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Crítica
7 de Fevereiro de 2010   Lógica

Definições: disjunção significa disfunção?

Justine Kingsbury e Jonathan McKeown-Green
Tradução de Desidério Murcho

Muitas das pessoas que duvidam do seu carácter analítico concordam contudo com a afirmação de que uma solteirona é uma mulher em idade de casar que ainda não casou. É também provável que concordem que esta afirmação tem o ar de uma definição. Afinal, tem as seguintes quatro características:

  1. Adequação extensional: Cita uma condição particular em que se encontram todas as coisas da categoria definida, e só elas (as solteironas, neste caso).
  2. Adequação criterial: Esta condição é aquela em virtude da qual essas coisas contam como coisas dessa categoria.
  3. Conjuntividade: Se esta condição for razoavelmente interpretável como uma construção lógica a partir de outras condições mais simples, então cada uma dessas condições mais simples é necessária para que algo conte como a categoria de coisa definida e essas condições são também conjuntamente suficientes para que algo conte como uma coisa dessa categoria. (Assim, por exemplo, estar em idade de casar é necessário para ser uma solteirona, tal como ser uma mulher, e assim por diante, e seja o que for que obedeça a todas estas condições é uma solteirona.)
  4. Adequação motivacional: Há uma teoria ou descrição de fundo de uma prática bem estabelecida que explica por que é razoável alguém estar interessado em saber se algo obedece à condição proposta ou por que há uma categoria reconhecida de coisas que satisfazem essa condição. (No caso das solteironas, é presumivelmente um fragmento de história social ou uma descrição de certas práticas sociais que explica por que as pessoas estão interessadas em costumes matrimoniais.) Uma definição será ou não motivacionalmente adequada consoante o papel que desempenha na nossa categorização ou teorização. A nossa definição de solteirona é motivacionalmente adequada quando é interpretada como parte do legado cultural de alguém, mas quase certamente não o será quando interpretada como parte da teoria legal contemporânea.

Não afirmamos que a listagem destas quatro características é uma maneira especialmente iluminante ou até adequada de descrever a aparência que uma definição deve ter. Mas afirmamos que estas características determinam condições necessárias e suficientes para a adequação de uma definição. Suspeitamos, contudo, que se a uma definição falta uma ou mais destas características, há um aspecto correspondente quanto ao qual consideramos que a definição em causa é problemática.

Por exemplo, preferimos que um triângulo equilátero seja definido em termos do comprimento dos seus lados e não, digamos, da dimensão dos seus ângulos. Podemos descrever esta preferência apelando a uma característica da nossa lista. É verdade, de facto é até necessariamente verdade, que um triângulo equilátero é uma figura plana com três lados e três ângulos internos de 60°. Contudo, esta definição é criterialmente inadequada. Do mesmo modo, se Putnam tiver razão, não devemos definir um tigre como um grande predador felino com listas, nem como um predador que efectivamente é grande, tem listas e é um felino: estas definições ignoram o facto de um tigre ser um tigre em virtude do seu perfil genético e da sua linhagem. Se Putnam tiver razão, esta definição é criterialmente inadequada — tal como a definição anterior de um triângulo equilateral — e talvez isto seja uma boa maneira de descrever o que tem de errado.

Entretanto, suponha-se que estipulávamos que:

Uma coisa pesadeia é qualquer coisa que seja simultaneamente pesada e feia.

Esta definição tem as duas primeiras características da nossa lista, adequação extensional e adequação criterial, dado que temos o direito de categorizar coisas de maneiras idiossincráticas e de usar essas categorias. A nossa definição tem também a terceira característica: é conjuntiva. Mas é gratuita: não há qualquer razão óbvia para encarar todas s coisas pesadas e feias como espécimes de uma categoria especial de coisa. Podemos glosar o nosso descontentamento quanto a isto fazendo notar que esta definição é motivacionalmente inadequada.1

A definição de conhecimento, frequentemente criticada, como crença verdadeira justificada é extensionalmente inadequada, e portanto criterialmente inadequada. A incapacidade persistente para corrigir esta admirável definição conjuntiva de um modo que ganhe aprovação geral fez algumas pessoas especular que o conhecimento, afinal de contas, não tem interesse teórico.2 Podemos glosar esta especulação como a apreensão de que qualquer definição de conhecimento que obedeça às outras três condições revelar-se-á afinal motivacionalmente inadequada.

Neste artigo ocupamo-nos de definições que não são conjuntivas. Em particular, ocupamo-nos de definições de coisas de uma categoria K que alegam que há um agregado de condições, cada uma das quais é suficiente, mas não necessária, para conceder K-idade. Propõe-se muitas vezes definições deste tipo, chamemos-lhes “disjuntivas”, para categorias de coisas que nos interessam, mas habitualmente não têm uma recepção calorosa. Muitos tratam-nas como provisionais, algo a suportar e não a celebrar. Pensa-se que é certo que não fornecem tudo o que poderíamos querer de uma definição.

Em alguns casos, esta falta de entusiasmo é claramente apropriada. Suponha-se que estipulávamos que:

Um nabesto é qualquer coisa que é um nabo ou um cesto.

Tal como a nossa definição de uma coisa pesadeia, esta é extensional e criterialmente adequada. Mas tal como essa definição conjuntiva, esta definição disjuntiva é gratuita, ao que parece. É motivacionalmente inadequada. Logo, não temos de invocar a sua disjuntividade para explicar a sua inadequação. Ou considere-se:

Cônjuge: marido ou mulher.

Obedecer à condição proposta nesta definição assegura que se é um cônjuge, mas podemos dizer algo mais revelador. Um cônjuge é mais como um parceiro num casamento, sendo os maridos e as esposas dois géneros (talvez os únicos dois géneros) de cônjuges. Assim, esta definição é talvez extensionalmente adequada, mas não é criterialmente adequada. Uma vez mais, padece de um problema, mas podemos diagnosticá-lo sem referir a sua disjuntividade.

