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1 de Fevereiro de 2017   Ética

Debilidade moral

David McNaughton
Tradução de Maria Cecília Maringoni de Carvalho

8.1 Debilidade moral

Até aqui vínhamos examinando nossas reconstruções rivais da moralidade para ver até que ponto podem explicar a motivação moral. Uma teoria que não consegue oferecer uma reconstrução satisfatória de como nossas convicções morais encontram sua expressão na ação há que ser rejeitada. Mas nossa convicção de que a moralidade é orientadora da ação precisa ser balanceada contra a observação comum de que as pessoas podem deixar de ser motivadas por considerações morais. Uma teoria aceitável há que explicar não somente como uma exigência moral pode mover um agente a agir, mas também como ela pode deixar de fazê-lo. Não surpreende o fato de que são boas em uma dessas tarefas, e podem se sair menos bem na outra.

As pessoas são, com freqüência, moralmente fracas; deixam de fazer aquilo em que firmemente crêem serem obrigadas a fazer. Como São Paulo (Romanos, Cap. 7, vers. 19) formulou de modo memorável e sucinto: “Não faço o bem que devo fazer e faço o mal que deveria evitar”. Mesmo a mais conscienciosa das pessoas tem lapsos deste tipo. Ela pode ser fortemente atraída em direção a algum curso de ação que sabe ser moralmente errôneo e sucumbir à tentação. Pode estar deprimida ou extenuada por problemas pessoais e deixar de responder a alguma demanda moral que requer tempo e esforço. Pode ser a vítima de seus próprios padrões morais elevados; pode ter ideais tão elevados que, apesar de se esforçar com afinco para viver de acordo com eles, não o conseguirá plenamente. A pessoa moralmente fraca leva a sério a demanda moral apesar de não agir de acordo com ela. O resultado de sua omissão não tem como deixar de ser um sentimento aparentado ao de culpa e auto-reprovação acoplado a resoluções para fazer melhor da próxima vez.

Um agente exibe fraqueza moral quando age de um modo que considera incompatível com o que a moralidade exige. No final do último capítulo vimos que existem ocasiões nas quais considerações morais podem ser suplantadas ou superadas por outros tipos de razão.

Como ilustra meu exemplo do professor, que decide não manter sua promessa ao estudante, um agente pode reconhecer que considerações morais favorecem um curso de ação e contudo deixar de seguir esse curso, sem exibir fraqueza moral. Em um tal caso o agente não crê estar violando uma exigência moral; considera que agiu com propriedade e não sente ou não deve sentir nenhum remorso. No caso da ação moralmente fraca o agente julga que, quaisquer que sejam os atrativos que outros cursos de ação possam ter, alguma ação particular lhe é moralmente requerida, mas depois age contrariamente a esse juízo.

Ambas as nossas teorias (não-cognitivismo e realismo internista) parecem ter dificuldade para acomodar a fraqueza moral, pois ambas subscrevem uma reconstrução internista da motivação moral. O internista crê que convicções morais podem motivar e de fato motivam o agente a agir sem a ajuda de algum estado motivacional ulterior. Se isso é assim, como pode um estado que motiva em alguns casos deixar de motivar em outros? Se a presença de uma convicção moral é suficiente para motivar não é preciso que ela motive sempre?

Um jeito rápido de despachar o problema da vontade fraca?

Alguns internistas sucumbiram a esta linha de pensamento e aceitaram a conclusão surpreendente de que ninguém jamais deixa de agir como acredita que a moralidade exige. Sustentam que o teste para se saber se alguém é sincero em sua afirmação de que aceita um determinado princípio moral é ver se ele age com base no princípio. Deixar de compatibilizar palavra e ação seria seguramente um sinal de hipocrisia. A pessoa que age contrariamente a seus princípios morais professados, a menos que tenha sido compelida (forçada) a agir como o fez, está sujeita à acusação de meramente fingir que os aceita; eles não representam suas convicções reais que são reveladas em suas ações.

Esta visão simples, porém forte, pode ser tão atraente para o puritano rigoroso, mas contradiz a experiência comum. Existe, com efeito, sempre a possibilidade de que o homem que diz uma coisa e faz uma outra pode, a despeito de seus protestos, não ter as convicções morais que diz ter. Mas o teste proposto para esta condição e a reconstrução de sua natureza oferecida aqui são ambas demasiadamente simples. Uma única falha em agir conforme visão moral professada por um indivíduo é uma evidência claramente insuficiente para sustentar a acusação de insinceridade contra alguém: Todo um espectro de considerações precisa ser levado em conta — as circunstâncias nas quais ele deixou de agir, se existiram outras falhas similares, se ele sentiu remorso depois e tentou fazer reparos. Ademais, mesmo que estejamos certos de que suas convicções morais não são o que ele diz que elas são, a hipocrisia não é o único veredicto possível; existe muito espaço para o auto-engano, sobre estes assuntos. O fato de que pode algumas vezes ser difícil distinguir entre um exemplo genuíno de debilidade moral e um caso de hipocrisia ou auto-engano não mostra que não exista distinção entre eles.

