raciocínio
O mesmo que inferência. (Desidério Murcho)
O mesmo que inferência. (Desidério Murcho)
1. A posição filosófica segundo a qual a razão tem um papel preponderante na aquisição de conhecimento. O racionalismo é assim o oposto do empirismo. Tal como existem versões radicais de empirismo que negam à razão qualquer papel na aquisição de conhecimento, também as versões mais radicais de racionalismo negam aos sentidos qualquer papel na aquisição de conhecimento. Contudo, ao passo que ainda hoje em dia há quem defenda posições empiristas radicais, as posições racionalistas radicais só foram populares na Grécia antiga. As versões mais moderadas de racionalismo defendem que tanto a razão como os sentidos são fontes substanciais de aquisição de conhecimento. Há que não confundir a ideia de que podemos adquirir conhecimento a priori acerca do mundo com a ideia de que o conhecimento não seria possível sem termos experiência do mundo. Uma coisa é como adquirimos os conceitos relevantes usados na formulação das nossas crenças acerca do mundo, os quais podem ser adquiridos através da experiência; outra coisa é saber se, na posse dos conceitos relevantes, podemos ou não saber coisas acerca do mundo sem recorrer à experiência. Por exemplo, o facto de termos adquirido os conceitos de azul e de vermelho através da experiência perceptiva não nos impede de saber a priori que um objecto todo vermelho não pode ser azul.
Não se deve confundir as posições racionalistas tradicionais com a defesa de uma capacidade racional de intuição responsável pelo nosso conhecimento a priori. Por exemplo, como sabemos que ou chove ou não chove? Porque num certo sentido podemos “ver” através da nossa intuição racional que isso é verdade. Os primeiros grandes filósofos racionalistas foram Descartes, Leibniz e Espinosa. As posições racionalistas foram praticamente rejeitadas durante o séc. XIX com a descoberta de geometrias não euclidianas. Graças ao trabalho de filósofos como Thomas Nagel (n. 1937) e Laurence Bonjour (n. 1943) o racionalismo volta a estar hoje na ordem do dia.
2. Num sentido mais geral, o racionalismo é a ideia de que só racionalmente podemos chegar às verdades acerca do mundo. Tanto a experiência como a razão são métodos racionais de aquisição de conhecimento, por oposição aos processos místicos, como a fé ou a revelação divina. (Célia Teixeira)
Filósofo moral e político americano considerado o principal filósofo político do séc. XX. As ideias de Rawls inserem-se na tradição do contrato social de Locke, Rousseau e Kant. Rawls pensa que se as pessoas tiverem de escolher os princípios (ver princípio) de justiça sem saber como poderão ser por eles afectados, escolherão princípios justos. Imagina, assim, uma experiência mental em que todas as pessoas se encontram numa “posição original” sob um “véu de ignorância”, isto é, em que desconhecem quais as suas aptidões, posição social, riqueza, religião e concepção de valor e de bem. Nesta situação, pensa Rawls, as pessoas chegarão por um contrato social hipotético àquilo a que chama justiça como equidade. Esta concepção de justiça é expressa por dois princípios, um que garante liberdades básicas iguais (ver liberdade) para todos — como as políticas, de expressão e reunião, de consciência e de pensamento, etc. —, e outro que estabelece que as desigualdades devem ser distribuídas de forma a beneficiarem todos e que devem decorrer de posições e funções a que todos tenham acesso. Este último princípio implica que a riqueza seja distribuída de modo a fazer com que os que estão em pior situação fiquem tão bem quanto possível. Uma sociedade justa será liberal (ver liberalismo), democrática (ver democracia) e um sistema de mercado no qual se procede à distribuição da riqueza e em que pessoas com capacidades e motivações iguais têm possibilidades iguais de sucesso, independentemente da classe social em que tenham nascido. (Álvaro Nunes)
Kukathas, Chandran, et.al., Rawls: Uma Teoria da Justiça e os Seus Críticos (Lisboa: Gradiva, 1995).
Rawls, John, Uma Teoria da Justiça (Lisboa: Presença, 2001).
Rawls, John, O Liberalismo Político (Lisboa: Presença, 1997).
Rawls, John, A Lei dos Povos (Coimbra: Quarteto, 2000).
