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George W. Bush não só é o presidente da América como também o seu mais importante moralista. Não há memória de outro presidente ter falado tão frequentemente sobre bem e mal, correcto e incorrecto. O seu discurso de tomada de posse constituiu um apelo à construção de “uma só nação de justiça e oportunidades”. Um ano mais tarde, como se sabe, declarou que a Coreia do Norte, o Irão e o Iraque formavam um “eixo do mal”, e, em contraste, chamou aos Estados Unidos, “um país com moralidade”. Defende a sua política fiscal em termos morais, dizendo que é justa e devolve aos contribuintes aquilo que legitimamente lhes pertence. Defende o comércio livre com uma argumentação “não apenas económica, mas também moral”. O comércio livre é um “imperativo moral”. Outro “imperativo moral”, afirma, é diminuir a fome e a pobreza no mundo. Disse que “a maior necessidade económica da América é a adopção de padrões éticos mais elevados”. Ao apresentar a “Doutrina de Bush”, que defende os ataques ditos preventivos àqueles que poderão ameaçar a América com armas de destruição maciça, declarou: “A verdade moral é a mesma em todas as culturas, em todos os tempos e em todos os locais”. Mas em que verdades morais acredita o presidente? Considerando o que o presidente afirma sobre ética, surpreende que não exista maior discussão séria sobre a filosofia moral de George W. Bush.
A tendência de Bush para ver o mundo em termos de bem e mal é especialmente impressionante. Referiu o mal em trezentos e dezanove discursos diferentes, ou seja, cerca de trinta por cento do total de intervenções feitas entre a tomada de posse e 16 de Junho de 2003. Nestes discursos, utiliza a palavra “mal” muito mais frequentemente como substantivo do que como adjectivo — novecentas e catorze ocorrências como substantivo contra apenas cento e oitenta e duas como adjectivo. Em todas estas ocasiões em que Bush fala do mal, apenas vinte e quatro vezes a palavra é usada para descrever o que as pessoas fazem — ou seja, para ajuizar actos ou acções. Isto parece indicar que Bush não pensa em más acções, e nem sequer em más pessoas, tantas vezes quantas pensa no mal como uma coisa, ou uma força, algo com uma existência real autónoma em relação aos actos cruéis, atrozes, brutais e egoístas de que os seres humanos são capazes. A facilidade com que fala sobre o mal nestes termos faz-nos procurar saber o significado que o mal pode ter num mundo secular moderno.
O meu interesse profissional pela ética do presidente data da intervenção que fez no meu campo — a bioética — durante o seu primeiro discurso ao país na qualidade de presidente, transmitido pelas televisões em horário nobre no dia 9 de Agosto de 2001. O discurso versou sobre as questões éticas colocadas pela investigação sobre células estaminais. Preparava-me para leccionar um seminário de pós-gradução sobre bioética quando soube que Bush iria falar à nação sobre o assunto. As questões acerca do estatuto moral dos embriões humanos fazem parte do programa da cadeira que lecciono e pensei que seria interessante que os estudantes lessem e discutissem o que o presidente tinha a dizer. Como instrumento pedagógico, funcionou bem, pois o discurso constitui um exemplo claro de um pressuposto não argumentado que é muito comum no debate acerca do aborto e os primórdios da vida humana. Na sequência dos acontecimentos de 11 de Setembro de 2001, o país abandonou a discussão sobre células estaminais e dedicou-se ao terrorismo e às possíveis formas de reagir a este. Mas, como a ética de Bush despertara a minha atenção por um campo, comecei a seguir com maior interesse todas as outras questões que ele via em termos morais. Perguntei a mim próprio: até que ponto o presidente tem uma filosofia moral coerente? Haverá uma perspectiva moral clara por detrás das opiniões particulares que expressa? Em caso afirmativo, qual é?
O presente livro expõe a ética de George W. Bush tal como esta é apresentada nos seus discursos, escritos e outros comentários, assim como nas decisões que tomou enquanto presidente eleito. Não se tenta realizar a tarefa impossível de abranger tudo o que ele disse e fez, e nem mesmo todas as questões importantes da sua presidência, mas, ao invés, opta-se por uma concentração nas questões que revelam de forma mais premente princípios éticos fundamentais e, portanto, as opiniões do presidente sobre o bem e o mal.
Uma vez esclarecidos sobre a natureza da ética de Bush, coloca-se a questão: qual é a sua solidez? Ou, pelo menos, a questão coloca-se a qualquer pessoa que pense existir um papel a ser desempenhado pela razão e pela argumentação na ética. Há quem pense que tudo o que pode ser feito em ética é afirmar a respectiva posição e, se os outros têm opiniões divergentes, não se pode argumentar com eles mais do que se pode argumentar em matéria de gostos. Bush rejeita este cepticismo acerca da moral. Discursando na tomada de posse do seu segundo mandato como governador do Texas, disse que os nossos filhos devem ser ensinados não apenas a ler e a escrever, mas também a distinguir o bem do mal, acrescentando: “Algumas pessoas pensam que já não é adequado fazer juízos morais. Não concordo”. Pois bem, eu também não concordo, por isso aqui está uma opinião sobre a moral em relação à qual eu e o presidente estamos de acordo. Se a razão e a argumentação fossem inúteis na realização de juízos éticos, não estaríamos a ensinar aos nossos filhos o bem e o mal: estaríamos a doutriná-los nas opiniões defendidas pela nossa sociedade, ou nas opiniões que defendemos, sem lhes apresentar razões para julgarem verdadeiras essas opiniões. Pressuponho que, quando Bush afirmou que os nossos filhos devem ser ensinados sobre o bem e o mal, não quis dizer que devemos doutriná-los. Portanto, ele deve pensar, como eu, que podemos discutir com proveito diferentes perspectivas éticas possíveis, e julgar quais delas são mais defensáveis. Ao longo do presente livro, defendo que as posições morais de Bush frequentemente não são defensáveis. Se conseguir persuadir o leitor disto, terei provado que Bush estava pelo menos correcto ao afirmar que é possível ensinar às pessoas o bem e o mal.