É frequente fazer comparações implícitas entre espécies no que respeita ao bem-estar. Os seres humanos matam todos os anos milhares de milhões de animais não-humanos para produzir alimentos. Inúmeros outros animais são negligenciados durante catástrofes naturais, como surtos de doenças, incêndios florestais, inundações e furacões. Estas decisões reflectem um sentido enraizado de bem-estar comparativo, implicando uma hierarquia de bem-estar entre as espécies.
Os animais são as principais vítimas da história, e o tratamento dos animais domésticos nas quintas industriais é talvez o pior crime da história.
Muitos moralistas gregos são eudemonistas; pressupõem que a felicidade (eudaimonia) é o fim último da acção racional humana. Sócrates, Platão, Aristóteles e a maior parte dos seus sucessores tratam este pressuposto como a base da sua argumentação ética. Mas nem todos os moralistas gregos concordam.
Não há qualquer desculpa para que a Rússia, ao levar a cabo a sua guerra de agressão contra a Ucrânia, tenha como alvo as exportações de cereais desse país, sabendo que isso fará subir os preços dos cereais e fará aumentar a fome em populações de países distantes do conflito. Por outro lado, o mundo já produz cereais em quantidade mais do que suficiente para evitar a insegurança alimentar.
Com um clamor de sinos que fez as andorinhas elevarem-se nos ares, o Festival de Verão chegou a Omelas, a cidade costeira de torres brilhantes. No porto, os aprestos dos barcos resplandeciam com bandeiras. Nas ruas, deslocavam-se procissões, entre casas de telhados vermelhos e paredes pintadas, entre velhos jardins cheios de musgo e à sombra de avenidas de árvores, para lá dos grandes parques e dos edifícios públicos.
Em 2018, uma semana apenas depois de o senado argentino ter recusado a descriminalização do aborto nas primeiras catorze semanas de gravidez, uma mulher de trinta e quatro anos morreu em resultado de tentar interromper a sua própria gravidez.
Gloria Taylor, uma canadiana, sofre de esclerose lateral amiotrófica (ELA), também conhecida como “doença de Lou Gehrig”. Em poucos anos, os seus músculos irão enfraquecer até não poder andar, usar as mãos, mastigar, engolir, falar e, por fim, respirar. Depois morre. Taylor não quer passar por tudo isso. Quer morrer quando quiser.
A guerra mais longa dos Estados Unidos foi contra as nações nativas americanas, à medida que se dava a expansão para oeste, alimentada por repetidas corridas ao ouro e pela chegada dos caminhos-de-ferro, que invadiram os territórios dos povos shoshone, cheyenne e sioux, entre outros, nas Grandes Planícies e nas Montanhas Rochosas.
O ano em que se assinalou o primeiro Dia da Terra, em 1970, foi quando deixei de comer carne. Não o fiz para salvar a Terra, mas sim porque percebi que não há justificação ética para tratar os animais como máquinas para converter a ração em carne, leite e ovos.
— Tens lido Epicteto?
— Ultimamente, não.
— Oh, não deixes de lê-lo. Tommy tem estado a lê-lo pela primeira vez, e está terrivelmente empolgado.
Apanhei estas sobras de diálogo da mesa do lado, no átrio de um hotel. Como Tommy, também eu me sentia “terrivelmente empolgado”, pois nunca lera realmente Epicteto, apesar de o ter amiúde visto na prateleira — talvez até o tenha citado — e perguntei-me se estava finalmente aqui o livro de sabedoria de que andara à procura aos soluços desde que andei na escola.
A filosofia moral é a tentativa de ganhar uma compreensão sistemática da natureza da moralidade e do que esta requer de nós — ou, nas palavras de Sócrates, de “como devemos viver”, e porquê. Seria útil se pudéssemos começar com uma definição simples e incontroversa de moralidade, mas isso é impossível.
Devo iniciar dizendo o que penso ser o objeto desta atividade chamada filosofia moral. Consiste em encontrarmos uma maneira de pensar melhor – isto é, mais racionalmente – sobre questões morais. O primeiro passo em direção a isto é: entender as questões que você está levantando. Isto poderia parecer óbvio, mas dificilmente tentamos fazê-lo.
Acabei de escrever o livro Science Fictions (Nova Iorque: Metropolitan Books, 2020) no início de 2020, razão pela qual só incluí uma breve menção ao que acabou por se tornar a maior crónica científica das nossas vidas: a pandemia do COVID–19. Desde a Guerra Fria e da Corrida Espacial que não ouvíamos falar tanto de ciência diariamente, e desde essa altura que não se depositavam tantas esperanças na ciência.
Os chamados testes clínicos de desafio humano (TDH) para a Covid-19 são uma forma de avaliar e desenvolver vacinas que envolvem, em um ambiente controlado, infectar intencionalmente (com uma versão do vírus SARS-COV-2, um vírus de “desafio”), de cem a duzentos voluntários plenamente informados e que consintam em participar.
Matei a Maria queimando-a com um maçarico. Deixei a Maria morrer com uma doença que lhe provocava dores tão intensas como queimaduras. Em nenhum dos casos a Maria fez o que quer que fosse para merecer aquele sofrimento e este não tinha qualquer intenção de evitar um sofrimento muito maior. Será que a minha acção no primeiro caso é moralmente diferente da minha omissão no segundo?
O critério de Mahatma Gandhi para avaliar a grandeza de uma nação e o seu progresso moral era o tratamento dado aos animais. Por esse padrão, não podemos afirmar que houve muito progresso moral nos últimos dois milénios.
Em um cenário de extrema escassez de recursos hospitalares para elevado volume de pacientes na pandemia por Covid–19, quais devem ser as diretrizes para a alocação de leitos e ventiladores em UTI (Unidade de Terapia Intensiva)? Gravidade da situação do paciente? Ordem de chegada? Maiores chances de recuperação da doença? Sorteio? Profissionais da saúde na linha de frente devem ter prioridade? Como lidar com a escolha entre pacientes com a mesma situação clínica, ou seja, com o empate?
Neste livro oportuno, Toby Ord defende que há uma probabilidade em seis de a humanidade sofrer uma catástrofe existencial nos próximos cem anos, e que minimizar esse risco deve ser uma das maiores prioridades a nível global. Vivemos numa época de elevado risco existencial, devido a tecnologias tão poderosas como as armas nucleares, a biotecnologia e a inteligência artificial.
Neste livro, Joseph Raz, um dos grandes expoentes da Filosofia do Direito contemporânea, se propõe à tarefa de refletir criticamente sobre os valores morais universais. Como um dos convidados da Conferência Seeley de 2000, buscou clarificar a tese de que os valores morais são universais.