Noutros casos, contudo, não é óbvio que tenhamos à nossa disposição qualquer aperfeiçoamento de uma definição disjuntiva, e também não é óbvio que falte qualquer uma das nossas três outras características — adequação extensional, adequação criterial ou adequação motivacional. Num caso desses, podemos perguntar-nos se a falta habitual de entusiasmo por definições disjuntivas é razoável. Em geral, a questão que nos diz respeito é esta: o que há assim de tão bom na conjuntividade ou, pelo menos, o que há assim de tão medíocre na disjuntividade? As outras três características da nossa lista parecem características que idealmente queremos que as definições tenham, mas porquê exigir, ou preferir, que tenham também conjuntividade? Consideraremos mais abaixo se há realmente algum problema especial com as definições disjuntivas. Veremos que por vezes não há, mas que por vezes há. Em síntese: não há problema se estamos a definir algo que faz parte de uma classificação popular quotidiana das coisas, mas há um problema se estamos a definir um postulado teórico. Neste último caso, há frequentemente boas razões para pensar que qualquer definição disjuntiva será motivacionalmente inadequada. Isto sugere uma maneira sistemática de distinguir as definições disjuntivas boas das más. Argumentaremos, contudo, que de pouco nos serve, pois muitas vezes não sabemos se o que está a ser definido é postulado por uma taxonomia popular ou por uma teoria completamente desenvolvida.

Considere-se uma área na qual as definições disjuntivas, apesar de difíceis de suportar, são também difíceis de suplantar. Muitas definições da arte são disjuntivas e apesar de outras não o serem, alguns autores sustentam que nenhum outro estilo de definição poderá ser melhor.3 O género mais simples de definição disjuntiva propõe uma condição suficiente complexa para a K-idade da forma:

C1 ou C2 ou … ou Cn,

em que cada Ci é uma condição simples. A definição de arte de Vladislav Tatarkiewicz é mais complicada do que isto:

Uma obra de arte é ou uma reprodução de coisas, ou uma construção de formas, ou uma expressão de experiências capazes de evocar deleite, ou emoção ou choque.4

A discussão de Tatarkiewicz torna claro que devemos ler isto do seguinte modo:

(C1 ou C2 ou C3) e (C4 ou C5 ou C6).

À primeira vista, parece que esta é uma definição conjuntiva. Mas cada uma das duas condições necessárias complexas do estatuto da arte é disjuntiva; cada uma delas pode ser cumprida numa de três maneiras diferentes. Assim, a definição pode ser reescrita de um modo que revela a sua disjuntividade, na forma:

(C1 e C4) ou (C1 e C5) ou (C1 e C6) ou (C2 e C4) ou (C2 e C5) ou (C2 e C6) ou (C3 e C4) ou (C3 e C5) ou (C3 e C6).

Quem se opõe a este género de abordagem sente que as obras de arte são deste modo representadas como uma categoria menos unificada do que certamente são. Isso parece um problema se pensarmos que a arte é uma categoria robusta, bem definida, fundando-se na realidade ou na nossa prática.

Mais complicadas, mas sendo ainda fundamentalmente disjuntivas, são as definições em termos de agregados. Uma definição em termos de agregados apresenta várias condições que, nas suas várias combinações, constituem condições suficientes mas não necessárias para a K-idade.5 Por exemplo, Berys Gaut dá uma lista de dez características, nenhuma das quais é necessária para algo ser arte, e diz-nos que se pode classificar algo como arte desde que as tenha a todas ou desde que tenha várias combinações (mas não qualquer combinação) de algumas delas mas não de todas. Isto é uma maneira concisa de formular uma disjunção muito longa.6 Uma vez mais, o que é preocupante é a definição se limitar a juntar coisas distintas, desta vez em agregados. Assim, a ideia é que ou é inadequado como definição de arte, ou então não há realmente uma categoria de coisa a definir. Uma vez mais, haverá alguma justificação para tal cepticismo?

Outro tipo de definição disjuntiva de K-idade apresenta casos paradigmáticos de K-idade e depois diz-nos que qualquer item conta como um K desde que satisfaça um número suficiente de condições necessárias para a K-idade paradigmática. Uma cadeira paradigmática tem quatro pernas e costas e serve para nos sentarmos, mas uma coisa poderia contar como cadeira sem ter quatro pernas, como acontece com as cadeiras giratórias, sem ser para nos sentarmos, como poderia acontecer com uma cadeira que seja uma obra de arte, e talvez até não tendo costas.7

Outro género de definição disjuntiva é a recursiva. As definições históricas da arte são um exemplo: algo é uma obra de arte se, e só se, tiver uma conexão causal apropriada com obras de arte anteriores, que por sua vez são obras de arte porque têm uma conexão causal apropriada com obras de arte ainda mais antigas, e assim por diante, até se chegar a uma caracterização das mais antigas obras de arte. Nesta fase inserimos uma cláusula sobre o que faz as mais antigas obras de arte serem obras de arte. Assim, um item é uma obra de arte ou porque é [insira-se aqui o que considera ser a característica definidora das obras de arte mais antigas], ou porque tem uma conexão causal apropriada [insira-se aqui a concepção favorecida de conexão causal apropriada] com as obras de arte mais antigas, ou porque tem uma conexão causal com obras de arte que têm uma conexão causal apropriada com as obras de arte mais antigas, e assim por diante.8

Antes de clarificar e enfrentar as nossas apreensões quanto a todos estes géneros de definição, esclareçamos a noção de definição que tem estado em causa até agora. Por definição entendemos uma afirmação que pretende dizer-nos o que é algo ser uma coisa de uma certa categoria. A definição que nos interessa é de coisas, e não de expressões ou conceitos. Poderíamos ter formulado a discussão falando de definições de expressões, e quem defende que só há definições de expressões, símbolos ou conceitos, certamente poderá reformular a discussão de acordo com isso: pode-se aceitar que há representadores simbólicos das categorias de coisas que nos interessam e que estamos a explorar o que é preciso para definir tais representadores adequadamente. Contudo, isto introduz complicações que mais não fazem senão desviar a atenção. Tivéssemos nós optado por essa via, teríamos de ter enfrentado a questão de saber se um sinal de identidade que liga sinónimos conta como uma boa definição, e teríamos de distinguir entre definições que estipulam um significado para uma expressão e definições que visam exprimir um uso existente de uma expressão. No ponto em que as coisas se encontram, as afirmações a que chamamos “definições” pretendem todas especificar o que é preciso para algo ser uma coisa de uma categoria particular, em que a coisa em questão poderá ser abstracta, física ou mental, real ou imaginária. O quebra-cabeças quanto às definições disjuntivas é que, pelo menos algumas vezes, a sua mera disjuntividade parece uma desvantagem: há uma resistência à ideia de que a condição em virtude da qual algo conta como um K poderia verdadeiramente ser disjuntiva. Tem essa resistência razão de ser?

