Os valores orientam a nossa vida e influenciam as nossas decisões, determinando o que pensamos acerca do que é melhor ou pior. Muitas vezes ouvimos as pessoas fazer afirmações acerca dos valores que aceitam. Podem dizer, por exemplo, que a honestidade, o respeito e a amizade são os valores que prezam acima de tudo. O que querem dizer é que essas são ideias que norteiam a sua vida, levando-as a realizar determinadas acções e a preferir determinadas coisas.
Por vezes, os nossos valores parecem-nos tão importantes que chegamos a pensar que todas as pessoas deveriam aceitá-los. Por vezes também, só pensamos neles quando nos confrontamos com culturas que têm valores profundamente diferentes dos nossos. Temos valores dos mais diversos géneros e não é fácil classificá-los, mas muitos dos mais importantes estão associados a três domínios: a ética, que diz respeito ao modo como devemos agir e relacionar-nos com os outros, a estética, isto é, o domínio do belo e da arte, e a religião, na qual o homem procura desenvolver a sua vida espiritual através do contacto com entidades sagradas. Como exemplos de valores éticos podemos indicar a generosidade, a liberdade e a justiça. Entre os valores estéticos destacam-se a beleza, a harmonia, a unidade, a elegância, a originalidade e o prazer desinteressado. No domínio da religião, a fé e o sagrado contam-se entre os valores mais importantes.
Ao longo deste volume examinaremos questões filosóficas relativas a todos estes domínios. Por agora, vamos tentar compreender melhor o que são os valores. Muitas pessoas pensam que não há critérios que nos permitam avaliar objectivamente os valores. Pensam, enfim, que os valores são subjectivos — resumem-se a uma questão de gosto pessoal. Neste capítulo vamos avaliar criticamente esta perspectiva. E, para não nos dispersarmos demasiado, vamos concentrar-nos no domínio da ética.
Uma distinção aparentemente clara, mas na verdade difícil de entender, é a que se costuma estabelecer entre factos e valores. Podemos captar esta distinção dizendo que há dois tipos de juízos: os juízos de facto e os juízos de valor.
Imagina que dizes “O João tem um metro e noventa” ou “A pena de morte existe nos Estados Unidos”. Estes juízos limitam-se a descrever certos aspectos da realidade. Mas podes também dizer “O João é honesto” ou “A pena de morte é injusta”. Nestes casos estás também a fazer juízos acerca do João e da pena de morte, mas estes parecem ter uma natureza diferente.
Os primeiros dois juízos são meramente descritivos. Têm valor de verdade e o seu valor de verdade não depende em nada daquilo que pensa a pessoa que os formula. Se descrevem correctamente a realidade, se correspondem aos factos, são verdadeiros. Caso contrário, são falsos. E a sua verdade ou falsidade é objectiva, ou seja, completamente independente das diversas perspectivas das pessoas. São por isso juízos de facto. A função básica destes juízos é fornecer informação acerca do mundo.
E juízos como “O João é honesto” ou “A pena de morte é injusta”? Estes são típicos juízos de valor. Serão também eles verdadeiros ou falsos independentemente do que as pessoas pensam? Não é fácil responder a esta pergunta. Os juízos de valor não se limitam a fornecer informação sobre as coisas. Não são meramente descritivos, pois expressam uma avaliação de certos aspectos da realidade. Muitas vezes a sua função é influenciar o comportamento dos outros e mostrar-lhes como devem olhar para a realidade. Por isso, pelo menos em parte são normativos. Quando alguém nos diz que o João é honesto sugere que devemos olhar para o João de uma determinada maneira, que devemos confiar nele. E quando alguém nos diz que a pena de morte é injusta está a avaliar negativamente essa prática, sugerindo que devemos reprová-la.
Resumindo, podemos dizer o seguinte:
É comum pensar-se que, enquanto que na ciência só encontramos juízos de facto, nos domínios da ética, da estética e da religião os juízos de valor ocupam um lugar proeminente. Mas qual será ao certo a sua natureza? Concentremo-nos em juízos de valor com conteúdo moral, como “Matar pessoas inocentes é errado” ou “A pena de morte é injusta”. Para compreendermos a sua natureza, temos que responder a estas perguntas:
Quem responde afirmativamente a ambas as perguntas está a dizer que afinal não há uma diferença assim tão grande entre os juízos de facto e os juízos de valor morais (ou éticos — usaremos aqui os termos “ética” e “moral” indiferentemente). Está a dizer que os segundos, tal como primeiros, são verdadeiros ou falsos de uma forma completamente objectiva. Podemos afirmar que quem pensa assim tem uma perspectiva objectivista da ética. Quem aceita esta perspectiva pensa que, se disseres que a pena de morte é injusta, estás a fazer uma afirmação que é verdadeira ou falsa independentemente do que as pessoas pensam sobre a pena de morte.
