosse o sujeito2. Acontece, porém, que a tradução formal moderna de uma proposição universal afirmativa é uma expressão do género (∀x) [A(x) → B(x)], a qual, no contexto de um domínio finito de n objectos, se deixa reconduzir a uma conjunção complexa do tipo [A(a) → B(a)] & [A(b) → B(b)] & [A(c) → B(c)] &...& [A(n) → B(n)]. A verificação do facto de que nenhum objecto do domínio sob consideração tem a propriedade A traz como consequência que a todos os antecedentes das implicações que constituem os termos da conjunção na qual foi reformulada a proposição quantificada terá que se atribuir o valor de verdade F. Com base na definição tabular da implicação na Teoria das Funções de Verdade, rapidamente se verifica que todas estas implicações terão o valor de verdade V. Ora, uma conjunção de proposições verdadeiras é também ela uma proposição verdadeira. Por conseguinte, a interpretação num domínio de n objectos, de acordo com a moderna teoria das funções de verdade, de uma proposição universal afirmativa na qual a propriedade que figura no lugar do sujeito não é satisfeita por qualquer objecto do domínio permite-nos descobrir que a esta proposição, nestas condições, deve ser atribuído o valor de verdade V e não o valor de verdade F.

Todavia, da mesma forma que uma proposição universal afirmativa como a acima referida pode ser interpretada da forma mencionada num domínio finito de n objectos, também uma proposição existencial afirmativa admite uma determinada interpretação no mesmo domínio de objectos. Deste modo, a proposição considerada por Boécio como subalterna da proposição universal afirmativa anteriormente referida é a proposição “Alguns lobisomens são mamíferos”, para cuja verdade, de acordo com a doutrina clássica, a verdade de “Todos os lobisomens são mamíferos” seria condição suficiente. De acordo, porém, com a representação formal moderna do juízo particular afirmativo temos que a proposição acima mencionada deveria ser traduzida por uma expressão do género (∃x;) [A(x) & B(x)], a qual, no contexto de um domínio de n objectos, se deixaria reconduzir a uma expressão do género [A(a) & B(a)] ∨ [A(b) & B(b)] ∨... ∨ [A(n) & B(n)]. A verificação do facto de que nenhum objecto do domínio sob consideração gozaria da propriedade A traria como consequência que a todos os primeiros termos de todas as conjunções que constituiriam os termos da disjunção complexa na qual o juízo particular afirmativo teria sido reformulado deveria ser atribuído o valor de verdade F. Pela definição tabular da função de verdade conjunção todas as conjunções teriam então que ser falsas e, por conseguinte, todos os termos da disjunção seriam falsos, pelo que, de acordo com a definição tabular da função de verdade disjunção, a expressão no seu conjunto seria falsa. Todavia, este resultado põe obviamente em causa a caracterização clássica da relação lógica existente entre os juízos universal afirmativo e particular afirmativo como sendo uma relação de subalternidade do segundo em relação ao primeiro. Com efeito, este caso mostra-nos que é possível apresentar um contra-exemplo no qual o juízo universal afirmativo é verdadeiro enquanto que o particular afirmativo correspondente não o é. Isto significa então que dizer-se, sem mais, que a verdade do primeiro é condição suficiente para a verdade do segundo constitui um erro.

3

O que acabou de se dizer acerca da forma como os juízos particulares afirmativos devem ser interpretados de acordo com a moderna teoria das funções de verdade traz uma outra consequência: a de que, debaixo das condições acima mencionadas, deixa de se poder dizer dos dois tipos de juízos particulares que não podem ser ambos falsos. Com efeito, no caso em que nenhum objecto do domínio goza da propriedade que constitui o sujeito de tais juízos, eles serão ambos falsos.

Se, por outro lado, tomarmos igualmente em consideração a também aristotélica teoria da conversão, constataremos que a legitimidade do que nela é dito a respeito da possibilidade de conversão dos juízos universais afirmativos fica igualmente ferida. Assim, deve ter-se já tornado claro que, no caso dos juízos universais afirmativos em que nenhum objecto do domínio satisfaz a propriedade que constitui o sujeito do juízo, aquilo que foi dito a propósito da oposição do seu valor de verdade e do juízo subalterno correspondente é da mesma forma válido para o juízo que resulta da conversão simples desse juízo subalterno ou da conversão per accidens do juízo universal do qual este último é subalterno, o que é o mesmo.

