1 de Novembro de 2016   Dicionário Escolar de Filosofia

Dicionário escolar de filosofia

Organização de Aires Almeida

B

Bedeutung

Termo alemão que significa “referência” e se opõe a Sinn (sentido). Frege introduziu esta distinção para separar o que um termo refere da maneira como o termo refere: os termos “Mestre de Platão” e “O filósofo que bebeu a cicuta” referem a mesma coisa (Sócrates), mas referem essa coisa de maneiras diferentes: têm diferentes sentidos. (Desidério Murcho)

beleza

Harmonia, proporção, equilíbrio, graciosidade, e elegância são alguns exemplos de propriedades estéticas (ver propriedade), mas a beleza é a propriedade estética mais central, para a qual contribuem propriedades como as anteriores. Ao contrário do que por vezes se pensa, não foram muitos os filósofos que procuraram identificar as características que algo deve ter para se poder chamar “belo”. Entre esses filósofos contam-se Platão, Tomás de Aquino, Hume, Kant, Monroe Beardsley (1915-85) e Frank Sibley (1923–96). Apesar de cada um deles enfatizar mais uma ou outra característica, todos acabam por convergir na ideia de que a beleza é algo 1) que tem um valor positivo; 2) que nos agrada ou proporciona prazer; 3) que é inspirador e motivador; 4) cuja apreciação depende da percepção ou de alguma forma de contacto com o que é objecto apreciação e 5) cuja apreciação é independente de qualquer interesse teórico ou prático, exprimindo-se através de um de juízo próprio, o juízo estético. Diferentes problemas foram discutidos também por outros filósofos. Trata-se de problemas de carácter metafísico (ver metafísica), epistemológico (ver epistemologia) e ético (ver ética). A discussão metafísica acerca da natureza da beleza inclui problemas com o seguinte: a beleza tem uma natureza subjectiva (ver subjectivismo) ou objectiva (ver objectivismo)? Kant e Hume pensam que a beleza tem uma natureza subjectiva, dado que consiste, segundo eles, no sentimento do sujeito, ao passo que Platão e Beardsley defendem que tem uma natureza objectiva, dado que dizem residir em certas propriedades exemplificadas pelos objectos. Se, por sua vez, perguntarmos “Como sabemos o que é belo?”, estaremos no domínio da epistemologia da beleza. À pergunta anterior há quem, como Hume e Kant, responda que descobrimos a beleza através de uma faculdade especial, a faculdade do gosto; quem, como Clive Bell (1881–1964), defenda que é a através de uma espécie de intuição e quem, como Schopenhauer, defenda que é através do intelecto. Há ainda a questão de saber se a apreciação da beleza tem alguma finalidade ou valor ético. Platão defende que a beleza conduz ao bem, acabando por se identificar com ele, ao passo que os estetas decadentistas (ver decadentismo) defendem que a beleza e a moral são coisas completamente independentes. Há ainda a questão ontológica sobre se há diferentes tipos de beleza e quais. (Aires Almeida)

bem

Em termos algo imprecisos, o bem é aquilo que tem valor em si — valor intrínseco — e é desejável por si. Nesse sentido, o bem seria a finalidade última das nossas acções. Mas que finalidade é essa a que chamamos “bem"? A resposta de Aristóteles e seus contemporâneos foi que essa finalidade é a eudemonia, que costumamos traduzir por felicidade, mas que inclui um vida virtuosa e bem-sucedida. Uma resposta alternativa, dada pelos utilitaristas, é que o bem é o prazer e a ausência de dor e sofrimento. Mas há quem não considere estas respostas satisfatórias. Por um lado, pensamos que há meios que nem mesmo a procura da felicidade justifica, caso em que há outras coisas tão ou mais valiosas que a felicidade. Por outro lado, uma vida isenta de dor e recheada dos prazeres que se queira, mas inautêntica (por exemplo, se estivermos sob o efeito de uma espécie de droga), também não é uma vida desejável. Uma maneira de evitar este tipo de objecções, é fazer como G. E. Moore, declarando que o termo “bem” não é analisável e que o bem é conhecido por intuição: não o sabemos definir mas reconhecemo-lo quando o encontramos. Isto, contudo, ainda não é completamente satisfatório, pois acabamos por identificar o bem com coisas diferentes. Assim, continua em aberto a discussão — que se desenvolve no âmbito da ética e da teoria do valor — sobre o que significa o termo “bem”; sobre que coisas são boas e como sabemos isso; sobre qual é o maior bem; e sobre que tipos de bem existem. (Aires Almeida)