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A faculdade de raciocinar, compreender, ponderar, ajuizar, etc. Os filósofos dividem-se quanto à confiança que depositam na razão. Os mais cépticos duvidam dos seus produtos; alguns, como Hume, confiam mais nas emoções e sentimentos. Outros, como Descartes ou Kant, confiam mais no poder da razão para descobrir verdades importantes. A racionalidade instrumental permite, perante fins dados, determinar os melhores meios para os atingir; por exemplo, quando tenho sede e sei que há água na cozinha, um meio de matar a sede é ir à cozinha. A racionalidade não instrumental, negada por filósofos como Hume, permite determinar os próprios fins. (Desidério Murcho)
Um raciocínio prático é um argumento cuja conclusão se refere à acção. Por exemplo: “Se quiser beber água, tenho de ir à cozinha; eu quero beber água; logo, tenho de ir à cozinha”. O raciocínio moral é uma parte própria do raciocino prático, referindo-se às acções moralmente relevantes: “Causar sofrimento aos animais é moralmente errado; consumir produtos de origem animal contribui para o sofrimento dos animais; logo, devo deixar de consumir produtos de origem animal”. Kant usava a expressão “razão prática” para se referir à faculdade humana que produz os raciocínios práticos. (Desidério Murcho)
Expressão usada por Kant para se referir à faculdade responsável por produzir raciocínios inteiramente a priori, isto é, raciocínios cujas premissas são conhecíveis a priori. Ver a priori / a posteriori.
Princípio proposto por Leibniz. Numa das suas formulações, é a ideia de que todo o existente carece de uma explicação da sua existência: por que razão existe? Caso se trate de algo que existe, mas poderia não ter existido (um existente contingente), a resposta comum invoca outro existente: a Daniela existe porque os seus pais a conceberam, por exemplo. Mas caso se trate de algo que existe, mas não poderia não ter existido (um existente necessário), a resposta é simplesmente que não poderia não ter existido: Deus, se for um existente necessário, existe porque não poderia não existir. (Desidério Murcho)
A totalidade daquilo que há. O conceito de realidade gera uma polémica filosófica muito antiga e importante — o debate realismo/anti-realismo — em que se discute justamente o que há: deveremos incluir os números, os seres imaginários, as mentes alheias, os mundos possíveis, o passado e o futuro? Ou, pelo contrário, apenas as entidades do mundo actual e que têm uma existência espácio-temporal? Um filósofo realista defende que há aquelas “coisas” acerca das quais é realista. Mas ser realista acerca de uma certa classe de “coisas” não implica ser realista acerca de qualquer outra ou de todas as classes de “coisas" — podemos acreditar que há mentes independentes da nossa e não aceitar que haja seres imaginários. Ver abstracto/concreto, categorias, essência, existência, ontologia, ser e universais. (António Paulo Costa)
Vulgarmente diz-se que a atitude de uma pessoa é realista quando essa pessoa evita a especulação, agindo em função dos factos e não dos seus próprios desejos. Nas artes diz-se que um estilo é realista quando evita o ornamento e a fantasia, realçando a maneira como as coisas realmente são. Em filosofia o sentido é diferente, embora existam quase tantas variedades de realismo quantos os tópicos filosóficos em disputa: realismo conceptual, realismo ontológico, realismo epistemológico, realismo ético, realismo estético, realismo matemático, etc. Basicamente o que há em comum em todas estas formas de realismo é a afirmação da existência de algo independentemente do que pensamos, imaginamos, desejamos, acreditamos, sentimos, etc., a seu respeito. A ideia é a de que há coisas que têm uma existência real e independente da mente. Não há filósofos que defendam o realismo em todas as áreas, pois nem tudo parece ser independente da mente: sem mentes não haveria emoções. Já é mais frequente encontrarmos filósofos realistas em relação à ontologia e à epistemologia, mas recusarem o realismo ético (ou moral) e o realismo estético, por exemplo. Os principais tipos de realismo são os seguintes:
1. Realismo conceptual: o termo “realismo” começou por ser aplicado à doutrina de Platão acerca dos universais, de acordo com a qual os universais (a sabedoria, a triangularidade, a humanidade, etc.) são entidades reais e independentes, e não meros conceitos. A doutrina oposta é o nominalismo.
