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Crítica
5 de Fevereiro de 2017   Ética

Quase-realismo

David McNaughton
Tradução de Maria Cecília Maringoni de Carvalho

12.1 As perspectivas do quase-realismo

Nossa discussão do não-cognitivismo chegou ao seguinte ponto: o não-cognitivista insistiu sempre que existem limites dentro dos quais alguns conjuntos de atitudes são aceitáveis. Uma sugestão inicial seria a de que um conjunto aceitável de atitudes teria que ser consistente; uma posterior seria a de que um conjunto de atitudes teria que ser tal que um espectador ideal poderia aceitá-lo. Essas duas sugestões têm força; a questão é: esses limites deixam espaço para mais de um conjunto aceitável de atitudes ou será que um único conjunto melhor emergirá? Se a última alternativa for verdadeira, então o projeto do quase-realismo estará em boa forma (terá uma boa chance). A unicidade é uma das marcas da verdade: existe apenas um conjunto de crenças verdadeiras. A possibilidade de um único conjunto melhor poderia fornecer um análogo para a verdade na ética.

A teoria do espectador ideal, como foi sugerido inicialmente, conduziu ao utilitarismo. Assim, conforme um argumento engenhoso de Hare, a exigência de consistência levara ao utilitarismo. Este oferece um método para decidir questões que, em princípio, produziria uma resposta determinada para cada caso. Mas o utilitarismo, como argumentei, não apenas é incompatível com o nosso pensamento moral atual, mas é também uma teoria consideravelmente horrível em seus próprios domínios. Será que o não-cognitivista tem como rejeitá-la? Parece que sim. Já vimos que a exigência de que os juízos morais tenham consistência não é suficiente, por si só, para forçar o não cognitivista a uma posição utilitarista. A suposição adicional requerida para gerar o utilitarismo não é racionalmente cogente nem, à vista de seus resultados, muito atraente. O não-cognitivista não é obrigado a pôr de lado suas atitudes morais e a dar peso igual às preferências de todos. Ele pode simplesmente se ater às atitudes que tem, desde que elas sejam consistentes. Observações similares se aplicam aos requerimentos (exigências) impostos pela teoria do espectador ideal.

Os limites impostos pela consistência ou pela teoria do espectador ideal não selecionam um único conjunto de atitudes como sendo o melhor. Esta conclusão lança dúvida sobre o projeto quase-realista (ver 6.1). Pois, pareceria que a suposição de que existiria um único conjunto correto de respostas a questões morais, que subjaz à discussão e ao debate moral cotidiano, é injustificada. O não-cognitivista poderia buscar evitar tal conclusão tentando construir um procedimento de decisão aceitável que produzisse respostas determinadas, mas que não acarretasse o utilitarismo. Todavia, as perspectivas para esse procedimento parecem desoladoras; argumentei que qualquer tentativa de construir um procedimento de decisão, que simplesmente não rogasse a questão contra determinados sistemas de valores, conduziria ao utilitarismo.

12.2 Uma defesa do quase-realismo

Se a própria reconstrução de Blackburn (1984, cap. 6) do quase-realismo estiver correta, este pessimismo é injustificado. Uma grande parte do empreendimento quase-realista envolve mostrar por que é natural tratar as expressões de atitude como sendo similares a juízos ordinários, dotados de valor-de-verdade. Contudo, Blackburn não vê que esta tarefa exige a construção de um procedimento de decisão moral que encontrasse aceitação de todos os homens razoáveis. O que ele tenta mostrar é que, embutido na estrutura de nosso pensamento moral, há análogos de vários procedimentos que empregamos em uma área onde acreditamos haver verdade. Para ver como isso funciona, tome-se a réplica de Blackburn à crítica dirigida pelo realista no item 3.4, de que o não-cognitivista não pode dar espaço para o conceito de falibilidade moral. Blackburn sugere que podemos encontrar uma analogia não-cognitivista para a falibilidade na idéia de que minhas atitudes poderiam ser melhoradas. Se posso reconhecer que algumas de minhas atitudes podem ser substituídas por outras melhores, então estou, com efeito, reconhecendo que algumas de minhas atitudes podem estar erradas. Mas o que seria ter o pensamento de que minhas atitudes poderiam ser melhoradas, no âmbito de uma reconstrução não-cognitivista? Para responder a esta questão, precisamos introduzir o conceito de sensibilidade moral.

