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17 de Janeiro de 2012   Metafísica

Ações, razões e causasa

Donald Davidson
Tradução de Marcelo Fischborn

Qual é a relação entre uma razão e uma ação quando a razão explica a ação, dando a razão do agente para fazer o que fez? Podemos chamar tais explicações de racionalizações, e dizer que a razão racionaliza a ação.

Neste artigo quero defender a posição antiga — e de senso comum — de que a racionalização é uma espécie de explicação causalb. A defesa sem dúvida exige alguma reelaboração, mas não parece necessário abandonar a posição, como muitos autores recentes insistem.1

I

Uma razão racionaliza uma ação somente se nos leva a ver algo que o agente viu, ou pensou que viu, em sua ação — uma característica, conseqüência ou aspecto da ação que quis, desejou, admirou, estimou, considerou ser seu dever, ser benéfico, obrigatório ou agradável. Não podemos explicar por que alguém fez o que fez simplesmente dizendo que a ação particular lhe interessou; temos de indicar o que na ação lhe interessou. Sempre que alguém faz algo por uma razão, pode, por isso, ser caracterizado por a) ter algum tipo de atitude favorável a ações de certo tipo e b) acreditar (ou saber, perceber, notar, lembrar) que sua ação é daquele tipo. Sob a devem ser incluídos desejos, quereres, impulsos, incitações, e uma grande diversidade de pontos de vista morais, princípios estéticos, predisposições econômicas, convenções sociais, e objetivos e valores públicos ou privados, na medida em que podem ser interpretados como atitudes de um agente que visam ações de certo tipo. A palavra “atitude” faz aqui um serviço solícito, pois precisa abranger não apenas traços de caráter permanentes, que se revelam nos comportamentos de uma vida inteira, como o amor por crianças ou o gosto por companhia barulhenta, mas também as mais efêmeras fantasias que impelem uma ação singular, como um desejo súbito de tocar o cotovelo de uma mulher. Em geral, as atitudes favoráveis não devem ser tomadas como convicções, por mais temporárias que sejam, de que toda a ação de certo tipo deva ser realizada, mereça ser realizada, ou seja desejável, no cômputo geral. Pelo contrário, um homem pode ter a vida toda um desejo ávido de, digamos, beber uma lata de tinta, sem jamais, nem mesmo no momento em que se sujeita a tal, acreditar que valha a pena fazê-lo.

Dar a razão pela qual um agente fez algo é freqüentemente uma questão de nomear a atitude favorável (a), ou a crença relacionada (b), ou ambos; vou denominar esse par razão primária pela qual o agente realizou a ação. Agora é possível reformular a afirmação de que as racionalizações são explicações causais e, também, dar estrutura ao argumento ao declarar duas teses sobre razões primárias:

  1. Para entendermos como uma razão de um tipo qualquer racionaliza uma ação é necessário e suficiente que vejamos, ao menos em suas linhas gerais mais essenciais, como construir uma razão primária.
  2. A razão primária para uma ação é a sua causa.

Argumentarei em favor desses pontos, um de cada vez.

II

Ligo o interruptor, acendo a luz e ilumino a sala. Sem que eu saiba, também alerto o ladrão do fato de que estou em casa. Aqui não preciso estar fazendo quatro coisasc, mas apenas uma, da qual se deu quatro descrições.2 Liguei o interruptor porque quis acender a luz e, ao dizer que quis acender a luz, explico (dou minha razão, racionalizo) o ligar. Mas não racionalizo, ao dar essa razão, o meu alertar o ladrão, nem o meu iluminar a sala. Dado que as razões podem racionalizar o que alguém faz quando o descrevemos de um modo mas não de outro, não podemos tratar o que foi feito simplesmente como um termo em frases como “A minha razão para ligar o interruptor foi que quis acender a luz”; de outro modo seríamos forçados a concluir, do fato de que ligar o interruptor foi idêntico a alertar o ladrão, que a minha razão para alertar o ladrão foi que quis acender a luz. Vamos assinalar este caráter quase-intensional3 de descrições de ações em racionalizações, declarando de modo um pouco mais preciso uma condição necessária para razões primárias:

C1. R é uma razão primária pela qual um agente realizou a ação A sob a descrição d somente se R consiste numa atitude favorável do agente em relação a ações com certa propriedade, e da crença do agente de que A, sob a descrição d, tem tal propriedade.

Como pode o meu querer acender a luz ser (parte de) uma razão primária, uma vez que parece carecer do elemento de generalidade exigido? Podemos ser iludidos pelo paralelo verbal entre “acendi a luz” e “quis acender a luz”. A primeira claramente refere-se a um evento particular; então, concluímos que a segunda tem esse mesmo evento como seu objeto. Naturalmente, é óbvio que o evento de eu acender a luz não pode ser referido da mesma maneira em ambas as frases, uma vez que a existência do evento é exigida pela verdade de “acendi a luz”, mas não pela verdade de “quis acender a luz”. Se a referência fosse a mesma em ambos os casos, a segunda frase implicaria a primeira; mas, de fato, as frases são logicamente independentes. O que é menos óbvio, ao menos até lhe darmos atenção, é que ao evento cuja ocorrência torna “acendi a luz” verdadeira não se pode chamar o objeto, ainda que intensional, de “quis acender a luz”. Se acendi a luz, então tenho de tê-lo feito num momento preciso, de um modo particular — cada detalhe está fixado. Mas não faz sentido exigir que o meu querer vise uma ação realizada num momento particular qualquer, ou de alguma maneira específica. Qualquer uma de um número elevado e indeterminado de ações satisfaria o querer, e podem igualmente ser consideradas elegíveis como seu objeto. Quereres e desejos visam freqüentemente objetos físicos. Todavia, “quero aquele relógio de ouro na vitrine” não é uma razão primária, e explica por que entrei na loja somente por sugerir uma razão primária — por exemplo, que quis comprar o relógio.