Há muita coisa que não sabemos sobre a COVID–19. Quanto mais tempo demorarmos a descobri-lo, mais vidas se irão perder. Neste artigo, iremos defender um princípio de paridade de risco: se é permissível expor alguns membros da sociedade a um certo nível de risco ex ante, a fim de minimizar os danos gerais do vírus, então é permissível expor voluntários totalmente informados a um nível de risco comparável no contexto de investigações promissoras sobre o vírus.
A história está cheia de exemplos de condutas desumanas de uma pessoa frente a outra. Alguns atos são obras de indivíduos isolados, como o assassino em série Andrei Chikatilo ou do vigarista Bernie Madoff. Muitos males especialmente sinistros foram perpetrados por nações ou grupos: o Holocausto, as remoções estalinistas, e a matança dos Tutsis em Ruanda.
Quanto custa salvar uma vida? Será demasiado difícil? Será demasiado caro? Será sequer que tenho a obrigação de tentar fazê-lo? Talvez este tipo de questões seja demasiado complexo para esperar obter respostas práticas que não sejam independentes dos benefícios realmente a atingir.
O que nos torna bons ou maus? Essa profunda questão filosófica foi alvo de um experimento psicológico desenvolvido em 1997 pelo psicólogo Richard Baron. O estudo foi publicado num periódico americano tradicional da área de psicologia social e descreve os métodos e resultados da pesquisa de Baron.
Pensamos que o ensino superior tem vários defeitos morais sérios. Do ponto de vista da ética dos negócios, a universidade média faz a Enron parecer uma santa. Os problemas das universidades são profundos e fundamentais: a maior parte das técnicas de vendas das universidades é semifraudulento, as notas são em grande parte destituídas de sentido, os estudantes não estudam nem aprendem grande coisa.
As investigações e os debates acerca da compreensão que temos de nós mesmos enquadra-se no âmbito da antropologia. Desenvolvidas tanto em termos filosóficos, com análises e definições conceituais e a priori, quanto em termos científicos, a partir de práticas empíricas e observacionais, as investigações antropológicas buscam compreender o que somos.
Peter Singer reúne neste livro 82 ensaios previamente publicados em diversos jornais ao longo de alguns anos, abordando temas éticos cotidianos como a noção de progresso moral, a discussão acerca da existência de Deus e o sofrimento no mundo, a defesa do veganismo, a santidade da vida, a bioética e saúde pública, o sexo e o gênero, a felicidade, a política, a ciência e a tecnologia, entre outros.
Richard Taylor em seu ensaio “O Sentido da Vida”, afirma que saber se a vida tem sentido é uma questão de difícil interpretação que parece se tornar menos inteligível à medida que nos concentramos mais nela. É difícil imaginar um exemplo do que seria uma vida com sentido. Taylor acredita que para responder a essa questão é mais fácil se partirmos de sua antítese.
A relação entre fatos e valores pode ser apresentada na forma de um dilema. Se, por um lado, a natureza humana é uma questão de descrição factual (o que é) então como tal não pode prescrever (o que deve ser). Anthony Quinton afirma essa posição claramente: “a natureza dos homens é o conjunto das características definidoras em virtude das quais as coisas que as têm são identificadas como homens”.
O debate sobre a moralidade do aborto voltou a ocupar a atenção pública com destaque no Brasil e na Argentina. Grandes manifestações ocuparam as ruas de Buenos Aires, com o objetivo de pressionar os representantes políticos a votarem favoravelmente pelo projeto de lei que torna legal o aborto até à 14.ª semana de gestação — a pena é de quatro anos de prisão para mulheres que abortam naquele país.
Uma objecção filosófica tradicional apresentada ao egoísmo é que não é uma hipótese empiricamente testável. Como o exemplo do soldado na trincheira sugere, parece que o egoísmo pode incluir e explicar qualquer tipo de comportamento das pessoas, sejam elas boas ou más umas para as outras.
Dois estudantes de filosofia, C e V, discutem a ética do consumo de carne. Argumentos comuns dos dois lados são avaliados, com ênfase no argumento de que o consumo de carne é errado porque apoia a crueldade extrema.
O humor merece consideração moral séria. No entanto, é muito frequentemente levado demasiado a sério. Neste artigo defende-se que, embora seja por vezes anti-ético, o humor é muito menos frequentemente errado do que muitas pessoas pensam. As críticas não-contextuais, que afirmam que certos tipos de humor são sempre errados, serão rejeitadas.
Neste livro, David Wiggins propõe-se descrever a moralidade como um fenómeno humano de uma maneira que evita a irrealidade que ele vê na maior parte da teoria ética contemporânea. “O que uma filosofia moral completamente amadurecida poderia procurar fazer”, escreve, “é oferecer uma explicação da moralidade que inclua o leque completo das dificuldades morais”.
No dia 1 de Janeiro, Derek Parfit, um dos maiores filósofos da minha geração, morreu. Apenas um ano antes, numa sondagem num importante site de filosofia, Parfit tinha sido eleito o mais importante filósofo anglófono vivo.
Há dois problemas centrais quando discutimos bem-estar. O primeiro é o oferecer uma definição bem-sucedida do termo “bem-estar”. O segundo problema é o de saber se o bem-estar consiste em algo que é valioso em si mesmo. Geralmente, em filosofia moral, quando nos perguntamos o que é o bem estar estamos interessados em saber o que nos beneficia não-instrumentalmente.
Quando nasci estavam a ser escritas as palavras que mais iriam influenciar a minha vida. Se alguma vez o poder da palavra se tornou claro para mim foi ao perceber um raciocínio que, de forma aparentemente tão simples, implicava uma mudança tão grande na maneira como nos relacionamos uns com os outros. Falo sobre o artigo “Fome, Riqueza e Moralidade”, de Peter Singer.
Strangers Drowning, da jornalista Larissa MacFarquhar, não é um livro de filosofia, mas instiga intuições filosóficas importantes. O livro discute inúmeros exemplos concretos capazes de obrigar a rever os nossos preconceitos filosóficos acerca dos agentes morais altruístas, que usualmente são tão menosprezados por pessoas de temperamento mais individualista.
Paulo Gonçalves, um dos portugueses que participou no rali Dakar 2016, esteve em grande destaque na sétima etapa, depois de ter parado mais de dez minutos para ajudar Matthias Walkner — um piloto rival — que sofrera um acidente e partiu o fémur. Esta ação poderia ter custado a Paulo Gonçalves a liderança da classificação geral, mas ele não hesitou em parar para ajudar.