8.2 Debilidade da vontade

O fenômeno da debilidade da vontade ameaça solapar nossa compreensão do que se há de explicar em uma ação humana intencional. Vimos que geralmente se aceita que expliquemos por que alguém agiu como agiu, o que o motivou a agir, recorrendo às suas razões. Mas em um caso de debilidade moral o agente deixa de agir de acordo com sua avaliação raciocinada da situação. O agente levou em conta os diversos cursos de ação disponíveis a ele e concluiu que o curso correto de ação, aquele que ele tem as melhores razões para escolher, é um que a moralidade lhe exige escolher. Como pode ele deixar de fazer aquilo para o qual julga possuir máxima razão para fazer e como podemos explicar seu agir desse modo? Este problema, o problema da ação irracional, não está confinado a casos de raciocínio moral; é um problema geral acerca da relação entre raciocínio prático e ação. Raciocínio prático, o raciocínio sobre o que devemos fazer, não está confinado a questões morais. Podemos raciocinar acerca de muitos tópicos: que carreira seguir, para onde ir nas férias, qual o melhor modo de emagrecer. Em cada caso, é possível que cheguemos a uma conclusão e contudo deixemos de agir com base nela. Tampouco são a culpa, o remorso e as resoluções para fazer melhor, confinados a casos de falta moral, como candidatos a fazer dietas ou aqueles que tentam parar de fumar podem atestar. O problema da debilidade moral é, pois, meramente uma instância específica da dificuldade mais ampla tradicionalmente conhecida como o problema da debilidade da vontade. Ele pode ser simplesmente estatuído: como pode um agente agir livre e intencionalmente, ao arrepio de seu julgamento ponderado sobre o que poderia ser seu melhor curso de ação? Um exemplo, que devo a Davidson (em Feinberg, 1969, pp. 101–2) servirá tanto para revelar as dificuldades e incidentalmente ilustrar a tese, segundo a qual nem todos os casos de debilidade da vontade são casos de debilidade moral.

Suponhamos que eu esteja deitado na cama quando de repente me dou conta de que ainda não escovei os dentes. Estou prestes a adormecer e sei, com base na experiência passada que, se me levantar neste momento, acabarei perdendo o sono. Também aceito que o risco aumentado de problemas dentários decorrente da não- escovação por uma noite é tão irrisório que chega a ser negligenciável. Avalio que, ao fim e ao cabo, seria melhor não escovar os dentes e continuar na cama. Entretanto, velhos hábitos dificilmente morrem e acabo me levantando para escovar os dentes. Volto para a cama passo uma noite sem dormir me censurando por não ter agido de acordo com meu melhor juízo. Por que a existência de tais exemplos levanta um problema para a teoria da ação?

Para facilitar a exposição me concentrei no caso em que a escolha de um agente, como no exemplo acima, se dá entre dois cursos de ação, a e b. Como temos que caracterizar seu julgamento de sorte a revelar a dificuldade? O fato de ele poder julgar que a é melhor que b em algum aspecto ou outro e mesmo assim faça b, pois ele pode julgar que existem outros aspectos nos quais b é melhor que a não é intrigante. O que é intrigante é que ele deve julgar que, todas as coisas sendo consideradas, a é melhor que b e não obstante faça b. Aqui o agente sopesou todas as razões que considera serem relevantes para a questão e concluiu que dispunha de mais razão para fazer a do que b e contudo faz b livre e intencionalmente. Esta descrição levanta três problemas inter-relacionados. Existem razões para se afirmar que a ação do agente há de ser inexplicável, irracional e não livre, em cujo caso ele não pode ter agido livre e intencionalmente.

Vimos que é uma razão comum entre uma reconstrução cognitivista da motivação e a teoria da crença-desejo que nós explicamos uma ação intencional de um agente explicitando suas razões para fazer o que fez. No caso que estamos considerando parece que não podemos explicar que o agente faça b apelando para suas razões, pois suas razões apontam na direção de fazer a. Entretanto, este modo de formular a questão é especioso, pois poder-se-ia pensar que implica que o agente não dispõe de razões para fazer b. O agente claramente tem algumas razões para fazer b. (Em nosso exemplo, tenho razões para escovar meus dentes, contanto que deseje evitar que eles caiam). O que é inexplicável por apelo a suas razões não é o fato de ele fazer b, mas fazer b, em lugar de a. Uma vez que a ação intencional é explicitada por apelo às razões do agente, uma ação que não pode ser assim explicada não pode ser intencional. Ação proveniente de uma vontade fraca é irracional. O agente assume que dispões de mais razão para fazer a do que b e todavia não age em conformidade com suas razões. É natural em tais casos dizer-se que o agente foi vencido pela tentação. Um amplo espectro de metáforas foi usado para ilustrar esse ponto: o bom “self” sendo temporariamente subjugado pelo “self” ruim, a paixão assumindo o controle sobre a razão. Estas imagens podem ser enganadoras e encapsular teorias insatisfatórias sobre a debilidade da vontade. Mas o que todas elas sugerem é que a vontade do agente não estava inteiramente sob seu controle. Como poderia um agente totalmente livre e desimpedido escolher o que ele acreditava ser a alternativa pior?