Porque “quis acender a luz” e “acendi a luz” são logicamente independentes, a primeira pode ser usada para dar uma razão pela qual a segunda é verdadeira. Tal razão dá uma informação mínima: sugere que a ação foi intencional, e o querer tende a excluir outras atitudes favoráveis, como um sentido de dever ou obrigação. Mas a exclusão depende muito da ação e do contexto de explicação. O querer parece pálido ao lado do cobiçar, mas seria estranho negar que alguém que cobiçou uma mulher ou uma xícara de café quis uma ou outra. De fato, é natural tratar o querer como um gênero incluindo todas as atitudes favoráveis como espécies. Quando fazemos isso, e quando sabemos que uma ação é intencional, é fácil responder à pergunta “Por que fez você isso?” com “Por nenhuma razão”, não significando que não houve uma razão, mas que não houve uma razão adicional, nenhuma razão que não pudesse ser inferida do fato de a ação ter sido intencional; nenhuma razão, por outras palavras, além de querer realizá-la. Esse último ponto não é essencial para o argumento presente, mas é interessante porque defende a possibilidade de definir uma ação intencional como uma ação feita por uma razão.

Uma razão primária consiste numa crença e numa atitude, mas geralmente é ocioso mencionar ambas. Se você me diz que está afrouxando a bujarrona, porque pensa que assim impedirá a vela mestra de ceder, não preciso ser avisado de que você quer impedir que a vela mestra ceda; e se você me diz que está fazendo uma careta porque me quer me insultar, não há razão para acrescentar que pensa que fazendo uma careta me insulta. De modo semelhante, muitas explicações de ações em termos de razões que não são primárias não exigem menção da razão primária para completar a história. Se digo que estou arrancando inços porque quero um gramado bonito, seria tolo complementar com “E também vejo algo de desejável em qualquer ação que torne, ou tenha boas hipóteses de tornar, o gramado bonito”. Por que insistir que há um passo, lógico ou psicológico, na passagem de um desejo de um fim, que não é uma ação, para as ações que alguém concebe como meios? Serve igualmente bem ao argumento que o fim desejado explica a ação somente se o agente desejou aquilo que acreditou serem meios.

Felizmente, não é necessário classificar e analisar os muitos tipos de emoções, sentimentos, humores, motivos, paixões e apetites, cuja menção pode responder à pergunta “Por que fez você isso?”, para se ver que, quando tal menção racionaliza a ação, está envolvida uma razão primária. A claustrofobia dá a um homem uma razão para deixar uma festa, porque sabemos que as pessoas querem evitar, escapar, ficar seguras, manter distância entre elas e o que temem. O ciúme é o motivo num envenenamento porque, entre outras coisas, o envenenador acredita que a sua ação prejudicará o seu rival, eliminará a causa da sua agonia ou reparará uma injustiça, e estes são tipos de coisas que um ciumento quer fazer. Quando descobrimos que um homem enganou o seu filho por ganância, não necessariamente sabemos qual foi a razão primária, mas sabemos que houve uma e sabemos qual é sua natureza geral. Ryle (1949, p. 89) analisa “ele gabou-se por vaidade” em termos de “gabou-se ao encontrar o estranho e o seu agir deste modo satisfaz a sua proposição legiforme de, sempre que se deparara com uma possibilidade de garantir a admiração e inveja dos outros, fazer o que quer que pense que produzirá essa admiração e inveja”. Esta análise é freqüentemente, e talvez com justiça, criticada com base em que um homem pode gabar-se por vaidade uma única vez. Mas se o gabarola de Ryle fez o que fez por vaidade, então alguma coisa implicada pela sua análise é verdadeira: o gabarola quis garantir a admiração e inveja dos outros, e acreditou que sua ação produziria essa admiração e inveja; verdadeira ou falsa, a análise de Ryle não dispensa razões primárias; antes depende delas.

Saber que foi a razão primária pela qual alguém agiu como agiu é saber qual foi a intenção com a qual a ação foi feita. Se viro à esquerda na encruzilhada porque quero chegar a Katmandu, a minha intenção ao virar à esquerda é chegar a Katmandu. Mas saber qual é a intenção não é, necessariamente, saber qual é a razão primária em todos os detalhes. Se James vai à igreja com a intenção de agradar a sua mãe, então tem de ter alguma atitude favorável em relação a agradar a sua mãe, mas é necessário mais informação para dizer se a sua razão é que gosta de agradar a sua mãe, ou pensa que é certo, que é o seu dever ou que é uma obrigação. A expressão “a intenção com a qual James foi à igreja” tem a forma exterior de uma descrição, mas de fato é sincategoremática, e não pode ser vista como se referisse uma entidade, estado, disposição ou evento. A sua função no contexto é gerar novas descrições de ações em termos das suas razões; assim, “James foi à igreja com a intenção de agradar a sua mãe” produz uma nova, e mais completa, descrição da ação descrita em “James foi à igreja”. Essencialmente, o mesmo processo se dá quando respondo à pergunta “Por que você está se mexendo dessa maneira?” com “Estou tricotando, tecendo, exercitando-me, remando, treinando pulgas”.