A piedade ou compaixão é a emoção que sentimos devido à miséria alheia, quando ou a vemos ou a concebemos de uma forma bastante vívida. Que amiúde sentimos piedade da dor alheia, é matéria de facto tão óbvia que não requer qualquer instância de prova; pois esse sentimento, como todas as outras paixões originais da natureza humana, não está de forma alguma confinada aos virtuosos.
A motivação psicológica é um mecanismo próximo no sentido em que o termo é usado na biologia evolucionista. Quando um girassol se volta para o Sol, tem de haver um mecanismo no seu interior que provoca esse movimento.
O egoísmo psicológico é uma teoria da motivação que afirma que todos os nossos desejos últimos se referem a nós mesmos. Sempre que queremos bem aos outros (ou mal), temos esses desejos que se referem aos outros apenas instrumentalmente; preocupamo-nos com os outros apenas porque pensamos que o seu bem-estar influenciará o nosso próprio bem-estar.
O problema filosófico que vais estudar pode ser formulado através da seguinte questão: “Por que razão havemos de ser morais?” A resposta que intuitivamente darás é que desse modo viveremos melhor. Talvez a razão que apresentes seja que, se tivermos todos os homens em conta nas nossas escolhas, isso será bom para todos.
O que há de errado com a moralidade? Faça-se esta pergunta a um filósofo e suspeito que a resposta será uma das seguintes: 1) Nada. 2) É alienante, sufocante, fria, sexista, burguesa ou um instrumento de opressão e controlo social. 3) Repousa em fundamentos questionáveis, não é apropriadamente objectiva, ou não tem a autoridade que declara ter. 4) Exige-nos demasiado, ou não nos exige o suficiente.
O que seria melhor para uma pessoa? O que mais seria do seu interesse? O que faria a vida dessa pessoa correr da melhor forma possível, para ela mesma? Às respostas a esta questão chamo teorias do interesse pessoal. Há três tipos de teorias. Segundo as Teorias Hedonistas, o que seria melhor para uma pessoa é aquilo que tornaria a sua vida mais feliz.
Está a surgir um movimento novo e emocionante: o altruísmo eficaz. Em seu torno estão a formar-se organizações estudantis e há discussões acaloradas nas páginas das redes sociais e dos sítios da Internet, bem como nas páginas do New York Times e do Washington Post.
No que se baseia a moral? Os bons juízos morais baseiam-se na razão ou, pelo contrário, em última análise resultam de um certo tipo de emoção? O problema de saber se a ética se baseia na razão ou na emoção foi intensamente debatido no século XVIII, permanecendo bem vivo ainda hoje. Este capítulo é uma introdução a este debate. Vamos aqui apresentar as perspectivas de David Hume e Immanuel Kant.
O objectivo deste ensaio é defender que a vida humana pode ter sentido se a ética for objectiva. Para ser preciso, o título deveria por isso ser “O Sentido da Vida Humana”. Todavia, a expressão “Sentido da Vida” impôs-se — uma marca linguística de um lamentável antropocentrismo.
Se a vida for um jogo que estamos jogando, tem de ser um jogo que a maioria de nós, seja como for, não sabe que está jogando. Poderíamos então perguntar se é realmente possível a vida ser um jogo, uma vez que poderá parecer estranho, se não mesmo absurdo, supor que alguém poderia jogar um jogo sem o saber.
Baumgarten fala de deveres em relação aos seres que estão acima de nós e de deveres em relação aos seres que estão abaixo de nós. Mas não temos quaisquer deveres directos no que diz respeito aos animais. Os animais não têm consciência de si e existem apenas como meio para um fim. Esse fim é o homem. Podemos perguntar “Por que razão existem os animais?”.
Os dilemas morais parecem oferecer uma maneira de testar duas das teorias morais mais importantes: o utilitarismo e o absolutismo moral. Quando falo de “absolutistas morais” refiro-me àqueles que defendem que há pelo menos uma regra moral simples e que não admite excepções, como “é sempre errado matar pessoas inocentes/quebrar promessas/dizer mentiras, etc”.
Há algum tempo assisti a uma conversa entre professoras, em que uma delas pedia às outras que requeressem às editoras os manuais adoptados na escola e que o filho iria usar este ano lectivo. O facto nada tem de invulgar. Ocorrem episódios semelhantes todos os anos por todas as escolas.
Por altruísmo entendo não o auto-sacrifício abjecto, mas apenas a vontade para agir em consideração dos interesses das outras pessoas, sem necessidade de motivos ulteriores. Como é possível que tais considerações nos motivem efectivamente? Que tipo de sistema e que outros factores intervenientes serão necessários para justificar e explicar o comportamento que tem como objecto o benefício dos outros?
Os valores orientam a nossa vida e influenciam as nossas decisões, determinando o que pensamos acerca do que é melhor ou pior. Muitas vezes ouvimos as pessoas fazer afirmações acerca dos valores que aceitam. Podem dizer, por exemplo, que a honestidade, o respeito e a amizade são os valores que prezam acima de tudo.
As questões sobre “valores” — isto é, sobre o que é bom ou mau em si mesmo, independentemente dos seus efeitos — estão fora do domínio da ciência, como os defensores da religião afirmam veementemente. Eu penso que nisto têm razão, mas retiro outra conclusão que eles não retiram — a de que as questões sobre “valores” estão completamente fora do domínio do conhecimento.
A distinção entre eutanásia activa e passiva é considerada fulcral para a ética médica. A ideia é que é admissível, pelo menos em alguns casos, suspender o tratamento e deixar que o paciente morra, mas que nunca é admissível praticar um qualquer acto directo destinado a matar o doente.
Segundo a teoria do egoísmo psicológico, as pessoas agem sempre apenas em função do seu interesse pessoal. Segundo a teoria do egoísmo ético, as pessoas devem agir sempre apenas em função do seu interesse pessoal. Enquanto o egoísmo psicológico é uma teoria puramente descritiva sobre o comportamento humano, o egoísmo ético é uma teoria normativa.
Como deveríamos viver? Para responder a esta pergunta, muitas pessoas se voltam para a Bíblia. O que encontram é frequentemente inspirador, apesar de forjar padrões demasiadamente altos: ame a seu vizinho como a você mesmo; trate os outros como gostaria de ser tratado e caminhe com Deus em humildade.
A noção de valor que desejo investigar não é a do valor de uma coisa para algum outro propósito ou para outros efeitos ou consequências (considerados valiosos); não é a noção de valor instrumental, mas antes o valor que uma coisa tem em si, independentemente de todas essas outras consequências e conexões. Os filósofos chamaram valor intrínseco a este tipo de valor.