O problema da debilidade da vontade é um exemplo clássico de um paradoxo filosófico. O fenômeno parece ser apenas demasiadamente comum, contudo a reflexão sobre o que ele envolve torna difícil ver como ele pode ocorrer. Como sempre, existem duas estratégias em um tal caso. Uma é aceitar que o fenômeno ocorre e insistir que precisa haver algum erro nas suposições filosóficas que parecem mostrar que ele é incoerente. A outra toma as considerações filosóficas para ter mostrado que não pode existir uma tal coisa; a tarefa então é mostrar como todos nós poderíamos ser enganados em pensar que ele ocorreu. A segunda posição é altamente contra-intuitiva e precisamos ter explorado e rejeitado todas as possíveis versões da primeira abordagem antes de aceitá-la.

Eu sou um daqueles que acreditam que a debilidade da vontade é possível, mas discutir o caso (argumento) em detalhe nos levaria muito além do escopo deste livro. O que farei, portanto, é indicar uma condição geral que deve ser preenchida por qualquer reconstrução satisfatória de como a debilidade da vontade é possível. Podemos então usar essa condição para testar a adequação de teorias da motivação de dois modos que terão alguma relevância para o debate entre o não-cognitivismo moral e o realismo moral. Estamos diante de duas reconstruções do que vem a ser para um agente dispor de uma razão para a ação: a teoria da crença-desejo e a teoria cognitiva. Primeiro, portanto, precisamos averiguar se cada uma delas pode fazer frente à condição. Uma vez que cada teoria da motivação está vinculada a uma de nossas teorias éticas rivais, uma falha em qualquer reconstrução geral da motivação para satisfazer a condição se refletirá sobre a adequação da teoria ética a ela associada. Segundo, precisamos avaliar a reconstrução específica da motivação moral que cada teoria ética oferece para ver se ela impõe alguma dificuldade especial para se permitir espaço para a fraqueza moral.

8.3 Uma condição para uma reconstrução adequada da debilidade da vontade

Qualquer reconstrução satisfatória de como a debilidade da vontade é possível precisa explicar como é possível que um agente se comporte de um modo que é contrário ao seu melhor julgamento. Existem, todavia, vários modos de se fazer isso que não iriam ao encontro das objeções à possibilidade da debilidade da vontade expostas na última seção. O que esses argumentos buscaram mostrar não é que o agente não possa agir contra seu melhor julgamento, mas que ele não consegue fazer isso de modo livre e intencional. Não se nega que um agente possa se ver — talvez levado por forças inconscientes -, agindo de modos que ele não deseja agir. Em tais casos, entretanto, ambos — nós e o agente — provavelmente consideramos seu comportamento como algo que lhe acontece, não como algo que ele tenha feito e escolhido fazer. O impulso central destes argumentos é que não é possível compatibilizar a afirmação de que o agente agiu contra seu melhor juízo com a garantia continuada de que ele era, neste caso particular, um agente — alguém que agiu e que pode ser tido como imputável para essa ação. (Qualquer explicação precisa compatibilizar a afirmação de que o agente agiu livre e intencionalmente com o fato de que a ação é oriunda de uma vontade fraca.)

Quando explicamos uma ação ordinária por apelo às razões do agente, estamos explicando o que ele fez de seu ponto de vista como um agente. Estamos tentando explicar sua ação a partir de dentro; mostrar o processo de pensamento pelo qual ele chegou à sua decisão. Poderíamos obviamente também estar em uma posição de oferecer várias explicações externas de por que ele agiu como agiu em termos de, digamos, um complexo de Édipo não resolvido, ou de suas exigências biológicas. Tais explicações externas não oferecem, contudo, um retrato dele como um agente, como alguém que está agindo intencionalmente e com um propósito que ele próprio reconhece e endossa (que não é dizer que a aplicabilidade de tais reconstruções externas é incompatível com o fato de ele ser um agente). O que se requer, se haveremos de reter nosso sentido de um homem com vontade fraca como um agente, é uma reconstrução que mostre como a ação que ele julgava pior pode parecer suficientemente atraente ao agente para que este a escolhesse, contrariamente ao seu melhor julgamento. Nenhuma solução para o problema da debilidade da vontade pode ser satisfatória, a menos que ela nos capacite a entender como, dada sua visão da situação, ele chegou a agir do modo como o fez. (Qualquer explicação precisa compatibilizar a afirmação de que o agente agiu livre e intencionalmente com a afirmação de que sua ação é oriunda de uma vontade fraca).

Os conceitos de debilidade da vontade e de força de vontade estão interligados. Só podemos entender que um agente escolha a ação que ele julga ser a pior se podemos ver como essa ação podia parecer mais atraente a ele do que aquela que ele julgava a melhor. Igualmente só podemos entender alguém exercendo força de vontade se este alguém está fortemente atraído para a ação que ele julga pior e, não obstante, resiste a tal tentação. Não exibo força de vontade ao agir de acordo com meu melhor julgamento se a alternativa não tiver nenhuma atração para mim.

