Houve um momento revelador na conferência de imprensa concedida por George W. Bush a 13 de Abril de 2004. Nessa altura, David Kay, nomeado pelo Director da CIA, George Tenet, para encontrar armas de destruição maciça no Iraque, dissera já que não tinha encontrado, nem esperava vir a encontrar, arsenais de armas de destruição maciça. “Enganámo-nos quase todos”, declarara perante a Comissão das Forças Armadas do Senado. As afirmações peremptórias do presidente acerca da posse de armas de destruição maciça por parte de Saddam Hussein levaram o Congresso a autorizar o uso da força contra o Iraque para proteger a segurança da América, e persuadiram a maioria dos americanos a apoiar a guerra. Provava-se agora que tais afirmações eram falsas.
A insurreição generalizada, tanto de sunitas como de xiitas, contra a invasão norte-americana mostrara que outra convicção acalentada por Bush e respectivos apoiantes era igualmente falsa: a convicção de que, uma vez quebrado o jugo de Saddam Hussein sobre o país, o povo do Iraque receberia de braços abertos os americanos libertadores, tornando bastante simples a tarefa do estabelecimento da paz, da prosperidade e da democracia. Para os militares americanos no Iraque, a semana anterior à conferência de imprensa fora a pior desde Maio último, quando o presidente se apresentara no convés do USS Abraham Lincoln à frente de um cartaz que proclamava MISSÃO CUMPRIDA. Desde essa altura, o número de soldados americanos mortos no Iraque aumentara de cento e trinta e oito para mais de setecentos.
No meio destas calamidades, Richard Clarke, antigo coordenador nacional para o contraterrorismo no Conselho Nacional de Segurança, tanto durante o mandato de Bush como de outras administrações, afirmou perante a Comissão Nacional para os Actos Terroristas que “o vosso governo desiludiu-vos, aqueles a quem compete zelar pela vossa segurança desiludiram-vos e eu desiludi-vos”. De seguida, pediu perdão aos familiares das vítimas dos ataques de 11 de Setembro. Clarke declarou que a Casa Branca não agiu quando ele lhe fez chegar o pedido de medidas urgentes frente a ameaça terrorista representada pela organização de Bin Laden. Instada pela comissão, a Casa Branca divulgou então um relatório, recebido pelo presidente a 6 de Agosto de 2001, com o título “Bin Laden determinado a atacar no interior dos Estados Unidos”. Neste, advertia-se que Osama Bin Laden podia tentar desviar aviões. Em entrevista concedida ao programa televisivo 60 Minutes, Clarke juntou a sua voz especializada à daqueles que diziam há muito que a guerra no Iraque, longe de fazer parte da guerra contra o terrorismo, “fortalecera substancialmente” a Al Qaeda e suas congéneres.
Tendo estes acontecimentos como pano de fundo, o Presidente Bush enfrentou o grupo de jornalistas mais agressivo que se lhe deparava desde 11 de Setembro de 2001. Não tardaram a perguntar-lhe: “Uma das maiores críticas que lhe fazem é nunca admitir um erro, trate-se das armas de destruição maciça, do planeamento do pós-guerra no Iraque, ou mesmo de a administração ter feito o suficiente para evitar o 11 de Setembro. Pensa que é uma crítica justa? E considera que cometeu erros de julgamento em relação a qualquer um dos tópicos que abordei?” O presidente reagiu à sugestão de que a administração não fizera o suficiente para impedir os ataques terroristas, dizendo que ninguém do governo poderia ter previsto “o lançamento de aviões contra edifícios, a esta escala”. Em relação ao Iraque, disse: “Continuo convencido de que Saddam era uma ameaça”. Uma vez mais, respondeu à pergunta sem admitir o erro. Houve pelo menos um jornalista que o notou e, quando chegou a sua vez, fez uma pergunta mais directa: “Em sua opinião, qual foi o seu maior erro, desde 11 de Setembro?”
Esta pergunta era muito semelhante à anterior, excepto por pressupor que Bush cometera, efectivamente, pelo menos um grande erro. Este pressuposto pareceu deixar o presidente completamente às aranhas. “Hummmm”, disse, “quem me dera que me tivesse entregado previamente esta pergunta escrita, para eu ter tido tempo de me preparar para ela”. Fez uma pausa para reflectir e, em seguida, observou, sem dar quaisquer exemplos específicos, que os historiadores poderiam dizer que ele deveria ter feito tal ou tal coisa de forma diferente. Fez nova pausa, abanou a cabeça várias vezes, franziu os lábios como se tudo aquilo fosse extremamente difícil, e, por fim, recomeçou a falar: “Sabe, eu só...”. Deixando a frase inacabada, começou outra. “Estou certo de que me ocorrerá qualquer coisa no meio desta conferência de imprensa, com toda a pressão de tentar dar uma resposta, mas ainda não ocorreu”. Mais acenos de cabeça. Por fim, conseguiu alinhavar umas frases, negando que tivesse decidido de modo diferente sobre o ataque do Afeganistão e referindo-se às supostas armas de destruição maciça do Iraque como se a questão fosse descobrir a verdade sobre “o local exacto onde se encontram”, e não investigar a razão por que ele e outros elementos da sua administração, deliberadamente ou não, enganaram o mundo, levando-o a crer, antes de tudo o mais, que o Iraque possuía essas armas. O presidente tivera oportunidade duas vezes, no espaço de poucos minutos, de reconhecer que cometera um erro. Foi alertado para o facto de ser criticado por nunca admitir isso mesmo e, ainda assim, não conseguiu identificar um único erro que tivesse cometido.