Fundamentalmente, há três possíveis vias de argumentação a favor do vegetarianismo: 1) O respeito pelos animais não-humanos; 2) A preservação do ambiente; e 3) O cuidado com a saúde. Só as duas primeiras vias de argumentação são de ordem ética e, por isso, são apenas essas que vou analisar.
A teoria ética de Kant oferece-nos um princípio da moral que deve poder ser aplicado a todas as questões morais. Kant enuncia-o de diferentes maneiras com o objectivo de esclarecer as suas implicações. Partiremos de um caso simples, de senso comum, para esclarecer essas diferentes formulações.
O pensamento dos ideólogos sobre questões de guerra e paz, tal como dos intelectuais cujo trabalho é mais influente no processo de decisão política, baseia-se normalmente num sistema de suposições que são em larga medida amorais. Considera-se que os problemas têm uma natureza “prática”: compara-se as opções políticas apenas em função das suas consequências previstas.
Haverá limites para o modo como os seres humanos podem tratar legitimamente os animais não-humanos? Ou podemos tratá-los de qualquer maneira que nos agrade? Se há limites, quais são? São suficientemente fortes, como algumas pessoas supõem, para nos levarem a ser vegetarianos e a diminuir, se não mesmo eliminar, o nosso uso de animais não-humanos em experiências “científicas”?
A palavra “eutanásia” é composta de duas palavras gregas — eu e thanatos — e significa, literalmente, “uma boa morte”. Na actualidade, entende-se geralmente que “eutanásia” significa provocar uma boa morte — “morte misericordiosa”, em que uma pessoa, A, acaba com a vida de outra pessoa, B, para benefício de B. Este entendimento da palavra realça duas importantes características dos actos de eutanásia.
Moore era um filósofo de Cambridge no começo do que viria a ser uma longa e distinta carreira. O seu primeiro livro tornar-se-ia um clássico, não tanto devido às suas afirmações positivas, mas ao estilo de argumentação, à redefinição das questões filosóficas e à sua crítica de pontos de vista que são comuns.
O emotivismo afirma que os juízos morais expressam sentimentos positivos ou negativos. “X é bom” é equivalente à exclamação “Viva X!” — e por isso não podem ser verdadeiros ou falsos. Assim, não pode haver verdades nem conhecimento morais. Começaremos por escutar uma figura de ficção, a que chamarei Ima Emotivista, explicar-nos a sua crença no emotivismo.
Para a maior parte das pessoas, a pergunta “por que ser bom?”, distinta do ato de simplesmente obedecer à lei, é simples: Deus ordena que sejamos bons, porque a Bíblia assim exige, porque as pessoas boas vão para o céu e as más vão para o inferno. A grande maioria deriva sua moralidade da religião, o que não significa dizer que todas as pessoas religiosas sejam morais, ou de bom caráter; longe disso.
Quem é que, num momento ou noutro, ao olhar um céu nocturno, ao contemplar uma flor ou ao reflectir sobre si próprio e os outros seres humanos, não se interrogou já acerca da razão de ser disto tudo ou não se perguntou por que razão está aqui e como deve viver para que a sua vida tenha sentido? Estas são questões que têm intrigado os homens desde tempos imemoriais.
No capítulo anterior observei os problemas do emotivismo e o discuti em termos da metáfora da projeção. O emotivismo é uma versão do projetivismo. O quasi-realismo de Blackburn também é uma versão do projetivismo explicitamente produzida para fazer face aos problemas levantados contra o emotivismo. Mas qual a diferença entre um mero projetivista e um quasi-realista?
Este trabalho trata de um aspecto relativo ao debate sobre a legalização da eutanásia voluntária: o uso de argumentos do tipo declive escorregadio com o objetivo se de opor à legalização da prática. Minha intenção principal é a de defender que um argumento desse tipo usado contra a legalização, argumento este presente na obra do filósofo David S. Oderberg (2009), não é persuasivo.
O conflito da antiguidade entre a filosofia e a literatura tinha uma clareza exemplar, dado que os seus participantes partilhavam uma perspectiva quanto ao que estava em causa. Por mais que Platão e os poetas discordassem, concordavam que o objectivo das suas obras era iluminar a questão de como viver. Claro que discordavam quanto ao que era a verdade ética, e também quanto à natureza da compreensão.
A Dolly, a ovelha favorita do planeta, nasceu a 5 de Julho de 1996 e morreu a 14 de Fevereiro de 2003 (descanse em paz). Desde então, inúmeras objecções têm sido apresentadas à ideia de usar o processo de clonagem que a criou para criar seres humanos.
“Ofensivo”, “grotesco”, “revoltante”, “repugnante” e “repulsivo” — são estas as palavras que comummente se ouve relativamente à possibilidade de clonar seres humanos. Estas reacções vêm tanto do homem e da mulher comuns como dos intelectuais, de crentes e ateístas, de humanistas e de cientistas. Mesmo o criador da Dolly disse que “consideraria ofensivo” criar um clone de um ser humano.
Enfrentemos a questão de saber se o uso da clonagem para produzir uma pessoa é, em princípio, moralmente aceitável ou não. Nesta secção, concentrar-me-ei na questão de saber se a clonagem, usada desse modo, é intrinsecamente errada. Depois, na secção seguinte, procurarei saber se a clonagem para produzir pessoas tem necessariamente consequências que a tornem moralmente errada.
Se pensarmos bem, clonar um ser humano seria uma forma bastante simples, e todavia muitíssimo eficaz, de seleccionar um indivíduo com certas características genéticas. Outra forma de o fazer seria envolver-se em práticas de alquimia genética — terapia genética como diz agora (talvez eufemisticamente) — e tentar modificar o genoma de um indivíduo.
Até agora, o debate sobre a clonagem e as células estaminais tem sido visto por Washington e pelos meios de comunicação como uma luta clássica entre facções conservadoras, activistas pró-vida e a Igreja Católica contra a comunidade científica e as forças progressistas, com os republicanos alinhados com um dos lados e os democratas com o outro.
Podemos ter razões de tipos diferentes para agir desta ou daquela maneira. São essas razões que influenciam a escolha das acções. Mas nem sempre é fácil escolher a acção apropriada. De facto, por vezes as razões são complexas, de tipos diferentes e pesam a favor de acções contrárias. Não há um método para determinar qual delas tem mais peso nos diversos casos.
Beauchamp e Childress afirmam que o princípio da beneficência apoia um conjunto de obrigações morais. Uma delas, a segunda de uma lista, é a de “impedir que os outros sofram dano” (2009: 199). A justificação adequada para estas obrigações de beneficência baseia-se naquilo a que se poderia chamar “modelo da reciprocidade”.