Cada um de nós, no quadro não-cognitivista, está disposto a reagir a várias situações com atitudes diferentes — podemos, por exemplo, nos sentir ultrajados pela crueldade, achar divertido o adultério, ficar entusiasmados pela bravura física e assim por diante. Ao conjunto completo de tais disposições podemos chamar de sensibilidade moral de uma pessoa. É importante ressaltar que podemos não apenas levar em conta uma atitude diante das ações das pessoas, mas também em relação às suas sensibilidades morais. Estas podem ser grosseiras ou sensíveis, inflexíveis ou instáveis, admiráveis ou desprezíveis. Se pudermos, com sensibilidade, assumir a atitude de que a sensibilidade de Pius poderia ser de várias maneiras aprimorada, também podemos tomar a atitude de que nós mesmos temos que nos aprimorar. Assim, retornando à nossa questão original, a idéia de que minhas atitudes possam ser aprimoradas é, em si, uma atitude que posso tomar diante de minha própria sensibilidade. É uma atitude admirável, que penso que cada pessoa deveria assumir diante de sua própria sensibilidade, uma atitude que se manifestará em traços desejáveis tais como uma disposição para olhar para as opiniões morais de outras pessoas com a mente aberta, buscando aprender com elas.

Interpretando a verdade moral

Uma vez que tenhamos tido o pensamento de que algumas sensibilidades são melhores que outras, podemos encarar a tarefa mais ambiciosa de prover uma definição quase-realista para a verdade moral. Podemos definir “o melhor conjunto possível de atitudes” como o conjunto de atitudes que resultaria se aproveitássemos todas as oportunidades possíveis para aprimorarmos nossa sensibilidade. Podemos então definir verdade em termos de pertença a este conjunto. Chamemos o conjunto de M. Então, qualquer atitude m é verdadeira apenas se m for um membro de M. Para testar esta reconstrução temos que olhar para aquilo que, no item 4.5, chamamos de marcas (características) da verdade, para vermos se esta reconstrução as possui. As marcas ou características da verdade são um conjunto de restrições (cláusulas, restrições) que poderíamos esperar ver cumpridas se tivermos que pensar em observações em determinada área do discurso como sendo candidatas à verdade. Duas das mais importantes dessas características são: unicidade — há apenas um conjunto completo de verdade; e consistência — toda verdade é compatível com qualquer outra verdade.

Blackburn levanta a seguinte objeção à sua própria teoria: por que deveríamos supor que há uma única sensibilidade melhor possível? O reconhecimento de que a sensibilidade pode ser imperfeita não garante que há uma única rota pela qual a sensibilidade poderia ser aprimorada; poderiam existir muitas trilhas diferentes pelas quais ela caminharia, todas elas igualmente admiráveis. Ao invés de convergir para um único conjunto de atitudes, as sensibilidades aprimoradas poderiam divergir em vários pontos. Neste caso, poderia não existir um único M e, assim, nenhuma verdade. Tampouco seria o caso de que simplesmente pudéssemos combinar todos esses conjuntos admiráveis de atitudes dentro de um único sistema, porque os conjuntos diferentes conterão atitudes conflitantes que não podem se tornar consistentes, violando, assim, a segunda cláusula.

Estamos no fundo familiarizados a partir do capítulo 10. É importante ter clareza sobre qual é a objeção que Blackburn está tentando enfrentar. Ele não está endossando o pensamento de que eu poderia encontrar uma sensibilidade que nada compartilhasse com minhas atitudes, mas sim que tivesse um apelo tão bom para mim para ser considerada admirável. Pois há um núcleo de atitudes centrais, tais como a oposição à crueldade contra crianças, que não posso imaginar como estando ausente de qualquer sensibilidade que fosse um aprimoramento da minha própria. É quando nos voltamos para as atitudes mais periféricas, aquelas com as quais estou menos firmemente comprometido, que o problema pode aflorar.

O problema que Blackburn está pondo para sua própria teoria é o de que nossa imagem de sensibilidades aprimoradas poderia ter a forma de uma estrutura de árvore. O tronco conteria todas aquelas atitudes sobre as quais estamos seguros de que teriam que estar em qualquer sensibilidade, tão boa quanto ou melhor que a nossa. Em vários pontos ocorreriam ramificações, onde opiniões igualmente admiráveis, mas divergentes, seriam possíveis. Então não seria muito acurado dizer que, se esta estrutura fosse aceita, não haveria verdade moral; a verdade estaria confinada ao pedaço do tronco abaixo da primeira ramificação, àquelas atitudes comuns a todos os sistemas aceitáveis de atitudes.

