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7 de Outubro de 2009   Metafísica

Introdução à metafísica das propriedades

Rodrigo Alexandre de Figueiredo

Apresento nestas páginas o problema filosófico das propriedades. Começo por determinar o problema que está em causa para depois explorar algumas alternativas teóricas que procuram solucioná-lo.

O problema

Para mostrar qual é o problema, podemos, pré-teoricamente, fazer uma distinção entre entidades universais e particulares. Os chamados “universais” são de dois tipos: propriedades e relações. Os particulares são também de dois tipos: concretos e abstratos. As propriedades são os atributos, os aspectos, as características ou as qualidades que os particulares têm ou instanciam. Por exemplo, o particular Sócrates instancia1 as propriedades de ser humano, de ser sábio, entre outras. As relações, por sua vez, são as entidades que resultam da interação entre particulares. Por exemplo, a frase “Sócrates é o mestre de Platão” representa a relação ser mestre de que ocorre entre os particulares Sócrates e Platão.

Parece que todos concordam que há propriedades (e relações), isto é, que os particulares têm características. O problema, a que podemos chamar problema dos universais, é saber se uma mesma propriedade está em diferentes particulares (e no caso das relações, se uma mesma relação está em diferentes particulares), ou seja, se uma mesma propriedade está “espalhada” por vários particulares, ou se, pelo contrário, a propriedade de cada particular é ela mesma particular, não estando presente em qualquer outro particular. Este é o problema acerca da semelhança qualitativa detectada em diversos particulares que são numericamente diferentes. Por exemplo, Sócrates e Platão são dois particulares diferentes, mas possuem as propriedades de serem sábios, humanos e filósofos. As perguntas que se fazem são: As propriedades têm a mesma natureza que as suas instâncias? Isto é, são elas particulares como os particulares que as possuem?

Temos de notar aqui que “problema dos universais” é uma má designação para o problema em causa; isso porque falar em universais já é uma tentativa de responder ao problema — uma tentativa realista. Mas, porque essa é a designação canônica, continuarei a usá-la, ciente do problema terminológico que envolve.

O problema dos universais pode ser dividido em dois, um de caráter linguístico e outro metafísico. O problema linguístico é referente ao fato de dois particulares diferentes receberem a mesma descrição. Por exemplo, ao fazermos uma descrição de Sócrates e Platão designamos ambos com os predicados “sábio” e “humano”, entre outros. O problema aqui é explicar como funciona a predicação — a aplicação de predicados a nomes, como em “Sócrates é sábio”, ou a aplicação de predicados a termos abstratos singulares, como em “A sabedoria é uma virtude”.

Mas o problema que parece ser central na discussão acerca das propriedades é o metafísico. Podemos formulá-lo por meio de duas perguntas, como sugere Keith Campbell (apud, Oliver, 1996, p. 48):

  1. Considerando um objeto vermelho, podemos perguntar: o que tem este objeto em virtude do qual é vermelho?
  2. Considerando dois objetos vermelhos, podemos perguntar: o que têm estes dois objetos em virtude do qual são ambos vermelhos? Será que aquilo que faz vermelho o primeiro objeto é o mesmo que faz vermelho o segundo objeto? Ou são coisas diferentes, mas idênticas qualitativamente, ou em outras palavras, coisas completamente semelhantes a ponto de serem indiscerníveis, que fazem vermelhos os dois objetos?

O problema metafísico, de modo geral, consiste em saber qual é o fundamento das propriedades das coisas. Um aspecto dessa discussão é a questão de saber se as propriedades são particulares ou universais. Aqui o problema não é acerca da aplicação de termos como no problema linguístico, mas sim acerca da própria natureza das coisas.

As alternativas teóricas

Há duas posições centrais que procuram solucionar o problema em causa: a realista e a nominalista, cada uma delas com variantes. De uma forma geral, o realista defende três ideias básicas:

  1. Há objetos reais,
  2. Esses objetos existem independentemente de nosso conhecimento deles, e
  3. Tais objetos têm propriedades e estão em determinadas relações universais, que não dependem de nosso pensamento ou linguagem.

O antirrealista, por outro lado, rejeita uma ou mais destas três teses. Em relação ao problema dos universais, o antirrealista é o nominalista; este rejeita pelo menos a tese 3.