Em criança, tendes a considerar garantida a tua posição na vida, escrita na ordem natural das coisas. Nasceste, digamos, numa família branca de classe média, levas uma vida desafogada, de boa saúde e sem qualquer preocupação específica. Tens direitos e privilégios, e estes são geralmente respeitados. Não estás a passar fome, aprisionado ou escravizado. Passas férias agradáveis.
O utilitarismo é uma teoria teleológica e consequencialista. Defende que o fim de nossas ações é a felicidade e que o correto é definido em função das melhores consequências, que são definidas em função da maximização imparcial da felicidade dos afetados por nossas ações.
Não é bom que um filósofo seja conhecido sobretudo pelas suas ideias controversas. É isso, infelizmente, o que acontece com Singer. Fala-se em Singer e vêm imediatamente à cabeça a crítica ao especismo, a obrigação de ajudar os mais pobres do mundo e a crítica à doutrina da santidade da vida humana. Mas estas são apenas as ideias de Singer na disciplina de ética prática.
O objetivo deste ensaio é modesto: limito-me a apresentar algumas objeções existentes na bibliografia contra a defesa de Thomas Nagel de que a vida humana é absurda, presente no ensaio “O Absurdo” (1971). Num primeiro momento faço uma apresentação dos argumentos de Nagel que pretendem demonstrar que a vida humana é absurda.
Pensar no Natal faz pensar quase automaticamente em Charles Dickens, e por duas boas razões. Para começar, Dickens é um dos poucos escritores ingleses que escreveu efectivamente sobre o Natal. O Natal é a mais popular das festividades inglesas, mas produziu apesar disso e surpreendentemente pouquíssima literatura.
Os seres humanos entregam-se a comportamentos com propósitos. Fazemos coisas com razões e agimos tendo fins em vista. Assim, caminhamos para a loja com a intenção de comprar leite. Se um amigo que encontramos na rua nos perguntar no caminho por que estamos a caminhar na direcção da loja, a resposta sensata e correcta é a verdadeira: “Para comprar leite”.
Pensa-se por vezes que o que dá sentido à vida humana é a existência de uma direcção, um destino a cumprir. A herança judaico-cristã em nada ajuda nestas coisas, pois reforça a ideia de sentido como destino, afirmando que a vida faz sentido porque Deus tem um destino para nós e por isso a nossa vida tem uma direcção, que é cumprir esse destino.
A ética do incremento, seja ele reprodutivo ou não, é o assunto deste artigo. O debate tem uma estrutura que se espera simples. Em primeiro lugar, serão apresentados e discutidos os argumentos a favor do incremento; em seguida, será a vez de submeter à avaliação crítica os argumentos contra o incremento.
Um dos papéis públicos da filosofia é esclarecer confusões comuns. Uma dessas confusões formula-se rapidamente na forma de uma contradição: ao mesmo tempo que é comum considerar-se que “os valores são relativos” (às culturas, por exemplo, ou ao contexto histórico) é também comum defender a universalidade dos direitos humanos.
É útil saber que o termo “eutanásia” significa literalmente “morte boa” ou “morte feliz”. É verdadeiro que os casos reais envolvem dor e angústia. Mas o significado literal do termo capta um importante aspecto da eutanásia: a morte que dela resulta é para benefício do paciente. Podemos então dizer que a eutanásia consiste em produzir ou acelerar intencionalmente a morte de alguém para seu benefício.
Esta pergunta, “Qual é o sentido da vida?”, foi já tida como um paradigma da investigação filosófica. Fora da academia talvez o seja ainda. Nas aulas de filosofia e nas revistas académicas, contudo, a pergunta quase desapareceu.
Nos tempos de crise econômica os meios de informação ficam abarrotados de estudos empíricos, suposições de causas incertas, conjecturas de especialistas e dos que arriscam palpites ao vento a fim de demonstrar sua pseudo-erudição. São, como muitos dizem, tempos de oportunidades, tempos de mudança. Mas oportunidades do quê? Mudanças do quê?
A discussão tradicional sobre o aborto raramente sai de trincheiras muito rasteiras e, sobretudo, quase nunca aborda as questões éticas e morais que a decisão de interromper a gravidez coloca.
Estritamente falando, o termo “eudemonia” é uma transliteração da palavra grega para prosperidade, boa fortuna, riqueza ou felicidade. Em contextos filosóficos a palavra grega “eudaimonia” tem sido tradicionalmente traduzida simplesmente por “felicidade”, mas muitos estudiosos e tradutores contemporâneos tentaram evitar esta interpretação por poder sugerir conotações que nada ajudam.
Não há valores objetivos. Essa é a crua enunciação da tese deste capítulo. Não obstante, antes de argumentar em sua defesa, tentarei esclarecê-la e restringi-la de maneiras que possam enfrentar certas objeções e evitar alguns mal-entendidos.
As teorias sobre o que é correcto ou errado dividem-se habitualmente em duas categorias: as teleológicas e as não teleológicas. As teorias teleológicas são as que identificam primeiro o que é bom nos estados de coisas, caracterizando depois os actos correctos apenas em termos desse bem. O exemplo paradigmático de uma teoria teleológica é, assim, uma teoria consequencialista imparcial.
O mais recente livro de Peter Singer publicado em Portugal é uma recolha de diversos trabalhos seus que procuram apresentar a totalidade do seu pensamento. O livro foi publicado em resposta aos protestos que se seguiram aquando da sua contratação pela Universidade de Princeton.
João — Estou profundamente desiludido com a teoria de Kant.
Francisca — Pois eu nunca engoli muito bem a ética kantiana. Dá excessiva importância à intenção, mas esquece-se de que na prática só temos acesso às consequências.
A ética prática é uma disciplina recente. É apenas no início dos anos setenta que é lançada a primeira revista e publicada a primeira antologia de ética prática. Na altura, estes sinais de vida não transformaram subitamente esta disciplina numa possibilidade académica séria. No entanto, é errado pensar que a ética prática não faz parte de uma longa tradição.
Quine é freqüentemente citado pelo seu compromisso ontológico e pela defesa de uma epistemologia naturalizada. Apesar disso, sua visão sobre ética não satisfaz alguns de seus críticos tais como Flanagan (1982) e Morton White (1998). Essas críticas devem-se ao fato de que sua perspectiva naturalista de epistemologia comum não o levou a uma defesa cognitivista dos valores morais.
O movimento da “psicologia positiva” pretende fazer algo mais da psicologia do que resolver ou minorar perturbações psicológicas — pretende fazer-nos felizes. Estes psicólogos estudam o que faz as pessoas genuinamente felizes, e não os distúrbios psicológicos que nos afectam.
