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20 de Agosto de 2018   Filosofia política

Sobre o socialismo “de verdade”

Christopher Freiman
Tradução de Aluízio Couto

Enquanto as crianças morrem de fome na Venezuela, reaparece uma saída antiga: isso não é socialismo de verdade!

Uma versão desta resposta alega que o socialismo exige que os trabalhadores controlem diretamente os meios de produção. Assim, por mais que o governo venezuelano tenha colocado mais de 500 companhias sob o controle estatal, tal sistema é considerado “capitalismo de estado” e não socialismo. Não vou examinar esta saída, mas vale mencionar que há vários casos em que os socialistas estão bem satisfeitos em identificar o socialismo com o controle estatal — veja-se, por exemplo, o apoio explícito dos Democratas Socialistas da América ao sistema de saúde controlado pelo governo.

A versão do argumento “não é socialismo de verdade” na qual estou interessado é aquela segundo a qual a Venezuela não é socialista porque não corresponde aos objetivos declarados do socialismo. Eis um exemplo escolhido mais ou menos ao acaso, escrito por Nathan Robinson, do Current Affairs:

Como muitos outros exemplos de regimes “socialistas” radicalmente autoritários, o colapso da Venezuela nos diz mais sobre os problemas da ditadura, corrupção e incompetência do que sobre o “socialismo” (…) O “socialismo” venezuelano é socialista apenas nominalmente. De fato, o governo é composto por elites corruptas que mal fingiram ser socialistas e que recentemente têm abandonado até o rótulo (…) São ricos e auto-interessados, sem qualquer preocupação com a igualdade.

Segundo a perspectiva de Robinson, generosidade e igualdade são constitutivas da definição de socialismo. Ele é, de fato, surpreendentemente explícito:

se não há igualdade, não importa como os líderes do país decidam chamar-se a si mesmos; não há socialismo. As ditaduras são profundamente desiguais e uma vez que a minha política exige igualdade, você não pode condená-la quando aponta para uma sociedade altamente desigual.

Se definimos o socialismo em termos de um ideal moral, um regime político ganancioso que pouco se preocupa com a igualdade e o bem comum jamais pode, por definição, ser considerado socialista. Mas como Jason Brennan fez notar, não deveríamos embutir princípios morais no conceito de socialismo. Essa estratégia, penso, torna os argumentos sobre o estatuto moral das instituições socialistas completamente desinteressantes. Pois, para avaliar o socialismo, não precisaríamos ver os resultados no mundo real produzidos por regimes (aparentemente) socialistas; precisamos apenas de verificar os termos usados pelo Merriam-Webster na sua entrada intitulada “socialismo”.

Mas meu ponto aqui é outro. Os socialistas que jogam a cartada “não é socialismo de verdade” quando os regimes do mundo real não conseguem produzir um paraíso proletário privam-se por essa mesma razão do direito de criticar o fascismo. Afinal, considere-se estas descrições do fascismo feitas por Mussolini:

O fascismo estabelece a igualdade real dos indivíduos perante a nação (…) O objetivo do regime no campo econômico é garantir uma justiça social mais elevada para todo o povo italiano.

Quando a guerra acabar, na revolução social mundial que será seguida por uma distribuição mais equânime das riquezas da terra, o sacrifício e disciplina mantidos pelos trabalhadores italianos terão de ser devidamente reconhecidos. A Revolução Fascista dará outro passo decisivo para diminuir as distâncias sociais.

Estamos lutando para impor uma justiça social mais elevada. Os outros estão lutando para manter privilégios de casta e de classe. Somos nações proletárias que se levantam contra os plutocratas.

Se ajuizamos o socialismo em termos dos seus ideais declarados e não a partir de seus resultados no mundo real, por que não fazer o mesmo em relação ao fascismo? É claro, a Itália de fato produziu um estado policial, difundiu a pobreza, “matou vários milhares de civis, bombardeou a Cruz Vermelha, usou gás venenoso, matou crianças de fome em campos de concentração e tentou aniquilar culturas consideradas inferiores”. Mas um fascista poderia simplesmente responder exatamente como fez Robinson e dizer o seguinte: “se não há justiça social, igualdade real entre os indivíduos e uma luta contra o privilégio, não há fascismo, não importa como os líderes dos países decidam chamar-se a si mesmos”. Poucos levariam a sério a resposta “isso não é fascismo de verdade”. Não vejo razão para tratar o socialismo de outra forma.

Christopher Freiman
Bleeding Heart Libertarians. Revisão da tradução de Desidério Murcho.
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ISSN 1749-8457