Como seria de esperar, a obtenção deste resultado não tem repercussões apenas na doutrina associada à quadrata formula. Mesmo deixando de lado as inovações subsequentes a Teofrasto, isto é, a aceitação da IV figura e, por conseguinte, a consideração como válidos dos chamados modos indirectos, as suas consequências no campo da silogística não deixam de se fazer sentir. Com efeito, o primeiro e o quarto modos da III figura — os silogismos DArAptI e FElAptOn — são por ele atingidos em pleno. Considere-se, por exemplo, o seguinte silogismo DArAptI:

Todos os lobisomens são aves
Todos os lobisomens são primatas
Logo, alguns primatas são aves

Na medida em que, no domínio de objectos sob consideração, não existam quaisquer lobisomens, ambas as premissas, à luz do que ficou anteriormente dito, seriam verdadeiras e, por conseguinte, a conclusão deveria igualmente ser considerada como tal. Ora, a interpretação desta conclusão no mesmo domínio de objectos mostra-nos, igualmente à luz do que ficou anteriormente dito, que ela consiste numa proposição falsa. O que acabou de ser referido obtém igualmente, como é óbvio, para o seguinte silogismo FElAptOn:

Nenhum lobisomem é um mamífero
Todos os lobisomens são primatas
Logo, alguns primatas não são mamíferos

Com efeito, tal como os seus correspondentes afirmativos, os juízos universal negativo e particular negativo deixam-se também interpretar num domínio finito de n objectos como, respectivamente, uma conjunção de n implicações e uma disjunção de n conjunções, pelo que este caso só acessoriamente difere do anterior.

Mas as consequências nefastas desta descoberta para a silogística de Aristóteles não se ficam por aqui. Com efeito, esta teoria foi concebida pelo seu autor de um modo praticamente axiomático. O papel que os axiomas desempenham numa moderna teoria axiomática é desempenhado na silogística pelos silogismos da I figura, cuja validade era considerada evidente por Aristóteles. Todos os outros modos das outras figuras são apresentados por ele como teoremas, isto é, como fórmulas demonstráveis a partir dos modos da I figura. As formas de inferência que ele usa para proceder a estas demonstrações são ou aquelas que são fornecidas pela sua própria teoria da conversão ou o chamado método da redução per impossibile3. Deste modo, a validade de todos os modos da II e da III figuras é apresentada como condição necessária da validade intuitivamente evidente dos quatro modos da 1.º figura.

É precisamente o facto acima mencionado que subjaz ao engenhoso “código genético” da silogística criado pelos lógicos medievais, o qual se encontra pela primeira vez claramente exposto no Tractatus de Pedro Julião de Lisboa, obra que, a partir dos sécs. XV/XVI, se tornou mais conhecida sob a designação de Summule Logicales4. Na realidade, o nome com que cada silogismo válido foi baptizado na Idade Média nada mais é que uma representação codificada do modo pelo qual esse mesmo silogismo pode ser reconduzido a um dado silogismo da I figura. Ora tomemos como exemplo a seguinte instância do silogismo DIsAmIs, isto é, do 2.º modo da III figura:

Alguns gregos habitam na Ásia Menor
Todos os gregos são europeus
Logo, alguns europeus habitam na Ásia Menor