Este artigo é uma contribuição à discussão apresentada na Corte Suprema (o Supremo Tribunal Federal, STF) do Brasil, ocorrida em abril de 2007. Alguns argüidores perguntaram coisas do tipo: Se a vida começa depois da concepção, o que aconteceu antes não era vivo e nem humano? Senão na concepção, quando a vida de um novo indivíduo começaria, sem nos tornarmos arbitrários nesta estipulação?
Fazer filosofia é explorar o próprio temperamento e ainda, ao mesmo tempo, tentar descobrir a verdade. Parece-me que há um vazio na filosofia moral dos dias de hoje. Áreas que são periféricas à filosofia se expandem (psicologia, teoria política e social) ou desmoronam-se (religião) sem que a filosofia seja capaz, em um caso, de enfrentar, e no outro, de resgatar os valores envolvidos.
Muitas tradições religiosas impõem restrições quer quanto ao tipo de produtos que se pode consumir, quer quanto ao modo de os preparar. Os muçulmanos não comem carne de porco, por exemplo, e alguns budistas são vegetarianos. Na filosofia da Grécia antiga, Pitágoras (580–500 a.C.) ficou famoso por insistir numa dieta vegetariana, tal como Empédocles (490–430 a.C.).
“Um bebé não é um problema metafísico” foi uma frase que encheu as ruas de Paris, há cerca de 20 anos, durante uma campanha em prol da maternidade. Em Portugal, hoje, a discussão diz respeito ao aborto. Paula Teixeira da Cruz, do Movimento Voto Sim, afirmou que “não estamos a discutir nem a vida nem a morte.
Peter Singer é um dos mais reputados especialistas em ética aplicada. Dele estão publicados em Portugal vários títulos: Ética Prática (Gradiva), Libertação Animal (Via Óptima), Um só Mundo (Gradiva) e Como Havemos de Viver? (Dinalivro). A sua lucidez e clareza de exposição tornam-no recomendável não apenas para estudantes mas também para o grande público.
Será o aborto eticamente permissível? Na defesa mais comum de uma resposta negativa para esta questão, obtém-se a conclusão de que o aborto é impermissível ou errado a partir de duas premissas: (1) Se os fetos têm o direito moral à vida, então o aborto é errado; (2) Os fetos têm o direito moral à vida.
De acordo com os defensores da distinção facto/valor, nenhum estado de coisas do mundo pode ser um valor, e os juízos avaliativos não devem ser entendidos como juízos de facto puros. A distinção foi importante na ética do século XX e continua em aberto o debate sobre o estatuto metafísico do valor, a epistemologia do valor e sobre qual será a melhor caracterização dos juízos de valor.
O movimento universal de protecção dos animais corresponde a uma exigência ética e cultural universal, consagrada na Declaração Universal dos Direitos do Animal (1978), em numerosas convenções internacionais e em centenas de leis, incluindo leis constitucionais, dos países mais adiantados.
Sócrates — Bom dia, meu caro Kyrillos. Então, já pela praça do mercado, tão cedo?
Kyrillos — É verdade, Sócrates. Sabes como se costuma dizer, começar o dia com o nascer do Sol é meio caminho andado para um percurso saudável!
Sócrates — Tens toda a razão. Admiro-te por isso!
Neste seu livro — o primeiro de uma trilogia, que tem por foco o estatuto moral dos animais não-humanos — Sônia Felipe vem resgatar uma dívida que nós humanos temos para com os outros animais, em razão de termos — ao longo dos séculos — nos comportado frente a eles como se existissem para nos servir e satisfazer nossos interesses e caprichos.
Neste ensaio defende-se a permissibilidade da investigação em células estaminais nos embriões humanos na sua fase inicial. Sustenta-se que, para ter um estatuto moral, um indivíduo tem de ter interesse no seu próprio bem-estar. A senciência é um pré-requisito para ter interesse em evitar a dor e ser uma pessoa é um pré-requisito para ter um interesse na continuação da sua própria existência.
Este artigo aborda uma importante discussão em metaética: o debate entre os partidários do intuicionismo moral e os naturalistas. Num primeiro momento, apresentamos brevemente o naturalismo e as objeções mais frequentes dirigidas a esta teoria, mais especificamente as críticas de Moore com o seu “Argumento da Questão em Aberto”.
As livrarias brasileiras estão repletas de péssimos livros introdutórios de filosofia, e a situação é ainda pior quando o tema é a ética. É por isso que as raras e honrosas exceções no nosso mercado editorial merecem toda a divulgação que podemos oferecer. É este o caso de Ética, uma pequena jóia introdutória que atinge de maneira simples e despretensiosa os melhores padrões de excelência acadêmica.
Peter Singer é um dos mais destacados especialistas em ética aplicada, autor de uma vasta e respeitável bibliografia. À semelhança de Rethinking Live and Death, esta obra destina-se não tanto a especialistas, mas ao grande público. Singer pretende mostrar que uma vida conduzida segundo padrões éticos é compensadora.
Leão Tolstoi (1828–1910) foi um dos mais importantes romancistas realistas. Os seus romances Guerra e Paz (1865–1869) e Anna Karenina (1875–1877) são considerados dos melhores romances de sempre. Mas Tolstoi foi também um pensador e um moralista; a sua Confissão (1882) foi extremamente influente, tornando-o um dos mais destacados líderes espirituais do seu tempo.
O utilitarismo é um tipo de ética consequencialista. O seu princípio básico, conhecido como o Princípio da Utilidade ou da Maior Felicidade, é o seguinte: a acção moralmente certa é aquela que maximiza a felicidade para o maior número. E deve fazê-lo de uma forma imparcial: a tua felicidade não conta mais do que a felicidade de qualquer outra pessoa. Saber por quem se distribui a felicidade é indiferente.
“Pensamento em Acção” é o título da recente colecção da Routledge que pretende competir com a famosa “Introduções Concisas” da Oxford University Press. Em ambos os casos, trata-se de livros de pequeno formato e poucas páginas, dirigidos ao grande público, mas da autoria de especialistas das mais diversas áreas.
É importante reconhecer que a lei moral, o imperativo categórico (IC) e o procedimento do imperativo categórico são três coisas diferentes. A lei moral é uma ideia da razão. Especifica um princípio que se aplica a todos os seres razoáveis e racionais (ou, para abreviar, seres razoáveis) quer sejam ou não, como nós, seres finitos com necessidades.