Desta forma, o defensor do realismo procurará admitir que uma mesma propriedade pode ser instanciada por dois ou mais particulares, num só momento do tempo ou em diversos momentos do tempo, e também que um único particular pode instanciar várias propriedades, num só momento do tempo ou em diversos momentos do tempo. Os problemas internos ao realismo quanto à natureza dessas entidades surgem quando os seus defensores procuram explicar onde estão as propriedades (e também as relações) e de que forma tais entidades se relacionam com os particulares. Esta divergência é protagonizada pelos chamados platônicos e aristotélicos.

Os primeiros defendem que os universais não têm qualquer localização espaciotemporal; entendem que os universais têm uma existência independente dos particulares que os instanciam. Por exemplo, a propriedade de ser humano de Sócrates e Platão tem uma existência completamente independente desses e de todos os outros indivíduos que a instanciam.

Já os aristotélicos procuram estabelecer, em alguma medida, uma localização espaciotemporal para os universais; os universais estão nas suas instâncias, que são os particulares. Para esses, os universais não são completamente independentes dos particulares que os instanciam e não há universais não instanciados. Se não existissem particulares, como Sócrates e Platão, que instanciassem a propriedade de ser humano, não haveria de todo a propriedade de ser humano.

As duas teorias têm vantagens e desvantagens. A principal vantagem da teoria platônica é que, à primeira vista, não tem problemas com a ideia de uma entidade universal espalhada por vários lugares ao mesmo tempo. Isso porque desse ponto de vista os universais não têm localização espaciotemporal. Todavia, os platônicos têm o problema de explicar onde estão estes universais não espaciotemporais e qual é o seu papel, dado que, por serem completamente abstratos, não parecem poder fundamentar as relações entre os particulares — por exemplo, a relação causal, que parece um papel interessante para os universais desempenharem. Em contraste, a teoria aristotélica pode ser vantajosa na medida em que localiza os universais nos próprios particulares e também porque fundamenta mais facilmente as relações entre os particulares a partir dos seus universais. Porém, esta teoria encontrará grandes problemas ao tentar explicar a presença de uma entidade universal em diferentes lugares ao mesmo tempo.

A teoria aristotélica, que de início pode parecer mais plausível, acaba por encontrar muitos problemas. Dois deles, além do anteriormente citado, são os seguintes:

  1. As propriedades e as relações não instanciadas podem ser úteis em algum trabalho filosófico; porém, os aristotélicos rejeitam-nos, dado que eles não têm instâncias. Por exemplo, para o aristotélico, se não há algo que seja Pégaso, então não há a propriedade de ser Pégaso. O problema aqui é saber qual é a referência destas propriedades que não existem no mundo atual, mas com as quais construímos frases com sentido.
  2. Pode ser preciso admitir que os objetos abstratos têm propriedades e relações, porém, não têm localização espaciotemporal e, portanto, não podem, a princípio, instanciar os universais aristotélicos.

2 parece um grande problema. Isso porque se admitimos entidades abstratas, como os números,2 podemos estar comprometidos com a existência das suas propriedades. Por exemplo, se admitimos que há algo como o número 2, estaremos comprometidos com as suas propriedades de ser um número par e de ser um número primo, propriedades estas que não podem ter localização espaciotemporal — só poderiam ter localização espaciotemporal se o próprio número 2 também a tivesse, coisa que não tem. Os platônicos não enfrentam estes problemas enfrentados pelos aristotélicos; as suas entidades universais parecem passar ilesas por 1 e 2.

Cientes das dificuldades enfrentadas pelos realistas, a posição denominada “nominalismo” rejeita a distinção tão cara aos realistas entre universais e particulares. Filósofos que defendem esta posição argumentam a favor da ideia de que existem apenas entidades particulares. Alguns nominalistas propõem alternativas para a questão de atributos semelhantes nas quais procuram não fazer referência a entidades universais. Estes tomam a semelhança como uma noção primitiva, na qual a investigação termina. A objeção a esse tipo de nominalismo é que pressupõe o universal da semelhança, uma vez que a semelhança entre duas coisas brancas não parece substancialmente diferente da semelhança entre duas outras coisas brancas. Outros nominalistas negam a necessidade de uma investigação acerca de tais atributos, defendendo que o fato de os indivíduos terem atributos é irredutível, não sendo susceptível de uma análise ontológica; esta última posição é defendida por Quine (1953).

O nominalismo de classes é outra forma de nominalismo, que tenta admitir classes de particulares, identificando-as com aquilo a que os realistas chamam propriedades. Por exemplo, a propriedade de ser sábio é apenas a classe das pessoas sábias. Este seria um nominalismo moderado, que admite a existência de pelo menos uma categoria de entidades abstratas: as classes. Há posições nominalistas mais radicais, a ponto de não admitir qualquer tipo de entidade abstrata.

