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Crítica
12 de Março de 2010   Estética

Música

Robert Sharpe
Tradução de Vítor Guerreiro

Embora possamos encontrar escritos filosóficos sobre música que remontam a Platão e Aristóteles, e a discussão por parte de filósofos que não se situam na tradição analítica, como Schopenhauer, Adorno e Nietzsche, os problemas filosóficos que hoje identificamos como aqueles que abrangem a estética da música tiveram pela primeira vez um tratamento clássico com o crítico vienense Eduard Hanslick. Embora o seu tratamento não seja sempre lúcido, e continue a ser objecto de debate o que Hanslick queria dizer, parece razoavelmente claro que o seu alvo primário era uma concepção romântica que subsequentemente se tornou conhecida como a teoria expressionista da arte, de que a beleza na música depende da representação ou expressão rigorosa dos sentimentos do compositor. (As teorias expressionistas sustentam caracteristicamente que um estado psicológico do artista é comunicado ao ouvinte por meio da obra.) De maior importância filosófica nas suas objecções é a afirmação de que há um elemento cognitivo nos sentimentos de esperança, raiva, etc. Há um juízo envolvido que pode ser um componente necessário na individuação de um sentimento particular. A música não tem esse elemento de juízo. O autor inglês Edmund Gurney, num volumoso e deambulante livro, The Power of Sound, desenvolveu, ao que parece independentemente, uma linha de crítica paralela. Ambos dão ênfase à relação solta entre a música e as descrições expressivas que fazemos dela. Ambos são considerados formalistas que acreditam que o valor da música está na beleza dos seus padrões e não no seu poder expressivo.

A estética da música floresceu desde a década de 1980. O debate sobre como a música pode ser apropriadamente descrita como “triste” ou “exuberante” prosseguiu a bom ritmo. A perspectiva mais amplamente adoptada é provavelmente a de que é a própria música que é triste, e não o compositor, o ouvinte ou o executante, e que descrevemos a música deste modo por causa do modo como a música se move, por causa do seu ritmo ou a sua angularidade ou ainda pelas suas linhas. Todavia, esta ortodoxia foi desafiada por uma série de autores, que argumentaram que a música triste tem uma tendência para deixar o ouvinte triste, uma posição que se tornou conhecida como “evocacionismo”.

Tem havido muita discussão filosófica recente do que é algo ser uma obra musical. O debate tem ocorrido em grande medida entre platónicos, como Peter Kivy, e outros. Os platónicos tendem a argumentar que a obra de música é um padrão sonoro abstracto que é descoberto, e não criado, pelo seu compositor. É justo afirmar que o centro da controvérsia aqui é como devemos compreender a criatividade do compositor: será que cria ex nihilo, ou encontra-se mais na posição do grande e inovador cientista cujo génio lhe permite ver o que outros não conseguiram? Um platonismo mais moderado, como o de Jerrold Levinson, aceita que a obra a musical é um padrão abstracto ou um tipo do qual as suas execuções ou interpretações são espécimes, mas que é um tipo criado por um compositor. Recentemente, tem havido uma maior compreensão de como o conceito de obra musical é ele próprio um fenómeno histórico que se desenvolveu à medida que a sala de concertos se tornou no equivalente sónico da galeria de arte ou do museu, um lugar onde as obras podem ser exibidas através da execução. Deste modo, tornou-se norma uma distinção profunda entre obra e execução, com a noção de fidelidade à obra a ganhar o primeiro plano.

Consequentemente, os filósofos interessaram-se cada vez mais por um conceito que tem sido central para a execução musical no último meio século, a noção de “execução genuína” ou, como hoje por vezes se lhe chama, a “execução historicamente informada”. O debate é bastante complicado. Devemos tentar recriar o som que o compositor teria ouvido ou o efeito que a sua música teve nos primeiros ouvintes? Temos o dever moral perante o compositor de apresentar a sua obra do modo como este o desejou? Devíamos dar prioridade à tradição de executar a obra, incorporando as ideias sagazes de gerações de intérpretes?

Há também um interesse crescente na ontologia da música fora da tradição clássica ocidental, como o jazz, o rock, e a música do mundo. Ponderando todos os factores, a estética da música é presentemente o ramo mais vigoroso da filosofia das artes.

Robert Sharpe
Oxford Companion to Philosophy, ed. Ted Honderich (Oxford: Oxford University Press, 2005)

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