O nome “DIsAmIs” compõe-se das seguintes partes: a parte vocálica e a parte consonântica. A primeira delas, fornecida pela série I,A,I, representa o tipo lógico de cada uma das proposições que formam o silogismo. Assim, a primeira destas proposições, isto é, a premissa maior, bem assim como a terceira, isto é, a conclusão, são proposições de tipo I, isto é, particulares afirmativas; a segunda, isto é, a premissa menor, é do tipo A, por conseguinte, universal afirmativa. A parte consonântica de “DIsAmIs” compõe-se da seguinte sucessão de letras: D,s,m,s. Ora, é precisamente esta sucessão consonântica que codifica o procedimento por intermédio do qual este silogismo é recondutível a um dado silogismo da I figura. A maiúscula inicial começa por referir o modo da I figura do qual o silogismo DIsAmIs se deixa derivar: trata-se do terceiro, isto é, do silogismo DArII, uma vez que a letra D é precisamente a 3.a consoante do alfabeto latino (deste modo, todos os nomes de todos os silogismos se iniciam, como seria de esperar, por uma das quatro primeiras consoantes do alfabeto latino: B,C,D ou F). As consoantes interiores são de três tipos: ou designam o processo da teoria da conversão por intermédio do qual a partir da proposição representada pela vogal que a precede no nome de que faz parte se obtém a proposição correspondente do silogismo da I figura (estão neste caso as consoantes s e p: a primeira para designar a conversão simples e a segunda para designar a conversão por limitação); ou designam uma consequência do uso desse mesmo processo, a saber, a alteração da ordem de ocorrência das premissas provocada pela inversão do papel dos termos maior e menor e, por conseguinte, das premissas maior e menor, decorrente da conversão da conclusão (está neste caso a letra m); ou designam um outro processo de demonstração que não o da teoria da conversão, nomeadamente, o da já mencionada redução per impossibile (simbolizado pela letra c). Regressando ao exemplo do silogismo DIsAmIs, o primeiro s refere a conversão simples por intermédio da qual a premissa maior deste silogismo pode ser reconduzida à premissa menor do silogismo correspondente do 3.º modo da I figura, o m interior refere a inversão da ordem inicial das premissas decorrente do facto de a conversão da conclusão ter alterado os papéis respectivos do termo menor e do termo maior e o s final refere a conversão simples por intermédio da qual a conclusão deste silogismo pode ser reconduzida à conclusão do silogismo da I0 figura de que é derivado. A instância do silogismo DArII à qual este silogismo DIsAmIs pode ser reconduzido é então a seguinte:

Todos os gregos são europeus
Alguns habitantes da Ásia Menor são gregos
Logo, alguns habitantes da Ásia Menor são europeus.

Acontece, porém, que, como vimos acima, o mesmo tipo de objecções que se levantam às inferências subalternas no caso em que nenhum dos objectos do domínio satisfaz a propriedade que constitui o sujeito do juízo universal pode ser estendido àqueles casos em que, pela teoria da conversão, se obtém, através de uma conversão per accidens ou por limitação, um determinado juízo particular afirmativo de um determinado juízo universal afirmativo com essas características. Atendendo a que as conversões por limitação constituem um importante instrumento na base do qual se estabelecem algumas das acima mencionadas relações entre silogismos da I figura e silogismos das outras figuras (por exemplo, entre FErIO e FElAptOn) começa agora a tornar-se evidente que a amplitude dos estragos causados no âmbito da silogística por esta descoberta vai bastante para além da reserva com que os silogismos DArAptI e FElAptOn teriam que passar a ser considerados.

É precisamente para se poder preservar a teoria aristotélica da dedução, obviando-se simultaneamente a este tipo de inconvenientes, que se decidiu adoptar a convenção de que a implicação na base da qual a relação de subalternidade se define não é uma implicação “tout court” mas antes uma implicação existencial, isto é, uma implicação que se verifica apenas debaixo da condição implicitamente pressuposta de que existe pelo menos um objecto do domínio sob consideração que satisfaz a propriedade que figura como sujeito dos juízos universais. É com este sentido que o termo “implicação existencial” é referido, por exemplo, no compêndio dos Kneale5.

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Se se fizer abstracção dos pressupostos teóricos que lhe estão subjacentes, pode estabelecer-se uma analogia entre o modo como Wittgenstein apresenta a teoria das funções de verdade de Frege no Tractatus Logico-Philosophicus e o modo como Apuleio dá conta da doutrina aristotélica do juízo predicativo categórico. Com efeito, assim como Apuleio, recorrendo à quadrata formula, consegue dar uma visão panorâmica da doutrina aristotélica, também as definições de Wittgenstein das funções de verdade por intermédio de tabelas de verdade, ao mesmo tempo que põem claramente em evidência a possibilidade de se atribuir um carácter puramente combinatório à lógica proposicional fregiana, configuram um enorme ganho de transparência na forma de apresentar o sistema de Frege.