Uma descrição direta de um resultado intencional explica freqüentemente melhor uma ação do que declarar que o resultado foi intencional ou desejado. “Isto acalmará os seus nervos” explica por que lhe aplico uma injeção de modo tão eficiente quanto “quero fazer alguma coisa que acalme os seus nervos”, uma vez que, no contexto de explicação, a primeira implica a segunda; mas a primeira fá-lo melhor, porque, se for verdadeira, os fatos justificarão a minha escolha de ação. Porque justificar e explicar uma ação andam muito freqüentemente juntas, indicamos freqüentemente a razão primária de uma ação, alegando algo que, se for verdadeiro, iria também verificar, vindicar ou apoiar a crença ou atitude relevante do agente. “Sabia que tinha o dever de o devolver”, “O jornal disse que iria nevar”, “Você pisou os meus dedos do pé”, todas, em contextos apropriados em que damos razões, realizam essa função familiar dupla.

O papel justificador de uma razão, dada essa interpretação, depende do seu papel explicativo, mas o contrário não ocorre. O seu pisar o meu pé não explica nem justifica o meu pisar o seu, a menos que eu acredite que você pisou o meu, mas a crença sozinha, verdadeira ou falsa, explica a minha ação.

III

À luz de uma razão primária, uma ação revela-se coerente com certos traços do agente, de curto ou longo prazo, característicos ou não, e o agente é apresentado no seu papel de Animal Racional. Correspondendo à crença e atitude de uma razão primária para uma ação, podemos sempre construir (com um pouco de engenhosidade) as premissas de um silogismo do qual se segue que a ação tem (como Anscombe lhe chama) alguma “desejabilidade característica”.4 Assim, há um certo sentido irredutível — embora um tanto anêmico — no qual toda a racionalização justifica: do ponto de vista do agente houve, quando agiu, algo a dizer em favor da ação.

Notando que explicações causais não-teleológicas não exibem o elemento de justificação proporcionado pelas razões, alguns filósofos concluíram que o conceito de causa que se aplica a outros casos não pode aplicar-se à relação entre razões e ações, e que o padrão de justificação fornece, no caso das razões, a explicação exigida. Mas suponha-se que admitimos que as razões justificam só por si as ações, ao explicá-las; não se segue que a explicação não seja também — e necessariamente — causal. De fato, a nossa primeira condição para as razões primárias (C1) foi concebida para ajudar a distinguir racionalizações de outros tipos de explicação. Se a racionalização é, como quero defender, uma espécie de explicação causal, então a justificação, no sentido dado por C1, é, pelo menos, uma propriedade diferenciadora. E quanto à outra afirmação: que a justificação é um tipo de explicação, de tal modo que a noção comum de causa não precisa ser introduzida? Aqui é necessário decidir o que está sendo incluído sob a justificação. Esta poderia ser tomada como algo que abrange apenas o que C1 exige: que o agente tem certas crenças e atitudes à luz das quais a ação é razoável. Mas, então, algo essencial certamente se deixou de lado, pois uma pessoa pode ter uma razão para uma ação, e realizar a ação e, ainda assim, esta razão não ser a razão pela qual ela a fez. Central à relação entre uma razão e uma ação que aquela explica é a idéia de que o agente realizou a ação porque tinha a razão. Naturalmente, podemos incluir esta idéia também na justificação; mas, assim, a noção de justificação torna-se tão obscura quanto a de razão, até podermos avaliar a força de tal “porque”.

Quando perguntamos por que alguém agiu do modo como agiu, queremos munir-nos com uma interpretação. O seu comportamento parece estranho, de outro mundo, descabido, sem sentido, fora de caráter, desconexo; ou talvez sequer possamos reconhecer uma ação nele. Quando descobrimos a sua razão, temos uma interpretação, uma nova descrição do que ele fez, que o situa num quadro familiar. O quadro certamente inclui algumas das crenças e atitudes do agente; talvez também objetivos, finalidades, princípios, traços gerais de caráter, virtudes ou vícios. Além disso, a redescrição de uma ação fornecida por uma razão pode situar a ação num contexto social, econômico, lingüístico ou avaliativo mais amplo. Descobrir, ao descobrir a razão, que o agente concebeu a sua ação como uma mentira, o revide de uma dívida, um insulto, o cumprimento de uma obrigação avuncular ou um gambito de um cavalo, é apreender o sentido da ação no seu cenário de regras, práticas, convenções e expectativas.

Observações como estas, inspiradas no Wittgenstein tardio, têm sido elaboradas com sutileza e perspicácia por vários filósofos. E não há como negar que isto é verdadeiro: quando explicamos uma ação, dando a sua razão, redescrevemos a ação; redescrever a ação dá-lhe um lugar num padrão e, desse modo, explica-se a ação. Aqui é tentador extrair duas conclusões que não se seguem. Primeiro, não podemos inferir, do fato de que dar razões meramente redescreve a ação e que as causas são separadas dos efeitos, que, portanto, as razões não são causas. As razões, sendo crenças e atitudes, certamente não são idênticas a ações; mas, mais importante, os eventos são freqüentemente redescritos em termos das suas causas. (Suponha-se que alguém se machucou. Poderíamos redescrever esse evento “em termos de uma causa” dizendo que se queimou.) Segundo, é um erro pensar que, visto que explicamos a ação ao situá-la num padrão maior, entendemos agora o tipo de explicação envolvida. Falar de padrões e contextos não responde à questão de como as razões explicam as ações, uma vez que o padrão ou contexto relevante contém tanto a razão quanto a ação. Um modo de explicar um evento é situá-lo no contexto da sua causa; a causa e o efeito formam o tipo de padrão que explica o efeito, num sentido de “explica” que entendemos tão bem quanto qualquer outro. Se a razão e a ação ilustram um tipo diferente de explicação, esse padrão precisa ser identificado.

