A reflexão sobre a variedade de formas de vida social que as sociedades, em uma época ou outra, consideraram aceitáveis, há muito que tem sido uma fonte de ceticismo moral. O pensamento de que existem muitos sistemas sociais radicalmente diferentes, cada um colorindo o modo como seus membros pensam sobre questões morais e políticas, pode servir para solapar a confiança em nossa crença de que nosso modo de olhar para estas questões, ou mesmo nosso modo de colocar as questões é o correto.
Até então é o não-cognitivista que tem sido acusado de ter de enfrentar argumentos céticos. Mas o realista não parece invulnerável neste assunto. Vimos em 4.6. que uma das marcas da verdade era a convergência. Onde existe verdade, esperaríamos que as opiniões dos pesquisadores convergiriam. Onde isto deixa de ocorrer podemos razoavelmente duvidar de que a verdade esteja disponível nesta área, a menos que alguma explicação convincente da divergência possa ser encontrada. O estudo de culturas discrepantes — freqüentemente se alega — revela uma ampla divergência entre seus sistemas morais. Existe então um argumento prima facie para se duvidar da existência de verdade moral? Será que a existência de sistemas morais divergentes nos fornece razão para duvidar de nossa capacidade para justificar nosso sistema?
A tomada de consciência de que existem sociedades em que o comportamento que acharíamos inaceitável é não apenas tolerado, mas até encorajado, pode ser muito perturbador, mas não leva necessariamente ao ceticismo moral. Tal perplexidade pode assumir diferentes formas. Ela pode ser o choque de se descobrir que outros seres humanos poderiam se comportar destes modos; consta que os conquistadores espanhóis ficaram horrorizados quando se depararam com a evidência da prática de sacrifício humano dos Incas e uma repulsa similar foi sentida por aqueles que primeiro entraram em Belsen e Buchenwald. Tais experiências profundamente inquietantes solapam nossa confiança na bondade dos seres humanos, mas não necessitam ter a tendência para solapar nossa crença em nosso próprio código moral. O fato de que outras pessoas possam ser más não é razão para duvidarmos de nossa própria posição moral. Tampouco a confiança em nossas visões morais precisa ser arranhada pela sugestão, por mais horrenda que possa ser, de que os que perpetraram tais atos acreditavam que estavam justificados em fazer o que fizeram. Pois podemos ver claramente que seu intento de justificação não é bem sucedido. O que solaparia a confiança seria a suspeita de que os membros dessa sociedade poderiam oferecer uma justificação para o que fizeram que, em seus próprios termos, fosse tão aceitável quanto aquela que somos capazes de oferecer para nossas posições.
É em uma tentativa de provar que são falsas tais suspeitas que muitos filósofos morais procuraram descobrir um conjunto de princípios morais que poderiam ser vistos como racionalmente aceitáveis por qualquer ser humano, não importando qual seja seu “background” cultural. Como vimos em 3.6 o internista realista rejeita esta abordagem sobre a justificação moral como mal orientada. Seu modelo para a resolução do desacordo moral envolve tentar descobrir qual é o modo correto de ver a situação. O modo como vemos a situação depende, entretanto, do tipo de treinamento que recebemos. Este treinamento depende, por sua vez, da cultura na qual fomos educados. Este aspecto da reconstrução realista da justificação moral pode torná-la particularmente vulnerável à suspeita de que, enquanto cada sociedade pode oferecer uma justificação de suas próprias posições morais em seus próprios termos, não existem termos nos quais uma sociedade pode justificar suas próprias posições para uma outra sociedade. Se nossa percepção de questões morais está saturada — nas assunções e ponto de vista — de nossa cultura particular, como poderíamos oferecer uma justificação de nossa posição que fosse acessível a alguém em uma cultura estranha?
Pois, onde existe um desacordo moral entre duas pessoas com “background” culturalmente diverso, a quê eles podem apelar para resolver seu desacordo? É claro que cada um pode tentar conseguir que o outro partilhe sua concepção da situação, mas considerando que tiveram educação distinta, isto pode bem se mostrar um fracasso. Existirá pouco em matéria de razão comum entre eles, e assim cada um deles pode ser deixado francamente afirmando que esta é a concepção correta. Os mesmos lances cépticos que foram usados contra a reconstrução não cognitivista simples pode agora ser dirigida contra o realista. Cada participante da disputa pode apoiar sua própria opinião moral a partir do interior de sua própria perspectiva moral; o que ele não consegue fazer é prover qualquer razão, que não rogue a questão, para fazer crer que sua opinião moral nesta questão particular é superior à do outro. Pois, qualquer razão que ele ofereça produzirá uma concepção que não é partilhada por seu oponente.