8.4 Debilidade e teoria da crença-desejo

A teoria da crença-desejo alega que para o agente ter uma razão para agir ele precisa ter um desejo assim como crenças apropriadas. Antes que possamos ver como ele pode lidar com a fraqueza da vontade, necessitamos levantar a questão antecedente: como pode um agente determinar, de acordo com esta reconstrução, qual é a ação para a qual ele dispõe de mais razão para realizar? A resposta óbvia, mas não esclarecedora, é: descobrindo qual delas ele mais fortemente deseja realizar. Isto simplesmente levanta a questão adicional: o quê — nesta visão — é desejar uma coisa mais fortemente do que uma outra? Precisamos relembrar que esta teoria, em sua forma original humiana, considera desejos como sendo estados radicalmente diferentes de crenças. Desejos não são estados cognitivos passivos, mas estados motivacionais ativos. Esta diferença é uma que é revelada na consciência. Quando desejamos algo para o qual nos sentimos atraídos, experimentamos isso como uma necessidade ou atração. É natural, portanto, supor que a ação para a qual o agente tem mais razão para realizar é aquela com a maior força sentida; aquela que exerce o maior poder de atrair: aquela que requer mais esforço para se resistir.

Se adotamos esta reconstrução será que podemos vislumbrar um caso, no qual a alternativa que o agente julga a pior é também aquela que ele acha a mais atraente? Parece que não. Pois de que outra maneira podemos explicar que uma ação é mais atraente que uma outra exceto em termos da força sentida? Dado que a força sentida é a única diferença relevante entre desejos que é discernível a partir do ponto de vista do agente, então a ação para a qual o agente tinha mais razão para realizar será aquela pela (para a ) qual ele é mais fortemente atraído. Nenhum outro curso de ação pode parecer mais atraente do que aquele que ele julga melhor e assim ele nunca pode ser tentado a agir de modo contrário àquele julgamento.

Esta imagem do raciocínio prático é demasiadamente supersimplificada. Com efeito, dificilmente se pode sequer dizer que seja uma reconstrução do raciocínio ou do julgamento: o agente simplesmente reage a quaisquer de seus desejos que tenha de acordo com o agente a maior intensidade para agir. O que se requer é uma reconstrução mais sofisticada do raciocínio prático que, contudo, faça justiça à insistência do não-cognitivista de que um agente somente pode dispor de uma razão para agir se ele tiver um desejo adequado. O que se omitiu até agora da reconstrução é nossa capacidade para refletir sobre nossos desejos e nos perguntar quais deles gostaríamos que fossem satisfeitos.

A primeira coisa que a reflexão revela é que não posso satisfazer a todos os meus desejos, seja porque eles são diretamente incompatíveis ou porque, dado o modo como o mundo é organizado, a satisfação de um, na prática, excluirá a satisfação do outro. Desejos podem entrar em conflito no sentido de que a satisfação de um desejo pode trazer conseqüências que frustrariam a satisfação de algum outro desejo. Posso ter um forte desejo de fumar cigarros, mas reconhecer que corro o risco de destruir minha saúde, que é uma outra coisa com a qual me preocupo. O que preciso fazer é formar alguma imagem relativamente estável e de longo alcance do que desejo alcançar e então estar disposto a renunciar à satisfação daqueles desejos que não podem ser acomodados nesta imagem. Deste modo posso formar uma concepção da pessoa que eu gostaria de ser. Em termos dessa concepção tenho razão para agir com base em alguns de meus desejos e não de outros. Posso até mesmo repudiar alguns de meus desejos, como aqueles de que me sinto envergonhado de ter e identificar-me com outros, desejando encorajá-los.

Através da reflexão podemos plasmar desejos sobre quais de nossos desejos devem ser satisfeitos e quais frustrados. Em termos mais técnicos, plasmamos desejos de segunda ordem sobre quais desejos de primeira ordem devem nos motivar. Ao nível da reflexão nos identificamos com alguns de nossos desejos de primeira ordem e nos distanciamos de outros. A pessoa que está tentando parar de fumar não deseja que seu desejo por cigarros a motive para a ação. Suas razões incluem talvez seu desejo de permanecer saudável e um desejo de não ser o tipo de pessoa que está em poder (é presa) de um desejo ardente. Desejos, entretanto, não aparecem e desaparecem de acordo com nosso comando. Eles não estão sob o controle direto da vontade. Assim como muitos que tentaram parar de fumar podem atestar, desejos de primeira ordem não desaparecem simplesmente em virtude de termos decidido não os satisfazer. Eles podem não apenas permanecer, mas continuar a exercer uma forte atração.

Esta reconstrução de uma estrutura do desejo em dois níveis requer refinamento e aperfeiçoamento adicionais; podemos todavia já considerar que ela satisfaz a condição de que devemos ser capazes de dar sentido à noção de um agente sendo mais atraído por aquilo que julga ser pior. É perfeitamente possível que eu decida, com base na reflexão, que existem muito boas razões pelas quais não devo realizar a ação pela qual tenha o desejo mais forte. Minha avaliação de segunda ordem do peso que devo dar aos meus vários desejos não irá quase certamente refletir suas forças (sentidas) relativas. Assim, podemos dar sentido ao fato de não achar mais atraente a ação que julgo ser a melhor, se medimos a atratividade em termos de força (intensidade) do desejo. Em virtude do fato de que podemos atribuir sentido à noção de um agente que escolhe a ação que ele julga ser a pior, deixamos espaço para a debilidade da vontade. Justamente por isso, abrimos espaço para a força de vontade; pois somente onde alguém é atraído para o pior curso de ação é que ele pode exercer força de vontade ao resistir à tentação. A conexão entre ter uma razão para agir e ter um desejo não é cortada em virtude de que o fato de eu possuir uma razão para não agir com base em meu desejo de primeira ordem mais forte estar fundado em meus desejos de segunda ordem que dizem respeito a quais desejos de primeira ordem eu gostaria de ver satisfeitos.