Seja-me permitido insistir neste ponto em conexão com um exemplo de Melden. Um homem, dirigindo um automóvel, ergue o seu braço para sinalizar. A sua intenção, sinalizar, explica a sua ação, levantar o braço, ao redescrevê-la como uma sinalização. Qual é o padrão que explica a ação? Trata-se do padrão familiar de uma ação feita por uma razão? Então de fato explica a ação, mas somente porque supõe a relação entre razão e ação que queremos analisar. Ou o padrão é antes este: o homem está dirigindo, está aproximando-se de uma curva; sabe que deve sinalizar; sabe como sinalizar, erguendo seu braço. E agora, neste contexto, ergue o seu braço. Talvez, como Melden sugere, se tudo isto ocorrer, ele sinalize. E a explicação, então, seria esta: se, sob essas condições, um homem ergue o seu braço, então sinaliza. A dificuldade é, naturalmente, que esta explicação não toca na questão da razão pela qual ergueu o braço. Tinha uma razão para erguer o braço, mas não se exibiu isso como a razão pela qual o fez. Se a descrição “sinalizar” explica a sua ação fornecendo a sua razão, então o sinalizar tem de ser intencional; mas, na abordagem recém dada, pode não o ser.

Se, como Melden (1961, p. 184) alega, as explicações causais são “inteiramente irrelevantes ao entendimento que procuramos” das ações humanas, então ficamos sem uma análise do “porque” em “Ele fez isso porque…”, onde prosseguiríamos nomeando uma razão. Hampshire observa, da relação entre razões e ação, que “Em filosofia, deve-se certamente encontrar essa […] conexão totalmente misteriosa” (Hampshire, 1959, p. 166). Hampshire rejeita a tentativa de Aristóteles de solucionar o mistério introduzindo o conceito de querer como um fator causal, baseando-se na idéia de que a teoria resultante é tão clara e definitiva que não pode abranger todos os casos, e que “Ainda não há um fundamento cogente para insistir que a palavra “querer” tem de entrar em toda afirmação completa de razões para agir” (Hampshire, 1959, p. 168). Concordo que o conceito de querer é muito estrito, mas argumentei que, pelo menos num vasto número dos casos típicos, é preciso supor que alguma atitude favorável está presente para que seja inteligível uma afirmação das razões do agente ao agir. Hampshire não vê como o esquema de Aristóteles pode ser avaliado como verdadeiro ou falso, “pois não está claro qual poderia ser a base de avaliação, ou que tipo de indício poderia ser decisivo” (Hampshire, 1959, p. 167). Mas eu ressaltaria que, na ausência de uma alternativa satisfatória, o melhor argumento para um esquema como o de Aristóteles é que ele promete dar conta só por si da “conexão misteriosa” entre razões e ações.

IV

A fim de transformar o primeiro “e” num “porque” em “Ele fez exercícios e queria emagrecer e pensou que fazer exercícios o levaria a tal”, temos de, como manobra básica5, ampliar a condição C1 com:

C2. Uma razão primária para uma ação é a sua causa.

As considerações em favor de C2 são agora, espero bem, óbvias; no restante deste artigo, desejo defender C2 contra várias linhas de ataque e, nesse processo, esclarecer a noção de explicação causal envolvida.

A. A primeira linha de ataque é esta. As razões primárias consistem em atitudes e crenças, que são estados ou disposições, e não eventos; portanto, não podem ser causas.

É fácil responder que os estados, disposições e condições são freqüentemente indicados como causas de eventos: a ponte desmoronou por causa de um defeito estrutural; o avião caiu na decolagem porque a temperatura do ar estava anormalmente elevada; um prato quebrou porque estava rachado. Esta resposta, contudo, não abrange um aspecto intimamente aparentado a este. A menção de uma condição causal para um evento fornece uma causa apenas sob a suposição de que houve também um evento precedente. Mas qual é o evento precedente que causa uma ação?