Por intermédio do uso das tabelas de verdade torna-se intuitivamente claro que, para qualquer proposição complexa composta a partir de n proposições elementares, existem 26 grupos possíveis de possibilidades de verdade, grupos esses que, por sua vez, consistem, cada um deles, em cada uma das diferentes combinações possíveis das 2 possibilidades de verdade das n proposições elementares. Como é sabido, a consideração de todos os grupos possíveis de possibilidades de verdade mostra que há dois casos extremos: aquele em que a proposição é verdadeira para todas as combinações possíveis de possibilidades de verdade das proposições elementares e aquele em que a proposição é falsa para todas as combinações possíveis de possibilidades de verdade das proposições elementares. No primeiro caso, classifica-se a proposição como uma tautologia e, no segundo, como uma contradição. Ora, a construção de uma tabela de verdade constitui o método por excelência para identificar expressões tautológicas e contraditórias.

Mas, assim como as tabelas de verdade constituem um excelente método para tornar patente, de um modo puramente combinatório, quais as possibilidades de verdade de uma qualquer proposição complexa, existe igualmente um método combinatório que permite representar qualquer proposição por meio da apresentação disjuntiva da série de grupos de possibilidades de verdade conjuntivamente agrupadas para os quais a proposição no seu todo obtém o valor de verdade V. Nesta nova forma de apresentação das possibilidades de verdade de uma proposição, a atribuição do valor de verdade V a uma dada proposição elementar deixa-se representar pela variável proposicional que designa essa proposição elementar, enquanto que a atribuição do valor de verdade F a uma dada proposição elementar se deixa representar pela negação da variável proposicional que designa essa proposição elementar. A esta forma de apresentação das possibilidades de verdade de uma determinada proposição chama-se Forma Normal Disjuntiva Distinta (FNDD), dada, por um lado, a sua analogia com a habitual Forma Normal Disjuntiva, da qual, aliás, ela pode ser derivada sem o recurso a tabelas de verdade, e, por outro lado, o facto de cada função de verdade ter apenas uma FNDD. É precisamente esta última característica da FNDD que permite que ela seja utilizada para se proceder à distinção entre funções de verdade ou ao reconhecimento de diferentes expressões como representando a mesma função de verdade. Com efeito, duas expressões com a mesma FNDD são intersubstituíveis, isto é, representam a mesma função de verdade.

Para exemplificar o que ficou dito no parágrafo anterior, considere-se a seguinte expressão proposicional: (A & ~B) → (~A & B). A tabela de verdade da mesma apresenta o seguinte aspecto:

A B (A & ~B) → (~A & B)
V V V F F    V    F F V
V F V V V    F    F F F
F V F F F    V    V V V
F F F F V    V    V F F

Em virtude do que ficou anteriormente dito, a FNDD da função de verdade representada supra será: (A & B) ∨ (~A & B) ∨ (~A & ~B). Analogamente ao que sucede com as tabelas de verdade, também a Forma Normal Disjuntiva Distinta contempla os dois casos extremos atrás mencionados: aquele em que a proposição complexa por ela representada é sempre F, quaisquer que sejam os valores de verdade que se atribuam às variáveis que designam as proposições elementares que a compõem, e aquele em que a proposição que ela representa é sempre V, quaisquer que sejam os valores de verdade que se atribuam às variáveis que designam as proposições elementares que a compõem. No primeiro caso, a FNDD da proposição em causa é constituída por uma disjunção vazia, isto é, uma disjunção com 0 termos; no segundo caso, a FNDD da proposição em causa é constituída por uma disjunção cheia, isto é, uma disjunção com 26 termos, ou seja, toda a série de grupos possíveis de possibilidades de verdade conjuntivamente agrupadas. Entre a disjunção vazia e a disjunção cheia situam-se as disjunções a que poderemos chamar de parciais, uma vez que os seus termos são parte do conjunto dos termos que compõem a disjunção cheia atrás mencionada. O número de disjunções parciais de uma dada disjunção cheia, incluindo a disjunção vazia e a própria disjunção cheia, é assim de 22n. Repare-se que uma destas disjunções parciais é a disjunção singular, isto é, aquela que tem apenas um termo. Deste ponto de vista, uma expressão como, por exemplo, (A & ~B) pode ser encarada como uma disjunção complexa com um único termo. Em todo o caso, importante de reter por agora, é o facto de que a disjunção vazia representa a função de verdade contradição. Deste modo, uma das formas possíveis de representar a disjunção vazia é recorrer à expressão com que habitualmente se representa a contradição, isto é, a expressão (A & ~A).