O nominalismo de classes toma as propriedades como uma construção metafísica3 a partir destas classes. Os particulares, por outro lado, são entidades sui generis, não derivadas de quaisquer outras entidades. Por exemplo, aquilo a que o realista chama propriedade de ser sábio ou sabedoria, o que o realista pensa que é uma entidade sui generis, será para o nominalista de classes algo construído a partir da classe de pessoas sábias, sendo genuína apenas cada pessoa à qual se aplica o predicado “sábio”.

Um problema que este tipo de nominalismo vai enfrentar é determinar como se faz a classificação em classes, principalmente em relação a classes naturais como a classe dos seres humanos. Por exemplo, o nominalista de classes não explica o fato de um indivíduo humano pertencer à classe dos humanos; ele tomará o fato de um humano pertencer à classe de humanos como primitivo.

Um dos argumentos mais comuns utilizados pelos nominalistas contra os realistas, tentando mostrar a incoerência destes, é de que as posições realistas estão sujeitas a regressão viciosa. O fato de uma propriedade poder instanciar outra propriedade leva ao realista a essa regressão. Por exemplo, temos a propriedade de ser honesto; esta propriedade exemplifica outra propriedade, a propriedade de ser uma virtude; a propriedade de ser uma virtude exemplifica a propriedade de ser uma propriedade, que por sua vez exemplifica a propriedade de ser uma propriedade, e assim por diante. Uma possível resposta do realista é defender que tal regressão não é viciosa, havendo propriedades e relações de ordens diferentes. Por exemplo, a propriedade de ser honesto seria de primeira ordem, na medida em que é uma propriedade de um particular, enquanto a propriedade de ser uma virtude seria uma propriedade de segunda ordem, pois é uma propriedade de uma propriedade de primeira ordem, e assim sucessivamente.

Contra a noção de que há propriedades de ordens diferentes o nominalista poderá argumentar a favor da ideia de que há alguma confusão nessa distinção feita pelos realistas. Por exemplo, a propriedade de ser virtuoso tanto pode ser uma propriedade de primeira ordem, quanto uma propriedade de segunda ordem: é uma propriedade de primeira ordem quando dizemos que Sócrates é virtuoso, e será uma propriedade de segunda ordem quando dizemos que a humildade é uma virtude. Mas a resposta realista é que não é possível ser virtuoso sem ter determinadas virtudes, como a humildade, a bondade, etc. Assim, quando dizemos que Sócrates é virtuoso estamos dizendo que Sócrates tem uma ou mais virtudes, mas não que ele seja virtuoso independentemente de qualquer outra coisa que tenha a propriedade de ser uma virtude, como parece sugerir a objeção nominalista. O mesmo ocorre com a propriedade de ser uma cor. Um objeto não pode ter a propriedade de ter cor sem ter uma propriedade que tem a propriedade de ser uma cor, como o azul, o vermelho, etc.

Um argumento apresentado por Quine contra as propriedades universais diz respeito às suas condições de identidade. O argumento é o seguinte. As propriedades são mais limitadamente individuadas do que os conjuntos de objetos atuais. As condições de identidade dos conjuntos são dadas a partir do axioma da extensionalidade: o conjunto X é idêntico ao conjunto Y se, e somente se, X e Y têm os mesmos membros. Dão-se assim as condições de identidade dos conjuntos em termos de membros de conjunto. Porém, quem defende a existência de propriedades universais afirma que duas propriedades diferentes podem ter exatamente as mesmas instâncias (as propriedades de ser selenita e de ser marciano, nenhuma delas tendo instâncias, aplicam-se vacuamente aos mesmos particulares, mas são diferentes; e a propriedade de ser uma criatura com rins, para usar o exemplo do próprio Quine, e de ser uma criatura com coração, apesar de serem propriedades claramente diferentes, aplicam-se precisamente aos mesmos animais). Assim, Quine conclui que as condições de identidade dos conjuntos são claras, pois o axioma da extensionalidade o garante. Já as condições de identidade das propriedades são obscuras, o que é um motivo para rejeitarmos tais entidades. As condições de identidades das propriedades são obscuras pelo seguinte: para darmos condições de identidade às propriedades precisamos de noções que envolvem modalidades (como a equivalência necessária) ou significado (como a analiticidade ou a sinonímia). Por exemplo, a propriedade de ser F e a propriedade de ser G são idênticas se, e somente se, F é necessariamente equivalente a G. Ou: F e G são a mesma propriedade quando querem dizer o mesmo, ou têm o mesmo significado, ou são sinônimas: quando “Todo o F é G” é uma frase analítica. Mas como Quine rejeita tanto as noções modais quanto as de analiticidade e sinonímia, o seu uso para dar às propriedades condições de identidade é visto como sinal de que há algo de errado com a própria noção de propriedade, entendida como universal.