A nossa resposta baseia-se na ideia de que há dois géneros contrastantes de razão que se pode ter para oferecer definições. Por um lado, há muitas categorias de coisas a que nos referimos ou que usamos nas nossas vidas. Faz parte da nossa prática darmo-nos conta de certas coisas e agrupá-las de certas maneiras. Por vezes, as nossas maneiras de classificar coisas dependem da sua aparência; por vezes, dependem da sua função; por vezes, dependem das ideias da nossa comunidade quanto à maneira como a própria realidade está organizada, ideias que mudam ao longo do tempo. Mas, em última análise, muitas das maneiras que temos de categorizar coisas devem-se às nossas próprias arreigadas práticas classificativas, que mudam ao longo do tempo, ou às da nossa comunidade. Temos, por exemplo, uma prática de agrupar certas coisas chamando-lhes “jazz”. Não é surpreendente que por vezes nos interessemos pelo que é preciso para ser uma coisa de uma destas categorias estabelecidas pela prática. Podemos perguntar: O que é o jazz? Assim, oferecemos definições que serão adequadas na medida em que descreverem adequadamente as coisas seleccionadas pelas práticas identificadoras relevantes da comunidade. A uma primeira aproximação, uma definição de jazz teria de contar algo como jazz se, e só se, a comunidade considera que é jazz.

Por outro lado, há muitas categorias de coisas que são postuladas pelas nossas teorias sistemáticas do modo como a realidade deve ser taxonomizada para ser compreendida. É claro que estas teorias são apenas parte do legado das nossas instituições, de modo que pode não ser claro por que devem as suas classificações receber um tratamento à parte das que acabámos de discutir. Contudo, estas teorias e as práticas classificativas que exigem só nos interessam na medida em que obedecerem a padrões cientificamente aceitáveis para que sejam postas ao serviço de objectivos científicos como a previsão, explicação, unificação teórica e a compreensão da realidade nos seus próprios termos. Assim, por exemplo, os realistas científicos pressupõem que há factos sobre a realidade que ocorrem independentemente de como a realidade se nos apresenta numa base quotidiana, e são esses factos que as teorias visam captar. Quando dizemos que não há qualquer flogisto ou calórico, mas que há oxigénio e genes, não estamos primariamente a fazer afirmações sobre os compromissos ontológicos das nossas práticas sociais; estamos, segundo o realista, a postular mobília para o mundo. As definições das coisas postuladas pelas nossas teorias são muitas vezes internas às teorias; definimos uma categoria teoricamente postulada em termos de outras. O realista gostaria que as relações entre as entidades postuladas por uma teoria captassem as relações objectivas entre categorias de coisas que existem independentemente das práticas identificadoras comuns da comunidade. Num certo sentido extrateórico, o realista considerará adequado qualquer conjunto particular de definições internas à teoria na medida em que descrever satisfatoriamente a natureza das coisas que constituem o mundo, em termos de condições a que essas coisas obedecem, independentemente das maneiras como os observadores e agentes cognitivos humanos interagem com elas.9 Os não realistas (instrumentalistas, empiristas construtivistas e outros) fazem diferentes comentários quanto aos papéis dos postulados teóricos, mas esses papéis, tipicamente, serão mesmo assim encarados como significativamente diferentes dos papéis das categorias institucionalmente estabelecidas.

Eis as nossas duas afirmações centrais. Na medida em que uma definição de K-idade pretenda captar as nossas práticas identificadoras já existentes, essa definição poderá ser perfeitamente adequada ainda que seja disjuntiva; mas na medida em que uma definição de K-idade pretenda captar factos sobre a realidade sem dever obrigações às nossas práticas identificadoras preexistentes, uma definição conjuntiva é preferível. Argumentaremos à vez a favor de cada uma das afirmações.10

Primeiro, por que não é a disjuntividade um defeito numa definição que visa captar as nossas práticas identificadoras? Alhures, fizemos notar que é de esperar que algumas das regras que seguimos implicitamente ao classificar coisas como, digamos, jazz ou não jazz, sejam “horrivelmente complicadas e sem sistematicidade”:

As nossas práticas classificativas informais e quotidianas mudam ao longo do tempo em resposta à mudança de circunstâncias e não estão sujeitas à revisão cuidada do departamento de filosofia ou dos juristas. A questão de incluir ou não uma obra ou evento musical particular no jazz pode muito bem depender de caprichos: o que mais interessava os jornalistas que trabalhavam para a revista Downbeat no final da década de cinquenta do século XX? Que tipos de música a maior parte dos músicos de jazz dos anos trinta passaram a fazer quando as suas bandas se desagregaram? Talvez a melhor definição de jazz seja manta de retalhos de condições disjuntivas.11

Suspeitamos que será uma longa disjunção de condições, cada uma das quais identifica um género distinto (como o swing ou o bop), ou então uma definição em termos de agregados construída com base em condições, cada das quais identificará uma propriedade musical ou contextual (como notas de blues, ou a influência de Miles Davis).12 Estritamente falando, estamos a definir o tipo de coisa que é determinado pelo conceito de jazz que opera na comunidade naquele momento. Em 1950, antes do advento e exclusão do rock 'n' rol e antes da inclusão do hard bop e de algum do mambo, a concepção de jazz da comunidade era diferente e abrangia uma gama muito menos diversificada de coisas. Quem sabe que novos géneros de coisas irão contar como jazz dentro de cinquenta anos? O aspecto crucial é que os nossos hábitos classificativos se desenvolvem muitas vezes sem restrições, na comunidade, sendo sujeitos a uma diversidade de pressões, entre as quais a coerência taxonómica exerce talvez uma pressão comparativamente pequena. (De modo muito idêntico, o francês oral muda fortuitamente, sem se preocupar com os protestos reguladores da Academie Française.) Assim, no caso do jazz (e do desporto e da religião e de muitas mais coisas), é provável que não existam coisas em comum unificadoras e temos de caracterizar as categorias em questão identificando todas as diferentes condições suficientes, colando-as então entre si.