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Uma reflexão sobre a extraordinária variedade de sociedades humanas pode levar a uma proposta radical para resolver esta dificuldade. Até aí o realista assumiu que existe uma realidade moral e que o problema é justificar qualquer alegação de uma pessoa particular de a estar vendo corretamente. Impressionado pelas diferenças extraordinárias em cultura entre, digamos, a sociedade medieval samurai e a nossa própria, poderíamos adotar a sugestão de Bernard Williams ( 1985, pp. 150–151) de que existe mais do que um mundo social, e, portanto, mais do que uma realidade moral. A educação de um guerreiro samurai o capacitaria a se virar em seu mundo social, mas não no nosso.
A sugestão de que existe uma pluralidade de realidades morais poderia parecer ser pouco mais do que uma metáfora vaga e extravagante. Podemos começar a lhe dar conteúdo apelando para uma noção encontrada em algum lugar na filosofia, incluindo a filosofia da ciência, a da incomensurabilidade de esquemas conceituais. Empregamos um conjunto de conceitos entrelaçados para dar sentido ao mundo. Esse conjunto de conceitos determina não somente como organizamos nossa experiência, mas também o que há de contar como uma boa razão para o quê. Parece possível que possam existir conjuntos um tanto diferentes de conceitos inter-relacionados que as pessoas poderiam usar, modos um tanto diferentes de entender e interpretar a experiência. Poderia não haver um modo de se estabelecer uma correlação entre um conjunto de conceitos e um outro conjunto, de uma forma que nos permitisse ver qualquer conceito em um esquema como tendo um equivalente direto no outro. Uma vez que cada esquema usa conceitos radicalmente diferentes para descrever o mundo, nenhum enunciado em um esquema teria o mesmo significado que algum enunciado no outro esquema. Segue-se que nenhum enunciado em um esquema iria jamais contradizer um enunciado em outro. Os esquemas seriam incomensuráveis no sentido de que não existe nenhuma medida comum pela qual eles podem ser avaliados.
Existe alguma razão para se crer que diferentes sociedades empregam conceitos morais e sociais que são tão heterogêneos para dar suporte à alegação de que existiriam esquemas morais incomensuráveis? Para responder a isto precisamos distinguir entre termos muito gerais de avaliação, tais como “bom”, mau”, “certo”, errado” e assim por diante, e conceitos morais muito mais específicos tais como “corajoso”, honesto”, “casto”,, “leal” e “justo”. Os últimos, que são usados para se fazer uma avaliação mais detalhada de um agente ou de uma ação particular, poderíamos chamar, seguindo a Williams novamente (1985, pp. 143–150), de conceitos morais espessos para distingui-los dos conceitos avaliativos mais finos, mais gerais, que podem ser empregados em quase qualquer circunstância.
Um fato que chama atenção quando tentamos prover uma tradução direta de termos espessos de outra língua para a nossa, é que em geral não existe palavra alguma ou expressão que capta seu significado de modo preciso. Esta é uma experiência familiar a estudantes da ética grega. Somos ensinados que termos gregos que são comumente traduzidos como “justiça”, ou “ virtude” não significam na realidade exatamente o que estes termos ingleses significam. Eles dividem o mundo moral de modos que não correspondem diretamente às divisões de nossa própria cultura. O fenômeno é tanto mais claro quanto mais podemos ser tentados a dizer que somos confrontados com uma instância de dois esquemas morais incomensuráveis. Nenhum julgamento em um esquema contradiz qualquer julgamento no outro esquema, pois os conceitos que cada um usa diferem muito marcadamente. Contudo, os dois esquemas se excluem reciprocamente. Eles não podem simplesmente ser combinados, pois aceitar um é viver uma forma de vida e aceitar o outro é viver uma outra bem diferente.
Se nenhum julgamento em um esquema contradiz diretamente qualquer julgamento no outro, então parece que abrandamos o temor cético com o qual começamos. A dúvida original foi levantada pela imagem de dois protagonistas fazendo asserções contraditórias, cada uma das quais poderia ser justificada em termos do sistema ao qual ela pertencia. Nós agora vemos que as diferenças entre diversas culturas são demasiadamente radicais para que seja uma possibilidade. Seus esquemas morais não são suficientemente próximos para que possam estar em desacordo em qualquer questão. Os dois esquemas não se envolvem um com o outro em absoluto. Eles descrevem mundos sociais diferentes.
O realista moral pode bem considerar esta sugestão não como uma proposta promissora, mas como uma retificação ruinosa. Temos uma relutância natural e compreensível em contemplar o pensamento de que poderia existir uma multiplicidade de realidades. Com que direito todas elas hão de ser pensadas como reais? Todavia, existem preocupações mais específicas as quais o realista pode levantar.
Primeiramente é como se cada sociedade criasse sua própria realidade moral, mas isto faz a proposta parecer nossa descrição inicial de um ponto de vista irrealista. A origem de nosso debate reside no contraste entre o irrealista, que pensa que nós criamos a moralidade, e o realista, que pensa que ela é independente de nós, esperando para ser descoberta. Na presente proposta, o realista parece ter mudado de lado nesse debate.