Mas, como verás, há várias teorias que respondem negativamente à primeira ou à segunda pergunta. Já neste capítulo analisaremos duas perspectivas segundo as quais não existem factos morais que ultrapassem o âmbito dos gostos e preferências pessoais, a saber, o subjectivismo e o emotivismo. No próximo capítulo consideraremos duas teorias que, embora não sejam objectivistas, presumem que há verdades morais independentes das preferências dos indivíduos.
O subjectivismo moral é a teoria segundo a qual, embora existam factos morais, estes não são objectivos. As afirmações acerca do bem e do mal, do que é certo e errado, embora sejam proposições genuínas, são subjectivas: são verdadeiras ou falsas, mas não o são independentemente dos sujeitos que as fazem. Segundo esta concepção, só existem opiniões pessoais na ética e nunca verdades absolutas. A ética é um domínio em que cada um tem “a sua verdade”, pois nele não existem factos objectivos. Para os subjectivistas os juízos morais descrevem apenas os nossos sentimentos de aprovação e reprovação acerca das pessoas e daquilo que elas fazem. O certo e o errado dependem, portanto, dos sentimentos de cada um. Resumindo, o subjectivista pensa o seguinte:
Subjectivismo: Os juízos morais têm valor de verdade, mas o seu valor de verdade depende da perspectiva do sujeito que faz o juízo. Há assim factos morais, mas estes são subjectivos, pois só dizem respeito aos sentimentos de aprovação ou reprovação das pessoas.
O subjectivismo pode parecer atraente. Pensamos muitas vezes que o que algumas pessoas consideram certo pode estar errado para outras e que estas diferenças têm ser respeitadas. Se um dos nossos amigos considera que a pena de morte deveria ser abolida e nós pensamos que não, poderemos estar dispostos a aceitar que é tudo uma questão de pontos de vista ou de opiniões diferentes, sem que nenhum dos dois tenha de estar enganado. Talvez um de nós valorize mais a vida e o outro mais a justiça. Talvez estas sejam apenas duas perspectivas igualmente “válidas” sobre o mesmo assunto.
Há duas razões que podem levar-nos a aceitar o subjectvismo moral. Uma delas baseia-se na ideia de que o subjectivismo torna possível a liberdade. O subjectivista pode alegar que, se as distinções entre o certo e o errado não forem fruto dos sentimentos de cada pessoa, então serão imposições exteriores que limitam as possibilidades de acção de cada indivíduo. Pressupõe, portanto, que agimos livremente apenas quando escutamos os nossos sentimentos e agimos de acordo com eles.
Outra razão que parece apoiar o subjectivismo é a ideia de que este promove a tolerância entre pessoas com convicções morais diferentes. Quando percebemos simultaneamente que as distinções entre o certo e o errado dependem dos sentimentos de cada pessoa e que os sentimentos de uma não são melhores nem piores que os de outra, então tornamo-nos mais tolerantes, mais capazes de aceitar como legítimas as acções que são contrárias às nossas preferências.
O subjectivismo pode parecer-te uma boa teoria sobre os juízos éticos, sobretudo se já tiveste a impressão, no meio de uma discussão acalorada sobre um tema moral controverso, que só existem opiniões pessoais diferentes no que respeita ao certo e ao errado, ao bem e ao mal. Mas é possível que deixes de pensar assim se considerares alguns casos concretos. Imagina que alguém te diz que queimar pessoas vivas é uma acção louvável. Tu afirmas que não. Se aceitares o subjectivismo moral terás de aceitar que a tua opinião não é melhor nem pior que a da outra pessoa, simplesmente porque na ética não há verdades nem falsidades independentes daquilo que as pessoas pensam. Só há opiniões diferentes.
Mas será que estás preparado para aceitar isto? Se te parece que sim, pensa numa outra possibilidade. Pensa numa pessoa que acha que te pode sacrificar, apesar de seres uma pessoa saudável e normal, para salvar o seu filho, que precisa de um transplante de coração. Achas que isto é uma questão de opinião, ou achas, pelo contrário, que ela realmente não te pode fazer isso? Se pensas que ela realmente não te pode matar para salvar o seu filho, tens que rejeitar o subjectivismo.
Estes exemplos permitem-nos compreender uma das objecções mais fortes ao subjectivismo:
O subjectivismo permite que qualquer juízo moral seja verdadeiro.
