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Crítica
17 de Novembro de 2004   Epistemologia

A tese céptica de Hume acerca da indução

Elliott Sober
Tradução de Faustino Vaz

A todo o momento formas expectativas acerca de como será o futuro ou sobre que generalizações (afirmações com a forma “Todos os As são B”) são verdadeiras com base em dados que não são dedutivamente conclusivos. As tuas crenças acerca do futuro baseiam-se na percepção e na memória, mas não podes deduzir como será o futuro de premissas que descrevem o presente e o passado.

Concentremo-nos num exemplo para tornar claro o que se acabou de dizer. Supõe que observaste muitas esmeraldas e descobriste que cada uma delas era verde. De seguida prevês que “A próxima esmeralda que eu observar será verde”; ou talvez generalizes e digas “Todas as esmeraldas são verdes”. (Para que este seja um exemplo do género que queremos, supõe que as esmeraldas não são verdes por definição.)

O senso comum diz que és racional se, ao acreditares em previsões e generalizações, tens muitos dados para o fazer. Observar muitas esmeraldas e descobrir que cada uma é verde parece justificar a tua expectativa de que a próxima esmeralda que examinares será verde. Mas não podes deduzir generalizações e previsões das tuas observações do passado. Além disso, repara que os dois argumentos seguintes são sensatamente não-dedutivos:

(GEN)

Observei numerosas esmeraldas e cada uma delas é verde.
Logo, todas as esmeraldas são verdes.

(PRE)

Observei numerosas esmeraldas e cada uma delas é verde.
Logo, a próxima esmeralda que eu observar será verde.

A dupla linha entre as premissas e a conclusão indica que os argumentos não são dedutivamente válidos.

Em ambos os argumentos pensas que as premissas justificam racionalmente a conclusão. Defendes não ser mero preconceito afirmar que em cada caso as premissas fornecem bons dados a favor da verdade da conclusão. A tese de Hume é que a tua convicção não pode ser racionalmente defendida.

O que é importante perceberes é que Hume não está simplesmente a dizer que os argumentos não são dedutivamente válidos. Isso é óbvio. O que ele diz realmente é que as premissas não justificam racionalmente as conclusões. Para Hume não há qualquer maneira de justificar racionalmente previsões e generalizações.

Na perspectiva de Hume tens simplesmente o hábito de achar que aquelas premissas fornecem boas razões para acreditar naquelas conclusões. É um hábito que não podes abandonar; faz parte da natureza humana esperar que o futuro se assemelhe ao passado. Mas é um hábito que não podes defender racionalmente. Se um céptico te desafiar para justificares racionalmente o padrão de pensamento em questão, apenas podes dizer que essa é de facto a maneira de proceder dos seres humanos. Não tens como produzir um bom argumento para justificar racionalmente este hábito mental.

A indução não pode ser racionalmente defendida

O argumento de Hume

Como chegou Hume a esta conclusão surpreendente acerca da indução? Hume pensava que os argumentos enunciados (GEN e PRE) requerem uma premissa adicional. Tal como se encontram, a premissa não suporta a conclusão. Ora, se a observação tem a intenção de sustentar a generalização ou a previsão, então terás de pressupor que o futuro se assemelha ao passado. A este pressuposto Hume chamou Princípio da Uniformidade da Natureza (PUN).

Hume pensava que este princípio desempenha um papel indispensável em todo e qualquer argumento indutivo. Já viste o exemplo a respeito da cor das esmeraldas. Considera agora a crença de que o sol nascerá amanhã. Esta crença previsiva baseia-se na premissa de que o sol nasceu em cada um dos dias em que, com enfado, te deste ao trabalho de fazer uma observação. Por que razão estas observações do passado sustentam a previsão que fizeste acerca de amanhã? Hume pensava que tens de supôr que a natureza é uniforme — o futuro será semelhante ao passado. Hume diz que sem este princípio o passado não pode ser um guia para o futuro.

Assim, todo e qualquer argumento indutivo pressupõe PUN: terás de pressupor PUN para que a premissa observacional possa sustentar a previsão ou generalização afirmada na conclusão do argumento. Isto significa que, se a conclusão a que chegas é racionalmente defensável, então deverás ter disponível um bom argumento para pensar que PUN é verdadeiro. Se PUN não puder ser defendido, então qualquer crença que dependa de pressupor que PUN é verdadeiro, terá também que ser indefensável.

É este o enunciado do argumento céptico de Hume:

  1. Todo o argumento indutivo requer PUN como premissa.
  2. Se a conclusão de um argumento indutivo é racionalmente justificada pelas premissas, então estas premissas têm de ser também racionalmente justificáveis.
  3. Assim, se a conclusão de um argumento indutivo é justificada, terá que haver uma justificação racional de PUN.
  4. Se PUN é racionalmente justificável, então terá que haver um bom argumento indutivo ou um bom argumento dedutivo a favor de PUN.
  5. Não há um bom argumento indutivo para PUN, uma vez que qualquer argumento indutivo a favor de PUN é circular.
  6. Não há um bom argumento dedutivo a favor de PUN, uma vez que PUN não é uma verdade a priori nem segue dedutivamente das observações que até hoje fizeste.
  7. Assim, PUN não é racionalmente justificável.
    Logo, não há justificação racional para as crenças que tens com a forma de previsões ou generalizações.

Resumindo, o que Hume diz é que as crenças que tens acerca da cor das esmeraldas e do nascer do sol amanhã (e muitas outras crenças) não são racionalmente justificáveis porque repousam num pressuposto que não pode ser racionalmente justificado.

Por que razão PUN não pode ser justificado?

Examina melhor os passos 4-6 do argumento. Vê bem o que PUN afirma; PUN diz que o futuro será semelhante ao passado — as uniformidades do passado continuarão a subsistir no futuro. Será que podes saber que isto é verdadeiro com base na indução? Se puderes, o argumento indutivo parecer-se-á com este:

A natureza tem sido uniforme nas minhas observações do passado.
Logo, a natureza em geral é uniforme.

Lembra-te que para Hume todos os argumentos indutivos requerem PUN como premissa. O argumento enunciado é indutivo. Mas se introduzires PUN como premissa, como Hume requer, o argumento torna-se circular — pressupõe como premissa precisamente a proposição que tenta sustentar como conclusão.

E resultará uma justificação dedutiva de PUN? Também aqui a resposta de Hume é não. O argumento enunciado não é dedutivamente válido; o princípio geral da uniformidade não pode ser deduzido das observações que fizeste no passado.

Hume considera, e rejeita, um outro tipo de argumento dedutivo. Pode ser PUN uma verdade conceptual dedutível das definições dos seus termos? Se PUN fosse uma verdade conceptual teria a mesma espécie de justificação a priori que “Nenhum solteiro é casado” possui. Hume rejeita esta ideia dizendo que não há contradição em supor que o universo deixe subitamente de ser uniforme. Não é uma verdade conceptual afirmar que as regularidades do passado subsistirão no futuro.

Elliott Sober
Core Questions in Philosophy (Prentice Hall, 2008)
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ISSN 1749-8457