A forma como a FNDD de uma dada proposição complexa preenche o espaço lógico determina de imediato a FNDD da negação da proposição complexa em causa: trata-se, como é óbvio, da disjunção complementar da disjunção dada, a qual tem como termos todas aquelas conjunções de atribuições de valores de verdade às variáveis proposicionais que fazem parte da disjunção cheia e não ocorrem na FNDD da proposição não negada. Evidentemente, se a FNDD que se tiver em consideração for a de uma tautologia, a sua disjunção complementar será a disjunção vazia; se for a FNDD de uma contradição, então a sua disjunção complementar será a disjunção cheia e, se não for nem a de uma nem a de outra, consistindo numa disjunção com k termos, a sua disjunção complementar será composta pelo número 2n-k daqueles termos que fazem parte da disjunção cheia e não fazem parte da FNDD mencionada. É o caso da função de verdade cuja tabela de verdade foi apresentada acima a título exemplificativo: a disjunção complementar da sua FNDD é constituída pela disjunção singular (A & ~B).

Ora, usando a disjunção complementar da FNDD de uma dada proposição, é possível obter igualmente a Forma Normal Conjuntiva Distinta (FNCD) da mesma. O processo de obtenção da FNCD a partir da FNDD consiste no uso da dupla negação: na medida em que a negação de uma dada FNDD é a sua disjunção complementar, a negação formal dessa disjunção complementar dar-nos-á a FNCD da proposição não negada. Deste modo, pode facilmente verificar-se que a FNCD de uma tautologia, sendo a negação formal da disjunção complementar da FNDD da tautologia, isto é, da disjunção vazia, será uma conjunção vazia. Conversamente, a FNCD de uma contradição, sendo a negação formal da disjunção complementar da FNDD da contradição, isto é, da disjunção cheia, será a conjunção cheia6.

Assim como se pode considerar que a FNDD de uma dada proposição apresenta sob forma alternativa aquelas possibilidades de verdade conjuntivamente agrupadas que possibilitam que a proposição no seu todo adquira o valor de verdade V, também se pode considerar que a FNCD dessa mesma proposição apresenta sob forma cumulativa aquelas condições cujo preenchimento é necessário para que essa proposição seja verdadeira. O facto de a FNCD de uma tautologia ser a conjunção vazia mostra-nos precisamente que esta proposição não tem quaisquer condições de verdade, uma vez que é incondicionalmente verdadeira; a FNCD de uma contradição, isto é, a conjunção cheia, mostra-nos, por seu lado, a impossibilidade de que esta proposição seja verdadeira, uma vez que estabelece condições de verdade cujo preenchimento é contraditório entre si. Usando a terminologia de Wittgenstein, a FNCD da tautologia e a da contradição mostram precisamente que a tautologia deixa à realidade todo o espaço lógico, isto é, permite todos os estados de coisas possíveis, enquanto que a contradição enche todo o espaço lógico, não deixando qualquer ponto à realidade, isto é, nenhum estado de coisas é por ela permitido7. No caso que temos vindo a usar como exemplo, a FNCD da proposição que nele é apresentada é constituída pela expressão (~A ∨ B). A única condição de verdade que esta FNCD expressa é assim a de que, se a proposição elementar referida pela variável proposicional A tiver o valor de verdade V, então a proposição elementar designada pela variável proposicional B terá igualmente que ter o valor de verdade V. Consultando a tabela de verdade supra constatar-se-á que, em consonância com esta condição de verdade, o único caso de falsidade que nela aparece é aquele em que A é V e B é F.