Contudo, este veredicto não se aplica a todos os géneros institucionalmente mandatados. As definições disjuntivas de cadeiras, marcos de correio, camas, palitos e estados mentais não quase certamente criterialmente inadequadas; em cada caso, há uma concepção mais unificada que identifica a condição em virtude da qual as coisas em questão contam como coisas da categoria em causa. Em tais casos, são preferíveis definições em termos de uma função que essas coisas desempenham, ou que foram concebidas para desempenhar, ou se adaptam bem para desempenhar, ou que desempenharam quando pela primeira vez as coisas desse género chegaram à cena. (Com manobras suficientes conseguiremos certamente acomodar a cama de Robert Rauschenberg, palitos com salsichas e o que David Lewis chama “dor doida”.13) Mesmo que só houvesse um pequeno número de maneiras de fazer cadeiras, seria provavelmente melhor definir a cadeiridade por referência a um papel funcional do que construir uma definição disjuntiva com base numa lista exaustiva de condições suficientes. Mesmo assim, pensamos que em alguns casos — e o jazz é provavelmente um deles — uma definição disjuntiva será adequada.

Poder-se-á objectar que podemos sempre melhorar uma definição disjuntiva que visa dar conta das nossas práticas identificadoras recorrendo a uma definição em termos de uma função qualquer que as coisas da categoria a definir servem ou poderiam servir, ou em termos do modo especial como alguns membros da comunidade tratam as coisas dessa categoria, ou o modo como reagem a elas. Exploraremos apenas uma versão desta objecção, mas pensamos que a lição a retirar pode ser generalizada.

Segundo esta versão da objecção, devemos sempre visar definições em termos de respostas comportamentais, em vez de definições disjuntivas. Pode-se definir o jazz, por exemplo, dizendo que algo é um caso de jazz se, e só se, agentes adequados em circunstâncias adequadas responderiam de uma certa maneira (a maneira jazzística) a esse algo. As respostas comportamentais já são vantajosas; é uma abordagem promissora para compreender as chamadas “qualidades secundárias”, e talvez também a moralidade. Assim, o facto de noções como a de adequabilidade de um agente ou de uma circunstância terem de ser explicitadas para que a abordagem em termos de resposta comportamental possa ter pernas para andar, não é realmente um problema. Melhor: é um problema que em qualquer caso terá de se resolver. O mesmo se pode dizer da apreensão que resulta de ficar calamitosamente por especificar o que é a resposta jazzística, fazendo a definição parecer desagradavelmente circular. O nosso objector insiste que, uma vez corrigidas estas imperfeições, uma definição do jazz em termos de resposta comportamental dá conta das nossas práticas identificadoras com muito mais precisão do que qualquer definição disjuntiva, dado que essas práticas estão conectadas com o modo como os membros da comunidade respondem a amostras de jazz. Por seu turno, isto significa que uma definição em termos de resposta comportamental tem maior probabilidade de ser criterialmente adequada. Em última análise, as coisas contam como jazz em virtude do facto de nós as contarmos como jazz.

Não nos parece que a dependência da resposta comportamental crie problemas às nossas afirmações centrais. Temos três razões. Primeiro, temos de respeitar a distinção entre uma categoria de coisa e o nosso conceito dessa categoria de coisa. A concepção mais iluminante do nosso conceito de jazz poderá muito bem depender da resposta comportamental. Tal concepção pode muito bem fazer o melhor possível no que respeita à descrição dos conteúdos dos nossos pensamentos sobre esta categoria de coisa ou quanto às propriedades dessa categoria que são tidas como proeminentes pela comunidade relevante. Mas se estamos interessados em descrever o próprio jazz, a definição disjuntiva poderá ser pelo menos igualmente boa. Uma abordagem em termos de resposta comportamental do conceito de jazz tem como resultado que uma coisa conta como uma amostra de jazz se, e só se, um género particular de agente num género particular de circunstância responde perante isso de uma maneira particular. Uma concepção do que é algo ser jazz, contudo, diz-nos que o que é o próprio jazz. Por acaso, só consideramos que tudo o que é jazz pertence ao mesmo género de coisa por causa das nossas práticas, mas isso não significa que os factos que fazem disso jazz — a categoria de coisa que é — sejam factos sobre as nossas práticas. É verdadeiro que os casos de jazz têm certas características em virtude das quais seres como nós respondem de uma certa maneira, e é por isso que os ajuntamos. Mas, se a história que contámos estiver correcta, certas coisas têm este poder causal das amostras de jazz porque são swing ou bop, e assim por diante, ou porque satisfazem uma combinação de condições, como a proeminência de notas de blues, forte influência de Miles Davis, e assim por diante. Assim, se perguntarem o que é o jazz a quem levar a pergunta a sério e compreender verdadeiramente a situação, irá responder oferecendo uma aproximação a uma definição desse género.14

Eis uma segunda razão para contestar a objecção da resposta comportamental. Apesar de não excluirmos a possibilidade de haver definições adequadas em termos de resposta comportamental de certas categorias de coisas, tal como de conceitos de certas categorias de coisas, há categorias em relação às quais nenhuma definição em termos de resposta comportamental, ou algo parecido, é possível. O jazz é um desses casos. Certamente que não há qualquer função ou resposta humana peculiar ao jazz e apenas ao jazz, em termos da qual se possa formular uma definição criterialmente adequada do próprio jazz. Podemos conceder que agentes adequados em circunstâncias adequadas respondem a casos de jazz considerando-os jazz, procurando informação sobre esses casos em websites dedicados ao jazz, e assim por diante. Contudo, isto não nos dá um critério em virtude do qual sejam jazz as coisas que são objecto dessa resposta. Pelo contrário, como vimos no último parágrafo, o facto de as coisas em questão serem jazz causam a resposta.

Eis a nossa última resposta à objecção da resposta comportamental. Mesmo que exista uma definição em termos de resposta comportamental de uma categoria institucional de coisa, isto não significa que toda a definição disjuntiva dessa categoria seja criterialmente inadequada e não significa certamente que, sempre que temos uma definição disjuntiva de uma categoria institucional, seria melhor ter uma definição em termos de resposta comportamental. A nossa tese é que as definições disjuntivas de tais categorias são por vezes adequadas e que em alguns casos se revelam pelo menos tão boas quanto uma definição em termos de resposta comportamental, uma definição funcional ou outra definição rival deste género.

Por vezes, o que é consistente com esta tese, haverá desacordo quanto a saber se uma categoria institucional particular pode ser definida disjuntivamente. Considere-se a seguinte definição disjuntiva de jade:

Jade: algo que ou é jadeíte ou é nefrite.