Se uma pessoa pensa que devemos torturar inocentes, então para essa pessoa é verdade que devemos torturar inocentes. Se uma pessoa pensa que é errado ajudar os outros, então para essa pessoa é verdade que é errado ajudar os outros. Assim, o subjectivismo parece fazer da ética um domínio completamente arbitrário. À luz desta teoria nenhum ponto de vista, por muito monstruoso ou absurdo que seja, pode ser considerado realmente errado ou pelo menos pior que pontos de vista alternativos.
A aceitação do subjectivismo suscita assim diversos problemas e um deles diz respeito à educação moral. Se educarmos coerentemente os nossos filhos de acordo com a perspectiva subjectivista, teremos que ensinar-lhes apenas a seguir os seus sentimentos, a orientar-se em função daquilo de que gostam e de que não gostam. Teremos de lhes dizer que qualquer comportamento que venham a ter é aceitável, bastando para isso que esteja de acordo com os seus sentimentos. Se uma criança de tenra idade tiver um sentimento profundamente negativo em relação à escola, provavelmente pensará que não há mal nenhum em faltar às aulas. E o subjectivista terá que aceitar que, para ela, é verdade que não há mal nenhum em faltar as aulas. Podemos assim concluir o seguinte:
O subjectivismo compromete-nos com uma educação moral que consiste apenas em ensinar que devemos agir de acordo com os nossos sentimentos.
Muitos vêm nisto uma objecção importante ao subjectivismo. Outra objecção talvez ainda mais importante diz respeito à ideia de debater questões morais. Para o subjectivista as noções de certo e errado, bem e mal, são criações dos indivíduos que não são mais que o resultado das suas preferências, desejos ou sentimentos. Assim, um subjectivista acredita que qualquer tentativa de debater racionalmente uma questão moral é perfeitamente inútil, uma vez que não há nenhuma verdade independente dos sentimentos de cada indivíduo que possa ser “demonstrada” através do debate. Cada indivíduo limitar-se-á a defender as posições que forem consentâneas com os seus sentimentos. Se o Miguel seguir princípios racistas de nada servirá tentar mostrar-lhe que está errado, até porque, de acordo com o subjectivismo, nunca é possível que estejamos enganados em questões morais. Se o Miguel disser que devemos tratar os negros como inferiores, sentindo intensamente que isso está certo, então a afirmação “Devemos tratar os negros como inferiores” está realmente certa para ele, é verdadeira para ele. Ele não está nem mais nem menos enganado do que alguém que pense o contrário. E, se ele tem razão do seu ponto de vista, então ficamos sem motivos para tentar mudar a sua opinião — não temos motivos para argumentar racionalmente a favor seja do que for. Podemos então concluir o seguinte:
O subjectivismo tira todo o sentido ao debate sobre questões morais.
Assim, se aceitarmos o subjectivismo deixaremos de ter motivos para avaliar os juízos éticos das outras pessoas e para argumentar racionalmente quando se trata de resolver questões morais. O subjectivismo torna absurdo qualquer esforço racional para encontrar os melhores princípios éticos e fundamentá-los perante os outros.
Para veres como esta objecção ao subjectivismo se pode tornar mais forte, imagina que o João e a Maria estão a discutir o problema de saber se o aborto é moralmente aceitável. O João afirma: “O aborto é profundamente errado”. E a Maria responde: “O aborto não tem nada de errado”. Estamos perante duas afirmações inconsistentes entre si, pois não podem ser ambas verdadeiras. Só que para o subjectivista cada uma delas significa, respectivamente, o seguinte:
O João reprova o aborto.
A Maria não reprova o aborto.
Estas duas afirmações já não são inconsistentes. Por isso, parece que elas não conseguem traduzir correctamente as afirmações iniciais do João e da Maria, que são inconsistentes. Por outras palavras, quando o João diz “O aborto é profundamente errado” isso não significa apenas “O João reprova o aborto”, pois nesse caso a sua afirmação não seria inconsistente com a de Maria. Isto parece mostrar que o subjectivismo é falso, ou seja, que afinal não podemos entender os juízos morais como simples proposições sobre os sentimentos de aprovação ou reprovação de cada indivíduo.