Em resposta, poderia ser dito que a presente proposta é somente uma extensão de um ponto que o realista já concedeu. No final do capítulo 5 aludi ao fato de que o realista admite que podemos, ao colocar emoldurar nossa imagem da realidade, usar conceitos que estão disponíveis tão-somente a criaturas como nós, criaturas que partilham muito em comum com os seres humanos. Não pode haver objeção em princípio, portanto, a que se admita que uma cultura particular, ao emoldurar seu quadro da realidade moral, possa usar conceitos que são disponíveis somente a ela.
Em segundo lugar, o realista está autorizado a perguntar se esta disposição para abraçar uma pluralidade de mundos morais se estende também a mundos físicos. Se não, então ele pode razoavelmente suspeitar de que a diferença de tratamento dos casos moral e físico consista em um intento de re-introduzir, em uma outra forma, algo como aquela disparidade de tratamento entre questões factuais e avaliativas, que é característica do não- cognitivismo.
Terceiro, a proposta parece sufocar dúvidas céticas em um lugar, apenas para que elas reapareçam em outro. Não poderia a reflexão sobre o fato de que existem esquemas morais radicalmente diferentes abalar nossa confiança no uso de nosso próprio esquema? O que nos dá o direito de reivindicar que nosso conjunto particular de conceitos é o correto ou mesmo bom para ser usado? Uma vez que essa questão é levantada, entretanto, ela parece ser irrespondível. Normalmente, quando fazemos uma avaliação usando um conceito moral delgado como “certo” ou “bom” nossa resposta é guiada pelos conceitos espessos. É porque alguma escolha exemplifica características admiráveis, como candura ou compaixão, que nós a julgamos como sendo uma boa escolha. Ao tentar decidir se nossos conceitos morais espessos são os melhores para serem usados não podemos apelar a quaisquer considerações que fazem uso daqueles conceitos sem rogar a questão. Uma vez que tenhamos transcendido nosso esquema conceitual, e portanto nossa própria concepção do quê é uma boa razão para o quê, nós nos despojamos de quaisquer meios de responder a questão. É como se nossa ligação para com nosso esquema moral não pudesse ser justificada, exceto usando-se os recursos conceituais cujas credenciais estão sendo questionadas.
Para esta terceira preocupação duas respostas poderiam ser dadas. Primeiramente, poderia ser dito que, uma vez que não temos uma escolha genuína entre esquemas morais, a dúvida é ociosa. Temos que viver na cultura na qual nos encontramos. Não podemos escolher adotar os valores de um Samurai medieval, por mais atraente que poderíamos achar tal perspectiva. Esta resposta está ela própria sujeita a objeção. Ela passa por cima do fato de que tais escolhas são enfrentadas por algumas pessoas; é uma questão genuína para um índio americano se ele continua a viver a vida de seus ancestrais, na medida em que ele é capaz, ou ele se harmoniza com a cultura dominante dos Estados Unidos.
Em segundo lugar, a reflexão de que não podemos encontrar meio para justificar nosso uso de nossos conceitos sem apelo ao que há de ser justificado deve ser balanceado pelo reconhecimento de que o mesmo é verdadeiro para toda cultura. Uma vez que não podem existir razões, ao nível da reflexão que transcende culturas, para preferir qualquer conjunto de conceitos morais a qualquer outro, não temos razão para continuar a usar nossos conceitos atuais com tanto direito quanto antes. Esta linha de resposta é um exemplo particular de um padrão de resposta para dúvidas cépticas.
O céptico argumenta que não podemos produzir nenhuma razão para pensar que nossas crenças presentes em alguma área são justificadas. Uma manobra favorita dos cépticos consiste em mostrar que existem sistemas alternativos de crenças que são igualmente bem apoiados pela evidência. Não podemos, o céptico alega, encontrar nenhuma razão para preferir nosso sistema de crença a qualquer outro. A resposta padrão é que desde que — pela paridade de raciocínio — não podemos produzir nenhum razão para preferir algum outro sistema ao nosso, estamos justificados em continuar a fazer as alegações que fazemos. É duvidoso se este tipo de resposta faz frente de modo adequado ao desafio céptico. Felizmente, podemos deixar a questão em aberto, uma vez que existe um argumento importante, que devemos a Donald Davidson, e que mostra que não podem existir esquemas conceituais incomensuráveis ( ver, especialmente, 1984, capítulo 13.).
Como poderíamos vir a reconhecer que os membros de uma outra sociedade estão usando um esquema moral que é incomensurável em relação ao nosso? Como pode um antropólogo visitante de nosso cultura decidir que ele está vivendo em uma sociedade que tem um conjunto de valores inteiramente diferente? O realista argumentou em 3.6 que podemos somente entender as práticas morais de outros se nós ou bem compartilhamos as mesmas ou, ao menos, somos simpáticos a elas. Uma vez que nosso antropólogo não compartilharia o modo de vida dos nativos, ele apenas pode dar sentido a suas práticas morais se puder entender o ponto de suas práticas.; se ele pode apreciar seu ponto de vista avaliativo. Contudo, se ele há de ter boas razões para alegar que seu sistema de valores é realmente incomensurável em relação ao nosso, ele tem que achar sua cultura tão estranha que não pode encontrar nenhum valor que ele e eles compartilham. Existe, portanto, uma tensão interna nas condições que teriam que ser satisfeitas, caso uma alegação de ter encontrado uma tal cultura devesse ser substanciada. O antropólogo tem que estar suficientemente em sintonia com aquela cultura para dar sentido a seu ponto de vista avaliativo. Ao mesmo tempo, ele tem que estar tão distante dela que não pode interpretar sua cultura e a nossa como concordando ou discordando sobre qualquer questão avaliativa.