O escopo para o conflito dentro do agente, por causa de uma discrepância entre a força de um desejo e o peso que o agente atribui a ele quando está decidindo o que fazer pode ser bem radical. Não se trata apenas de que alguns desejos possam ser encontrados como tendo uma força relativamente a outros, que não se alinha com o peso que o agente dá a eles na avaliação. É possível que um agente venha a descontar completamente, na avaliação, um desejo que tem força considerável. O candidato a ex-fumante pode não entender seu desejo por tabaco como dando a ele qualquer razão para fumar. Com efeito, um agente pode considerar um desejo que fortemente o impele na direção de algum curso de ação como uma razão contra a que se o faça: Assim, um professor sexualmente desajustado, mas moralmente sensível, pode considerar o fato de que ele colherá prazer sádico da punição imposta a uma criança como algo que provê uma importante razão para não pegar a vara de marmelo. Em tais situações pode-se mostrar muito difícil exercer a força de vontade; o esforço pode se tornar demasiadamente grande.

8.5 O não-cognitivismo e a debilidade da vontade

A teoria não cognitivista mais básica é virtualmente silenciosa sobre o que constitui uma atitude moral ou o que é a aprovação moral, como distinta de outras formas de aprovação. A teoria do espectador ideal tenta retificar esta omissão. Adotar o ponto de vista moral é adotar o ponto de vista do espectador imparcial simpatizante. Assumir esse ponto de vista, alega-se, é ter um padrão, o padrão utilitarista, pelo qual julgar a correção de qualquer visão moral. Assumir esse ponto de vista não é apenas — como argumentado em 4.8. adotar um método pelo qual podemos esperar descobrir quais ações são certas e quais erradas. Na versão não cognitivista da teoria, é também abraçar um compromisso de se interessar pelo bem-estar humano.

Sugiro que consideremos este compromisso para com a moralidade como um desejo de segunda ordem ou reflexivo. Do ponto de vista utilitarista, o agente quererá ser motivado por alguns de seus desejos cuja satisfação promoverá o bem-estar geral e não quererá ser motivado por desejos cuja realização terá o efeito oposto. As razões pelas quais alguém deve formar um tal desejo de segunda ordem são complexas, mas podemos ver como a reflexão sobre os problemas da vida em comum em uma sociedade poderia inclinar alguém a aprovar aqueles desejos que promovem a vida social harmoniosa e a desaprovar aqueles que estão em conflito com ela. Esse compromisso pode ser fortalecido pela educação e pelo encorajamento e aprovação daqueles em sua volta.

Ver o comprometimento com a moralidade como um desejo de segunda ordem possibilita o não-cognitivista a explicar como um agente pode ser motivado a fazer o que é certo, mesmo quando ele tem um forte desejo para fazer outra coisa. Nós temos um interesse natural, de primeira ordem, pelo bem-estar de outros humanos, que pode freqüentemente nos motivar a fazer o que é certo. Ele é, entretanto, não só fraco mas também variável, e existirão inevitavelmente ocasiões em que o agente tem desejos de primeira ordem que entram em conflito com ele e que têm mais força sentida. Suponhamos que um agente, que está comprometido com o ponto de vista moral, julgue que seria certo visitar sua avó doente mas, não obstante, deseje muito passar o dia em casa em seu jardim. Sua simpatia para com a velha senhora não é tão forte e sua paixão pelo cultivo de alho-poró é enorme. Como pode o reconhecimento de que um espectador ideal aprovaria que ele visitasse sua avó motivá-lo a abandonar sua jardinagem, quando isso é o que ele mais deseja fazer? A tomada de consciência de que ele deveria visitar sua avó pode motivá-lo, mesmo nestas circunstâncias, porque ele está comprometido com fins morais. Esse comprometimento toma a forma de um firme desejo de segunda ordem de agir a partir de certos interesses de primeira ordem, tais como o desejo de ajudar a senhora idosa e doente.

Este modelo também admite a possibilidade da debilidade moral. A força de sua paixão pelo cultivo de alho-poró pode tentá-lo a desviar-se da senda do dever. Pois, existe um sentido plenamente razoável na idéia de que sua visita à avó, que ele vê como seu dever, seja a menos atraente de suas opções.

8.6 Teorias cognitivas da motivação e debilidade moral

O realista nos ofereceu, no último capítulo, duas concepções de pessoa virtuosa e também duas concepções do que é ser consciente de uma exigência moral. Na versão fraca a percepção do agente de que a moralidade exigia uma determinada ação sempre superava quaisquer razões que favorecessem outros cursos de ação. Na versão forte essa percepção silenciava todas as razões em favor de outros cursos de ação de sorte que, nessa situação, elas nem contavam em absoluto como razões. De agora em diante, distinguirei estas versões assim: a concepção fraca do que é uma exigência moral é aquela que uma boa pessoa possuiria; a forte continuarei a referir como a concepção da pessoa (verdadeiramente) virtuosa. Ao abordar a questão de saber se a teoria realista pode acomodar o fenômeno da debilidade moral eu considerarei cada versão em separado, começando com aquela da pessoa boa. A questão mais geral da fragilidade da vontade será tratada na medida em que avançamos.