2. Realismo ontológico: esta é uma doutrina acerca do que existe e afirma que o mundo em que vivemos é independente de nós, podendo inclusivamente existir objectos que nunca serão apreendidos por nós. O anti-realismo é a teoria que se lhe opõe.
3. Realismo epistemológico: a perspectiva segundo a qual os objectos percepcionados por nós têm uma existência independente. Este tipo de realismo é dos mais conhecidos e discutidos e, consoante as teorias da percepção adoptadas, também existem diferentes tipos de realismo: o realismo directo (ou realismo ingénuo) e o realismo indirecto (ou realismo crítico). A perspectiva que se lhes opõe é o idealismo.
4. Realismo ético: a ideia de que há factos éticos como “matar é errado”, que não dependem dos nossos sentimentos ou emoções. A perspectiva oposta é o emotivismo.
5. Realismo estético: a ideia de que há factos estéticos, opondo-se às doutrinas subjectivistas que defendem que a beleza está nos olhos do observador. (Aires Almeida)
A doutrina epistemológica de acordo com a qual o mundo exterior não é uma construção mental, mas que o nosso acesso a ele se dá indirectamente através de representações na nossa mente (ver representação). Por isso também é conhecido como realismo indirecto. Dado que as representações não são o mesmo que os objectos representados, o realista crítico conclui que os objectos não são exactamente como os percepcionamos. Assim, há características que dependem da maneira como a nossa percepção funciona (as qualidades secundárias) e outras que existem de forma independente nos próprios objectos (as qualidades primárias). Esta distinção está na base da concepção moderna de ciência e corresponde à distinção entre aparência e realidade. (Aires Almeida)
O mesmo que realismo ingénuo.
O mesmo que objectivismo estético.
O mesmo que realismo crítico.
A crença, partilhada pela maior parte das pessoas, de que o mundo exterior existe e que é exactamente como o percepcionamos. A ideia é a de que entre nós e os objectos exteriores nada se interpõe; temos acesso directo a eles (por isso também é conhecido como realismo directo). Diz-se que é ingénuo porque passa ao lado de objecções óbvias como a possibilidade de termos ilusões ou de haver frequentemente diferenças na maneira como diferentes pessoas percepcionam os mesmos objectos (ou até a mesma pessoa ter experiências perceptivas diferentes acerca do mesmo objecto em momentos diferentes). (Aires Almeida)
Perspectiva metaética segundo a qual há factos morais e estes são objectivos (ver objectivo/subjectivo). Quem diz, por exemplo, que o aborto é errado, está a afirmar uma verdade ou uma falsidade independente de quaisquer gostos pessoais ou convenções sociais. Alguns realistas são naturalistas; outros são intuicionistas. Para os primeiros, os factos morais são apenas uma espécie de factos naturais, e como tal podem ser conhecidos através da observação; os segundos rejeitam esta ideia, sustentando que os factos morais só podem ser conhecidos por intuição intelectual. (Pedro Galvão)
Um argumento com a seguinte forma: “P; de P segue-se um absurdo; logo, não P”. Por exemplo: “Eu não existo; mas se não existo, não posso estar a pensar isto, o que é falso, dado que estou evidentemente a pensar; logo, eu existo”. O absurdo que se segue da primeira premissa pode ser uma contradição com a forma “Q e não Q" — e na lógica formal tem de ser uma contradição. Mas na argumentação informal o absurdo pode ser apenas uma falsidade evidente, ou uma afirmação que de algum modo contradiz a primeira premissa: “Todas as verdades são relativas; mas isto é absurdo porque nesse caso essa mesma verdade seria relativa e, se for relativa, nem todas as verdades são relativas; logo, nem todas as verdades são relativas”. (Desidério Murcho)
1. Posição segundo a qual as verdades de uma área podem ser eliminadas e expressas como verdades de outra área. Por exemplo, quem defende a redução da química à física, defende que os fenómenos químicos mais não são do que fenómenos físicos. As reduções são metafisicamente (ver metafísica) importantes pois ajudam a perceber qual a realidade última do mundo. Por exemplo, se for possível reduzir todas as ciências à física, isso mostraria que a realidade última do mundo é física.