Se quisermos definir jade em termos de categorias estáveis de coisas, das quais temos uma boa compreensão, e que possam ser identificadas ou descritas sem pressupor descrições de jade, e se estivermos convencidos que nada mais além de jadeíte e nefrite contam como jade, podemos muito bem contentarmo-nos com esta definição. Contudo, esta pode ser a imagem errada. As pessoas comuns, tanto antigas quanto modernas, podem muito bem encarar qualquer substância como jade se for uma pedra verde rígida e susceptível de ser esculpida — ou se os especialistas apropriados a virem desse modo. Poderá haver ou não outras substâncias com o perfil relevante, mas defender que só a jadeíte e a nefrite se classificam como jade poderá significar que perdemos de vista a característica captada pela prática popular. A mera possibilidade de poder haver outra substância que, sem erro ou mudança no conceito popular, seria considerada jade se fosse descoberta, sugere que devemos favorecer uma definição em termos de resposta ou uma definição funcional, e que uma definição disjuntiva seria criterialmente inadequada. Assim, devemos encarar o jade como um caso em que é controverso se uma definição disjuntiva é adequada ou não.

É claro que, tipicamente, as picuinhices quanto à definição disjuntiva de jade não resultam da atracção da resposta comportamental nem da ideia de que o jade poderá ser uma categoria funcional, mas antes da suspeita de que a nossa prática de ajuntar todo o jade é um embaraço: o jade não é, como se costuma dizer, uma categoria natural. Os filósofos que discutem esta definição fazem-no habitualmente para ilustrar o abismo que se pode interpor entre as nossas práticas identificadoras e o modo como o mundo está organizado independentemente das nossas práticas. Claro que isto não é uma apreensão quanto à definição mas antes quanto a postular o jade. O raciocínio é então que se uma definição disjuntiva do jade é o melhor que conseguimos encontrar, então tanto pior para qualquer teoria que postule o jade. A resposta a esta ideia é que, como é óbvio, o jade está para ficar, se o encararmos como uma categoria estabelecida pela prática e não como um postulado de uma teoria que visa articular a realidade nas articulações que possa ter. Contudo, esta picuinhice quanto à definição disjuntiva de jade estaria de facto justificada se o jade fosse uma categoria postulada teoreticamente. Ou pelo menos é esse agora o nosso argumento.

Quando K é uma categoria postulada por uma teoria que visa captar a realidade sem deferência para com as nossas práticas identificadoras, por que é razoável, se tudo o resto for igual, procurar uma definição conjuntiva da K-idade e ficar apreensivo com uma definição disjuntiva?

Suponha-se que propomos uma concepção sistemática de uma parte da realidade, em termos de objectos, propriedades, categorias e leis, que não sejam meras projecções de práticas identificadoras humanas já existentes. Quer o nosso tópico seja os objectos matemáticos, partículas subatómicas, formações geológicas ou os instrumentos musicais do mundo, tentaremos provavelmente postular categorias de coisas de modo a que todo o exemplar de uma das nossas categorias exiba os mesmos géneros de comportamento relevante para a teoria que todos os outros exemplares dessa categoria. Os electrões individuais podem diferir entre si de muitas maneiras, mas se postularmos electrões, fazemo-lo provavelmente porque, numa classe de casos e quanto a uma mão-cheia de aspectos importantes para o nosso projecto, um electrão é em grande parte como qualquer outro: desempenha o mesmo género de papel causal, tem as mesmas propriedades intrínsecas e as mesmas disposições, que qualquer outro electrão; a sua presença num sistema gera os mesmos géneros de consequências que seriam geradas pela presença de qualquer outro electrão nesse sistema, ou em qualquer sistema similar em aspectos relevantes.

Uma definição conjuntiva de K-idade diz-nos que qualquer coisa que obedeça a todas as condições necessárias propostas é um K e que nada mais é um K. Presumivelmente, cada condição necessária corresponde a uma propriedade interessante para a teoria, de modo que a definição diz-nos que os K são apenas as coisas que partilham um certo número de propriedades que são importantes para o projecto em causa. O facto de estas propriedades serem partilhadas por todos os K significa que todos os K exibem similaridades interessantes em disposição, papel ou comportamento. Em suma, a nossa definição conjuntiva diz-nos que os K são uma mão-cheia de coisas que são em grande parte iguais entre si com respeito a vários aspectos especificados. Tipicamente, isto é precisamente o que se quer de um postulado teórico.

Por outro lado, uma definição disjuntiva de K-idade diz-nos que há mais de uma condição suficiente para fazer de algo um K e que tudo o que obedece a qualquer uma dessas condições é um K. Presumivelmente, cada condição suficiente corresponde a uma propriedade interessante para a teoria, de modo que a definição diz-nos que qualquer coisa que tenha uma dessas propriedades importantes é um K. Sem mais informação, tal definição nada nos diz sobre as similaridades interessantes de comportamento, papel ou disposição que podemos esperar de uma selecção arbitrária de coisas K. Assim, a definição não nos dá a pista que nos dá a definição conjuntiva sobre por que razão é teoricamente útil pôr todos os K no mesmo cesto. Talvez tal pista se esconda noutra parte da teoria; talvez o que sabemos sobre todas as diversas condições suficientes para a K-idade seja suficiente para tirar conclusões sobre as similaridades entre os K e portanto para justificar a nossa decisão de incluir a K-idade na nossa taxonomia. Mas, aparentemente, uma definição conjuntiva sai-se melhor no que respeita a dar-nos algo que tipicamente queremos de um postulado teórico: uma história sobre as interessantes similaridades que motivam a decisão de incluir a K-idade na nossa taxonomia.

Como fizemos notar, contudo, isto pressupõe que cada uma das condições necessárias incluídas na definição conjuntiva corresponde a uma propriedade teoricamente interessante cuja presença constitui o satisfazer da condição. Uma condição necessária cuja satisfação seja constituída pela ausência de uma propriedade teoricamente interessante diminui a adequação motivacional de uma definição conjuntiva de uma categoria postulada teoricamente. Definir um triângulo escaleno como um triângulo que não é equilateral nem isósceles provoca estranheza. Porquê ajuntar, para fins teóricos, todos os triângulos que não satisfazem duas condições teóricas interessantes? O que há de teoricamente interessante em tal coisa? Se isso é o melhor que conseguimos fazer, bem podemos ter uma definição disjuntiva.

