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9 de Setembro de 2004   Filosofia política

A revolução americana

José Barros
A Revolução Federal: Filosofia Política e Debate Constitucional na Fundação dos E.U.A.
de Viriato Soromenho-Marques
Lisboa: Edições Colibri, 2002, 196 pp.

A Revolução Americana de 1787, em particular, e a história americana, em geral, têm merecido pouca ou nenhuma atenção por parte das editoras nacionais e dos investigadores portugueses nas áreas das ciências humanas e das humanidades. Tal facto causa perplexidade num tempo em que os Estados Unidos dominam o mundo nos planos económico, militar e cultural, mas não deixa de ser compreensível se atendermos à influência esmagadora que o pensamento continental teve no último século em Portugal e que marca ainda os programas na maior parte das cadeiras dos cursos de humanidades no nosso país. Que ainda se mantenham os mesmos hábitos e as mesmas influências nas nossas universidades é um anacronismo que nos mantém atrasados face a outros países europeus.

Um dos investigadores na área da filosofia política que mais tem contribuído para alterar este panorama nada animador tem sido Viriato Soromenho-Marques, conhecedor que é das obras dos mais influentes pensadores políticos ingleses e americanos e estudioso entusiasmado da Revolução Americana e do seu contributo para o pensamento político contemporâneo. O livro A Revolução Americana: Filosofia Política e Debate Constitucional na Fundação dos E.U.A procura traçar as origens do federalismo até ao período da formação dos Estados Unidos e do debate constitucional, de 1770 a 1790, tentando mostrar não só os méritos da solução federal encontrada pelos pais fundadores da democracia americana, como também as contradições internas do sistema americano que resultaram no conflito sangrento entre os estados do norte e os estados sulistas defensores da Secessão na Guerra Civil americana, 1861–1865.

A luta permanente entre o Governo da União e os vários governos estaduais é um dos aspectos mais marcantes da história americana. Tal conflito latente é ainda fonte de discussões políticas acaloradas entre políticos e estudiosos americanos, não deixando de constituir uma espécie de premonição do que irá suceder na União Europeia quando o Federalismo fizer o seu caminho no seio dessa organização. Soromenho-Marques, entusiasta de tal solução, realça a importância que o sistema encontrado teve no desenvolvimento da democracia americana, conferindo aos cidadãos o estatuto da dupla pertença tanto aos Estados como à União e possibilitando um justo equilíbrio entre aqueles e esta assente no respeito pela Constituição Americana e pelas decisões do Supremo Tribunal Americano. Nesse sentido, a Constituição americana constituiu sempre um documento imprescindível para a resolução pacífica dos conflitos internos e o Supremo Tribunal Americano o órgão por excelência defensor dos direitos inalienáveis dos cidadãos americanos. O republicanismo da Constituição permitiu igualmente aos cidadãos participarem da vida política, garantindo-lhes protecção contra eventuais coerções por parte tanto do Governo da União como dos governos estaduais.

A Revolução Americana constitui, pois, um acontecimento de enorme importância para a Modernidade, ao originar a primeira democracia, simultaneamente federal e republicana, bem-sucedida. Soromenho-Marques aponta com mestria o significado universal da Revolução Americana, sem cair no facilitismo de não lhe apontar os vícios, como sejam a manutenção da escravatura nos estados sulistas até meados do século XIX e a quase perpetuação da segregação racial, só abolida nos anos sessenta do último século.

No que o trabalho de Soromenho-Marques falha é na explicação de como o federalismo poderá ser uma boa opção para solução dos problemas políticos que o mundo enfrenta. Não se vislumbra na obra qualquer argumento sólido que mostre a ligação entre esse sistema político e a solução, por exemplo, dos problemas do ambiente ou das guerras que assolam o planeta, embora tal seja sustentado pelo autor em inúmeras passagens. Falta também mostrar as possíveis ligações entre o federalismo americano e uma possível solução federal para os países da União Europeia. Esperemos que nos seus próximos trabalhos Soromenho-Marques possa atar as pontas soltas desta obra.

No geral, a obra do investigador português oferece uma excelente introdução à Revolução Americana, num texto acessível e agradável. Tal é de saudar (conceda-se aqui também parte do mérito à editora Colibri responsável pela publicação da obra), conhecendo-se as enormes lacunas das nossas livrarias e bibliotecas a este nível. Esperamos que outros lhe sigam o exemplo e sejam capazes de trazer às universidades portuguesas o melhor do que se produz no estrangeiro a nível da filosofia política, área demasiado ignorada nos nossos departamentos. Refira-se, por último, a louvável intenção do autor de publicar a sua tradução de Federalist Papers, obra maior do pensamento político americano. Esperamos ansiosos pela publicação desses textos.

José Barros

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ISSN 1749-8457