Berkeley, George (1685-1753)

Filósofo e bispo irlandês. Berkeley defende uma forma extrema de idealismo, segundo a qual “esse est percipi" (ser é ser percepcionado). Por outras palavras, uma árvore, por exemplo, não tem qualquer existência material independente da nossa percepção da sua cor, textura, solidez, etc. Apesar disso, a árvore não é menos real nem a sua existência menos objectiva, dado que a nossa percepção dela é involuntária. Assim, o idealismo de Berkeley, apesar de radical, é objectivista, ainda que seja comum dizer-se, erradamente, que ele é um idealista subjectivista (ver objectivo/subjectivo). O idealismo de Berkeley tem tendência para parecer uma ilustração das ideias disparatadas típicas de filósofos ociosos; mas esta impressão falsa só subsiste quando não se compreendem os problemas a que Berkeley estava a dar resposta. No contexto filosófico da época, o dualismo cartesiano (ver Descartes) introduzia um fosso entre as ideias (ou a mente) e o mundo físico; e Berkeley considerava que a resposta de Locke era insatisfatória, tendo como consequência o ateísmo e o cepticismo. Ao eliminar a materialidade do mundo, Berkeley procura eliminar o fosso entre a mente e o mundo. O valor de Berkeley não reside tanto na conclusão a que chegou e que nunca foi muito levada a sério, mas no vigor e brilho da sua defesa, clara e articulada, honesta e acessível ao leitor comum. O Tratado do Conhecimento Humano (1710) é uma defesa brilhante e sintética das suas ideias; os Três Diálogos entre Hilas e Filonous (1713), menos sintéticos, são uma exposição mais literária e popular das ideias da obra anterior. (Desidério Murcho)

Berkeley, George, Tratado do Conhecimento Humano e Três Diálogos (Lisboa: INCM, 2000).
Kenny, Anthony, História Concisa da Filosofia Ocidental, cap. 14 (Lisboa: Temas e Debates, 1999).
Magee, Bryan, Os Grandes Filósofos, cap. 6 (Lisboa, Presença, 1989).

bicondicional (↔)

Uma afirmação com a forma “P se, e só se, Q”, como “Uma coisa é arte se, e só se, for bela”. No discurso corrente omite-se muitas vezes um dos ses: “Ofereço-te um livro se passares de ano” quer em geral dizer “se, e só se, passares de ano”. Uma bicondicional é uma conjunção de duas condicionais: “P se, e só se, Q” é o mesmo que “Se P, então Q, e se Q, então P" (ver condicional). Uma bicondicional só é verdadeira quando ambas as proposições têm o mesmo valor de verdade e por isso chama-se-lhe também “equivalência”. As definições mais rigorosas usam bicondicionais para conectar o que se está a definir com o que o define. (Desidério Murcho)

bioética

Ramo da ética aplicada relativo às questões morais suscitadas pela medicina e pela biologia. Na bioética discute-se, por exemplo, a moralidade do aborto, da eutanásia, das experiências com animais, da clonagem, da manipulação genética ou dos transplantes de órgãos. A discussão destas questões exige não só um conhecimento médico e científico especializado, mas também um domínio das teorias éticas normativas que os filósofos propõem. Ver normativo/descritivo. (Pedro Galvão)

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