Vimos no último capítulo que aqueles que oferecem uma reconstrução cognitivista da motivação moral divergem acerca do alcance da teoria cognitiva. Um campo assume uma visão global estendendo a teoria cognitiva da motivação para cobrir todos os casos. Eles negam a necessidade de postular desejos, concebidos como anseios (urges) não cognitivos, para explicar qualquer ação. Em uma reconstrução mista, por contraste, alega-se apenas que algumas ações podem ser plenamente explicadas por referência a estados puramente cognitivos do agente; em outros casos, podemos também precisar apelar para um desejo, concebido como um estado não-cognitivo.

A reconstrução mista torna disponível uma explicação da debilidade moral que, assim como no caso do não cognitivismo, apela para a força sentida de desejos para explicar a atratividade de cursos de ação rivais, porém moralmente inaceitáveis. Em virtude de sua concepção da situação o bom agente pode decidir que uma ação particular é moralmente exigida, e, contudo, pode ter desejos muito intensos — concebidos como anseios (urges) não cognitivos que não estão sob o controle dessa concepção — os quais o tentam na direção de um outro curso. O grau de atração que estes desejos rivais exerce pode explicar o fato de ele deixar de agir em conformidade com o que julga ser melhor.

No âmbito desta imagem a motivação para fazer o que é moralmente certo é de um tipo bem diferente das forças motivacionais que nos levam à tentação. Reconstruções deste tipo foram populares entre muitos filósofos, ao explicar as dificuldades da vida moral e a possibilidade da fraqueza moral. De um lado, temos o julgamento do agente, usualmente tomado como sendo a voz da razão, declarando que algum curso de ação é moralmente exigido. Posicionado contra isto estão vários desejos concebidos como desejos ou ímpetos sensórios, os quais o tentam a se afastar da senda da virtude. O resultado deste conflito entre duas fontes bem diferentes de motivação estará com o agente e seu valor moral depende de como ele faz essa escolha.

Se nós adotamos uma tal reconstrução da fraqueza moral, então podemos não ser capazes de usá-la como um modelo para explicar a fraqueza da vontade em geral. Pois a fraqueza moral é aqui vista como um caso especial em que as forças motivadoras de cada lado são de diferentes tipos: isto não poderia ser verdadeiro de cada caso em que o agente agiu contra o que julgava ser melhor.

O que oferecemos até aqui é um modelo para explicar como, com base na reconstrução mista, a pessoa que vê as exigências morais como sobrepujando outras considerações poderia algumas vezes ser tentada a se afastar do que é certo. Este modelo não está disponível no caso da concepção de uma exigência moral tida por uma pessoa verdadeiramente virtuosa. Para ela, a consciência do que é moralmente exigido é tal que ela silencia todas as outras considerações. O pensamento de que algum outro curso de ação poderia lhe oferecer prazer não envolve suas inclinações em absoluto. Uma vez que ela não acha nem minimamente atraente esse outro curso de ação, ela obviamente não o pode considerar mais atraente do que aquele que é moralmente exigido.

Como então poderia uma pessoa virtuosa deixar de agir como a virtude exige? A resposta é que ela não pode, enquanto retiver sua percepção clara do que é exigido. Eu acompanho McDowell (1978, p.28) ao sustentar que o agente que deixa de fazer o que a virtude exige não pode ter essa concepção clara da situação que é a marca registrada da pessoa virtuosa. Sua visão moral precisa estar ofuscada pelo desejo.

Afirmei no início do capítulo que um modo de se formular o problema da fraqueza moral para o internista era indagar: como pode um estado que é suficiente para motivar o agente em um caso deixar de motivar em um outro? A resposta, no caso da pessoa virtuosa, é que ele não pode deixar de motivar. Será que isso mostra que a fraqueza moral é impossível, com base nesta concepção forte do que é ser consciente de uma exigência moral?

A dificuldade é esta: Um agente é moralmente fraco se ele age contrariamente a seu juízo de que uma ação é moralmente requerida. Todavia, a objeção prossegue, como isto é possível? Se um agente comunga a concepção da situação de uma pessoa virtuosa, na qual ela é moralmente exigida a agir, então ela age. Se ela não age, então ela não pode ter visto que a ação é moralmente exigida. Portanto, a fraqueza moral é impossível.

Existem duas soluções razoavelmente plausíveis a esta objeção. Primeiramente, poderíamos fazer valer que, a fim de ver que algo é moralmente exigido, não se deve ver a situação exatamente como a pessoa virtuosa a vê. A pessoa moralmente fraca pode compartilhar o suficiente da concepção da situação tida por uma pessoa virtuosa para nos permitir dizer que ela reconhece a exigência moral, mesmo que sua visão não seja suficientemente clara para silenciar o clamor de atrações rivais. Ela pode apreender que seria errado seguir um outro curso de ação, sem talvez apreender completamente e em vívido pormenor tudo o que a pessoa virtuosa apreende.