A resposta de Bush não é uma aberração. Em Dezembro de 2003, após meses de buscas no Iraque não terem conseguido encontrar quaisquer armas de destruição maciça e a ocupação estar a revelar-se mais difícil do que se previra, o jornalista veterano Bob Woodward realizou uma extensa entrevista ao presidente. Woodward citou o aliado mais próximo de Bush, o primeiro-ministro britânico Tony Blair, que disse que não se deve acreditar numa pessoa que, na sua situação, afirme não ter tido dúvidas. Bush respondeu: “Não tive dúvidas”. “Palavra?” perguntou Woodward. “Nenhumas mesmo?” Ao que o presidente respondeu: “Nenhumas”.
Três semanas mais tarde, quando foram divulgadas fotografias de polícias do exército americano a humilhar prisioneiros iraquianos despidos, Bush, uma vez mais, foi incapaz de admitir ter cometido um erro. Disse estar “chocado” e lamentar que aquilo tivesse acontecido, mas atribuiu as culpas aos “poucos que nos decepcionaram”. Nunca admitiu que, na qualidade de presidente e comandante supremo das forças armadas, era responsável em última instância por aquilo que sucedeu. Nem pediu desculpa às vítimas — ao contrário do Secretário da Defesa, Donald Rumsfeld. Um tal pedido de desculpas constituiria um reconhecimento do erro.
Aqueles que conhecem o presidente em privado concordam que, uma vez assumida uma postura, ele não gosta de reconsiderá-la. Uma das suas frases predilectas é: “Não estou disposto a negociar comigo mesmo”. Usou-a logo no início do mandato, quando um jornalista o interrogou sobre as discussões com os membros do Congresso acerca das reduções fiscais e ele disse, em resposta à sugestão muito razoável do Secretário do Tesouro Paul O’Neill de que as reduções fiscais deveriam ficar dependentes de o orçamento continuar a registar excedentes. Depois de O’Neill ter sido despedido, Bush repetiu incessantemente o estribilho das reduções fiscais: “No momento em que negociar comigo próprio, perco”. A inflexibilidade do presidente chocou O’Neill, antigo director da Alcoa, que considerava que a vigilância de si mesmo é a essência da boa liderança, assim como o ajustamento das estratégias, caso as que estão em vigor não funcionem. “Apeteceu-me dizer ao presidente”, contou O’Neill, “que toda a análise séria passa pela negociação consigo mesmo”.
Nem o próprio Bush diria que a análise é o seu forte. Em lugar disso, parece pensar que o seu forte é a liderança firme — que se deve à sua firme convicção de ter razão. “Sei exactamente aonde quero conduzir este país”, afirma ele num tempo de antena transmitido em Março de 2004. Como mantém Bush tal confiança em face das provas avassaladoras de que as coisas correram terrivelmente mal? Contando-se a si próprio histórias fantasiosas acerca do que realmente sucedeu. O exemplo mais flagrante da sua distorção surge no Capítulo 10 do presente livro. Numa ocasião solene, na Sala Oval da Casa Branca, com o secretário-geral da ONU, Kofi Annan, ao seu lado, Bush justificou a invasão do Iraque dizendo o seguinte acerca de Saddam: “Demos-lhe uma oportunidade de deixar entrar os inspectores e ele não deixou. Por conseguinte, após um pedido razoável, decidimos retirá-lo do poder [...]”.
Os meios de comunicação social, de um modo geral, ignoraram esta tentativa bizarra de reescrever a história. Talvez tenham suposto que o presidente dos Estados Unidos estava a sofrer uma alucinação temporária e que seria caridoso aguardar que passasse. No entanto, este estado de ilusão pode não ter sido tão temporário como se pensava. Numa entrevista concedida em Maio de 2004 à cadeia televisiva Al Arabiya acerca dos maus-tratos infligidos aos prisioneiros iraquianos, Bush apresentou às pessoas do mundo árabe uma perspectiva igualmente estranha sobre as origens do conflito. Saddam, disse Bush, “teve oportunidade de responder às exigências do mundo livre de uma forma pacífica, mas escolheu... escolheu a guerra”. Bush não disse a que exigências Saddam não respondeu. Saddam afirmou repetidamente — e, como agora sabemos, correctamente — não possuir armas de destruição maciça, mas Bush recusou acreditar nele. Nas palavras de Hans Blix, inspector-chefe de armamento para as Nações Unidas, nas semanas que antecederam a guerra, a sua equipa de inspectores estava “a operar a todo o vapor e o Iraque parecia determinado a dar-lhe acesso imediato a todos os locais”. Já a 17 de Março de 2003, muito depois de Bush se ter começado a empenhar na guerra e apenas dois dias antes de se lançarem as primeiras bombas, os inspectores assistiram à destruição de mais dois mísseis Al Samoud por parte do Iraque. O Iraque podia possuir mísseis de curto alcance, mas, tecnicamente, estes não cumpriam os limites permitidos, apesar de o seu alcance não ser consensual, quando carregados. Ainda assim, o Iraque concordara em destruí-los todos e, com estes dois, o total de mísseis destruídos perfazia setenta e dois.