Poderíamos suspeitar de que a tensão entre estas exigências é irresolúvel. Esta suspeita é confirmada quando consideramos o que estaria envolvido ao traduzir a linguagem dos nativos — algo que o antropólogo tem que fazer se há de entender sua cultura. Onde o antropólogo e os nativos não compartilham nenhuma linguagem, como ele há de começar a aprendê-la? Ele tem que começar observando seu comportamento e formulando hipóteses sobre o que seus proferimentos significam, hipóteses que ele pode testar por observação adicional, e tentando engajar os nativos em conversação. Uma vez que ele não sabe, no início, o que um proferimento significa, ele tem que supor que os proferimentos que eles fazem quando confrontados com alguma situação particular são similares àqueles que faríamos quando confrontados com aquela situação. Ao fazer isso, ele está assumindo que os nativos tem crenças similares às nossas. Ele supõe que, por exemplo, quando está chovendo, os nativos terão uma crença de que está chovendo. Assim, ele pode tentativamente interpretar alguma observação que eles fazem quando o céu escurece como significando “Está prestes a chover”.
Davidson chama esta cláusula de interpretação — a suposição de que os nativos concordam conosco em muitas de suas crenças — de o princípio de caridade (1984, pp. 196–197):
Uma vez que a caridade não é uma opção, mas uma condição para se ter teoria operável, não faz sentido sugerir que poderíamos incidir em grande erro endossando-a. Até que tenhamos estabelecido com sucesso uma correlação sistemática de sentenças tidas por verdadeiras com sentenças tidas por verdadeiras, não existem erros a fazer. A caridade é imposta a nós; se gostamos dela ou não, se queremos entender os outros, temos que considerá-los certos em muitos assuntos…. O método não está destinado a eliminar o desacordo, tampouco o pode; seu propósito é dar sentido ao desacordo possível, e isto depende inteiramente de um fundamento — algum fundamento — do acordo.
Em suma, tornamos as pessoas inteligíveis concordando com elas.
Uma vez que a interpretação pode somente ter lugar se supomos que existe uma grande dose de acordo em crença entre nós e os nativos, não pode existir nenhuma interpretação da linguagem dos nativos sob a qual eles se revelam como tendo um esquema de crenças que é radicalmente incomensurável com o nosso próprio.
Nada na teoria da interpretação exclui a possibilidade de que alguns dos conceitos dos nativos não correspondam diretamente aos nossos. Ao decidir se este é ou não o caso temos que reconhecer que significados e crenças são sensíveis uns aos outros. Isto é, confrontados com alguma observação intrigante, sempre temos a escolha de supor que entendemos corretamente o significado da observação, mas que o falante tem crenças estranhas sobre o assunto em questão, ou que ele tem crenças mais ortodoxas e que nós entendemos equivocadamente o significado de algumas de suas palavras. Uma tal escolha é ilustrada no caso de alguém que está tentando dar sentido à ética grega. Tendo decidido traduzir alguma palavra grega como, digamos, “justiça” ele pode então achar que Platão faz alguma observação usando essa palavra que lhe parece estranha. Ele tem a escolha de supor ou bem que Platão tem falsas crenças sobre a justiça ou que o conceito grego em questão não tem o mesmo significado que aquele que denotamos pela palavra “justiça”. O fato de que podemos decidir que alguns dos conceitos dos nativos não correspondem ao nossos não mostra que não podemos nos comunicar com eles. Ao contrário, não poderíamos chegar a esta conclusão, a menos que pudéssemos nos comunicar com eles.
Não pode existir nenhuma regra dura e rápida sobre como tomamos tais decisões; nosso objetivo, como sempre em interpretação, tem que ser dar o máximo de sentido á posição do estranho como um todo. Quaisquer escolhas que façamos em uma área de interpretação está fadada a ter um impacto em outras áreas. Interpretação é uma empreitada holística; nenhuma parte da rede de crença e significado pode ser tratada isoladamente.
O argumento a partir da natureza da interpretação é destinado a mostrar que não pode existir esquemas conceituais inteiramente incomensuráveis. Todavia, poderia ser argumentado, isso não mostra que não poderiam existir esquemas morais incomensuráveis. Será que nosso antropólogo não poderia ver os nativos como compartilhando conosco muitas crenças sobre o mundo físico enquanto emprega conceitos morais bem estranhos?