O argumento de Blackburn para mostrar que a ramificação é impossível nos pede para imaginar, em detalhes, as circunstâncias que nos convenceriam de que havíamos atingido um ponto onde a ramificação poderia ocorrer. não é suficiente que eu simplesmente sustente uma atitude, que não esteja no tronco, e outra pessoa sustente uma atitude incompatível com a minha. Pois eu posso simplesmente tomar a atitude segundo a qual sua sensibilidade é inferior à minha. (Uma sensibilidade que fosse relutante em condenar qualquer atitude conflitante não seria, claramente, uma sensibilidade admirável; uma atitude de condenação frente às atitudes dos nazistas é uma parte de qualquer sensibilidade que poderia ser vista como um aprimoramento de minha própria sensibilidade). O que poderia nos convencer de que a ramificação poderia ocorrer seria um caso em que a posição divergente da minha proviesse de uma sensibilidade que estou preparado para reconhecer como sendo tão boa quanto a minha. Chegaríamos à estrutura de árvore se supuséssemos que sua correta descrição é como se segue. Em meu conjunto de atitudes encontramos o juízo, digamos, de que a monogamia é melhor que a poligamia. No conjunto de atitudes de outra pessoa descubro o juízo de que a poligamia é melhor que a monogamia. Eu também julgo que a sensibilidade dessa outra pessoa não é inferior à minha e que nenhuma das duas pode ser aprimorada.

Mas este conjunto de visões é instável. Se estou convencido de que cada sensibilidade é igualmente sólida, então não devo estar preparado para apoiar minha posição original de que a monogamia é melhor que a poligamia. Uma vez que eu tenha atingido o ponto em que aceito que a posição de outra pessoa é tão válida quanto a minha, devo reconhecer que ambas as nossas sensibilidades contêm defeitos (são frágeis) ; uma sensibilidade melhor poderia não fazer nenhum dos dois julgamentos, mas veria tais tipos de arranjos conjugais como igualmente aceitáveis. Assim, uma sensibilidade aprimorada não incluiria qualquer ramificação. Onde quer que a ramificação ameace, devemos reconhecer que há uma sensibilidade aprimorada que a evita.

12.3 A resposta realista

O quadro do raciocínio moral que Blackburn apresenta está próximo daquele que o realista estava defendendo no capítulo 10. Ele endossa o segundo modelo de reflexão crítica que diz que temos que começar com os compromissos morais que temos realmente, mas estarmos preparados para modificá-los, permanecendo alertas para a possibilidade de aprimoramento. Por contraste, o método que Hare defendeu no último capítulo, está perigosamente próximo do primeiro modelo, o cartesiano. Ele nos aconselha a colocar todos os nossos compromissos morais de lado e então submetê-los ao escrutínio de seu teste. Blackburn evita, sabiamente, esta demanda duvidosamente coerente.

A discordância de Blackburn com respeito ao tipo de método como o de Hare pode ter outra fonte. O pensamento que motivou a busca de Hare por um procedimento de decisão na ética, e que ditou a forma que esse procedimento assumiu foi um pensamento que apenas poderia ser elaborado a partir de uma posição externa a nossos compromissos morais. Fomos instados, nos estágios iniciais do pensamento crítico, a considerar nossas próprias atitudes como sendo meramente preferências, as quais não teriam maior pretensão à autoridade que quaisquer outras. Mas este não é o tipo de pensamento que estamos preparados a acolher em nosso sistema moral corrente. O fato de não estarmos preparados para fazer isto é um dos aspectos de nossa prática moral que faz com que as pessoas tendam para o realismo. Admitir que um não-cognitivista tenha qualquer preocupação de entabular tal pensamento é já desistir do projeto quase-realista e cair nas mãos do realista.

O projeto de Blackburn é uma tentativa robusta e altamente engenhosa para roubar as roupas do realista. Será que ele foi bem sucedido em roubar todas as roupas? Essas roupas servem bem?