Uma forma de contrariar o argumento de Quine é questionarmos se temos de rejeitar as noções de modalidade e significado como ele pensa. Uma via para isso é mostrar que as ciências naturais, cujos métodos de investigação Quine aprova, estão comprometidas com noções modais quando tratam da causalidade e de leis da natureza. Outra coisa que podemos questionar é o princípio de que somente as entidades com condições de identidade claras podem ser aceitas. Pode-se mostrar que as condições de identidade das entidades que Quine aceita, em última análise, não são claras como ele deseja. Por exemplo, as condições de identidade dos conjuntos de objetos físicos podem ser dadas em termos dos objetos físicos que compõe os conjuntos; por sua vez, as condições de identidade de objetos físicos podem ser dadas em termos de regiões espaciotemporais que ocupam; já as condições de identidade das regiões espaciotemporais podem ser dadas em termos de pontos espaciotemporais; todavia é difícil dar as condições de identidade desses pontos, que são por isso, segundo Quine, uma noção obscura (Oliver, 1996, p. 45).

Uma saída aristotélica para o argumento de Quine será dizer que há um critério para determinar as condições de identidade de suas propriedades universais. O aristotélico poderá dizer que as propriedades F e G são idênticas se, e somente se, fundamentam os mesmos poderes causais ou as mesmas semelhanças objetivas entre os particulares que as instanciam. O problema dessa posição é não conseguir determinar as condições de identidade de todas as propriedades, ou de todos os predicados que consideramos que exprimem propriedades, mas somente das propriedades físicas fundamentais dos objetos.4

Outra objeção nominalista ao realismo é que o realismo viola o “princípio da simplicidade”. Tal princípio diz que, perante um par de teorias diferentes, devemos escolher a que postular menos entidades. Aqui os nominalistas defendem que uma teoria nominalista tem o mesmo poder explanatório que uma teoria realista e que, além disso, postula menos entidades do que o realismo. Concluem com isso que a teoria nominalista é preferível a uma teoria realista.

Mas novamente o realista poderá contra-argumentar. Primeiro, ele pode perguntar qual é o argumento a favor do princípio da simplicidade; se não há um argumento a seu favor, pode-se tomá-lo como arbitrário. E ainda, pode-se dizer que por mais que uma teoria postule menos entidades do que outra, se a teoria postula mais entidades com razão, então temos de abandonar a teoria mais simples, contrariamente ao que o princípio diz. O realista pode tentar mostrar que sua teoria tem maior poder explanatório, e que, portanto, não postula entidades sem razão.

Como se viu, o realista pode perguntar ao nominalista de classes qual é o seu critério para classificar os particulares em classes. Para o realista a resposta é fácil: os particulares podem ser classificados em classes devido às propriedades que exemplificam ou instanciam. Mas os nominalistas não têm esta via ao seu dispor; ou consideram o fato de um particular pertencer a uma classe como primitivo, ou procuram desenvolver uma forma de nominalismo ainda mais moderado, que seja capaz de explicar este fato. Outro problema que o nominalista de classes enfrentará, problema enfrentado também pelo realista platônico, é determinar a função das suas propriedades: as classes não parecem poder fundamentar a eficácia causal dos particulares nem a semelhança objetiva entre eles.

A teoria dos tropos tenta resolver estes problemas que o nominalismo de classes enfrenta. Essa teoria faz algumas concessões tanto ao nominalismo quanto ao realismo (em especial ao aristotélico). Os tropos, em alguma medida, são como as propriedades: desempenham as funções desempenhadas por elas, como a fundamentação dos poderes causais e da semelhança objetiva entre os objetos. Mas, diferentemente das propriedades, não é o mesmo tropo que se instancia em objetos diferentes, mas sim tropos diferentes. Por exemplo, o tropo que faz um dado objeto vermelho ser vermelho não é o mesmo tropo que faz outro objeto vermelho ser vermelho. E, claro, tanto há tropos de propriedades como tropos de relações.