Uma combinação de três visões poderia encorajar o pensamento de que, no caso de visões morais, não temos que concordar com os outros para torná-los inteligíveis. A primeira é a visão de que a interpretação requer somente concordância em crença e não concordância em desejo. A segunda é que sabemos quais desejos as pessoas têm simplesmente observando seu comportamento. A terceira é que uma visão moral é essencialmente uma questão de ter uma atitude pró ou contra para com algum tipo de ação; isto é, desejar que ações desse tipo sejam realizadas ou não realizadas. Dada esta combinação de doutrinas defende-se que nós simplesmente descobrimos quais são as visões morais locais observando como eles se comportam. Todas as três alegações, que são típicas do não–cognitivismo moral, são equivocadas.
A primeira é equivocada porque desejos e crenças são também sensíveis entre si. Como argumentei em 7.2, ao atribuir um desejo a um outro temos que tornar inteligível que ele deve ter aquele desejo, e isto tem que envolver nossa compreensão de como alguém poderia achar tal estado atraente. Só podemos fazer isso dando sentido àquele desejo à luz de outras crenças que ele tem sobre o objeto. Na medida em que deixamos de fazer isto, temos razão para duvidar de que tenhamos interpretado corretamente seus desejos. A segunda é falsa por razões similares. A fim de ver como a ação de alguém é uma expressão de seus desejos de um modo que é explanatório, necessitamos ter também uma interpretação do que ele crê. O nativo pode desenhar um esboço de um búfalo na parede de uma caverna. Podemos dizer, trivialmente, que ele tem que ter desejado esboçar um búfalo, mas sem referência às suas crenças não podemos dizer quais outras crenças subjazem à sua ação de um modo que nos capacita a entender seu objectivo.
A terceira alegação é também equivocada. A visão de que ter uma atitude moral favorável para com alguma coisa é simplesmente desejar que ela aconteça é demasiadamente simples. Não existem apenas duas atitudes morais para com algo, pró e contra, mas todo uma complexa gama de avaliações que fazemos na avaliação moral. Isto é por que empregamos conceitos morais espessos. Qualquer entendimento adequado da posição dos nativos tem que dar conta de que tipo de avaliação moral eles oferecem para diferentes atividades. Não podemos descobrir as visões morais de uma sociedade estranha simplesmente observando o que eles fazem e vendo quais práticas eles encorajam ou desencorajam. Uma atitude moral é uma atitude para a qual seus proponentes podem dar razões de um certo tipo; de acordo com os princípios de interpretação, temos que ver aquelas razões como sendo do tipo certo de razões antes que possamos entender sua atitude como sendo uma atitude moral. Existem, afinal, muitas atividades, tais como praticar esporte ou oferecer um chá para os amigos que são encorajadas em nossa sociedade mas que seria bizarro pensar que elas são motivadas por concernências morais.
Resumindo: a sugestão de que nossos compromissos morais podem variar independentemente de nossas outras crenças é característico do não-cognitivismo. O realista mostrou que esta sugestão tem que ser rejeitada; necessitamos entender as outras crenças do agente a fim de dar sentido a suas crenças morais. O trabalho de interpretação é holístico; nenhuma parte do pensamento dos nativos pode ser excluída dela. Uma vez que os princípios da interpretação excluem a possibilidade de esquemas conceituais incomensuráveis, eles excluem também, portanto, a possibilidade de que existam esquemas morais incomensuráveis.
A lição da secção anterior é que o desacordo só pode ter lugar contra um pano de fundo de acordo. Desacordo pode não obstante ser disseminado, importante e difícil de resolver. A existência e a persistência do desacordo é um dos fatores que podem acender a reflexão crítica sobre nossos métodos de justificação. Como podemos empreender a avaliação desses métodos, detectar aqueles que são inadequados e substituí-los? A história da filosofia fornece dois modelos de reflexão crítica.
O primeiro, que é encontrado mais notavelmente em Descartes, é impressionado pelo fato de que nenhum método de justificação pode ser imunizado do escrutínio crítico, se o trabalho deve ser feito cuidadosamente. Tentar justificar um desses métodos por apelo a um outro seria tentar nos puxar para cima com nossos próprios cordões. Temos que suspender a crença em todos eles e então submeter cada um à inspeção racional radical, somente admitindo de volta em nosso sistema de crença se houver garantia de que ele é isento de defeitos. A dificuldade é que, tendo temporariamente rejeitado o uso de todos os nossos métodos de justificação até que se tenha revelado que eles são sólidos, ficamos nós sem nada a que podemos apelar quando chegamos a submeter cada método ao teste racional. Não podemos transcender nosso esquema de justificação e tentar examiná-lo, como um todo, a partir de fora, porque não existe ponto que possamos ocupar a partir do qual este escrutínio poderia ter lugar.