Alguns tipos de definição disjuntiva saem-se melhor do que outros no que respeita a falar-nos de similaridades entre parceiros categoriais: as definições em termos de agregados podem ter um desempenho quase tão bom quanto as conjuntivas. As condições suficientes que constituem a disjunção numa definição em termos de agregados são em si conjunções de condições mais simples. Conseguir a K-idade por obedecer uma condição suficiente poderá ser bastante parecido a conseguir a K-idade obedecendo a outra condição suficiente qualquer, se ambas têm como conjuntas, na sua maior parte, as mesmas condições mais simples. Assim, diferentes rotas para a K-idade podem mesmo assim outorgar conjuntos similares de propriedades interessantes a uma coisa e isto pode extrair-se da definição em termos de agregados. Mesmo assim, as definições disjuntivas de categorias teóricas postuladas têm menor probabilidade, em geral, de ser motivacionalmente adequadas do que as conjuntivas, porque são menos informativas quanto às similaridades entre os parceiros categoriais. É por isso que a picuinhice quanto à definição disjuntiva de jade só seria razoável se o jade não fosse considerado uma categoria que resulta da nossa prática, mas antes uma categoria postulada teoricamente.

Consideramos agora algumas apreensões possíveis quanto à nossa tese de que para postulados teóricos, as definições conjuntivas são preferíveis às disjuntivas. A primeira é que a conjuntividade de uma definição é um mero artefacto da gramática, e portanto não deveria fazer grande diferença quanto à qualidade da definição. Por que haveria um equivalente verofuncional de uma definição conjuntiva boa ser menos boa do que a original?

Eis uma definição conjuntiva que é adequada extensional, criterial e motivacionalmente:

Uma coisa é um quadrado se, e só se, é um rectângulo e os seus lados são iguais.
x (Qxdf (Rx & Ix)

Esta definição é verofuncionalmente equivalente à deselegante:

Uma coisa é um quadrado se, e só se, não é verdadeiro que ou não é um rectângulo ou não tem lados iguais.
x (Qxdf ~(~Rx v ~Ix)

Esta última definição é extensionalmente adequada e talvez seja também criterial e motivacionalmente adequada, dado que identifica a própria característica identificada pela definição conjuntiva, ainda que de modo algo oblíquo. Note-se, contudo, que a definição deselegante está na forma de uma negação e assim não é uma definição disjuntiva. Para os nossos propósitos, é crucial o facto de uma definição conjuntiva, apropriadamente construída a partir de condições necessárias teoricamente interessantes, não poder ser transformada numa definição disjuntiva invocando apenas equivalências lógicas.15

A segunda apreensão é que apesar de termos argumentado que a conjuntividade é uma vantagem quando estamos a definir postulados teóricos, por vezes parece que podemos ter demasiadas conjuntas. Tendemos a ficar apreensivos com definições nas quais condições necessárias em número elevado são consideradas conjuntamente suficientes. Se nos dizem que temos um caso de conhecimento quando e só quando temos uma crença justificada, verdadeira, previamente plausível, resistente a contrafactuais, testável e formada por meio de um processo fidedigno, a própria dimensão desta definição poderá pôr-nos de sobreaviso contra ela. É esta reacção justificada?

Bem, se a definição conjuntiva mais sucinta disponível para uma categoria K cita um número muito elevado de condições necessárias diversificadas, pode não ser óbvio por que estaríamos interessados nos casos em que todas as condições são satisfeitas. A menos que haja alguma relação teoricamente sancionada entre todas as condições necessárias, podemos suspeitar que os casos em que todas são satisfeitas têm pouco significado teórico. Além disso, podemos questionar a estirpe da definição. Podemos suspeitar, o que é muito razoável no caso desta definição de conhecimento, que as definições anteriores foram consideradas extensionalmente inadequadas, tendo sido emendadas acrescentando uma ou duas condições necessárias, e mesmo assim a definição não funcionava, tendo então sido modificada de novo, e assim por diante. Como dissemos alhures, “é bem conhecido que as tentativas para captar as regras que seguimos implicitamente quando atribuímos conhecimento a alguém, significado a uma elocução ou causação a uma sequência de acontecimentos acabaram por perder a energia porque não conseguiram apresentar análises satisfatórias […] As definições que tipificam estes projectos pareciam cada vez menos naturais à medida que o tempo passava e os contra-exemplos não paravam de aparecer. Podemos argumentar por indução que não vale a pena continuar estes projectos”, seja porque a adequação extensional não parece menos remota, seja porque a sequência de fracassos sugere que os tipos de condições necessárias nas quais os definidores se concentraram não são aqueles com os quais podemos construir uma condição conjuntiva suficiente — estamos a procurar no lado errado (op. cit., pp. 163–164).

Defendemos, em qualquer caso, as nossas duas teses centrais. As definições disjuntivas são apropriadas e são de esperar quando o que se está a definir é uma categoria determinada pela prática, porque as nossas práticas identificadoras e portanto as nossas escolhas taxonómicas evoluem de um modo desregrado e fortuito. As definições conjuntivas são de preferir, tipicamente, quando o que está a ser definido é uma categoria postulada por uma teoria, porque neste caso exigimos tipicamente que entre os parceiros categoriais existam similaridades subjacentes independentes das nossas práticas que justifiquem os nossos modos de classificar as coisas em categorias.

Estes resultados podem facilitar juízos informados sobre a adequação de definições particulares. Eis uma definição conjuntiva:

Jazz: música sincopada dos inícios do século XX, de origem afro-americana.

Mesmo quem não aprecia o jazz pode conjecturar imediatamente que é com toda a probabilidade extensionalmente inadequada. O jazz é uma categoria determinada pela prática. A evolução da prática identificadora determinante é provavelmente imprecisa e é improvável que seja captável de maneira assim tão elegante. Esta definição poderia servir como porta de entrada, uma definição inicial — um primeiro passo para familiarizar um aprendiz com as fronteiras do jazz — mas só a sua forma sugere que inclui, ou exclui, demasiado da extensão para que se possa considerar adequada. Por vezes, uma definição disjuntiva quase está condenada a ser melhor.

Entretanto, suponha-se que somos confrontados com muitos dados e com um argumento sugerindo que, digamos, a nossa capacidade cognitiva, ou a nossa capacidade para adquirir uma primeira linguagem rapidamente, é em grande parte inata, como a cor dos olhos. E suponha-se que a nossa discussão deste argumento visa integrar a seguinte definição disjuntiva:

Um traço ou processo é inato apenas se ou 1) há um dispositivo de aprendizagem apropriado para um certo domínio que explica a sua presença ou 2) não temos qualquer história psicológica sobre como esse traço foi adquirido.16

Nesta situação, seria razoável inferir que esta definição de inato é motivacionalmente inadequada, porque permanece o mistério quanto a saber por que razão nos daríamos ao trabalho de considerar que os traços e processos que a satisfazem pertencem à mesma categoria teórica interessante. A menos que esta definição possa ser melhorada, o inato não é certamente um postulado teórico útil.

