De acordo com a célebre afirmação de Whitehead, a história da filosofia resume-se a uma série de notas de rodapé a Platão. Com um exagero mais tolerável, pode-se afirmar que os livros de Karl Popper consistem numa série de notas de rodapé à sua obra filosoficamente mais robusta e conseguida — A Lógica da Descoberta Científica. Esta obra propõe uma visão da ciência que abalou o empirismo radical característico da filosofia analítica da primeira metade do século XX. Em Conjecturas e Refutações, um livro de 1963, Popper reuniu um conjunto de vinte e um ensaios e conferências que retomam e desenvolvem essa visão da ciência, explorando as suas conexões com a história das ideias, a filosofia política e a filosofia da linguagem.
Entre os capítulos exclusivamente dedicados à filosofia da ciência, o que melhor introduz as ideias centrais de Popper tem um título muito semelhante ao do livro: “Ciência: Conjecturas e Refutações”. Neste capítulo, Popper explica o que o levou a interessar-se pelo “problema da demarcação”, que consiste no desafio de encontrar um critério que distinga as teorias empíricas verdadeiramente científicas das teorias pseudocientíficas. A sua solução para este problema, o célebre critério da falsificabilidade, diz-nos que o traço distintivo de uma teoria científica é a possibilidade de a sujeitarmos a testes empíricos genuínos, ou seja, testes que podem resultar na sua falsificação ou refutação. Uma teoria que à partida é compatível com tudo o que alguém possa observar, ainda que pareça estar solidamente confirmada pela experiência, não tem um estatuto científico e o seu aparente poder explicativo tenderá a revelar-se ilusório. À luz deste critério, sustenta Popper, a psicanálise é uma pseudociência. E também as pretensões científicas do marxismo caem por terra: embora na sua versão original esta teoria fosse falsificável, deixou de o ser a partir do momento em que os seus partidários, insensíveis ao factos adversos que a refutavam, a modificaram de maneira a excluir qualquer possibilidade de falsificação.
Partindo do critério da falsificabilidade, Popper elaborou a perspectiva do método científico avançada neste livro, segundo a qual a boa prática científica caracteriza-se essencialmente pela concepção imaginativa de conjecturas ousadas que depois são submetidas a sérias tentativas de refutação. Os dois ensaios que desenvolvem melhor esta perspectiva são “Três Perspectivas acerca do Conhecimento Humano” e “Verdade, Racionalidade e o Desenvolvimento”. No primeiro, Popper critica não só a ideia de que as teorias científicas são explicações últimas das “essências” das coisas, mas também a perspectiva, consideravelmente mais popular entre os filósofos actuais, de que estas são apenas instrumentos conceptuais para prever o curso da natureza. O segundo ensaio, partindo também da ideia de que as teorias científicas, apesar da sua falibilidade, visam a explicação objectiva dos factos, consiste sobretudo numa tentativa de clarificar a noção de aproximação à verdade. Popper recorre a esta noção alegando, contra os autores com inclinações relativistas, que a história da ciência exibe um progresso em direcção à verdade objectiva.
Alguns dos capítulos de “Conjecturas e Refutações” são incursões ligeiras, mas ocasionalmente esclarecedoras, na história da filosofia. Neste registo merece destaque o ensaio “O que é a Dialéctica?”, no qual Popper explora deliciosamente os equívocos que este conceito tem alimentado dentro e fora da filosofia. A tese de que a lógica tradicional deve ser suplantada por uma lógica dialéctica capaz de reconhecer contradições recebe aqui um tratamento apropriado.
Entre os capítulos que se situam no âmbito da filosofia política, o que nos apresenta a conferência “Utopia e Violência” é talvez o mais interessante. Contra os projectos políticos de redefinir globalmente a sociedade em função de um ideal remoto, Popper propõe uma abordagem reformista centrada na eliminação dos males concretos.
Apesar do interesse filosófico e da clareza de muitos dos textos reunidos em “Conjecturas e Refutações”, este livro não deixa de reflectir consideravelmente os piores vícios de Popper. Para começar, é muito repetitivo. Além disso, está repleto de trivialidades perfeitamente dispensáveis, sendo a maior delas a tese que unifica todos os capítulos: “podemos aprender com os nossos erros”. Por fim, sobretudo nos capítulos baseados em conferências, o estilo de exposição acusa um sacrifício excessivo da sobriedade aos encanto retóricos.