A dificuldade de Bush em admitir que se enganou tem raízes na sua certeza moral de saber o que é bom e o que é mau. Noutro passo deste livro, sugiro que esta certeza deriva da sua fé religiosa, com implicações que ultrapassam em muito a esfera religiosa. Bush confirmou esta hipótese no decurso da mesma conferência de imprensa em que foi incapaz de pensar num único erro que tivesse cometido. “Tenho ainda esta convicção, esta forte convicção de que a liberdade não é a dádiva deste país ao mundo. A liberdade é a dádiva do Todo-Poderoso a todos os homens e mulheres do mundo”, disse. E prosseguiu, referindo-se à missão de espalhar a liberdade por todo o mundo como “aquilo que fomos chamados a fazer, no que me diz respeito”. Três semanas mais tarde, falando na Casa Branca no “Dia Nacional da Oração”, o presidente regressou a esta ideia de vocação, dizendo que “a nossa vocação é pôr os nossos corações e acções em sintonia com o plano de Deus, tanto quanto o podemos conhecer”. Explicou ainda a fonte da sua confiança: “A oração ensina-nos igualmente a ter fé [...] a fé é a fonte da suprema confiança”. Bush fez um comentário semelhante acerca da origem da sua força a Bob Woodward. Woodward perguntou ao presidente se consultara o pai sobre a decisão de entrar em guerra com o Iraque. O presidente respondeu: “Sabe, ele é o pai errado a quem apelar, em termos de força. Há um pai superior, a quem apelo”.
Para Bush, a fé em Deus leva à fé na América. Sensível à crítica de ver a guerra com o Iraque como uma cruzada religiosa, no seu discurso do “Dia Nacional da Oração”, Bush negou ter declarado que Deus estava do lado da América e, depois, encontrou imediatamente um modo de insinuar que, provavelmente, estaria mesmo: “Deus não está do lado de qualquer país, mas sabemos que Ele está do lado da justiça. E a força mais profunda da América é ter escolhido, desde a hora da sua fundação, a justiça como objectivo”.
A fé de Bush na América ficou visível na sua reacção às revelações de maus-tratos ocorridos na prisão. “Isto não é a América”, disse ele. “A América é um país de justiça, ordem e liberdade, onde se trata as pessoas com respeito”. Os maus-tratos, disse, “não são quem somos”. Os árabes não ficaram convencidos. “Quem é o senhor, então, Mr. Bush?” perguntou Moodhy Al-Khalaf, no principal diário da Arábia Saudita em língua inglesa. “Bombardear pessoas inocentes por causa das acções de um único homem, é isso o que o senhor é?” A pergunta de Al-Khalaf não se responde facilmente. Desde 11 de Setembro, foram mortas muito mais pessoas inocentes pelo exército americano do que pelos terroristas naquele dia negro e em todos os ataques terroristas subsequentes, em conjunto. Embora o exército americano não tenha visado directamente civis, realizou ataques que quase certamente os atingiriam. E fê-lo apesar de os alvos desses ataques serem de importância militar menor, como um camião talibã isolado ou um general iraquiano escondido. Antes de entrar em guerra, Bush foi informado pelo General Tommy Franks sobre vinte e quatro alvos com potenciais “danos colaterais elevados”, que poderiam resultar na morte de trinta ou mais civis, se alvejados. Bush declinou o convite implícito a instruir o general para os poupar ou a pedir para ser ele próprio a seleccionar os que deveriam ser visados. Disse a Franks que avançasse, destruindo os alvos que julgasse necessário para assegurar a vitória e proteger as tropas.