Todavia, o importante por agora é, tal como se fez acima, reter que a conjunção vazia representa a função de verdade identicamente verdadeira. E que, assim como a disjunção vazia admite ser representada pela expressão (A & ~A), também a conjunção vazia admite ser representada pela expressão (A ∨ ~A).

5

Como é sabido, a linguagem do Cálculo de Predicados tem sobre a linguagem do Cálculo Proposicional a enorme vantagem de permitir a inserção do conteúdo das proposições no próprio cálculo. Foi aliás por isso mesmo que Frege considerou o primeiro como uma verdadeira lingua characterica do pensamento puro, em oposição ao estatuto de simples calculus ratiocinator que, do seu ponto de vista, o Cálculo Proposicional teria. É precisamente esta sua característica que o torna apto para exprimir de uma forma conceptualmente rigorosa a teoria aristotélica da inferência. Vimos já nos pontos anteriores como é que as proposições declarativas categóricas aristotélicas se deixam traduzir usando a notação que caracteriza o Cálculo de Predicados. Vimos igualmente como é que essas expressões se deixam interpretar em domínios finitos de n objectos. O que é crucial na efectivação dessas interpretações é que a ocorrência nessas expressões dos sinais de quantificação associados a variáveis ligadas se deixa substituir por conjunções de n termos, no caso do quantificador universal, e por disjunções de n termos, no caso do quantificador existencial, onde apenas surgem letras predicativas associadas a constantes individuais, as quais se comportam na nova expressão como variáveis proposicionais que ou preenchem todo o termo da conjunção, respectivamente, disjunção, ou surgem neles como argumentos de funções de verdade. O substrato conceptual subjacente a essas interpretações reside no facto de que, no contexto de um domínio finito de objectos, fazer uma afirmação de generalidade significa afirmar, para cada objecto em particular do domínio, a verdade de um mesmo esquema proposicional, enquanto que fazer uma afirmação de existência no mesmo contexto significa afirmar a verdade de um dado esquema proposicional para pelo menos um objecto do domínio.

Ora, a possibilidade de se efectuar esta interpretação de expressões da lógica predicativa em termos de lógica proposicional traz como consequência que aquilo que ficou dito na secção anterior tem agora que ser levado em conta. Considere-se com efeito a seguinte fórmula universalmente válida do Cálculo de Predicados: (∀x) A(x) → (∃x;) A(x). Esta fórmula deriva-se facilmente por dedução em cadeia de duas fórmulas de fundo do mesmo cálculo: (∀ x) A(x) → A(a), que habitualmente se designa pela expressão latina Dictum de Omni e cujo conteúdo conceptual pode ser expresso em linguagem vulgar pela expressão “o que obtém para todos os indivíduos do domínio obtém para um desses indivíduos em particular”, e A(a) → (∃ x) A(x), que habitualmente se designa por Generalização Existencial e cujo conteúdo conceptual pode ser expresso em linguagem vulgar pela expressão “o que obtém para um dado indivíduo do domínio obtém para pelo menos um indivíduo desse domínio”.