Em muitos casos não é nem um pouco difícil encontrar eventos estreitamente associados com a razão primária. Os estados e disposições não são eventos, mas o surgimento de um estado ou disposição é um evento. Um desejo de ferir os seus sentimentos pode surgir no momento em que você me irrita; posso passar a querer comer um melão tão logo vejo um; e as crenças podem formar-se no momento em que notamos, percebemos, aprendemos ou lembramos algo. Quem argumenta que não há eventos mentais que possam servir como causas de ações, com freqüência não nota o óbvio, pois insiste que um evento mental seja observado ou objeto de atenção (em vez de ser um observar ou dar atenção a algo), ou que seja como um golpe, uma náusea, uma ferroada ou um arrepio, um misterioso estímulo de consciência ou ato da vontade. Melden, discutindo o caso do motorista que sinaliza que vai virar erguendo o braço, desafia quem quer explicar as ações causalmente a identificar “um evento que seja comum e peculiar a todos os casos desse tipo” (Melden, 1961, p. 87), talvez um motivo ou uma intenção, em qualquer caso “um sentimento ou experiência particular” (Melden, 1961, p. 95). Mas certamente há um evento mental; em algum momento o motorista notou (ou pensou ter notado) a curva se aproximando, e esse foi o momento em que fez o sinal. Durante qualquer atividade contínua, como dirigir, ou numa performance elaborada, como atravessar o Helesponto a nado, há propósitos mais ou menos fixos, padrões, desejos e hábitos, que dão direção e forma ao empreendimento como um todo. E há a recepção contínua de informações sobre o que estamos fazendo, sobre mudanças no ambiente, em termos dos quais regulamos e ajustamos as nossas ações. Dignificar a consciência do motorista de que a curva se aproxima, chamando-lhe experiência, ou mesmo sentimento, é sem dúvida exagerado, mas quer mereça ou não um nome, é melhor que seja a razão pela qual ergueu o braço. Neste caso, e tipicamente, pode não haver algo a que chamaríamos motivo, mas se mencionamos o tal propósito geral, como querer chegar ao destino com segurança, fica claro que o motivo não é um evento. A intenção com a qual o motorista ergue o braço também não é um evento, pois não é coisa alguma, nem evento, nem atitude, nem disposição, nem objeto. Por fim, Melden pede ao teorizador da causalidade que encontre um evento que seja comum e peculiar a todos os casos onde um homem intencionalmente ergue o braço e, isso, deve-se admitir, não pode ser feito. Mas também não se pode dar uma causa comum e única para a queda de pontes, acidentes de avião ou quebras de pratos.

O motorista que sinaliza pode responder à pergunta “Por que ergueu o seu braço no momento em que ergueu?” e a partir da resposta descobrimos que evento causou a ação. Mas pode um agente responder sempre responder a tal pergunta? Às vezes a resposta mencionará um evento mental que não dá uma razão: “Finalmente me decidi”. Entretanto, parece também haver casos de ação intencional onde não podemos de modo algum explicar por que agimos quando agimos. Em tais casos, a explicação em termos de razões primárias é paralela à explicação da queda da ponte por um defeito estrutural: ignoramos o evento ou seqüência de eventos que levou à (causou a) queda, mas estamos certos de que houve um tal evento ou seqüência de eventos.

B. De acordo com Melden, uma causa deve ser “logicamente distinta do suposto efeito” (Melden, 1961, p. 52); mas uma razão para uma ação não é logicamente distinta da ação; portanto, as razões não são as causas das ações.6

Uma forma possível desse argumento já foi sugerida. Uma vez que uma razão torna uma ação inteligível ao redescrevê-la, não temos dois eventos, mas apenas um sob diferentes descrições. As relações causais, contudo, exigem eventos distintos.

Alguém poderia ficar tentado pelo erro de pensar que o meu ligar o interruptor causou meu acender a luz (de fato causou o acendimento da luz). Mas não se segue que é um erro tomar “A minha razão para ligar o interruptor foi que quis acender a luz” como algo que implica, em parte, “Liguei o interruptor, e esta ação pode ainda ser descrita como tendo sido causada pelo meu querer acender a luz”. Descrever um evento em termos da sua causa não é confundir o evento com sua causa, nem a explicação por redescrição exclui explicação causal.

O exemplo serve também para refutar a afirmação de que não podemos descrever a ação sem usar palavras que a liguem à suposta causa. Aqui a ação deve ser explicada sob a descrição: “o meu ligar o interruptor”, e a suposta causa é “o meu querer acender a luz”. Que relação lógica relevante se supõe haver entre essas expressões? Parece mais plausível insistir numa ligação lógica entre “o meu acender a luz” e “o meu querer acender a luz”, mas mesmo aqui descobrimos, quando inspecionamos, que a ligação é gramatical em vez de lógica.

Em qualquer caso, há algo muito estranho na idéia de que as relações causais são empíricas, e não lógicas. O que poderá isto querer dizer? Certamente não que toda a afirmação causal verdadeira é empírica. Pois suponha-se que “A causou B” é verdadeira. Então a causa de B = A; assim, substituindo, temos “A causa de B causou B”, que é analítica. A verdade de uma afirmação causal depende de quais eventos são descritos; o seu estatuto como analítico ou sintético depende de como os eventos são descritos. Ainda assim, pode-se sustentar que uma razão racionaliza uma ação somente quando as descrições são apropriadamente fixadas, e as descrições apropriadas não são logicamente independentes.

Suponha que dizer que um homem quis acender a luz significa que ele realizaria qualquer ação que acreditasse que concretizaria o seu fim. Então a afirmação da sua razão primária para ligar o interruptor implicaria que ligou o interruptor — “ele age imediatamente”, como diz Aristóteles. Nesse caso, certamente haveria uma conexão lógica entre a razão e a ação, o mesmo tipo de conexão que há entre “É solúvel em água e foi colocado na água” e “Dissolveu-se”. Uma vez que a implicação vai da descrição da causa para a descrição do efeito, mas não inversamente, nomear a causa ainda fornece informação. E, embora o ponto passe freqüentemente despercebido, “Colocá-lo na água causou a sua dissolução” não implica “É solúvel na água”; assim, essa última frase tem força explicativa adicional. Todavia, a explicação seria bem mais interessante se, no lugar da solubilidade, com a sua óbvia conexão definicional com o evento a ser explicado, pudéssemos nos referir a uma propriedade, uma estrutura cristalina particular, digamos, cuja conexão com dissolução na água foi conhecida apenas por meio de experimentos. Agora está claro por que as razões primárias, como desejos e quereres, não explicam as ações do modo relativamente trivial como a solubilidade explica as dissoluções. A solubilidade, estamos supondo, é uma propriedade disposicional pura: é definida em termos de um único teste. Mas os desejos não podem ser definidos em termos das ações que podem racionalizar, ainda que a relação entre desejo e ação não seja simplesmente empírica; há outros critérios igualmente essenciais para os desejos — a sua expressão em sentimentos e em ações que não racionalizam, por exemplo. A pessoa que tem um desejo (ou querer ou crença) normalmente não precisa de qualquer critério — geralmente sabe, mesmo na ausência de quaisquer pistas disponíveis para os outros, o que quer, deseja e acredita. Essas características lógicas das razões primárias mostram que não é apenas falta de engenhosidade que nos impede de defini-las como disposições para agir por essas razões.