Apesar deste importante papel fiscalizador, os nossos resultados sobre o valor das definições disjuntivas têm uma utilidade razoavelmente limitada. Seria bom se pudéssemos, dada uma qualquer definição disjuntiva, se define uma categoria determinada pelas nossas práticas ou uma categoria teoricamente postulada e, na posse da resposta a esta questão, passar a ajuizar a título experimental a sua viabilidade. Infelizmente, em muitos casos não é óbvio se estamos a lidar com uma categoria determinada pelas nossas práticas ou uma categoria teoricamente postulada, ou ambas. Terminamos fornecendo dois exemplos de casos problemáticos.

Primeiro, considere-se as categorias de coisas que são tipicamente apresentadas como ilustrações das categorias naturais: água, ouro, tigres, e outros gatos. Por um lado, estas coisas têm muito em comum com o jade e com o jazz. Os comportamentos classificativos que lhes dão relevo fazem parte das nossas práticas identificadoras comuns e não são especialmente científicas. Papagueamos “A água é H2O”; contudo, não é surpreendente que grande parte das coisas que classificamos alegremente como água contêm moléculas de outras substâncias e que as propriedades macroscópicas (fluidez, condutividade, e assim por diante) que nos permitem identificar a água não são directamente propriedades das próprias moléculas de H2O, mas antes propriedades parcialmente extrínsecas que dependem do contexto ambiental para se manifestarem. Como fizemos notar anteriormente, os sistemas classificativos populares evoluem fortuitamente, de modo que talvez seja meramente fortuito que não tratemos o ouro falso como ouro, tal como é fortuito que não se inclua o ska no jazz. E quem sabe? Se todos os gatos se revelassem afinal robôs, talvez os encarássemos mesmo assim como gatos — e talvez, talvez, isto fizesse deles gatos.

Por outro lado, esta última conjectura parecerá extremamente desagradável a algumas pessoas e isso é porque, segundo alguns comentadores, as nossas práticas identificadoras que levaram as pessoas a acreditar na água, no ouro e em gatos estão em certa medida comprometidas com a tese de que ser água, ser ouro ou ser gato são categorias naturais. Quem for por esta via pensa que a água é uma categoria natural, tal como esta é usada na taxonomia popular: as pessoas têm todo o gosto em aceitar a autoridade dos químicos e, se necessário, rever a sua perspectiva oficial sobre o que conta como um caso paradigmático de água, para que se harmonize com a última química.

Se a definição mais extensionalmente adequada de água que conseguimos encontrar se revelar disjuntiva, haverá quem diga: “Bem, a água é apenas uma categoria determinada pela prática, de modo que outra coisa não seria de esperar”. Outros poderão contra-argumentar: “Sim, a água é determinada pelas nossas práticas, mas a prática relevante exige que nada possa ser uma amostra de água a menos que seja uma amostra de uma categoria postulada teoricamente. Claro, é bom que os critérios em virtude dos quais é uma amostra de água estejam muito próximos aos que o povo usa, mas não precisam de ser idênticos. Dado que as práticas populares nos autorizam a encarar a água como uma categoria postulada teoricamente, devemos ter esperança numa definição conjuntiva de água”.

Está claro que isto é como o debate que entrevemos anteriormente sobre a definição disjuntiva de jade. O jade é um caso muitíssimo menos controverso, contudo, porque ninguém pensa que é uma categoria natural. Um análogo mais discutível do debate da água poderia surgir entre quem aceita a concepção das cores em termos de “qualidades primárias”. Uma vez mais, uma definição disjuntiva de, digamos, vermelho, será satisfatória para alguns, mas talvez não para quem sustenta que a prática de distinguir as cores inclui um compromisso com a ideia de que cada cor é idêntica a uma única propriedade natural dos objectos físicos.

O outro exemplo de uma categoria de coisa acerca da qual os argumentos sobre a viabilidade das definições disjuntivas estão condenados a continuar é a arte. A arte raramente é exibida como um exemplo de uma categoria natural, mas levanta os mesmos géneros de questões da água. Por um lado, alguns partidários de uma definição institucional da arte e alguns partidários de uma definição recursiva e histórico-intencional da arte sugerem que uma coisa é arte porque temos práticas de criar e encarar certas coisas de certas maneiras, e um corpo de conceitos que surgem dessas práticas, ou que ajudam a articulá-las.17 Fim da história — apesar de a história sobre as próprias práticas e sobre o resultante “mundo da arte” ser rica e complexa.

Por outro lado, quem propõe definições funcionalistas da arte ou definições que dão um papel central na determinação do que é arte ao potencial que têm para originar certos tipos de resposta perceptiva ou cognitiva sugere que as nossas práticas de fazer e apreciar a arte captam ou devem captar algo de objectivo.18 Quem segue este género de linha pensa que quando um observador informado encara um item como uma obra de arte ao invés de outro, a plausibilidade das suas razões para este veredicto depende de factos relativos à constituição das obras e às nossas interacções com elas, factos esses que são independentes das nossas práticas. (O debate entre o positivismo e o naturalismo jurídico tem muito em comum com este debate sobre a natureza da arte.)

Parte do debate é saber se faz sequer sentido esta distinção entre bases que dependem das nossas práticas para determinar o que é arte e bases que não dependem delas, mas certamente que é mais provável que quem se situa no primeiro campo conceda que uma definição disjuntiva da arte poderá ser o melhor que podemos almejar.

Porque temos os casos da água, arte e outros, que aparentemente problematizam a fronteira entre categorias determinadas pelas nossas práticas e categorias postuladas teoricamente, continuará certamente a haver discordâncias quanto às credenciais das definições disjuntivas. Mesmo assim, pensamos que avançamos na direcção de oferecer uma justificação razoável para os debates em curso e um aparato crítico para formular as questões.

Justine Kingsbury e Jonathan McKeown-Green
The Journal of Philosophy, CVI, 10 (Outubro de 2009), pp. 568-585. Traduzido e publicado com a autorização dos autores.