Para entender a abordagem que Immanuel Kant desenvolveu na sua teoria moral, é útil começar por uma ideia de senso comum que ele rejeita. Trata-se da ideia de que a razão tem apenas um papel “instrumental” como guia da acção. A razão não te diz quais devem ser os teus objectivos; em vez disso, diz-te o que deves fazer dados os objectivos que já tens.
Douglas Husak é professor de filosofia e direito na universidade de Rutgers (EUA), e é o autor de Drugs and Rights (1992) e Philosophy of Criminal Law (1987). Neste pequeno livro, apresenta os principais argumentos e dados relativos ao problema da legalização das drogas.
O supermercado genético de Nozick chegou nas asas dos anjos, trazido até nós por Ron Harris, o fundador do rosangels.com. Como devemos corresponder a esta e outras opções com que em breve seremos confrontados? Para nos ajudar a responder a estas perguntas, começarei por examinar uma técnica que já existe há algum tempo, mas que tem o efeito de mudar a natureza das crianças.
Alguns moralistas recomendam que a vida “autêntica” não significa simplesmente lembrarmo-nos de que um dia morreremos, mas de alguma maneira viver permanentemente com a consciência desse facto, “viver-para-a-morte”. O poeta John Donne tinha mesmo o seu próprio retrato em que aparecia pintado de mortalha, antecipando cheio de esperança a maneira como iria encarar o Juízo Final.
Chega finalmente aos escaparates uma tradução para português europeu, feita directamente do texto grego, da Ética a Nicómaco, de Aristóteles. Texto fundamental do pensamento ocidental, a Ética pode reclamar para si a origem de alguns conceitos nucleares, e essencialmente do modo de os pensar, entender e estruturar, do que hoje entendemos, ou julgamos entender por ética.
Esta obra é uma espécie de biografia de Henry Spira, o activista norte-americano que conseguiu pela primeira vez ganhar alguns pontos na luta pelos direitos dos animais não humanos — luta que tinha sido até então completamente infrutífera. Mas não se trata realmente de uma biografia.
Lamenta-se por vezes que a filosofia do século XX seja muito “escolástica” e técnica, ao contrário do que acontecia no tempo de Descartes e Hume, que escreviam com uma felicidade de estilo e uma ausência de gíria académica atraentes para o grande público. Mas a verdade é que hoje há muitos filósofos que escrevem com a mesma felicidade de estilo e que por isso são igualmente adequados para o leitor comum.
O filósofo John Harris, professor de bioética na Universidade de Manchester, escreve sobre os problemas colocados pela clonagem há mais de vinte anos. Harris é reconhecido como um especialista incontornável no assunto, mas tem sustentado consistentemente uma perspectiva muito impopular: pensa que a condenação ética da clonagem humana não passa de um preconceito indefensável.
A experiência política de luta em defesa dos direitos animais e os argumentos éticos que a sustentam nas três décadas mais recentes da história euro-americana podem ser conhecidos em sua coerência e clareza de propósitos no livro Empty Cages, do filósofo moral norte-americano Tom Regan.
“A imaginação apaixonada da literatura é cega sem a cabeça fria da filosofia, mas a cabeça fria da filosofia é estéril e tão frígida quanto um “iceberg” sem as paixões da vida, transmitidas na literatura”, podemos ler no Prefácio do organizador a esta interessante colectânea.
Os seres humanos desenvolvem-se gradualmente no interior do corpo das mulheres. A morte de um óvulo humano acabado de fertilizar não parece ser o mesmo que a morte de uma pessoa. Todavia, não existe uma fronteira óbvia entre o feto que se desenvolve gradualmente e o ser humano adulto. Logo, o aborto levanta uma questão ética difícil.
George W. Bush gosta de usar termos éticos nos seus discursos; fala de bem e de mal, de certo e de errado, de ser bom ou mau. Evidentemente, muitas pessoas tomam isto como mera retórica política, usada para cativar os fundamentalistas cristãos americanos. Peter Singer, todavia, opta por levar a sério as afirmações do presidente.
O sentido da vida é um tema obscuro, e no entanto central para a filosofia. Frequentemente associada à questão de os seres humanos fazerem parte de um desígnio mais vasto ou divino, a pergunta “qual é o sentido da vida?” parece pedir uma resposta religiosa. No entanto, grande parte das discussões filosóficas questiona a necessidade desta associação.
Somos todos animais. Séculos de preconceito, contudo, iludem esta verdade simples e fazem de nós estranhos numa terra estranha, seres do além aprisionados no aquém. Wittgenstein afirmou que se um leão falasse, não o poderíamos compreender — e condensou numa breve frase o preconceito humano por excelência: somos não apenas diferentes, mas radicalmente diferentes.
O relativismo cultural (RC) defende que o bem e o mal são relativos a cada cultura. O “bem” coincide com o que é “socialmente aprovado” numa dada cultura. Os princípios morais descrevem convenções sociais e devem ser baseados nas normas da nossa sociedade.
À primeira vista, pode parecer anacrônico tentar responder a um problema dos direitos humanos, que consideramos “moderno”, com a visão de um autor “clássico” como Confúcio. Como veremos, existe uma série de motivos para acreditarmos que o problema dos direitos humanos seja mais antigo do que pensamos.
A ética empresarial ocupa uma posição peculiar no campo da ética “aplicada”. Tal como os seus equivalentes em profissões como a medicina e o direito, consiste numa aplicação duvidosa de alguns princípios éticos muito gerais (“dever” ou “utilidade”, por exemplo) a situações e crises bastante específicas e muitas vezes únicas.
Este é o tipo de obra que valia mesmo a pena traduzir — sobretudo agora que se adivinha mais um debate nacional, desinformado e meramente ideológico, sobre o aborto. O volume, em sete partes, é constituído por quase cinquenta artigos de cerca de uma dezena de páginas, redigidos por vários especialistas.
Para grande parte do público, a ética é uma coisa pessoal e subjectiva — cada qual tem a sua. Claro que se isto fosse verdade, nada haveria de realmente condenável em violar crianças — tudo dependeria dos gostos. O que confunde o público são os casos difíceis da ética — o aborto, a eutanásia, a manipulação de embriões e outros problemas em aberto.
A questão da objectividade da ética é tão velha quanto a própria filosofia. Na antiguidade, os cépticos sentiram-se atraídos pela ideia de que a moralidade não é mais do que um conjunto de convenções sociais. Heródoto, depois de passar em revista as crenças morais de várias culturas, declarou que “O costume predomina sobre todas as coisas”, e que alguém que pense o contrário é simplesmente ingénuo.