O ataque dos Fuzileiros Norte-americanos a Fallujah, em Abril de 2004, acrescentou peso à convicção generalizada árabe de que o exército americano estava disposto a matar civis iraquianos. Bush disse, numa das suas comunicações semanais radiofónicas, que os fuzileiros, em Fallujah, estavam a “tomar todas as precauções para evitar ferir inocentes”. Esta opinião é difícil de conciliar com os relatos dos que estiveram presentes em Fallujah. O director do Hospital Geral de Fallujah afirmou que foram mortas seiscentas pessoas numa semana de combates, “a maioria das quais” mulheres, crianças e idosos. Centenas de iraquianos foram enterrados em valas num campo de futebol rebaptizado como “Cemitério dos Mártires”. Algumas pedras tumulares indicam que os sepultados sob elas são mulheres ou crianças. Até os aliados iraquianos mais próximos da América protestaram. Adnan Pachachi, membro do Conselho Governamental Iraquiano nomeado pelos Estados Unidos e antigo ministro dos negócios estrangeiros iraquiano, da era pré-Saddam, tão próximo da administração americana que foi levado a Washington e sentado ao lado de Laura Bush durante o discurso do Estado da Nação de 2004, considerou o ataque a Fallujah uma forma de punição colectiva pela morte horrenda de quatro civis americanos naquela cidade. “Não está certo punir todas as pessoas de Fallujah”, disse ele, “e consideramos inaceitáveis e ilegais estas operações dos americanos”.
A análise de Bush do que correu mal em Abu Ghraib é, como muitas das suas posições éticas, simplista e oportunista. “O que sucedeu naquela prisão do Iraque”, disse na sua comunicação radiofónica de 8 de Maio de 2004, “foi maldade de uns poucos”. Mas é demasiado fácil culpar uns poucos, supondo que o seu “carácter”, por alguma razão, não é tão íntegro como o dos outros americanos. Se os militares americanos, de Bush para baixo, foram negligentes com as vidas de iraquianos completamente inocentes, não deveria ter surpreendido ninguém que os guardas americanos tivessem maltratado os prisioneiros iraquianos. A secção “A questão da tortura” no Capítulo 4 do presente livro foi escrita meses antes de o assunto dos maus-tratos infligidos aos prisioneiros ter chegado às primeiras páginas dos jornais. Havia provas, escrevi, de que os militares americanos estavam a usar técnicas de “pressão e coacção”, incluindo privação de sono, isolamento e serem amarrados em posições dolorosas. Concluí observando que estas alegações haviam sido afastadas por um porta-voz do governo norte-americano, que afirmou que todos os prisioneiros eram tratados de forma humana, nos termos da Convenção de Genebra.
Sabemos agora que as garantias dadas pelo porta-voz do governo norte-americano eram falsas. Num relatório apresentado aos responsáveis norte-americanos em Fevereiro de 2004, a Cruz Vermelha Internacional traça um quadro muito diferente das acções dos militares norte-americanos daquele que o presidente procura transmitir:
As autoridades policiais entraram nas casas geralmente após o escurecer, arrombando portas, despertando rudemente os residentes, gritando ordens, obrigando o agregado familiar a permanecer numa das divisões enquanto conduzem uma busca à restante casa, arrombando mais portas, armários e danificando outros bens. Por vezes, prenderam todos os homens adultos existentes numa casa, incluindo idosos, deficientes ou doentes. O tratamento incluiu muitas vezes empurrões, insultos, murros, pontapés, golpes com as armas e apontar das armas.
Este é um relatório sobre a conduta das tropas da coligação, incluindo soldados americanos, e não dos sicários de Saddam, antes do derrube do seu governo. O relatório da Cruz Vermelha revela um padrão geral de maus-tratos por parte da coligação, alguns “equivalentes a tortura”. As vítimas têm queimaduras, equimoses e outros ferimentos. Há pelo menos uma pessoa que, aparentemente, morreu após ter sido vítima de espancamento. O relatório afirmava ainda que os funcionários das informações secretas da coligação calculavam que entre setenta a noventa por cento dos detidos iraquianos haviam sido presos por engano.
Os maus-tratos infligidos pelos americanos aos prisioneiros não se limitaram ao Iraque. No Afeganistão, houve três presos que morreram em circunstâncias não esclarecidas desde que as forças americanas derrubaram o regime talibã, em 2001 — dois deles durante a detenção na base norte-americana muitíssimo vigiada de Bagram, a norte de Cabul. As autópsias militares revelaram que morreram devido a “ferimentos provocados por força bruta”. Iniciou-se uma investigação em Dezembro de 2002, mas, até à data em que escrevo — quase ano e meio depois — ainda não produziu quaisquer resultados.
Em Maio de 2004, o comandante das instalações prisionais norte-americanas no Iraque, Major-General Geoffrey Miller, afirmou ter posto fim à prática de colocação de capuzes nas cabeças dos prisioneiros, de os colocar em “posições de tensão” e de os privar do sono, declarando que acabaria ou restringiria outras “técnicas muito agressivas” — admitindo, assim, que estas práticas haviam feito parte das técnicas de interrogatório. Além das fotografias que forneceram provas explícitas dos maus-tratos, a única novidade real a surgir em Abril de 2004 foi que manter os prisioneiros nus e humilhá-los sexualmente também haviam feito parte de tais técnicas.