As dúvidas, algumas bem técnicas, surgiram acerca da alegação de Blackburn de que a maneira como tratamos as atitudes morais pode mimetizar exatamente nosso tratamento das alegações de verdade. Uma dificuldade óbvia, uma apreciação que devo a Sturgeon (1 986, pp. 127–134), é a de que Blackburn não deixou a si mesmo nenhum espaço para uma distinção entre minha avaliação moral da sensibilidade de outra pessoa e minha avaliação dessa sensibilidade em termos de seu sucesso ou fracasso em alcançar a verdade moral. Contudo, esses dois julgamentos podem vir separados. Alguns defeitos em uma sensibilidade são moralmente mais aceitáveis do que outros, mesmo que não haja diferença no grau de erro produzido por esses defeitos. Por exemplo, muitas pessoas sustentam que “seria mais admirável para muitos de nós se tivéssemos uma sensibilidade moral que errasse para o lado do abrandamento nos julgamentos negativos sobre nossos semelhantes” (Sturgeon, 1986, p. 132).

Outra dificuldade que pode aparecer é aquela que tem origem na noção de convergência, que é uma das marcas ou características da verdade. O que Blackburn oferece, com efeito, é uma versão da teoria do espectador ideal — o melhor conjunto de atitudes é aquele que poderia ser adotado pela sensibilidade ideal. Contudo, diferentemente da versão da teoria com a qual estamos familiarizados, Blackburn não oferece nenhuma elucidação geral do que seriam as características do espectador ideal. Cada um de nós está preparado para melhorar seu próprio conjunto de atitudes em uma tentativa de se chegar mais próximo daquele ideal, e nenhum de nós permitiria ramificações em seu próprio sistema. Mas não há razão para se pensar que estejamos todos caminhando na mesma direção. Nossos respectivos conjuntos de atitudes podem muito bem divergir como convergir, ainda que cada um de nós pense que seu próprio conjunto está se aprimorando.

Blackburn pode replicar que o paralelo delineado por seu opositor não é exato. A alegação não é que, em áreas onde existe verdade, as opiniões de todos os pesquisadores irão eventualmente convergir, mas sim que as opiniões dos pesquisadores competentes irão convergir. A divergência pode ocorrer, mas seria explicável em termos de falhas intelectuais ou sensoriais de alguns dos pesquisadores. O paralelo apropriado em ética, para um pesquisador competente, é uma pessoa com uma sensibilidade admirável. Mas o argumento da ramificação de Blackburn mostra que as atitudes das pessoas dotadas de admirável sensibilidade tenderão à convergência. Se elas divergirem demasiadamente de minhas próprias atitudes, não posso pensar nelas como sendo admiráveis.

O opositor de Blackburn pode replicar que há diferença entre os dois casos. Nas áreas nas quais há verdade, tais como na ciência, há, geralmente, testes aceitos para se distinguir entre pesquisadores competentes e incompetentes. Mas não há tais critérios unanimemente aceitos para decidir quem possui uma sensibilidade admirável.

Se esta réplica é sólida ou não, ela não deveria ser usada pelo realista moral. Pois não há critério amplamente aceito para determinar quem possui a sensibilidade moral mais discriminadora. Por este ângulo, tanto Blackburn quanto o realista moral falham ou tem sucesso juntos por seus próprios esforços. Tomo isto como uma medida da extensão na qual as duas posições se aproximaram.

No item 15.1 levantei a questão de saber se, na reconstrução não-cognitivista, nosso comprometimento para com nossos valores poderia sobreviver ao reconhecimento de que eles são criados ou inventados por nós. A teoria parece gerar uma tensão, semelhante à que detectei no utilitarismo de dois níveis, entre o que poderíamos chamar de pontos de vista internos ou externos. Na metade da vida — na ação, argumento e pensamento morais — nosso comprometimento para com nossos valores morais centrais é provavelmente firme e mesmo passional. Mas, se nos postássemos do lado de fora de nossos comprometimentos morais, poderíamos vê-los como um simples conjunto de atitudes morais dentre outras, não tendo mais validade moral que qualquer outro conjunto. Pode o quase -realismo de Blackburn resolver esta tensão?

Este não é um ponto ao qual seja fácil dar uma resposta definitiva. Blackburn insiste que não podemos, e não devemos, adotar um ponto de vista a partir do qual nossos comprometimentos podem ser vistos como apenas um conjunto dentre outros conjuntos igualmente válidos. Estamos em busca do melhor conjunto de atitudes, e não podemos permanecer indiferentes quando confrontados com uma escolha entre conjuntos que competem entre si. Afinal, o projeto quase-realista tem que mostrar que o não-cognitivismo na moralidade deixa tudo como está. Todavia, será que ele consegue?