O relativismo moral fundamenta-se na ideia de que os valores morais variam muito de povo para povo e de cultura para cultura. Este é chamado o relativismo descritivo. Mas podemos perguntar: Haverá realmente desacordo real entre os valores morais? Isto é, será que os nossos desacordos são tão profundos quando afirmam os relativistas?
Será que as mulheres têm o direito de interromper uma gravidez não desejada? Ou estará o estado habilitado (senão mesmo eticamente obrigado) a proibir o aborto intencional? Deverão alguns abortos ser permitidos enquanto outros não? O estatuto legal do aborto decorre directamente do seu estatuto moral?
Ao decidir como agir, somos muitas vezes confrontados com incertezas, confusões ou conflitos entre as nossas inclinações, desejos ou interesses. As incertezas, confusões e conflitos podem surgir mesmo que a nossa única preocupação seja promover o nosso interesse próprio.
Em cada uma das quatro primeiras secções menciono um mau argumento usado pelos defensores da legalização do aborto e um mau argumento usado pelos opositores da legalização do aborto. Tento fornecer uma análise tanto quanto possível imparcial de todos os argumentos, de modo a que não seja possível perceber qual é a minha posição acerca do assunto.
No campo da ética existem duas opiniões conhecidas que, apesar de tentativas específicas, ainda ninguém conseguiu ligar: uma diz respeito ao fosso que existe entre o que é de facto e o que deve ser (facto e valor), e a outra (no âmbito do valor) entre forma moral e conteúdo moral. Parecem ser infrutíferas as tentativas de derivar o dever do ser ou o conteúdo moral da forma moral.
Um dos Dez Mandamentos afirma: “Não matarás”. O mandamento não especifica nenhum objecto para o verbo, mas a visão católica tradicional tem defendido que o objecto próprio seria “seres humanos inocentes” (em caso de extrema necessidade), sendo “inocente” tomado no sentido em que se excluem pessoas condenadas a penas capitais ou envolvidas numa acção injusta com a finalidade de matar.
Tenho impressão que a eutanásia — a ideia, senão a prática — está lentamente a ganhar aceitação na nossa sociedade. Os cínicos podem atribuir esse facto a uma tendência crescente de desvalorização da vida humana, mas não creio que esta seja a razão central. Bem publicitadas, histórias como a de Karen Quinlan, provocam em nós profundos sentimentos de compaixão.
Neste ensaio, a Professora de Filosofia de Griffin, Philippa Foot, tem o cuidado de estabelecer a distinção entre eutanásia activa e passiva quando utiliza a noção de “direito à vida”. Discorda de Rachels, que defende que essa distinção é moralmente irrelevante e desumana na prática. Foot contrapõe este ponto de vista dando evidência à importância desta distinção.
Fazia muita falta uma introdução decente à ética ou filosofia moral nas livrarias portuguesas. E esta introdução de James Rachels não é meramente decente: entre os livros do género, nenhum obteve maior reconhecimento e poucos podem rivalizar com o seu sucesso editorial.
Desde Heródoto que se tornou comum pensar que as diferenças morais entre povos e culturas são evidência segura do relativismo moral: o que numa cultura é moralmente aceitável é reprovável noutra. Mas serão tais diferenças suficientemente profundas para sustentar a Tese do Desacordo, a ideia de que “há desacordos morais alargados e profundos que parecem persistentemente resistir à resolução racional”?
Seria fácil pensar que a ética é uma área na qual, desde a antiguidade, os proponentes de ideias opostas se têm ocupado de disputas sem fim sem perspectivas de solução. Afinal de contas, não é verdade que cada cultura tem a sua própria tradição ética, irremediavelmente oposta a todas as outras?
A filosofia adopta uma atitude crítica em relação a determinadas crenças que foram previamente consideradas verdadeiras. A filosofia moral faz o mesmo em relação a crenças relacionadas com o certo e o errado, com o bom e o mau, com o que se deve e com o que não se deve fazer.
Num dado uso, um dilema moral é qualquer problema em que a moralidade seja relevante. Este uso lato inclui não apenas conflitos entre razões morais, mas também conflitos entre razões morais e razões legais, religiosas ou relacionadas com o interesse próprio.
O mundo ocidental vive no sistema judicial mais tolerante de sempre. A pena de morte foi banida da maior parte das sociedades democráticas, ou existe apenas como figura jurídica que nunca se aplica. Os movimentos contra a pena de morte ganharam a causa, a discussão acabou e vingou um certo senso comum que encara a pena de morte como um arcaísmo ultrapassado.
A perspectiva de que devemos evitar comer carne ou peixe tem raízes filosóficas remotas. Nos Upanishades (c. 1000 a.C.), a doutrina da reencarnação levava à abstenção de carne; Buda ensinava a compaixão por todas as criaturas capazes de ter sensações; os monges budistas não podiam matar animais nem comer carne, a menos que soubessem que o animal não havia sido morto por sua causa.
O livro tem 6 capítulos, dois prefácios (referentes às edições de 1975 e de 1990), três apêndices e várias fotografias ilustrativas do modo como os animais são tratados. Os apêndices apresentam uma útil bibliografia comentada, indicações que ajudam a viver sem pactuar com a crueldade para com os animais, e ainda uma listagem de organizações que lutam contra o modo como tratamos os animais.
O desafio clássico à ideia de que a ética pode ter um fundamento religioso é fornecido por Platão (c. 429-347 a.C.), no diálogo conhecido como Êutífron. Neste diálogo, Sócrates, que está prestes a ser julgado por impiedade, encontra um tal Êutífron, que se apresenta como alguém que sabe exactamente o que é a piedade ou a justiça.
O subjectivismo sustenta que os juízos morais descrevem a maneira como sentimos. Afirmar que algo é um “bem” consiste em dizer que temos um sentimento positivo a seu respeito. A perspectiva do observador ideal é um refinamento desta posição; diz-nos que os juízos morais descrevem o que sentiríamos se fossemos inteiramente racionais.
Quando Naomi desceu para tomar o pequeno-almoço, o pai já estava à mesa. Embora tenha uma tigela de muesli à frente, a sua atenção concentra-se numas folhas dactilografadas que estão sobre a mesa, ao seu lado. Para Naomi, o único aspecto bizarro desta cena é a intensidade com que o pai franze o sobrolho. Enche a sua própria tigela com muesli, cobre os cereais com leite de soja e quebra o silêncio.
A minha contribuição para este colóquio resulta sobretudo da leitura de um livro que foi publicado no ano passado. O livro chama-se The Animal Rights Debate e tem dois autores: um deles é Tom Regan, que dispensa apresentações; o outro é Carl Cohen, um crítico da perspectiva de Regan que se tem destacado como defensor da experimentação animal.