Com isto como pano de fundo, atribuir toda a culpa aos “poucos que nos decepcionaram” constitui uma reacção não ética a um problema grave. Transforma em bodes expiatórios aqueles que se encontram na base da hierarquia militar e desvia a nossa atenção dos líderes que decidiram invadir e ocupar um país de vinte e cinco milhões de habitantes sem se assegurarem de que dispunham dos recursos suficientes no local para levar a cabo a tarefa de forma adequada e sem instruírem as tropas adequadamente quanto aos limites a observar, no respeitante aos prisioneiros. Ao culpar “um pequeno número”, Bush evitou perguntar-se se, como comandante-chefe, deveria ter feito mais para transmitir àqueles sob as suas ordens a importância de respeitar a dignidade e os direitos dos iraquianos. Um presidente com uma visão realista, menos “baseada na fé”, da América, poderia ter reconhecido o risco de os guardas maltratarem os prisioneiros sob o seu controlo e tomado medidas mais eficazes no sentido de o prevenir. Uma comunicação televisiva do presidente às tropas, acentuando que os direitos de cada prisioneiro iraquiano tinham de ser respeitados e solicitando aos militares que apresentassem relatórios de quaisquer maus-tratos que tivessem testemunhado, poderia ter levado a atitudes e práticas muito diferentes.
Mas há uma acusação ainda mais grave que se pode fazer ao presidente: não só não desencorajou os maus-tratos, como deu o exemplo, mostrando que, quando se lida com terroristas, a lei não importa. No discurso do Estado da Nação de Janeiro de 2003, afirmou: “Contas feitas, foram presos mais de três mil suspeitos de terrorismo, em vários países. Muitos outros tiveram um destino diverso. Digamos isto de outra forma: já não constituem qualquer problema para os Estados Unidos e para os nossos amigos e aliados”. Esta observação, recebida com aplausos pelos membros reunidos do Congresso, e vista por milhões de americanos, sugere fortemente que o presidente aceita o assassinato daqueles que a América considera serem seus inimigos. Terão outros seguido o exemplo do presidente, usando o seu próprio juízo para decidirem quem é “suspeito de terrorismo”?
Como vemos nas páginas do presente livro, Bush afirmou frequentemente que temos de “dizer sim à responsabilidade”. No entanto, não assumiu qualquer responsabilidade pelos maus-tratos dos prisioneiros infligidos por soldados sob o seu comando. A seguir ao próprio presidente, a pessoa mais importante responsável pelo fracasso na prevenção de tais abusos é o Secretário da Defesa, Donald Rumsfeld. Rumsfeld tem dupla responsabilidade. Em primeiro lugar, foi o principal responsável pelas informações que instruiu o General Miller, então comandante da prisão de Guantánamo, a ir para o Iraque, quando Miller recomendou: “É essencial que os guardas se empenhem activamente na criação de condições que permitam a exploração bem-sucedida dos detidos”. Se isto não é uma recomendação explícita para maltratar os prisioneiros, é certamente uma instrução suficientemente vaga para poder ser interpretada dessa forma, especialmente por aqueles que sabem que não é politicamente correcto ser-se explícito em relação a tais matérias. Em segundo lugar, Rumsfeld soube em Janeiro dos maus-tratos infligidos aos prisioneiros, mas não fez chegar essa informação ao presidente, nem ao Congresso, nem ao país. Isto permitiu que a informação fosse conhecida através das fotografias exibidas no programa 60 Minutes II da CBS, dando assim crédito à convicção de que a administração estava a tentar mantê-la secreta e não considerava prioritário o fim dos maus-tratos. Apesar destes dois erros crassos de avaliação, que tiveram consequências desastrosas para a reputação da América e, por conseguinte, para as perspectivas de sucesso no Iraque, Bush foi ao Pentágono e ali, frente às câmaras de televisão, disse a Rumsfeld que este estava a fazer “um trabalho esplêndido”. Prosseguiu, desta forma, o padrão descrito no Capítulo 10 de aviltamento da própria ideia de responsabilidade moral. Na administração de Bush, é possível fazer algo gravemente errado e não sofrer quaisquer consequências — de momento que se seja suficientemente próximo do presidente.
Além do alastramento da indignação com a ocupação americana do Iraque e as revelações de maus-tratos infligidos aos prisioneiros, o desenvolvimento nos assuntos externos que, desde que este livro foi editado pela primeira vez, em Janeiro de 2004, nos diz mais sobre a ética do presidente foi a aceitação de Bush do plano de Ariel Sharon para anexar partes dos territórios que Israel ocupa desde 1967 e o não reconhecimento de qualquer direito de regresso aos refugiados palestinianos. Ao assumir esta posição, Bush afastou-se da política americana de há muito, de ser “imparcial” na disputa entre Israel e os Palestinianos. Embora muitos palestinianos e respectivos aliados viessem desde há bastante tempo a mostrar cepticismo relativamente a esta alegada imparcialidade, durante a administração de Clinton havia, pelo menos, sido preservada a aparência de a América ser um “intermediário honesto”. Depois de Bush ter tomado posse, essa aparência foi-se tornando cada vez mais frágil e, em Abril de 2004, foi por fim abandonado o fingimento. Depois de se encontrar com Sharon, Bush afirmou: “à luz das novas realidades no terreno” — presumivelmente, uma referência aos colonatos israelitas nos territórios ocupados — é “irrealista” esperar que Israel alguma vez regresse às suas fronteiras anteriores a 1967. De modo semelhante, disse Bush, uma solução “realista” para a questão dos refugiados palestinianos passará pela sua instalação num estado palestiniano, e não em Israel.