A segunda interpretação, convencida por esta objeção ao primeiro modelo, reconhece que não podemos questionar todas as nossas crenças e princípios ao mesmo tempo. Podemos questionar, ajustar ou rejeitar algumas de nossas crenças, mas somente à luz de outras, às quais nos atemos, e que não podem estar ao mesmo tempo sob exame. Nenhuma crença, entretanto, é imune à crítica, embora algumas crenças sejam muito mais entrincheiradas do que outras. Nosso sistema de crenças pode ser comparado, em uma imagem que devemos ao filósofo austríaco Otto Neurath, a um navio no mar. Qualquer tábua podre pode ser consertada ou substituída, mas retirar todas as tábuas de uma vez a fim de examiná-las levaria a viagem rapidamente a um fim Se adotamos, como penso que o devemos, este segundo modelo de reflexão crítica, então teremos adotado um modelo holístico de justificação. Cada crença é apoiada pelas outras crenças no conjunto. Se uma crença é justificada, ela o é pelo seu lugar em todo o conjunto; não existe nada externo ao conjunto em termos do qual ela pode ser avaliada.
Voltemos à dificuldade com a qual começamos este capítulo. Quando estou desapontado com alguém sobre uma questão moral, existirão muitas coisas que temos em comum e às quais podemos apelar em uma tentativa de resolver nosso desacordo. Nesses assuntos em que discordamos pode existir, entretanto, uma simetria, com respeito à justificação, entre a posição de meu oponente e a minha. Cada um de nós tem razões para se ater à sua conclusão e rejeitar a do outro. Cada um considera seu oponente como errado e pode ser capaz de dar alguma explicação razoável de seu erro. Cada um alega que ele está vendo a questão corretamente e que é capaz de justificar sua alegação a partir de sua posição. Suponhamos que sejamos incapazes de decidir nosso desacordo; razões que parecem cogentes a mim deixam de impressioná-lo e vice-versa. Não deve o reconhecimento da simetria de nossas posições abalar a confiança de cada um de que sua visão é correta, ou mesmo que existe um modo correto de ver o assunto?
Existe um modo aceitável e outro não aceitável de se aceder a este ponto. Lembremo-nos de que, uma vez que não existem esquemas conceituais incomensuráveis, o desacordo ocorrerá contra um pano de fundo de acordo. As razões que meu oponente usa para justificar sua posição não serão, portanto, totalmente estranhas. É perfeitamente adequado a mim ser levado a re-examinar minha própria visão pelo reconhecimento de que alguém, que é normalmente sensível a muitas das mesmas considerações que eu, está aqui discordando de mim. Isto é reflexão crítica ocorrendo em seu lugar próprio, dentro da rede de minhas crenças correntes. O resultado dessa reflexão pode ser uma re-afirmação de minha própria posição, e de minhas razões para sustentá-la, ou pode ser uma mudança em algumas de minhas opiniões.
O pensamento inadequado é a alegação de que o reconhecimento da simetria é ela própria uma razão para eu duvidar, ou mesmo para suspender minha afirmação de estar vendo as coisas corretamente, embora não possa ver qualquer força em outra posição. Isto é sucumbir aos conselhos desesperançados do primeiro modelo de justificação. Em uma tentativa vã de transcender meu próprio ponto de vista, perco toda razão para preferir minha posição a qualquer outra. A sugestão de que existem esquemas morais incomensuráveis impôs o primeiro modelo sobre nós. Aparentemente confrontados com um esquema moral tão estranho que nenhuma parte dele poderia ser absorvida em nosso próprio, ficamos diante da escolha entre aceitar ou rejeitar o outro esquema. Uma vez que não existe razão comum em termos da qual essa escolha poderia ser racionalmente feita, somos deixados com a impressão de que a reflexão crítica simplesmente abala nossas crenças atuais sem oferecer alguma coisa em seu lugar. Uma vez que não existem esquemas incomensuráveis, a reflexão crítica deve ser interpretada de acordo com o segundo modelo. Existe um fundamento comum a partir do qual a discussão pode ter início. A reflexão crítica pode nos levar a adaptar nossas visões à luz do que parece bom nas visões morais de uma outra cultura. Se, entretanto, re-examinamos nossas próprias visões e as encontramos satisfatórias, não existem boas razões para perder a confiança nelas simplesmente porque outros não concordam conosco.
Enquanto achamos que pode existir reflexão crítica genuína sobre nossas próprias crenças morais, que pode nos levar ou a mudá-las, ou a emprestar-lhes renovada confiança, pode-se todavia achar que esta resposta não enfocou a preocupação central sobre a epistemologia realista com a qual começamos — a extensão na qual nossas visões morais são o produto do treino cultural. Vimos que se alguém pode ver alguma consideração como lhe dando razão para agir pode depender de que ele tenha o treino apropriado para tal. Será que podemos enxergar um ponto de vista moral que esteja disponível tão-somente àqueles com um condicionamento cultural como sendo racionalmente fundado? Podemos ser tentados a ressuscitar o argumento da simetria; se recebi o mesmo treinamento que meu oponente, então eu compartilharia sua posição e vice-versa. Que razões posso ter para considerar o treinamento que recebi como superior ao seu, como o que mais provavelmente me capacita a atingir a verdade moral?