O emotivismo é uma perspectiva acerca dos juízos morais muito semelhante ao subjectivismo, que pretende preservar a sua ideia central e evitar ao mesmo tempo objecções como as que acabámos de considerar. O emotivismo partilha com o subjectivismo a ideia de que não existem verdades morais independentes dos sujeitos individuais e de que os juízos morais derivam dos sentimentos que cada pessoa possui acerca de um determinado assunto. Todavia, os emotivistas vão mais longe, pois afirmam que quando usamos a linguagem moral estamos apenas a expressar emoções e a tentar convencer os outros a agir de uma certa maneira. Segundo esta perspectiva, os juízos morais não relatam qualquer tipo de facto, não comunicam quaisquer verdades ou falsidades, nem sequer verdades ou falsidades relativas a indivíduos. Para um emotivista dizer “Respeitar os outros é bom” é exactamente o mesmo que dizer “Urra para o respeito!” ou “Viva o respeito!” E afirmar que o infanticídio é errado é o mesmo que dizer “Buu para o infanticídio!” ou “Abaixo o infanticídio!”. Todas estas frases são simples exclamações emocionais que não possuem qualquer valor de verdade.
Emotivismo: Os juízos morais não têm valor de verdade. Portanto, não são proposições: são apenas frases em que as pessoas exprimem os seus sentimentos de aprovação ou reprovação ou para suscitar esses mesmos sentimentos nas pessoas.
Antes de vermos se o emotivismo é mais plausível que o subjectivismo, vejamos um pouco melhor o que caracteriza esta perspectiva:
Supõe que dizes “Brrr!” quando tremes de frio. O teu “Brrr!” não é literalmente verdadeiro nem falso; seria despropositado responder-lhe dizendo “Isso é verdade”. Mas supõe que dizes “Eu sinto frio”. Neste caso estás a dizer uma coisa verdadeira, uma vez que realmente sentes frio. Um juízo moral é [para o emotivista] como “Brrr!” (que expressa os teus sentimentos), e não como “Eu sinto frio” (que é uma afirmação verdadeira acerca dos teus sentimentos).
Esta distinção permite-nos evitar alguns problemas que o subjectivismo enfrenta. Supõe que Hitler, que gosta que se matem judeus, diz “A morte dos judeus é boa”. De acordo com o subjectivismo a afirmação de Hitler é verdadeira (uma vez que significa apenas que ele gosta que se matem os judeus). Isto é bizarro. [Os emotivistas pensam] que a afirmação de Hitler é uma exclamação (“Urra para a morte dos judeus!”) e que por isso não é verdadeira nem falsa. Não se pode dizer que o juízo moral de Hitler seja falso, mas pelo menos não temos de dizer que é verdadeiro.
Para além de expressarem os nossos sentimentos pessoais, os juízos morais têm também funções sociais. Muitas vezes usamos os juízos morais para influenciar as emoções das pessoas e estimular a acção. Por exemplo, eu digo à minha irmã mais nova: “É bom arrumar os brinquedos”. Estou a tentar que ela tenha sentimentos positivos relativamente a arrumar os brinquedos — e que se comporte em conformidade com eles.
Às vezes usamos os juízos morais para nos influenciarmos a nós próprios. Quando o alarme tocou de manhã e tinha de me levantar para a aula de química, apetecia-me ficar na cama. Então tive de dizer a mim mesmo: “É bom levantares-te agora”. Isto é como dizer “Urra para te levantares agora!” É como se parte de mim estivesse numa claque a tentar influenciar a outra parte. Nas profundezas do meu interior, emoções diferentes lutam pela supremacia. (Harry Gensler, Ética, 1998, p. 62)
Como podemos ver, o emotivismo tem uma grande vantagem em relação ao subjectivismo, pois permite-nos evitar dizer que afirmações como “Matar judeus é bom” são verdadeiras em certas circunstâncias. Como ambas as teorias se baseiam na ideia de que os juízos morais derivam dos nossos sentimentos ou emoções, são muitas vezes confundidas. Mas os emotivistas não estão interessados nesta confusão, uma vez que não se querem comprometer como a afirmação de que é verdade que certos comportamentos são bons só porque achamos que são bons.
Deste modo, o emotivismo parece estar em melhor situação no que diz respeito à educação moral, pois não está comprometido com a ideia de que se uma criança pensa que um certo comportamento é bom, então para ela é verdade que esse comportamento é bom. À luz desta perspectiva, a educação não consiste em deixar as crianças orientarem-se pelo gostam ou não gostam, mas em influenciar os seus sentimentos através do exemplo pessoal, de recompensas e castigos ou da indução de sentimentos de culpa e de mérito. Pelo menos neste aspecto, o emotivismo parece estar de acordo como o modo como costumamos entender a educação, e isso é decididamente um ponto a seu favor.