A segunda solução admite que o agente só poderia ter apreendido que ele era moralmente exigido a agir se ele compartilhasse em alguma ocasião a concepção da pessoa virtuosa. Mas isso não precisa significar que, no momento em que deixou de agir com base nesse conhecimento o agente ainda tinha essa clara concepção. Sua visão pode ter sido subseqüentemente ofuscada pelo desejo. (Uma coisa é ver a incorreção do adultério, outra bem diferente é manter essa posição quando a ocasião se apresenta).

À segunda solução poderia ser objetado que, uma vez que o agente que tem uma vontade fraca não teve uma clara concepção da exigência no momento em que agiu, ele não acreditou que o que ele estava fazendo era errado. Se ele perdeu a concepção da situação que alicerçava sua crença será que ele não perdeu também a crença?

Esta objeção pode ser enfrentada. O agente pode ainda estar convencido, no momento em que age, da verdade do juízo moral que ele elaborou quando sua percepção da situação não estava obnubilada. Ele não precisa ser capaz de recriar essa percepção; é suficiente que uma vez o tenha feito. Uma outra analogia retirada da estética pode ajudar aqui. Suponhamos que eu tenha ouvido uma peça de música algumas vezes quando me encontrava em uma disposição convenientemente receptiva. Fiquei impressionado com sua simplicidade e sua ternura. Eu a ouço de novo quando estou mal-humorado e preocupado, esperando que ela tenha um efeito calmante. Ao contrário, ela soa banal, desprovida de imaginação e trivial. Devo concluir que eu estava errado ao supor que ela continha as qualidades admiráveis que detectei na primeira audição? Não. Posso concluir que a falta reside em mim, não na música.

A teoria cognitiva global

O intento de explicar a tentação e a debilidade moral em termos de uma batalha entre as forças opostas da razão e do desejo exerceu uma fascinação sobre filósofos ocidentais desde o princípio. Todavia existe sempre algo de insatisfatório sobre uma teoria mista; considerações de simplicidade nos levam a preferir um sistema em que toda a motivação é do mesmo tipo. Uma vez que uma reconstrução cognitivista da motivação foi aceita em uma gama de casos existe uma tendência na direção de se estender esta reconstrução para cobrir todo o campo. Se essa extensão é feita então o conflito que pode levar à debilidade moral não pode ser representado como um (conflito) entre dois diferentes tipos de motivação — um estado cognitivo e desejos rivais. Um passo em direção à teoria pura parece tornar novamente problemática a possibilidade da fraqueza moral. Se a concepção que o agente tem da situação aponta para, ou mesmo exige, um curso de ação, e se inexiste espaço na imagem para fontes de motivação que são não cognitivas e rivais, como pode algum curso de ação — outro que não aquele que ele julga melhor — parecer mais atraente ao agente?

A solução, no âmbito da teoria global, ao problema da debilidade moral em particular e da debilidade da vontade em geral, reside na possibilidade de concepções rivais. Já vimos que em um caso típico de debilidade da vontade, existe algo a ser dito em favor de ambos os cursos de ação. Visto de um ponto de vista, uma ação pode parecer melhor do que a outra ; visto de uma outra posição o inverso pode ser o caso. A partir de um ponto de vista, certos aspectos da situação se sobressaem enquanto outros ficam obscurecidos (em segundo plano) ; de um ponto de vista diferente esta configuração se altera. Considerado do ponto de vista da vantagem econômica, pode parecer melhor construir uma estrada neste vale bonito e longínquo; considerado do ponto de vista da qualidade de vida, pode não o ser. Sob os pressupostos da abordagem cognitivista o objetivo do raciocínio prático é organizar estas concepções rivais em um quadro abrangente no qual as várias considerações encontram seu lugar próprio.

Embora as concepções rivais e mais limitadas sejam suprassumidas em uma abrangente, elas são ainda disponíveis para o agente. Mesmo após ele ter formado um julgamento a respeito do que é melhor, pode ainda ser possível vislumbrar a situação de um único ponto de vista, ignorando aspectos que teriam que ser inseridos em um quadro acabado. Uma forma particular de olhar para as coisas pode ser uma à qual o agente é especialmente vulnerável. Quando ele olha para a situação desse ponto de vista o curso de ação que ele julga ser em geral o melhor pode parecer menos atraente do que alguma ação alternativa. Quanto mais difícil ele achar manter a concepção abrangente e quanto mais inclinado estiver para recair na concepção mais limitada, mais atraído ele estará para um curso que ele julga ser o pior.

Podemos querer saber por que deve ser difícil manter a concepção abrangente ; se cheguei a uma visão (perspectiva) na qual todas as coisas a serem ditas a favor de e contra um curso de ação encontraram seu lugar próprio, como posso então recair em (retroceder para ) uma visão mais parcial? Temos que recordar que a capacidade de ver o mundo como a pessoa virtuosa o vê não é facilmente alcançada; requer treinamento e prática. Poucas pessoas conseguem ver o mundo deste modo de forma consistente; ao experimentar circunstâncias é demasiadamente fácil cair-se em concepções menos exigentes.