C. De acordo com Hume, “podemos definir uma causa como sendo um objeto, seguido por outro, e onde todos os objetos semelhantes ao primeiro são seguidos por objetos semelhantes ao segundo”. Mas, alegam Hart e Honoré (1959, p. 52), “A afirmação de que uma pessoa fez algo porque, por exemplo, alguém a ameaçou, não traz qualquer implicação ou asserção implícita de que, se as circunstâncias fossem repetidas, a mesma ação se seguiria”. Hart e Honoré admitem que Hume tem razão ao dizer que as declarações causais singulares comuns implicam generalizações, mas erra, por essa mesma razão, ao supor que os motivos e os desejos são causas comuns das ações. Em poucas palavras, as leis estão envolvidas essencialmente em explicações causais comuns, mas não nas racionalizações.

É comum tentar enfrentar esse argumento sugerindo que temos leis aproximativas ligando razões e ações, e estas podem, em tese, ser melhoradas. É verdade que as pessoas ameaçadas nem sempre respondem do mesmo modo; mas podemos distinguir entre ameaças e, também, entre agentes, em termos das suas crenças e atitudes.

A sugestão é, contudo, enganadora, porque as generalizações ligando razões e ações não são o tipo de lei com base na qual possamos fazer, de modo confiável, previsões precisas — e não podem ser aprimoradas até se transformarem nesse tipo de lei. Se refletirmos sobre o modo como as razões determinam a escolha, a decisão e o comportamento, é fácil ver por que isso acontece. O que emerge, no ambiente ex post factode explicação e justificação, como a razão foi, freqüentemente, para o agente no momento da ação, uma consideração entre muitas, uma razão. Qualquer teoria séria para prever ações com base em razões tem de encontrar um modo de avaliar a força relativa de vários desejos e crenças na matriz de decisão; não pode tomar como ponto de partida o aprimoramento do que é de esperar de um único desejo. O silogismo prático esgota o seu papel mostrando que uma ação está subsumida numa razão; assim, não se pode torná-lo sutil numa reconstrução de raciocínio prático, a qual envolve ponderar razões rivais. O silogismo prático não fornece um modelo nem para uma ciência previsiva da ação, nem para uma abordagem normativa do raciocínio valorativo.

O desconhecimento de leis previsivas competentes não inibe uma explicação causal válida, caso contrário poucas explicações causais se poderiam fazer. Estou certo de que a janela quebrou porque foi atingida por uma pedra — vi tudo isso acontecer; mas não estou (alguém está?) na posse de leis com base nas quais possa prever que pancadas irão quebrar que janelas. Uma generalização como “as janelas são frágeis, e as coisas frágeis tendem a quebrar-se quando são atingidas com força suficiente, na presença de outras condições adequadas” não é uma lei previsiva nem aproximativamente — a lei previsiva, se a tivéssemos, seria quantitativa e usaria conceitos muito diferentes. A generalização, como as nossas generalizações sobre comportamentos, serve a uma função diferente: fornece indícios para a existência de uma lei causal abrangendo o caso em questão.7

Geralmente, estamos muito mais certos de uma conexão causal singular do que de qualquer lei causal regendo o caso; mostra isto que Hume estava errado ao afirmar que as afirmações causais singulares implicam leis? Não necessariamente, pois a afirmação citada de Hume é ambígua. Pode querer dizer que “A causou B” implica uma lei particular envolvendo os predicados usados nas descrições “A” e “B”, ou pode querer dizer que “A causou B” implica a existência de uma lei causal instanciada por algumas descrições verdadeiras de A e B.8 Obviamente, ambas as versões da doutrina de Hume dão sentido à afirmação de que as afirmações causais singulares implicam leis, e ambas sustentam o ponto de vista segundo o qual as explicações causais “envolvem leis”. Mas a segunda versão é bem mais fraca, no sentido em que nenhuma lei particular é implicada por uma afirmação causal singular, e uma afirmação causal singular pode ser defendida, se precisar de tal, sem defender qualquer lei. Apenas a segunda versão da doutrina de Hume pode adequar-se à maioria das explicações causais; ajusta-se a racionalizações igualmente bem.

A explicação mais primitiva de um evento fornece a sua causa; as explicações mais elaboradas podem contar mais da história ou defender a afirmação causal singular, produzindo uma lei relevante ou dando razões para acreditar que existe uma. Mas é um erro pensar que nenhuma explicação é dada até uma lei ter sido produzida. Ligada a esses erros está a idéia de que as afirmações causais singulares necessariamente indicam, pelos conceitos que empregam, os conceitos que ocorrerão na lei implicada. Suponha-se que um furacão, que é noticiado na página cinco do Times de terça-feira, causa uma catástrofe, noticiada na página treze de quarta-feira do Tribune. Então, o evento noticiado na página cinco do Times de terça-feira causou o evento noticiado na página treze do Tribune de quarta-feira. Deveríamos procurar uma lei relacionando eventos destes tipos? É somente ligeiramente menos ridículo procurar uma lei relacionando furacões e catástrofes. As leis necessárias para prever a catástrofe com precisão certamente não fariam uso de conceitos como furacão e catástrofe. O problema de prever o tempo é que as descrições sob as quais os eventos nos interessam — “um dia fresco, nublado com chuva à tarde” — não têm senão conexões remotas com os conceitos empregados pelas leis conhecidas mais precisas.