As referências ao que é “realista” contrastam vivamente com o estilo dominante de Bush de apresentar questões vastas de política externa em termos de bem e mal. Terá ele percebido, talvez, que não podia defender o plano de Sharon em termos éticos? Na verdade, a diferença de abordagem é tão grande que a aceitação daquele plano por parte de Bush enfraquece, efectivamente, o argumento ético que apresentou para a invasão do Iraque. Em Março de 2003, enquanto Bush avançava com os seus planos de invasão, justificou as suas medidas dizendo que estavam de acordo com as resoluções do Conselho de Segurança das Nações Unidas: “A questão fundamental que o Conselho de Segurança enfrenta é: as suas palavras significarão alguma coisa? Quando o Conselho de Segurança se pronuncia, as suas palavras terão mérito e peso?” Conforme defendo mais à frente, no livro, a afirmação de que a invasão do Iraque se fez de acordo com as resoluções do Conselho de Segurança é insustentável. Bush mostrou a pouca importância que atribui às resoluções do Conselho de Segurança, quando estas não são do seu agrado. No rescaldo da vitória militar israelita de 1967, o Conselho de Segurança aprovou a Resolução 242, que se inicia com a ênfase na “inadmissibilidade da aquisição de territórios através da guerra”. Agora, Bush está precisamente a apoiar isto. A única diferença é que esta aquisição se deu em dois passos, em vez de num só. Em vez de anexar simplesmente parte dos territórios ocupados, Israel ou não impediu ou encorajou mesmo — dependendo dos sucessivos governos — o estabelecimento de colonatos judeus em território palestiniano. Os colonatos judeus expropriaram terras palestinianas, construíram estradas em propriedades palestinianas, e apropriaram-se de recursos palestinianos escassos, como é o caso da água. Depois, quando os colonatos passaram a ser habitados por um número suficiente de pessoas, tornou-se “irrealista” esperar que fossem desmantelados ou inseridos num estado palestiniano.
Não se trata de se ser pró-Israel ou anti-Israel. Muitos israelitas rejeitam o apoio de Sharon aos colonatos, que vêem como obstáculos a uma resolução justa da disputa com os Palestinianos e, portanto, inimigo da segurança israelita no longo prazo. A anexação de partes substanciais da Margem Ocidental vai reduzir ainda mais o já pequeno e duvidosamente viável território que um estado palestiniano poderá um dia vir a ocupar. Enfraquece a posição política dos palestinianos moderados, já rodeados de críticos. O apoio de Bush ao plano joga a favor de grupos militantes como o Hamas e a Jihad Islâmica, que podem agora dizer que não há perspectiva de a negociação pacífica conduzir a uma solução justa para os problemas dos Palestinianos. E constitui propaganda perfeita para a Al Qaeda e outros terroristas islâmicos que dizem há muito que a América tem um pacto com os Sionistas e é inimiga do povo islâmico. Por conseguinte, a nova política de Bush não é defensável, nem em termos éticos, nem em termos da protecção dos interesses nacionais americanos.
Quando Larry King pediu ao governador do Texas e candidato presidencial George W. Bush que se pronunciasse sobre o casamento dos homossexuais, Bush respondeu: “Os estados podem fazer o que quiserem. Não tente apanhar-me nesta armadilha dos estados”. Mas Bush adoptou uma posição diferente quando, a 3 de Fevereiro de 2004, o Supremo Tribunal de Massachusetts decidiu que impedir que duas pessoas do mesmo sexo se casassem violava as cláusulas de protecção igual e acção legal da constituição do estado. “O casamento é uma instituição sagrada, entre um homem e uma mulher”, disse Bush dois dias mais tarde. “Temos de fazer tudo o que for juridicamente necessário para defender a santidade do casamento”. Pouco tempo depois, Bush solicitou ao Congresso a aprovação e envio aos estados para ratificação de uma emenda à constituição “definindo e protegendo o casamento enquanto união entre homem e mulher como marido e esposa”.
Ao solicitar a aprovação da emenda à constituição, Bush pareceu ter consciência da necessidade de se defender das críticas que o acusavam de ter recuado em relação à sua posição inicial a respeito dos direitos dos estados. Defendeu a necessidade da emenda constitucional porque a Constituição diz que cada estado tem de dar “completa fé e crédito” às leis públicas dos outros estados. Isto pode ser interpretado como significando que, se o casamento homossexual for permitido num estado, todos os estados terão de o reconhecer. Bush reconheceu que o Congresso abordara já este problema ao aprovar a Lei de Defesa do Casamento, que declara que nenhum estado tem de aceitar a definição de casamento de outro estado. Mas, disse, é possível que também esta lei seja considerada inconstitucional. Daí a necessidade da emenda.