2. Num sentido popular, usa-se “reducionismo” no sentido pejorativo de redutor. Neste sentido, dizer que uma dada área é redutora significa que não dá conta de todos os aspectos da realidade. Este tipo de crítica corre, contudo, o perigo de ser ela própria redutora: dizer que algo é redutor sem mais argumentos é o mesmo que dizer que é mau porque é mau, o que, obviamente, não é uma crítica credível. Ver unidade da ciência. (Célia Teixeira)
Expressão latina que significa “redução ao absurdo”.
A relação que um termo singular, como um nome, tem com aquilo que refere. Por exemplo, o nome “Eça de Queiroz” refere Eça de Queiroz. Entre os problemas relacionados com a referência contam-se o de saber como referem os termos aquilo que referem e o de saber como é possível referir objectos não existentes, como o Pai Natal. Ver filosofia da linguagem. (Célia Teixeira)
Refutar afirmações é diferente de refutar argumentos; mas em ambos os casos trata-se de mostrar que a afirmação ou o argumento, consoante o caso, é inaceitável. Uma afirmação como “toda a gente é infeliz” refuta-se apresentando um argumento ou um contra-exemplo. No caso de se apresentar um argumento, a sua conclusão terá de ser a negação do que se quer refutar, ou pelo menos inconsistente (ver inconsistência) com o que se quer refutar. Assim, para refutar que toda a gente é infeliz é necessário argumentar a favor de “algumas pessoas não são infelizes" (contraditória) ou “Nenhuma pessoa é infeliz" (inconsistente, admitindo que há pessoas). No caso de se apresentar um contra-exemplo, trata-se de apresentar uma pessoa que obviamente não seja infeliz. Só as afirmações universais podem ser refutadas por meio de contra-exemplos; as afirmações particulares não podem sê-lo. O modo como se refuta um argumento é diferente. A este respeito, ver contra-argumento. (Desidério Murcho)
Dá-se uma regressão infinita quando uma explicação, definição ou argumento adia sucessivamente o que se pretendia explicar, definir ou defender. Por exemplo: “Onde está a Terra? Não pode estar suspensa no vazio, senão caía." “Quem a sustenta é Atlas, um grande deus poderoso." “E quem sustenta Atlas?" “Uma tartaruga." “E quem sustenta a tartaruga?" “Não sejas impertinente!” A célebre crítica de Bertrand Russell ao nominalismo (Os Problemas da Filosofia, cap. 9) baseia-se na ideia de que a explicação nominalista dos universais em termos de semelhança entre particulares implica uma regressão infinita. (Desidério Murcho)
A relação que existe entre uma causa e um efeito. O tópico da causalidade é um dos mais importantes tópicos da metafísica, da epistemologia e da filosofia da ciência. Um dos problemas clássicos sobre este tópico é o de saber se as relações causais existem realmente, ou se apenas se trata de relações que a nossa mente atribui aos fenómenos que ocorrem conjuntamente. David Hume deu um dos contributos clássicos mais importantes para a discussão do problema. Ver causa/efeito e cadeia causal. (António Paulo Costa)
A formulação tradicional do relativismo deve-se ao sofista Protágoras e afirma que “O homem é a medida de todas as coisas”, em particular das suas crenças. A interpretação mais natural deste princípio é a de que, se acreditamos que uma proposição é verdadeira, então essa proposição é verdadeira para nós, enquanto seres humanos; e que portanto a veracidade das nossas crenças não é absoluta, mas relativa ao nosso equipamento perceptivo e conceptual. Uma concepção na mesma linha, mas mais abrangente, é a aquela segundo a qual todo o conhecimento é relativo não só às particularidades cognitivas mas também às psicológicas, sociais, culturais e históricas de um dado agente. Segundo esta concepção, nenhuma proposição é verdadeira (ou falsa) em absoluto, mas apenas relativamente. Por outras palavras, o que é verdade para mim (devido a certos condicionalismos sociais ou psicológicos, por exemplo) pode ser falso para outra pessoa (condicionada de modo diferente), não havendo nenhum critério objectivo que permita decidir quem tem razão em absoluto. Apesar de ser bastante popular, quer entre os filósofos (designadamente nos meios “pós-modernos”) quer no senso comum, esta tese tem sérios problemas. Em primeiro lugar, contradiz uma ideia razoável acerca do que é ser verdadeiro e falso: em geral, se uma proposição for verdadeira, não é