Em função do que ficou anteriormente dito, a fórmula (∀ x) A(x) → (∃ x) A(x) deixa-se interpretar num domínio finito de n objectos como uma implicação em que antecedente e consequente consistem, respectivamente, numa conjunção com n termos e numa disjunção com n termos, cujo aspecto será o seguinte: A(a) & A(b) &...& A(n) → A(a) ∨ A(b) ∨...∨ A(n). Para que esta expressão no seu conjunto não possa ser falsa é então necessário, dada a definição tabular da função de verdade implicação, que não se dê o caso de o antecedente poder ser verdadeiro enquanto que o consequente é falso. À primeira vista, esta condição está obviamente satisfeita. De facto, ou os objectos do domínio sob consideração satisfazem todos o predicado A, caso em que tanto o antecedente como o consequente terão o valor de verdade V, uma vez que todos os termos da conjunção e todos os termos da disjunção assumirão o valor de verdade V, tendo, por conseguinte, a implicação o valor de verdade V, ou algum ou nenhum dos objectos do domínio satisfaz a propriedade A, caso em que ou alguns dos termos tanto da conjunção como da disjunção terão o valor de verdade F ou todos o terão; em ambas estas hipóteses, de acordo com a definição tabular da função de verdade conjunção, o valor de verdade do antecedente da implicação será F, pelo que a implicação no seu conjunto obterá o valor de verdade V. Todavia, esta verificação, de aspecto aparentemente trivial, não é exaustiva. Com efeito, ela deixou um caso de fora. Trata-se do caso em que o domínio no qual a expressão é interpretada é vazio, isto é, o caso em que n = 0. Ora, quando n = 0, a interpretação proposicional da expressão predicativa sob consideração será uma implicação em que o antecedente consiste numa conjunção vazia e o consequente consiste numa disjunção vazia. Como vimos no ponto anterior, em termos de lógica proposicional a conjunção vazia representa a tautologia enquanto que a disjunção vazia representa a contradição. Adoptando as formas de representação da conjunção vazia e da disjunção vazia atrás enunciadas, esta implicação admite ser representada por intermédio de uma expressão do género (A ∨ ~A) → (A & ~A). Logo, quando n = 0, a interpretação desta fórmula facilmente derivável no Cálculo de Predicados leva-nos à obtenção de uma contradição. Ora, uma fórmula do referido Cálculo é considerada universalmente válida quando a sua interpretação num qualquer domínio de objectos dá sempre origem a uma tautologia. Parece assim termos esbarrado com uma inconsistência.

É precisamente para se poder evitar a inconsistência acima mencionada que alguns autores introduzem, no contexto do Cálculo de Predicados, um novo conceito de implicação existencial: trata-se da exigência segundo a qual um juízo universal verdadeiro do género do acima referido tem que o ser para pelo menos um objecto; esta exigência, por sua vez, decorre da exigência mais geral de que o domínio no qual o número de objectos é 0 não seja tomado em linha de conta para a tomada de decisão acerca da validade universal das expressões do Cálculo. É com este sentido que a expressão “implicação existencial” é usada no compêndio de M.S. Lourenço8.

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Para concluir esta destrinça entre os dois conceitos que são designados pelo termo “implicação existencial” podemos então afirmar que, fora do contexto da doutrina aristotélica da inferência, onde não há que salvaguardar a integridade do quadrado da oposição ou da silogística, um juízo universal afirmativo em que nenhum objecto do domínio tenha a propriedade que constitui o sujeito desse mesmo juízo é considerado, após interpretação num domínio finito de objectos, como verdadeiro; concomitantemente, um juízo particular afirmativo é, no mesmo contexto, considerado como falso. Obviamente, neste contexto, não se pode considerar que exista uma relação de subalternidade entre as proposições declarativas categóricas de tipo I e as de tipo A. Repare-se que, no contexto da doutrina aristotélica da inferência, a admissão principial de domínios vazios não traria quaisquer consequências. Com efeito, a interpretação de um juízo universal afirmativo nestas condições consistiria, dada a possibilidade de reconduzir a função de verdade implicação à função de verdade disjunção, numa conjunção de disjunções vazias, isto é, numa conjunção cujos termos teriam todos o valor de verdade F, o que, obviamente, levaria a que à expressão em causa tivesse que ser atribuído o valor de verdade F. A relação de subalternidade entre os juízos de tipo I e de tipo A não seria por isso posta em causa. Conversamente, no contexto do Cálculo de Predicados, não há qualquer problema em admitir para uma expressão do género (∀ x) A(x) → (∃ x) A(x) que a propriedade A seja tal que não obtenha para qualquer objecto de um dado domínio, uma vez que, nessas circunstâncias, o antecedente da implicação seria falso, o que garantiria desde logo a verdade no mesmo domínio da expressão no seu conjunto, não ficando assim comprometida a validade universal da mesma. Só no caso do domínio ser vazio é que essa validade ficaria comprometida, pelo que se aceita tacitamente que uma implicação em que o antecedente é um juízo universal deste tipo não pode ser interpretada num domínio vazio de objectos.