Um exemplo pode tornar isto mais claro. Suponhamos que eu, uma pessoa um tanto covarde, seja colocado na posição de poder ajudar meus amigos por algum ato de bravura. Existem várias luzes nas quais posso enxergar uma tal ação. Do ponto de vista de minha própria segurança pessoal tal ação é profundamente desprovida de atrativos. De outros pontos de vista, existe muito em seu favor. Eu estaria respondendo ao chamado da amizade e exibindo coragem. Suponhamos que minha avaliação global coloque minha segurança pessoal muito mais abaixo do que outros aspectos e eu julgue que deva agir bravamente. Ao chegar a esta conclusão posso ser guiado por uma concepção do tipo de pessoa que eu gostaria de ser: uma pessoa leal a seus amigos, audaz e destemida. Uma tal concepção pode, entretanto, ser difícil de ser mantida, especialmente se meus hábitos de vida prévios e treinamento recebido na infância tenham me encorajado a avaliar as situações predominantemente visando evitar o perigo. Esta concepção mais limitada pode vir a dominar minha visão do assunto e me levar a achar a inação covarde mais atraente do que a ação que julgo e continuo julgando ser melhor. Em suma: a fim de julgar o que é melhor, necessito atingir uma concepção da situação na qual várias considerações em favor de diferentes cursos de ação encontram seu lugar próprio; a fim de evitar ser tentado a me afastar de meu julgamento refletido quando chega o momento de agir, preciso sustentar essa concepção de sorte que nenhum aspecto da situação venha a ser indevidamente privilegiado. Se deixo de sustentar essa concepção, então posso agir com vontade fraca (levada pela fraqueza).

7. Apêndice: Ação livre, explicável, porém irracional

Mostrei como diversas interpretações da motivação podem satisfazer a condição estipulada em 8.3, a qual necessita ser satisfeita por qualquer interpretação adequada da debilidade da vontade, em geral e da debilidade moral em particular. Mostrar que uma determinada interpretação pode satisfazer aquela condição não é, entretanto, mostrar como as objeções à possibilidade da debilidade da vontade que foram levantadas em 8.2 podem ser satisfeitas. Enquanto eu não proponho fornecer uma defesa completa dessa possibilidade aqui, é importante indicar como o problema poderia ser resolvido.

Uma vez que a ação proveniente de uma vontade fraca é irracional, como pode o agente livre e intencionalmente agir de modo contrário a seu melhor julgamento? Uma ação que provém de uma vontade fraca é irracional, mas não é totalmente irracional. O agente dispõe de razões para realizar a ação que ele julga pior, não sendo como se não houvesse nada a ser dito em favor dela. Aquilo para o qual ele não dispõe de razões e, portanto, o que não pode ser explicado em termos de suas razões, é sua escolha do curso de ação que ele julga pior em detrimento do que ele julga melhor. Que outra explicação podemos oferecer? O argumento da última seção mostrou como podemos descrever as atrações da alternativa pior de sorte que podemos entender que o agente a escolha. Ação que provém de uma vontade fraca é irracional, mas não é desprovida de “rationale”. A fraqueza não é incompreensível se podemos ver, do ponto de vista do agente, o apelo do curso de ação que ele escolheu. Se tal ação é explicável será que podemos interpretá-la como intencional?

Sugiro que devemos modificar nossa interpretação original de como ações intencionais podem ser explicadas. Qualquer explicação satisfatória tem que exibir primeiro, o que o agente estava almejando alcançar e, segundo, por que ele desejava alcançar esse objetivo mais do que qualquer outro. Explicamos o agir intencional de um agente se podemos mostrar por que o ato era atraente para ele, e por que lhe parecia mais atraente do que ações alternativas. Nós normalmente fornecemos uma explicação apresentando suas razões para agir. No caso de ação proveniente de uma vontade fraca, entretanto, temos que mostrar como a ação pode lhe parecer mais atraente do que a alternativa, a despeito de ele julgar que ele dispunha de mais razão para fazer a outra coisa. Isso nós fizemos.

Uma ação que provém de uma vontade fraca é explicável e intencional; todavia, como ela pode ser livre? Como pode um agente deixar de realizar a ação para a qual ele considera que dispunha de mais razão para realizar, se não estivesse compelido, pela força da tentação, a realizar a pior? Se ele estava compelido a realizar a pior, então não era livre para realizar a melhor. Este argumento nos pede para equiparar (identificar) um impulso que não foi resistido com um que era irresistível. Não vejo nenhuma razão para a identificação, a menos que aceitemos, com aqueles que negam a vontade livre, que não existe distinção entre ações que poderíamos ter evitado realizar e as que não pudemos. Se nenhuma ação pode ser livre, entretanto, então não é uma queixa dizer que não podemos entender como uma ação proveniente de uma vontade fraca pode ser livre. Se pensamos que algumas ações são livres, então parece que não há razão por que algumas ações oriundas de uma vontade fraca não devam ser livres. Isto não é negar que existam muitos casos em que não podemos decidir se o agente poderia ter resistido à tentação ou não. Obviamente não poderíamos entender que um agente escolha livremente o pior se não pudéssemos entender como o pior se afigurava para ele mais atraente; todavia, espero ter mostrado como isso é possível.

David McNaughton
Moral Vision: An Introduction to Ethics (Blackwell: Oxford, UK e Cambridge, USA, 1988, 1996, 6.ª reimpressão)
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ISSN 1749-8457