No entanto, mesmo uma pessoa que aceite este argumento a favor da alteração constitucional, há um remédio óbvio que não vai até onde pretende ir a proposta de Bush de uma emenda definindo o casamento como união entre homem e mulher. Se Bush pretendesse mesmo proteger os direitos dos estados e a sua única preocupação fosse o facto de os estados poderem ser obrigados a aceitar casamentos que não desejassem aceitar, poderia ter solicitado a aprovação de uma emenda que transpusesse a redacção da Lei de Defesa do Casamento para a Constituição. Diria simplesmente que a cláusula da “completa fé e crédito” da Constituição não obriga qualquer estado a reconhecer um casamento celebrado noutro estado que não corresponda à sua própria definição preferida de casamento. Tal emenda permitiria que cada estado definisse o casamento como lhe aprouvesse e, sem dúvida, com o tempo, alguns estados permitiram casamentos de homossexuais e outros não. O facto de Bush ter optado, ao invés, por uma emenda que impede os estados de permitir o casamento de homossexuais, sejam quais forem as suas opiniões sobre o assunto, é mais uma prova da conclusão tirada no Capítulo 4, que se baseou na reacção de Bush à legalização no Oregon do suicídio assistido medicamente e do uso terapêutico da marijuana em vários estados. É claro que ele apoia o direito dos estados a tomar as suas próprias decisões apenas quando essas decisões se coadunam com as suas próprias perspectivas morais.
Ao dizer que o casamento é uma instituição “sagrada” e ao falar da necessidade de proteger a “santidade” do casamento, Bush está a fazer uso das suas crenças religiosas para defender a sua política pública. Isto ficou claro quando afirmou: “Não se pode desligar o casamento das suas raízes culturais, religiosas e naturais sem enfraquecer a influência positiva da sociedade”. A sugestão é que a relação religiosa contínua com a instituição do casamento constitui uma parte essencial da vida boa. Mas nas sociedades que reconhecem a separação entre “igreja” e estado, as pessoas podem casar-se sem a bênção de qualquer religião. Podem muito bem considerar o casamento uma instituição social que são livres de reformar como bem entenderem, e não como algo sagrado que, devido às suas raízes religiosas, tem de ser preservado na sua forma tradicional. Ao longo dos séculos, o casamento foi alterado de muitas formas (especialmente com a aceitação generalizada do divórcio). Para alguns, a definição de casamento como uma união entre um homem e uma mulher exclui-os da instituição social do casamento. Também não se pode afirmar, como por vezes se defende, que o casamento está inelutavelmente ligado à procriação. Se assim fosse, as pessoas reconhecidamente estéreis — incluindo todas as mulheres depois da menopausa — não poderiam casar-se. A verdadeira razão para limitar o casamento à união entre um homem e uma mulher é, portanto, religiosa, e as declarações de Bush sobre esta matéria, além de contradizerem as suas opiniões anteriormente expressas sobre os direitos dos estados, ultrapassam a linha de separação entre a religião e o estado, de forma mais flagrante do que qualquer outra política social da sua presidência. (Este tópico e a forma como Bush já vinha a esbater esta divisão são objecto do Capítulo 5.)
A insatisfação com a política de Bush relativa à utilização de fundos federais na investigação com células estaminais criadas a partir de embriões humanos continuou a aumentar desde que a secção do Capítulo 3 que lhe é dedicada foi redigida. Na altura, a política de Bush tentava estabelecer um compromisso entre opiniões divergentes. Aqueles que pensam que os seres humanos têm direito à vida desde o momento da concepção pretendem impor uma proibição total de utilização de fundos federais na investigação que usa células estaminais humanas, pois as células são obtidas através de um processo que resulta na destruição do embrião. Mas nem todos concordam que os embriões nas primeiras fases de formação têm direito à vida, e, uma vez que a investigação encerra uma potencialidade tremenda de tratamento de doenças graves que afectam dezenas de milhões de americanos, muitos afirmam que é incorrecto pôr de parte uma linha promissora de investigação meramente porque esta exige a destruição de embriões humanos.
O compromisso de Bush consistiu em dizer que só permitiria que os fundos federais fossem utilizados na investigação de células estaminais que tivessem sido derivadas de células com existência anterior ao seu discurso de 9 de Agosto de 2001. Procurava, assim, assegurar que a disponibilidade de fundos federais não encorajaria qualquer investigador a destruir um embrião humano de forma a desenvolver uma nova linha de células estaminais. Mas este compromisso assentava no pressuposto de que, na altura em que o seu discurso foi proferido, haveria suficientes “linhas” de células estaminais viáveis — isto é, células estaminais que se reproduziriam, existentes numa cultura — para permitir a prossecução da investigação. Os cientistas provaram, posteriormente, que tal não era verdade. Em Março de 2004, alguns investigadores de Harvard, utilizando fundos privados, desenvolveram dezassete novas linhas de células estaminais e puseram-nas à disposição de outros investigadores, duplicando assim o número de linhas de células estaminais disponíveis. Mas os investigadores que utilizam estas linhas também vão precisar de fundos não governamentais para o seu trabalho. O mesmo se aplicaria se utilizassem linhas de células estaminais criadas por cientistas da Coreia do Sul que, juntamente com cientistas de outros países não afectados por quaisquer restrições, passaram agora à frente dos cientistas americanos em aspectos importantes desta área de investigação.