É digno de se chamar a atenção para o fato de que se esta é uma preocupação epistemológica genuína, então ela não está confinada à ética. Tem sido argumentado que todas as nossas crenças, e nossos métodos de justificá-las estão fundados em acordo comunitário sobre o quê conta como evidência para o quê. Novos membros têm que ser treinados nesse sistema, de sorte que eles possam aprender qual é a medida correta em um determinado momento crítico. Uma vez que como vimos, não existe nada fora do sistema de crença ao qual nós podemos apelar a fim de justificá-lo, nossa confiança nele tem que repousar em última análise na visão compartilhada de que estas crenças são razões para aqueles sistemas e que esta é a medida correta a ser tomada neste ponto, e assim por diante.
O argumento da simetria somente adquire força quando não existe caminho pelo qual um membro de uma cultura pode alcançar uma posição a partir da qual ele pode formar uma avaliação razoável das crenças de uma outra cultura. Nesse caso existiriam simplesmente dois sistemas de crença se opondo entre si, cada um rejeitando o outro a partir de seu próprio reduto. Mas esta não é a posição em que estamos. Podemos estender nossa sensibilidade através de treinamento e prática adequados, de sorte que podemos vir a apreciar áreas inteiras da experiência humana às quais nós éramos anteriormente cegos. A sensibilidade estética provê um exemplo notório. Podemos estender nossa gama de apreciação para incluir a música, a pintura e o drama de culturas muito diferentes de nossa própria. Uma vez que alguém tenha ampliado sua gama, ele está então em uma posição de extrair paralelos e contrastes iluminadores entre formas de arte em diferentes culturas. Ele pode fazer avaliações comparativas razoáveis que não refletem simplesmente preconceitos de sua própria sociedade.
Existiriam razões pelas quais uma extensão similar de nossa sensibilidade não deva ser possível no caso moral? Uma diferença poderia nos chamar a atenção. No caso estético não existe conflito direto entre nosso gosto, digamos, em matéria de música e o de outros — como chineses ou indianos. A existência de outras sensibilidades estéticas em nada ameaça a validade da nossa. Podemos desenvolver gostos orientais em música sem perder nosso gosto ocidental. No caso moral não parece tão fácil estender nossa apreciação dos méritos de algum outro modo de vida sem abandonar ou, ao menos modificar, nosso comprometimento para com o nosso próprio. Pode ser muito mais difícil, portanto, chegar a uma posição na qual uma comparação razoável dos pontos de vista morais concorrentes possa ser feita. Permanecerá a dúvida de que, se rejeitamos a posição moral de uma outra cultura, é simplesmente porque não podemos nos distanciar suficientemente de nossa própria.
É fácil exagerar estas diferenças. De um lado, existem disputas genuínas em questões estéticas; nem toda visão pode ser acomodada. Ademais, o desenvolvimento de novas sensibilidades pode ameaçar os gostos existentes de um indivíduo. Uma apreciação crescente de música clássica pode tornar o antigo gosto de um indivíduo por música pop parecer deslocado — pode agora parecer banal e sem imaginação. De outro lado, nem todas as diferenças em posições morais necessita, serem vistas como conflitantes. Um indivíduo pode ser tornar sensível aos pontos bons de algum outro modo de vida sem revisar suas próprias avaliações. A fim de estar em uma boa posição para julgar não é necessário adotar o ponto de vista avaliativo de outra cultura; é suficiente que se tenha insight de suas forças e fraquezas.
É demasiadamente fácil condenar o que é estranho em outras culturas. Onde uma sociedade está em uma posição de dominar e conquistar outras, essa atitude pode levar à supressão intolerante do modo de vida de outros, onde ele difere de alguma forma do nosso. Os missionários vitorianos acreditavam que uma de suas primeiras tarefas, ao converter os nativos do Império Britânico para o Cristianismo, era persuadi-los a usar vestimenta mais modesta e abandonar a poligamia. Um desgosto compreensível por esta marca do imperialismo cultural pode produzir um recuo igualmente indiscriminado — uma insistência de que as práticas sociais e morais de outras sociedades estejam além da crítica.
Por trás desta última atitude freqüentemente se esconde alguma versão do pensamento das que, em um forma extrema, leva para a alegação de que existem sistemas morais incomensuráveis — o pensamento de que cada modo de vida é justificado em seus próprios termos. Mas tentar extrair um princípio da tolerância universal desse pensamento é duplamente equivocado. Primeiramente porque, como vimos, não é o caso de que exista uma pluralidade de esquemas totalmente independentes, cada um oferecendo seus próprios padrões separados de justificação. Em segundo lugar, mesmo se fosse verdadeiro, uma tal alegação poderia não ser usada como um argumento em favor de uma política de relações que prescreve viver e deixar viver. Se uma sociedade pudesse justificar, em seus próprios termos, uma política de imperialismo cultural, então não seria razoável esperar que isso fosse inibido pelo pensamento de que uma outra sociedade poderia ser capaz de justificar a rejeição de uma tal política em seus próprios termos. Pois, por hipótese, a sociedade imperialista não reconhece os sistemas justificatórios de outras sociedades. Não existem argumentos irresistíveis que levam rapidamente à tolerância universal por esta via.