razoável dizer, de alguém que acredita que ela é falsa, que tem razão (para si próprio). A noção de verdade parece implicar a existência de critérios objectivos de aferição do verdadeiro e do falso; e isto acontece mesmo em casos onde não há consenso sobre quais são eles ou como devem ser aplicados (por exemplo, apesar de não ser consensual que Jorge Sampaio seja um bom Presidente, ou que a pena de morte deva ser permitida, não é razoável dizer que quer os adeptos quer os detractores de Jorge Sampaio ou da pena de morte têm razão para-si-próprios — mas antes que não é neste momento possível estabelecer sem margem para dúvidas quem tem razão). Além disso se, em vez de admitirmos que algumas verdades são relativas — por exemplo, as respeitantes ao gosto estético ou, mais trivialmente, ao gosto gastronómico —, defendermos que todas são, então a própria proposição de que todas as verdades são relativas terá, ela própria, de ser verdadeira relativamente. Mas, se assim for, ela será, com igual legitimidade, falsa para quem estiver condicionado para discordar dela. Ora, o relativista, como seria de esperar, pretende que a sua tese seja absolutamente verdadeira (e que a sua negação seja absolutamente falsa). Para escapar a esta dificuldade, ele poderia argumentar que essa tese é a única que escapa ao relativismo universal; mas teria então de explicar o que legitima um tal tratamento de excepção.
Costuma-se associar o relativismo à ideia de tolerância para com os pontos de vista alheios (o que, em grande medida, ajuda a explicar a sua popularidade). Esta associação é, porém, um equívoco — pois podemos admitir, e até promover, a livre expressão de opiniões diferentes da nossa ao mesmo tempo que as consideramos (absolutamente) falsas. Ver também objectivismo/subjectivismo, pragmatismo, relativismo ético. (Pedro Santos)
Teoria metaética segundo a qual os factos morais são instituídos pela sociedade e, portanto, podem variar de sociedade para sociedade ou de época para época. Se numa sociedade a maior parte das pessoas acredita, por exemplo, que a pena de morte é justa, então nessa sociedade a pena de morte é justa, mas se noutra sociedade a maioria acreditar que a pena de morte é injusta, então aí a pena de morte é efectivamente injusta. Para o relativista, os juízos morais limitam-se a reflectir certos costumes sociais. Quando os costumes ou as crenças morais de uma sociedade mudam, também os factos morais se alteram. (Pedro Galvão)
Ver filosofia da religião.
O mesmo que anamnese.
Designação dada, na teoria representativa da percepção, aos conteúdos da consciência (dados dos sentidos, sensações e ideias) que supostamente os objectos exteriores causam em nós e por intermédio dos quais os conhecemos. Segundo os defensores da teoria (Locke, por exemplo), esses conteúdos são imagens mentais mais ou menos adequadas dos objectos exteriores. Contudo, os críticos (entre os quais se encontra Berkeley) têm chamado a atenção para a dificuldade em ligar essas representações, internas e subjectivas (ver objectivo/subjectivo), com os objectos representados, externos e objectivos, e para o facto de a teoria a abrir assim as portas ao cepticismo. Ver ideia, percepção, realismo, qualidades primárias e secundárias. (Álvaro Nunes)
Latim: “coisa pensante”. Descartes usa o termo para referir o agente que pensa, a coisa que faz o pensamento, de cuja existência é impossível duvidar e que difere do sujeito físico. (Desidério Murcho)
Ser responsável por uma acção ou por uma omissão significa ser passível de responder por ela — por exemplo, perante os pais ou perante um tribunal. No senso comum e na tradição filosófica, religiosa e jurídica, a responsabilidade, seja legal ou moral, é vista como uma consequência do livre-arbítrio: somos responsáveis pelas nossas acções porque somos livres. A responsabilidade não é apenas individual — por exemplo, ao estado é atribuível uma responsabilidade colectiva. Alguns filósofos defenderam a doutrina da responsabilidade negativa, segundo a qual somos responsáveis não só pelos acontecimentos que provocámos, mas também pelos acontecimentos que poderíamos ter evitado. Ver ininputabilidade. (António Paulo Costa)
1. O estudo do uso persuasivo da linguagem. Os estóicos integraram o estudo da retórica na lógica, e hoje em dia é mais comum chamar-lhe lógica informal.