Em resposta à política de Bush, algumas fundações começaram a angariar fundos para fornecerem financiamento não governamental aos investigadores norte-americanos que querem trabalhar em células estaminais. A Fundação de Diabetes Juvenil conseguiu marcar pontos quando, em Maio de 2004, garantiu a participação de Nancy Reagan — juntamente com Dustin Hoffman, Michael J. Fox e Larry King — numa gala em Beverly Hills destinada a angariar fundos especificamente com esse fim. A Sra. Reagan, que praticamente nunca emite publicamente opiniões sobre questões políticas, disse como o marido, o antigo presidente republicano adorado pelos cristãos, fora levado pela doença de Alzheimer “para um sítio distante onde já não consigo comunicar com ele”. Sobre a investigação com células estaminais, disse: “Não vejo, simplesmente, como podemos voltar as costas a isto”. Mas o financiamento privado fornece apenas uma fracção dos fundos que o governo federal concederia, não fora a proibição de Bush da utilização de linhas de células estaminais recém-criadas.
Nos Estados Unidos, são mantidos congelados cerca de quatrocentos mil embriões, em clínicas de fertilização. Na melhor das hipóteses, metade serão utilizados pelos seus pais biológicos. Uma vez tidos os filhos que pretendem, ou cessado de querer ter filhos, deixam de ter necessidade destes embriões excedentários. Alguns dos embriões indesejados serão dados para adopção, mas a maioria acabará por ser destruída. Em Abril de 2004, duzentos e seis membros da Câmara dos Representantes, incluindo alguns líderes republicanos e trinta e seis opositores ao aborto, subscreveram uma carta na qual se pedia ao presidente que permitisse a utilização de fundos federais em linhas de células estaminais derivadas destes embriões excedentários que, de outro modo, acabariam por ser eliminados. Mas o presidente fez saber, através de um porta-voz, que não alteraria a sua posição. Encorajar a destruição de embriões humanos — mesmo, segundo tudo indica, tratando-se de embriões que não têm futuro — seria, na sua opinião, “ultrapassar uma linha moral fundamental”.
Mas que “linha moral fundamental” é esta? Segundo tudo leva a crer, nada tem a ver com o valor da vida humana. Pouco tempo passado sobre a primeira edição deste livro, como convidado no programa radiofónico de Brian Lehrer na WNYC, filial da Rádio Nacional Pública de Nova Iorque, emiti a opinião de que o Presidente Bush se preocupava mais com embriões congelados do que com os civis iraquianos. Um ouvinte irado ligou para o programa e disse a Lehrer que este não devia ter deixado sem resposta um comentário de tal forma ultrajante. Mas os factos falam por si. No decurso dos combates no Iraque, os bombardeiros e os soldados americanos, sob as ordens de Bush, mataram milhares de cidadãos iraquianos inocentes. O presidente fora avisado de que a guerra provocaria baixas civis, tanto pelo General Tommy Franks como pelo Papa João Paulo II, que enviou um emissário especial para se encontrar com ele. O emissário, Cardeal Pio Laghi, é um velho amigo da família Bush. Disse ao presidente que uma guerra com o Iraque não seria justa, que seria ilegal, provocaria baixas civis, aumentaria o fosso entre os mundos cristão e muçulmano e não melhoraria as coisas. A resposta do presidente foi que uma guerra com o Iraque melhoraria as coisas. Na altura, estava convencido de que Saddam Hussein possuía armas de destruição maciça, mas mais tarde, depois de David Kay ter reconhecido que não era assim, e depois de saber, ou dever saber, que a guerra provocara milhares de mortes entre os civis, continuou a pensar que a guerra tinha sido uma decisão acertada: “Mesmo tendo sabido o que sei hoje acerca dos arsenais de armas”, disse ele na sua conferência de imprensa de Abril de 2004, “teria apelado ao mundo para resolver o problema que era Saddam Hussein”. Bush parece acreditar que o objectivo de derrubar um tirano é, por si só — independentemente de o tirano possuir armas de destruição maciça — suficientemente importante para justificar a morte de milhares de civis. No entanto, não é capaz de permitir o uso de fundos federais para o progresso de uma investigação que poderia salvar milhões de vidas e ajudar outras tantas que se debatem já com doenças incapacitantes — um documento informativo da Casa Branca atesta que cento e vinte e oito milhões de americanos sofrem de doenças para as quais as células estaminais poderiam fornecer um tratamento eficaz —, se esse uso levar à morte de umas centenas de embriões. O contraste entre as abordagens de Bush a estas questões sugere fortemente que ele está mais preocupado com embriões congelados do que com os homens, as mulheres e as crianças do Iraque.