Estas duas posições extremas — a condenação franca de alguns modos de vida que não sejam os próprios e a total recusa de julgar desfavoravelmente outras práticas morais — são igualmente nada atraentes. Necessitamos ser capazes de aceitar que alguns modos de vida oferecem formas alternativas aceitáveis de sociedade humana e que algumas não o fazem. Podemos, por exemplo, ter considerável admiração pelo modo de vida praticado pelos sertanejos aborígenes e, ao mesmo tempo, condenar o racismo nos dias atuais dos brancos da África do Sul. Nossa disponibilidade para fazer estas distinções há que repousar sobre uma consideração pormenorizada e cuidadosa do caso particular diante de nós e não em algum princípio geral referente a como temos que julgar outras sociedades. Um ponto geral, entretanto, se aplica. Além das complexidades usuais de se fazer julgamentos morais, deve-se acrescentar a dificuldade, decorrente do fato de que a sociedade em questão não é a nossa e podemos deixar de apreender plenamente o ponto de vista. Aí até mais do que o usual, necessitamos ser abertos à correção e a resistir à insistência humana de julgar apressadamente.
A sugestão de que poderíamos encontrar outros modos de vida aceitáveis pode levantar um quebra-cabeça sobre consistência. Como, por exemplo, poderia um americano condenar a bigamia em sua própria sociedade mas considerá-la aceitável entre os nativos da Polinésia? Esta posição é certamente ou bem francamente incoerente ou, na melhor das hipóteses, protetora ( paternalista), na medida em que implica que os polinésios seriam ignorantes e assim podem ser perdoados seus arranjos matrimoniais que condenamos em nossa sociedade.
Um tal julgamento não tem por que ser condenatório ou condescendente. Pois as estruturas sociais muito diferentes nas duas sociedades tornam o ter uma segunda esposa um ato muito diferente em cada caso. Nos Estados Unidos a relação polígama não tem expressão legal e não encontrará reconhecimento social. Mesmo onde nenhum engano está envolvido, um tal arranjo trará quase inevitavelmente considerável dor a pelo menos algumas das pessoas envolvidas. Em uma sociedade onde tais práticas encontram seu lugar próprio, tais conseqüências desagradáveis não se seguirão de um casamento polígamo, o qual parecerá bastante adequado a todos os envolvidos. É um erro pensar que o casamento em uma sociedade é simplesmente como um casamento em alguma outra sociedade, de sorte que qualquer julgamento feito em um caso deva ser feito neles todos. Observações similares se aplicam em outros casos onde diferentes instituições sociais estão em jogo.
Uma qualificação final necessita ser feita. Até aqui, para facilitar a exposição, mantive o mito de que as sociedades são comparativamente homogêneas e que a fronteira entre uma sociedade e outra é claramente delineada. Ambas as suposições são falsas. Mesmo no âmbito da mais uniforme das sociedades existem redes complexas de sub-culturas. Muitos fatores, especialmente a amplitude da influência ocidental, borraram os limites entre uma cultura e a outra. Assim as pessoas em nossa própria sociedade podem, ocasionalmente, parecer bastante estranhas, e culturas distantes podem de repente aparecer desconcertantemente familiares. Tais considerações somente servem para sublinhar o ponto de que não existe posição tão próxima à nossa que não requeira alguma interpretação simpática a fim de compreendê-la, e nenhum ponto de vista tão distante de nós que seja completamente opaco.
Nossa relação para com outras sociedades e culturas é uma área complexa e apenas arranhei a superfície. Mesmo se nós nos sentimos justificados em condenar o racismo ou o uso da tortura em outros países, tanto quanto no nosso, é uma outra questão decidir se estamos ou não justificados em interferir para coibir essas práticas. Tal problema é talvez particularmente agudo onde membros de mais de uma cultura vivem em grande proximidade. Que passos, se é que algum, devem os membros de uma comunidade dar para evitar que membros de outra comunidade façam coisas que eles desaprovam? Estas questões foram levantadas na sociedade britânica com respeito a tais práticas entre grupos minoritários como rituais de abate de animais e circuncisão feminina. Conversamente, devem aqueles que estão vivendo em uma sociedade estrangeira viver de acordo com o adágio “Quando em Roma faça o que os romanos fazem”, e se engajarem em atividades que julgam inaceitáveis, a fim de evitar ofensa a seus anfitriões? Tais questões difíceis não podem ser razoavelmente ventiladas até que reconheçamos que, com cuidado e imaginação, podemos estender nossas sensibilidades morais para bem além da fronteira de nossa própria cultura. Somente quando compreendemos os outros adquirimos o direito de aplaudir ou condenar seu modo de vida.