A dificuldade, me parece, repousa no contraste, que ainda existe na versão da teoria de Blackburn, da teoria entre questões de fato e questões de valor. A resposta correta a uma questão de fato é determinada pelo modo como o mundo é; a uma questão de valor não. O que então seria uma resposta correta a uma questão moral? Poderíamos responder que a resposta correta é aquela obtida por um procedimento de decisão moral racionalmente aceitável. Contudo, Blackburn não toma esta linha. É difícil resistir à conclusão de que a teoria de Blackburn, apesar de pensarmos e falarmos dentro de nossa prática moral como se houvesse respostas corretas às questões morais, não dá sentido, a partir do ponto de vista externo, à noção de uma resposta moral correta. Uma vez que nos engajamos na reflexão filosófica sobre a moralidade, então, se o projetivismo de Blackburn for sólido, parece que a idéia de que há respostas corretas na moral revela-se afinal uma ilusão e deveríamos subscrever uma teoria do erro.

Suponhamos que concordamos, no interesse do argumento, que o projeto de Blackburn de interpretar a verdade moral tenha sido bem sucedido. Será que permanecem quaisquer diferenças entre sua posição e a do realista moral? Há três diferenças cruciais, com as quais estamos familiarizados e que favorecem a posição realista. As duas primeiras dizem respeito à fenomenologia. Em duas áreas, observação moral e escolha moral, a reconstrução realista é melhor que a de Blackburn. Primeiro, a metáfora da projeção, como argumentei no capítulo 5, não é resgatável. O projetivista não pode fornecer uma reconstrução (explicitação) satisfatória da razão pela qual nós temos experiência do mundo como algo que tem valor. Segundo, na escolha moral, somos confrontados com demandas dotadas de autoridade; a teoria da crença-desejo, que Blackburn subscreve, não pode dar conta dessa autoridade.

Terceiro, na área da teoria moral, o aparato teórico de Blackburn evita que ele seja um particularista moral, uma posição que, como argumentarei no próximo capítulo, é muito recomendável por razões independentes. O modelo da estrutura de uma sensibilidade que o quase-realisno emprega exclui o particularismo. Uma sensibilidade é vista como um mecanismo de processamento que responde àquilo que ela encontra no mundo com um conjunto de reações afetivas que formam a base das atitudes de seu possuidor. É definida por uma função de entrada (input) de crença para uma função de saída (output) de atitude (Blackburn, 1984, p. 192). Em outras palavras, nós entendemos a sensibilidade de alguém, seu ponto de vista moral, se podemos enxergar um padrão em suas reações afetivas àquilo que realmente há no mundo, a saber, às propriedades não-morais. Na medida em que não pudermos detectar nenhum padrão, temos que concluir ou bem que temos dados insuficientes para prosseguir ou que não há um padrão consistente de resposta; isto é, que a pessoa não tem um ponto de vista moral claro mas que reage de modo aleatório. Mas dizer que as reações morais de alguém são inconsistentes é criticar esse alguém. Quaisquer inconsistências desse tipo teriam que ser erradicadas da sensibilidade ideal.

Assim, a busca por uma sensibilidade ideal torna-se a busca por um conjunto ideal de princípios morais, concebidos como um conjunto de regras que seleciona conjuntos de aspectos não-morais para uma avaliação favorável ou desfavorável. Visto que as propriedades não-valorativas do mundo são acessíveis a qualquer um, independentemente de suas opiniões valorativas, segue-se que alguém que sequer simpatize com a sensibilidade que foi defendida como ideal, poderia mesmo assim entendê-la, a ponto de ser capaz de predizer acuradamente com quais atitudes ela responderia a qualquer situação dada. Mas esta é precisamente a imagem de consistência na prática moral de alguém que foi rejeitada pelo realista no item 3.6. Ele sustenta que pode não haver um padrão discernível no nível não-valorativo nas respostas do observador moral ideal. Poderia não haver nenhum conjunto de princípios morais que captasse exatamente o que o realista diria em cada caso particular.

David McNaughton
Moral Vision: An Introduction to Ethics (Blackwell: Oxford, UK e Cambridge, USA, 1988, 1996, 6.ª reimpressão)
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ISSN 1749-8457