E no que diz respeito ao debate sobre questões morais? Como vimos, o subjectivismo tira todo o sentido a esse tipo de debate, uma vez que implica que quando duas pessoas têm opiniões diferentes sobre um dado assunto cada uma delas tem razão do seu próprio ponto de vista. O emotivismo não implica isso, pois afirma que num debate moral não há propriamente quem tenha razão, ou seja, quem esteja a defender um ponto de vista verdadeiro. Afinal, pensa o emotivista, na ética pura e simplesmente não há pontos de vista verdadeiros. Quando duas pessoas têm perspectivas diferentes sobre um assunto, isso quer apenas dizer que têm sentimentos diferentes em relação a esse assunto. Mas mesmo assim pode valer a pena debater racionalmente esse assunto: uma pessoa pode tentar apresentar razões que levem a outra a mudar os seus sentimentos. É claro que, em casos extremos, as pessoas podem ter sentimentos tão diferentes que nenhum debate racional poderá fazê-las chegar a um acordo.
Um argumento que costuma ser apresentado a favor do emotivismo é o da parcimónia. Na ciência e na filosofia consideram-se melhores as teorias mais parcimoniosas, ou seja, aquelas que explicam certos aspectos da realidade da maneira mais simples. Por outras palavras, uma teoria parcimoniosa explica o que tem a explicar sem introduzir complicações desnecessárias. Ora, o emotivismo parece uma perspectiva bastante simples: os juízos morais são apenas expressões de emoções, são exclamações sem qualquer valor de verdade. E o emotivismo parece ser também capaz de explicar um aspecto notável da ética: sugere que nem sempre se conseguem resolver racionalmente os desacordos morais frequentes acerca do que devemos ou não fazer, acerca do que é bom ou mau, porque estes têm por trás de si diferenças emocionais que só muito dificilmente serão ultrapassadas.
Admitamos então que o emotivismo é uma teoria muito parcimoniosa e que, pelo menos aparentemente, evita as objecções que derrubam o sujectivismo. Ainda assim, esta perspectiva enfrenta grandes dificuldades.
Imagina, por exemplo, que confias o teu animal de estimação a um vizinho quando vais de férias. Imagina ainda que o teu vizinho o mata enquanto estás fora. Supõe que para ti esse animal é tão importante que o consideras como se fosse da tua família. Quando recebes a notícia sofres um grande choque e imediatamente te assaltam sentimentos negativos relativamente ao teu vizinho. Apetece-te insultá-lo, bater-lhe, fazê-lo sofrer. Ainda não sabes o que o levou a matar o animal, mas já tens muitas emoções negativas relativamente ao que ele fez. Podes sentir emoções realmente fortes durante muito tempo. Ficas depois a saber que o teu vizinho fez o que era melhor para si e para as outras pessoas, uma vez que o animal enlouqueceu e se tornou muito perigoso. Talvez chegues mesmo a saber que a loucura fazia sofrer o animal, e que por isso foi também melhor para ele que o matassem. Acabas então por admitir que o acto do teu vizinho foi correcto, apesar de continuares a ter emoções negativas relativamente ao que ele fez, emoções que em grande parte não consegues controlar. Mas será que, neste caso, o teu juízo moral “O meu vizinho agiu bem” exprime as tuas emoções? É óbvio que não. A expressão das tuas emoções estaria mais de acordo com a exclamação “Buu para o que ele fez!” do que com “Urra para o que ele fez!” Isto leva-nos à seguinte objecção:
Os juízos morais nem sempre estão de acordo com os nossos sentimentos de aprovação ou reprovação.
Como o exemplo anterior deixa claro, nem sempre os juízos morais que aceitamos são a expressão das nossas emoções. Por isso, o emotivismo é falso. Existem muitos juízos morais que resultam de termos reflectido acerca de um determinado assunto e de termos chegado a uma conclusão através de argumentos. Algumas das nossas opiniões acerca do que é certo ou errado vão contra os nossos sentimentos e outras, aliás, não se encontram associadas a qualquer emoção. Imagina, por exemplo que alguém afirma “Se existirem marcianos devemos tratá-los com respeito”. Podemos perfeitamente fazer este juízo sem exprimir qualquer emoção. Deste modo, seria disparatado dizer que ele significa o mesmo “Urra para tratar os marcianos com respeito, se eles existirem!”. Chegamos assim a outra objecção ao emotivismo:
Os juízos morais nem sempre exprimem emoções.
Estas duas objecções são suficientes para mostrar que a ideia de que os juízos morais são apenas expressões de sentimentos é implausível. Mas há outras objecções importantes ao emotivismo. Muitos filósofos rejeitam esta perspectiva porque pensam que ela atribui um papel demasiado modesto à razão. No fundo, à luz do emotivismo qualquer debate racional se reduz a uma tentativa de influenciar as emoções. Há quem pense que na ética a razão pode fazer muito mais do que isso.