As leis, cuja existência é exigida se as razões são causas das ações não lidam, podemos estar certos disso, com os conceitos com os quais as racionalizações têm de lidar. Se as causas de uma classe de eventos (as ações) se subsomem numa certa classe (as razões) e há uma lei para apoiar cada afirmação causal singular, não se segue que há uma lei ligando eventos classificados como razões a eventos classificados como ações — as classificações podem até ser neurológicas, químicas ou físicas.

D. Diz-se que o tipo de conhecimento que alguém tem das suas próprias razões para agir não é compatível com a existência de uma relação causal entre razões e ações: uma pessoa conhece infalivelmente as suas intenções ao agir, sem indução ou observação, e nenhuma relação causal comum pode ser conhecida desse modo. Sem dúvida que o nosso conhecimento das nossas próprias intenções ao agir exibirá muitas das peculiaridades próprias do conhecimento de primeira pessoa das nossas próprias dores, crenças, desejos e assim por diante; a única questão é se essas singularidades provam que as razões não causam, em qualquer sentido comum ao menos, as ações que racionalizam.

Você pode facilmente estar errado sobre a verdade de uma afirmação da forma “Estou envenenando Charles porque quero salvá-lo da dor”, porque pode estar errado sobre se está envenenando Charles — pode você mesmo estar tomando a xícara envenenada por engano. Mas também parece que pode errar sobre as suas razões, particularmente quando tem duas razões para uma ação, uma das quais lhe agrada e a outra não. Por exemplo, você quer salvar Charles da dor; também o quer fora do caminho. Você pode estar errado sobre que motivo o fez agir.

O fato de que você pode estar errado não mostra que em geral faça sentido perguntar como sabe quais foram as suas razões, ou perguntar que indícios você tem. Ainda que você possa, em raras ocasiões, aceitar que os indícios públicos ou privados mostrem que está errado sobre as suas razões, geralmente não tem indícios e não faz observações. Assim, o seu conhecimento das suas próprias razões para suas ações não é, em geral, indutivo, pois onde há indução, há indícios. Isto mostra que o conhecimento não é causal? Não consigo ver que mostre tal coisa.

As leis causais diferem das generalizações verdadeiras, mas não legiformes, pelo fato de as suas instâncias as confirmarem; a indução é certamente, portanto, uma boa maneira de descobrir a verdade de uma lei. Disso não se segue que é a única maneira. Em qualquer caso, para saber que uma afirmação causal singular é verdadeira, não é necessário conhecer a verdade de uma lei; é necessário apenas saber que existe uma lei abrangendo os eventos em questão. E está longe de ser evidente que a indução, e apenas indução, produz o conhecimento de que uma lei causal, satisfazendo certas condições, existe. Ou, por outras palavras, um caso é freqüentemente suficiente, como Hume admitiu, para nos persuadir de que existe uma lei, e isso significa que estamos persuadidos, sem indícios indutivos diretos, que existe uma relação causal.9

E. Por fim, gostaria de dizer alguma coisa sobre certo desconforto que alguns filósofos sentem em falar, de todo em todo, de causas de ações. Melden, por exemplo, diz que as ações são freqüentemente idênticas aos movimentos corporais, e que estes têm causas; no entanto, nega que estas sejam causas das ações. Isto é, penso, uma contradição. Melden é levado a isto pelo seguinte tipo de consideração: “É fútil tentar explicar a conduta através da eficácia causal de um desejo — tudo que isso pode explicar são outros acontecimentos, e não ações realizadas por agentes. O agente confrontando o nexo causal em que tais acontecimentos ocorrem é uma vítima indefesa de tudo que acontece nele e com ele” (Melden, 1961, pp. 128-129). A menos que eu esteja enganado, esse argumento, se fosse válido, mostraria que as ações não têm qualquer causa. Não frisarei as dificuldades óbvias de se remover inteiramente as ações do reino da causalidade. Mas talvez valha a pena tentar descobrir a fonte do problema. Por que haveria uma causa de tornar uma ação um mero acontecimento e uma pessoa uma vítima indefesa? Será porque tendemos a supor, ao menos na área da ação, que uma causa requer um causador, a agência um agente? Assim, insistimos na pergunta: se minha ação é causada, o que a causou? Se fui eu, então há o absurdo do regresso ao infinito; se não fui, sou uma vítima. Mas é claro que estas alternativas não são exaustivas. Algumas causas não têm agentes. Entre estas, estão os estados e mudanças de estado nas pessoas; estados e mudanças esses que, porque são tanto razões como causas, constituem certos eventos livres e certas ações intencionais.