Para uma teoria dos tropos, aquilo a que o realista chama propriedade é uma classe de tropos. Por exemplo, a propriedade de ser vermelho, que o realista pode querer classificar como uma entidade genuína, é para o nominalista dos tropos a classe de tropos vermelhos. A teoria dos tropos é, frequentemente, aristotélica, no sentido em que os tropos estão em suas instâncias; além disso, não há tropos não instanciados. Tais teorias procuram estabelecer que tanto os objetos quanto as propriedades são construções metafísicas a partir de tropos, sendo os tropos entidades sui generis, não derivadas de qualquer outra. Normalmente, uma teoria dos tropos aceitará que essas construções a partir de tropos se servirão de uma relação da parte para o todo capaz de gerar totalidades concretas. Os objetos seriam, pois, totalidades mereológicas5 dos tropos que instanciam.

A teoria que admite a construção de objetos a partir de tropos defende que os tropos são intrínsecos aos objetos, tal como na teoria aristotélica defende que os universais são intrínsecos aos objetos. A grande vantagem que esta teoria parece ter em relação a uma teoria aristotélica é o fato de não precisar explicar como uma entidade universal pode estar em dois lugares diferentes ao mesmo tempo. Isso porque cada tropo é um particular, apesar de em alguns casos ser idêntico a outro tropo.

O grande problema da teoria dos tropos é explicar a relação de semelhança entre um tropo e outro. Por exemplo, a teoria dos tropos explica o fato de duas coisas se assemelharem em serem ambas vermelhas recorrendo à noção de que elas são assim porque cada uma delas instancia tropos vermelhos. Mas, pode perguntar o realista, qual é o fato que permite tanto um tropo quanto outro ser classificado como vermelho? O que há em cada tropo que faz de cada um deles um tropo de vermelho?

Outro problema fundamental desta teoria é a aparente confusão entre os particulares e as suas características. Parece óbvio que as características dos particulares não podem ter a mesma natureza que têm os particulares, pois, se assim fosse, teríamos um grande problema para explicar: o fato de várias características ocuparem o mesmo lugar no espaço, o que é inconcebível para objetos particulares concretos (com localização espaciotemporal). Dois particulares não podem ocupar o mesmo lugar ao mesmo tempo, mas as características dos particulares parecem conseguir tal proeza; por exemplo, as características de Sócrates de ser humano, sábio e filósofo, parecem ocupar, pelo menos do ponto de vista aristotélico, o mesmo lugar do espaço e momentos do tempo, os lugares e momentos em que o indivíduo Sócrates se encontra.

Aparte algumas diferenças entre a teoria dos tropos e a aristotélica, há grande semelhança entre ambas. A principal é quanto ao poder explanatório das teorias: ambas conseguem fundamentar a relação causal entre os objetos, na medida em que suas entidades estão presentes neles, e também, em alguma medida, conseguem explicar a semelhança objetiva entre tais objetos. Alguns filósofos tendem a ver como impossível de se decidir entre uma teoria aristotélica e uma teoria dos tropos, dado que têm vantagens e desvantagens próximas.

Nota final

Sendo inúmeras as tentativas de resolver o problema da natureza das propriedades, não pretendi esgotar toda a discussão mas, antes, indicar alguns argumentos e possíveis respostas. A verdadeira discussão começa daqui para a frente.

Rodrigo Alexandre de Figueiredo

Notas

  1. O verbo instanciar, não existe em português, mas é importante introduzi-lo como termo técnico da filosofia por não estar comprometido com uma dada teoria dos universais, ao contrário do que acontece com exemplificar, que sugere uma teoria platônica dos universais, segundo a qual os particulares somente exemplificam os universais, mas não os contêm.
  2. É discutível se os números são particulares ou universais.
  3. Entenda-se “construção metafísica” não no sentido pejorativo que por vezes é dado por alguns filósofos. Entenda-se por “construção metafísica” apenas que a entidade em questão não é sui generis, mas sim uma construção a partir de outra espécie de entidade.
  4. Propriedades que fundamentam os poderes causais e a semelhança entre as coisas.
  5. Uma totalidade mereológica é a entidade concreta resultante da relação das partes com o todo. Um exemplo ilustrativo seria a relação das peças de um carro e um carro como um todo: parece ser crucial essa relação para a existência do carro enquanto totalidade, isto é, não existiria o carro como um todo sem que houvesse uma dada relação entre as suas partes.

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ISSN 1749-8457