2. O uso de técnicas persuasivas mas enganadoras, como quando alguém profere um discurso racista inflamado, que não se baseia em argumentos sólidos nem informação fidedigna, mas em sugestões falaciosas e em informação deficiente.
3. O uso literariamente elegante da linguagem persuasiva. (Desidério Murcho)
Filósofo norte-americano, influente também nos estudos literários. Os seus heróis filosóficos encontram-se na filosofia analítica (Wittgenstein, Sellars, Davidson) e continental (Hegel, Heidegger, Derrida), mas a figura central é Dewey.
São duas as obras principais: Philosophy and the Mirror of Nature (1979) e Contingency, Irony, and Solidarity (1989). Considerando a ubiquidade da linguagem, PMN defende que levar os pressupostos da filosofia analítica até às últimas consequências significa questionar a imagem da mente como espelho da natureza e do conhecimento como representação. Se não podemos sair da linguagem para verificar a exatidão das nossas descrições, mais vale abandonarmos a ideia de representação exata. O seu mais polémico contributo reconsidera a noção de verdade como uma questão de consenso – solidariedade – e não de objetividade.
Dedica-se depois às consequências, sobretudo políticas, de uma posição antirepresentacionista. Em CIS abandona a tentativa de unificar público e privado: os cidadãos da sua utopia política seriam liberais – avessos à crueldade – e ironistas – conscientes da contingência do seu vocabulário final. Tido como filósofo-do-fim-da-Filosofia, defende uma cultura pós-filosófica, literária ou pragmatista, em que os valores de Verdade, Objetividade e Realidade dariam lugar a uma sociedade mais liberal, solidária e democrática. (Patrícia Fernandes)
Filósofo inglês. Nasceu no seio de uma família aristocrata. Foi educado por preceptores até ingressar no Trinity College de Cambridge para estudar matemática. Russell teve uma vida longa e controversa. As suas preocupações sociais levaram-no ao activismo político, tendo participado, por exemplo, em movimentos sufragistas e em campanhas contra a guerra e pelo desarmamento nuclear. Chegou a ser preso durante uma dessas campanhas. As suas preocupações educacionais levaram-no a escrever muitos livros dirigidos ao grande público. Em 1950 recebeu o Prémio Nobel da literatura.
As suas preocupações com os fundamentos da matemática resultaram na publicação do monumental Principia Mathematica (1910–13), o qual consiste em três volumosos livros escritos com a colaboração Alfred Whitehead (1861–1947). O objectivo era reduzir a lógica à matemática (ver reducionsimo). Os instrumentos lógicos descobertos e desenvolvidos por Russell (e simultaneamente por Frege), permitiram-lhe abordar alguns problemas filosóficos intrincados iniciando uma forma de fazer filosofia que influenciou muito Carnap e os restantes positivistas lógicos. No seu famoso artigo “On Denoting" (1905), Russell usou esses instrumentos para resolver o problema de saber como podemos falar com sentido de algo que não existe. Dessa resposta resultou a sua famosa teoria das descrições definidas. Russell defendeu que frases como “O actual rei de França é careca”, em que a descrição definida “o actual rei de França” nada refere (ver referência), são falsas. Em epistemologia, distinguiu duas formas de conhecimento: temos conhecimento por contacto quando estamos em contacto com uma coisa ou uma pessoa e temos conhecimento por descrição quando conhecemos algo através de uma descrição. Defendeu o atomismo lógico, uma forma extrema de empirismo. Em metafísica, Russell era realista, defendendo a existência de universais. É autor de Os Problemas de Filosofia (1912, trad. Desidério Murcho, 2008), um livro de introdução que se tornou leitura obrigatória para muitos estudantes de filosofia, e de uma das mais influentes histórias da filosofia, a História da Filosofia Ocidental (1945, trad. Círculo de Leitores, 1977), entre muitas outras obras. (Célia Teixeira)
Kenny, Anthony, História Concisa da Filosofia Ocidental, cap. 21 (Lisboa: Temas e Debates, 1999).
Magee, Bryan, Os Grandes Filósofos, cap. 14 (Lisboa: Presença, 1989).