Uma das formas possíveis de evitar a subsistência da confusão mencionada no início deste artigo é deixar de usar a designação implicação existencial para referir um dos dois conceitos atrás analisados. Caso se elegesse esta opção para, por exemplo, o segundo caso, a questão que se poria seria então apenas a de escolher uma nova designação suficientemente adequada para rebaptizar uma das consequências da exigência de exclusão do domínio de objectos vazio do âmbito das possibilidades de interpretação de fórmulas do Cálculo de Predicados. Mas como nem sempre é possível evitar que a expressão mais adequada para designar dois conceitos diferentes seja a mesma, o método mais seguro para escapar à confusão é ainda aquele que Pascal recomenda na sua apresentação clássica do método demonstrativo9, a saber, o de, em todas as circunstâncias, efectuar mentalmente o movimento contrário àquele que a conveniência de concisão do discurso exige, ou seja, substituir o definido pela sua definição, tendo sempre esta última presente em todos os usos e ocorrências daquele.

António Zilhão
Argumento (Vol. III, N.os 5/6, 1993)

Notas

  1. Toda a informação relevante acerca de Apuleio aqui usada é extraída do excelente artigo de W.L. GOMBOCZ, “Apuleius is better still: A Correction to the square of opposition [De Interpretatione 180,19-181,7 Thomas]” in Mnemosyne, vol. XLIII, Fasc. 1–2 (1990), pp. 124-131.
  2. Cf. a este respeito W. e M. KNEALE, O Desenvolvimento da Lógica, Gulbenkian, Lisboa, 1980, p.215.
  3. O método da redução per impossibile consiste na suposição da falsidade da conclusão e, por conseguinte, de uma das premissas, de um silogismo da I figura. Na base desta suposição, e usando simplesmente o princípio da não-contradição, obtém-se um silogismo de uma nova figura, o qual, combinando a proposição contraditória da conclusão suposta falsa com a premissa suposta verdadeira, terá como conclusão a proposição contraditória da premissa suposta falsa. Leibniz demonstrou posteriormente que todos os modos da II e III figuras se deixam derivar por este processo e que a teoria da conversão, por sua vez, é derivável destas figuras e da lei da identidade. Segundo ele, Aristóteles teria incorrido num erro de hysteron proteron, isto é, de reversão, na medida em que teria demonstrado o mais primitivo à custa do menos primitivo; cf. G. W. LEIBNIZ, Nouveaux Essais sur l’Entendement Humain, Livro IV, Cap. II, '1 e “Of the Mathematical Determination of Syllogistic Forms” in Leibniz: Logical Papers, selecção, tradução, edição e introdução de G. H. R. Parkinson, Clarendon Press, Oxford, 1966, pp. 105-111.
  4. Para uma informação mais detalhada a este respeito ver: L. M. DE RIJK, Peter of Spain (Petrus Hispanus Portugalensis) TRACTATUS called afterwards SUMMULE LOGICALES. First Critical Edition from the Manuscripts with an Introduction, Van Gormm & Comp. B.V., Assen, 1972.
  5. Cf. W. e M. KNEALE, idem, pp. 60/61.
  6. Cf. D. HILBERT e P. BERNAYS, Grundlagen der Mathematik I, Springer-Verlag, Berlim, 1968, p.57.
  7. Cf. L. WITTGENSTEIN, Tractatus Logico-Philosophicus, 4.461 e 4.462.
  8. Cf. M.S. LOURENÇO, Teoria Clássica da Dedução, Assírio & Alvim, Lisboa, 1991, pp. 209-210 e 214.
  9. Cf. B. PASCAL, “De l’Esprit Géométrique et de l’Art de Persuader” (1658) in Oeuvres Complètes, ed. p. J. Chevalier, Gallimard, Paris, 1954.
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