Notas

  1. Poder-se-ia argumentar que a definição é motivacionalmente adequada porque há uma razão suficientemente boa para dar atenção à questão de um item obedecer ou não ao critério enunciado: nomeadamente, a nossa inclusão desta definição aqui, como exemplo. Estamos preparados para aceitar este argumento. Sugere que é muito difícil fornecer exemplos incontroversos de definições motivacionalmente inadequadas: assim que se tenta fornecer uma, o leitor pode, com alguma justificação, citar o nosso próprio propósito como prova da sua adequação motivacional.
  2. Veja-se, por exemplo, Mark Kaplan, “It's Not What You Know That Counts”, The Journal of Philosophy, LXXXII, 7 (Julho de 1985): 350–363.
  3. Por exemplo, Robert Stecker argumenta que só uma definição disjuntiva pode deixar espaço ao papel desempenhado na determinação do estatuto da arte pelas intenções e por factores históricos, funcionais e institucionais. Veja-se Stecker, “Is It Reasonable to Atempt to Define Art?” in Noel Carroll, org., Theories of Art Today (Madison: Wisconsin University Press, 2000), pp. 45-64, em particular pp. 48-53.
  4. Tatarkiewicz, “What is Art? The Problem of Definition Today”, British Journal of Aesthetics, XI, 2 (Primavera de 1971): 134–153, veja-se p. 150.
  5. Tal definição pode ser reescrita como uma conjunção de condições necessárias, mas apenas se algumas das condições necessárias forem disjuntivas. Nesse caso, as preocupações que estamos a investigar quanto às definições disjuntivas surgem em conexão com as condições necessárias disjuntivas.
  6. Berys Gaut, “The Cluster Account of Art Defended”, British Journal of Aesthetics, XLV, 3 (Julho de 2005): 273-288, veja-se pp. 273-274. Gaut de facto não considera estar a dar uma definição de arte. Em ““Art” as a Cluster Concept” (in Theories of Art, Carroll, org., pp. 25-44), Gaut afirma que todas as definições são conjunctivas, e apesar de abandonar esta ideia em “The Cluster Account of Art Defended”, continua a sustentar que só as definições conjuntivas e as definições disjuntivas simples contam como definições. Isto porque, ao que parece, considera que uma coisa só conta como definição se for apreendida e na verdade aplicada por quem distingue o que é do que não é K. Isto poderia ser uma restrição razoável numa definição de um conceito mas, como a seguir fazemos notar, a nossa preocupação é a definição de categorias de coisas.
  7. Paul Ziff dá este tipo de definição de arte em “The Task of Defining a Work of Art”, Philosophical Review, LXII, 1 (Janeiro de 1953): 58-78.
  8. Jerry Levinson dá uma definição recursiva de arte em “Defining Art Historically”, The British Journal of Aesthetics, XIX, 3 (Verão de 1979): 232–250.
  9. Se alguma vez poderá haver um conjunto de definições internas à teoria que sejam adequadas neste sentido é, evidentemente, outra questão. Plausivelmente, depende de haver ou não categorias naturais que tenham propriedades essenciais.
  10. Estas afirmações, e os argumentos a seu favor que se seguem, adequam-se bem às perspectivas expressas por Jaegwon Kim em “Multiple Realization and the Metaphysics of Reduction”, Philosophy and Phenomenological Research, LII, 1 (Março 1992): 1–26; reimpresso em Kim, Supervenience and Mind (Nova Iorque: Cambridge, 1993), pp. 309-336; veja-se especialmente pp. 322–324.
  11. Justine Kingsbury e Jonathan McKeown-Green, “Jackson’s Armchair: The Only Chair in Town?” in David Braddon-Mitchell e Robert Nola, orgs., Conceptual Analysis and Philosophical Naturalism (Cambridge: MIT, 2009), pp. 159–182, veja-se p. 165.
  12. Haverá muitos casos controversos (como o smooth jazz) sobre cujo estatuto a comunidade discorda, e muitos casos de fronteira (como grande parte da música de câmara de Chick Corea) que toda a gente deveria concordar tratar-se apenas mais ou menos de jazz. Uma definição perfeita de jazz, ou de qualquer categoria institucional similar em aspectos relevantes, reflectirá estes géneros de fenómenos.
  13. “Mad Pain and Martian Pain”, in Ned Block, org., Readings in the Philosophy of Psychology Volume 1 (Cambridge: Harvard, 1980), pp. 216-222. Lewis pressupõe uma história funcionalista sobre os qualia e, para fins expositivos, supõe que o papel da dor é tipicamente realizado nos seres humanos pelo disparar das fibras c. A dor louca é o que temos se, atipicamente, o disparo das fibras c no nosso cérebro não realizam o papel da dor: quando as fibras disparam, não temos sensações de dor; outra coisa qualquer nos acontece.
  14. Similarmente, uma concepção em termos de resposta comportamental do nosso conceito de vermelho (ou de qualquer outra cor) é compatível com uma perspectiva da propriedade da vermelhidão (ou qualquer outra cor) em termos de qualidades primárias. Podemos caracterizar o nosso conceito de vermelho dizendo que algo é vermelho se, e só se, pareceria vermelho a qualquer agente adequado adequadamente situado, e podemos também sustentar que uma coisa é vermelha se, e só se, exibir o perfil certo de reflexão. Quanta semelhança há entre este caso da cor e o do jazz depende de as cores serem ou não categorias institucionais, e isso é uma questão controversa que abordamos brevemente no final do artigo.
  15. Nem se pode transformar uma definição conjuntiva adequada numa definição disjuntiva adequada acrescentando-lhe uma disjunta gratuita, visto que a definição disjuntiva resultante seria criterialmente inadequada.
  16. Esta definição baseia-se em análises do inato de Fiona Cowie, mas ela não é responsável pelo uso que lhe estamos a dar. Veja-se o seu Within? Nativism Reconsidered (Nova Iorque: Oxford, 1999).
  17. George Dickie dá uma definição institucional da arte em Art and the Aesthetic: An Institutional Analysis (Ítaca: Cornell, 1974). Levinson dá uma definição histórica da arte em “Defining Art Historically”, The British Journal of Aesthetics, XIX, 3 (Verão 1979): 232–250.
  18. Veja-se, por exemplo, Monroe Beardsley, “Redefining Art”, in Michael Wreen e Donald Callen, orgs., The Aesthetic Point of View: Selected Essays (Ítaca: Cornell, 1982), pp. 298-315.
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