Donald Davidson
Journal of Philosophy Vol. LX, n.o 23: 685-700

Notas

  1. Alguns exemplos: Ryle (1949), Anscombe (1959), Hampshire (1959), Hart e Honoré (1959), Dray (1957) e a maioria dos livros na série editada por R. F. Holland, Studies in Philosophical Psychology, incluindo Kenny (1963) e Melden (1961). As referências serão todas a esses trabalhos.
  2. Não chamaríamos talvez ao meu alertar não intencional do ladrão uma ação, mas não se deve disso inferir que alertar o ladrão é, portanto, algo diferente de ligar o interruptor — sendo, por exemplo, apenas uma conseqüência. As ações, realizações e eventos não envolvendo intenção são semelhantes na medida em que freqüentemente se referem a um estágio final, resultado ou conseqüência (ou são definidos parcialmente em termos disso). A palavra “ação” não ocorre com muita freqüência no discurso corrente e, quando ocorre, é geralmente reservada para ocasiões razoavelmente solenes. Sigo uma prática filosófica útil de chamar ação a qualquer coisa que um agente faz intencionalmente, incluindo omissões intencionais. O que é realmente necessário é um termo convenientemente genérico para transpor a seguinte lacuna: suponha-se que “A” é uma descrição de uma ação, “B” é uma descrição de algo feito voluntariamente, embora não intencionalmente, e “C” é uma descrição de algo feito involuntária e não intencionalmente; finalmente, suponha-se que A = B = C. Então, A, B e C são a mesma… quê? “Ação”, “evento”, “coisa feita”, soam, ao menos em alguns contextos, estranhos quando acompanhados com o tipo errado de descrição. Apenas a questão “Por que você (ele) fez A?” tem a verdadeira generalidade exigida. Obviamente, o problema é agravado enormemente se presumimos, como Melden (1961, p. 85), que uma ação (“Levantar o nosso braço”) pode ser idêntica a um movimento corporal (“O nosso braço subindo”).
  3. “Quase-intensional” porque, além do seu aspecto intensional, a descrição da ação nas racionalizações tem, também, de referir; de outro modo poderia ser verdadeiro que uma ação foi feita por certa razão e, no entanto, não ter sido realizada. Compare-se “o autor de Waverley” em “George IV sabia que o autor de Waverley escreveu Waverley”. Esta característica semântica das descrições de ações é discutida nos meus ensaios “Agency” (1971) e “The Logical Form of Action Sentences” (1967).d
  4. Anscombe nega que o silogismo prático seja dedutivo. Fá-lo, parcialmente, porque pensa, como Aristóteles, que o silogismo prático corresponde a um fragmento de raciocínio prático (enquanto para mim ele é apenas parte da análise do conceito de uma razão com a qual alguém agiu) e, portanto, está obrigada, novamente seguindo Aristóteles, a pensar que a conclusão do silogismo prático corresponde ao juízo de que a ação não tem meramente uma característica desejável, mas antes que é desejável (razoável, merecedora de realização, etc.). O raciocínio prático é discutido no meu ensaio “How is Weakness of the Will Possible?” (1969).
  5. Digo “como manobra básica” para cancelar qualquer sugestão de que C1 e C2 sejam conjuntamente suficientes para definir a relação entre as razões para e as ações que aquelas explicam. Para uma discussão deste aspecto, veja-se a Introdução do meu Essays on Actions and Events (2001) e o meu artigo “Freedom to Act” (1973).
  6. Encontra-se este argumento, numa ou mais versões, em Kenny (1963), Hampshire (1959) e Melden (1961), bem como em Winch (1958) e em Peters (1958). Numa das suas formas, o argumento foi certamente inspirado no tratamento de motivos de Ryle (1949).
  7. Os meus ensaios “Mental Events” (1970), “Psychology as Philosophy” (1974) e “The Material Mind” (1973) discutem as questões deste parágrafo e do anterior.
  8. Grosso modo, poderíamos caracterizar a análise de afirmações causais singulares aqui sugerida como segue: “A causou B” é verdadeira se, e somente se, há descrições de A e B tais que a frase obtida colocando-se essas descrições no lugar de “A” e “B” em “A causou B” segue-se de uma lei causal verdadeira. Esta análise evita a trivialidade pelo fato de que nem todas as generalizações verdadeiras são leis causais; as leis causais distinguem-se (embora isto certamente não seja uma análise) pelo fato de serem indutivamente confirmadas pelas suas instâncias e pelo fato de apoiarem afirmações contrafactuais e afirmações causais singulares subjuntivas.
  9. As minhas idéias sobre o assunto desta seção, como a maioria dos tópicos discutidos neste ensaio, têm sido grandemente influenciados por anos de conversa com o Professor Daniel Bennett, agora da Universidade de Brandeis.e

Notas do tradutor

  1. Tradução do artigo “Actions, Reasons, and Causes” (Davidson, 2006, p. 23–36), originalmente publicado em Davidson (1963). Divergências relevantes entre a edição original de 1963 e a reimpressão de 2006 estão indicadas em notas de rodapé. Meus sinceros agradecimentos a Carlos Augusto Sartori e Rogério Passos Severo pela ajuda com a revisão final desta tradução.
  2. Na edição original de 1963 (p. 685), lê-se: “explicação causal comum”.
  3. Na edição original de 1963 (p. 686), lê-se: “Aqui não faço quatro coisas”.
  4. Em Davidson 1963 (p. 687) lê-se “quasi-intensional” (no texto) e na nota de rodapé, entre aspas, “quasi-intentional”. Essa mesma confusão aparece de forma agravada em Davidson (2006, p. 25). Ainda assim, entendeu-se nesta tradução que houve um engano na nota, uma vez que a discussão versa sobre características semânticas das descrições de ações; portanto, “intensional” com “s”.
  5. Esta nota do autor foi excluída na reimpressão de 2006.

Referências bibliográficas

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ISSN 1749-8457