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Crítica
21 de Dezembro de 2023   Filosofia da linguagem

Filosofia antiga da linguagem

Christopher Shields
Tradução de Desidério Murcho

O mais antigo interesse pela linguagem durante o período grego antigo era em grande medida instrumental: supostos factos sobre a linguagem e as suas características eram postos ao serviço da argumentação filosófica. Talvez inevitavelmente, esta actividade deu lugar à análise da linguagem em si. Por exemplo, afirmações sobre a relação entre os valores semânticos dos termos gerais e a existência de universais suscitou a investigação independente da natureza do significado dos próprios termos gerais. Deste modo, a linguagem tornou-se em si objecto de inquérito filosófico. Em harmonia com isto, e pelo menos desde o tempo de Platão, os filósofos conduziram inquéritos próprios da filosofia da linguagem. Investigaram o seguinte:

  1. Como as palavras ganham os seus valores semânticos;
  2. Como os nomes próprios e os outros termos singulares referem;
  3. Como as palavras se combinam para formar unidades semânticas maiores;
  4. Princípios composicionais necessários para compreender a linguagem;
  5. Como as frases, afirmações ou proposições passam a poder ter valor de verdade.

No período clássico tardio, o seguinte tema foi também abordado:

  1. Como as proposições, enquanto entidades independentes da mente e da linguagem, a) se caracterizam em termos dos seus constituintes, b) como se relacionam com as mentes e as linguagens naturais usadas para exprimi-las, e c) como se relacionam com o mundo independente da linguagem.

1. Figuras pré-platónicas

Antes de Platão, são fragmentários, ainda que sugestivos, os indícios de inquéritos sobre as características semânticas e sintácticas da linguagem. Apesar disso, há um interesse claro pela linguagem entre os filósofos pré-platónicos, os retóricos e os sofistas. Em alguns casos, o motivo deste interesse é uma preocupação com o desenvolvimento do discurso persuasivo, sobretudo no seu uso forense ou político. Noutros casos, tem uma orientação mais filosófica. Assim, desde bem cedo, Parménides (início ou meados do século V a. C.) tentou aproveitar-se de um suposto facto sobre a linguagem, ao defender uma forma improvável de monismo: defendeu que “o que é para dizer e pensar tem de ser” (fr. 6) e concluiu que é impossível falar ou pensar do que não existe, com a consequência de ser igualmente impossível falar da geração, mudança ou pluralidade, ou pensar nisso, dado que cada qual tem a ver, directa ou indirectamente, com o que não é. Com a tese adicional de que é possível falar e pensar de tudo o que existe (fr. 3), Parménides concluiu que o Universo é uma unidade eterna indiferenciada, inteiramente alheio às aparências de pluralidade, mudança e geração dadas pelos sentidos. Quando Platão e Aristóteles denunciaram mais tarde a falácia presente neste argumento, fizeram-no sobretudo distinguindo características sintácticas e semânticas do verbo ser, que Parménides não tinha assinalado.

O sofista Górgias (finais do século V a. C.), invocou também características da linguagem ao tentar estabelecer as teses niilistas seguintes:

  1. Nada existe;
  2. Mesmo que algo existisse, seria incognoscível;
  3. Mesmo que algo existisse e fosse cognoscível, seria incomunicável.

Em defesa da estranha contrafactual 3, em particular, Górgias invocou uma forma subjectivista de significado: se algo fosse percepcionado, só poderia ser comunicado por meio de um signo que, mesmo aceitando o pressuposto insustentável de que poderia representar perfeitamente o suposto objecto de percepção, não poderia ser partilhado por mais de uma mente. Assim, a comunicação acerca de objectos percepcionados é impossível. Por mais implausível que este argumento pareça, vale a pena fazer notar que invoca uma tese sobre o significado que há muito quem considere natural e atraente; na verdade, muitos séculos depois, Frege sentia ainda necessidade de montar argumentos positivos contra precisamente este tipo de subjectivismo semântico.

O atomista Demócrito (meados do século V–IV a. C.) compôs supostamente um tratado Das Palavras. Nesta obra, ou talvez noutra, inaugurou uma discussão importante, fervorosamente retomada pelos filósofos posteriores, quanto ao significado dos nomes. Demócrito delimita assim o que é aparentemente a primeira defesa de uma teoria semântica específica. Por isso, vai além do interesse sobretudo instrumental nas características semânticas da linguagem que vemos nos seus predecessores.

Demócrito defendeu evidentemente uma forma de convencionalismo, segundo o qual a relação entre nomes e as coisas nomeadas é determinada por acordo ou legislação. Demócrito defende que não pode haver uma relação natural que amarre uma palavra ao mundo, porque

  1. Há homónimos, ou seja, um mesmo nome para coisas diferentes (por exemplo, “banco”);
  2. Há sinónimos, nomes diferentes da mesma coisa;
  3. As entidades podem mudar de nome no decurso da existência.

Consequentemente, seria um erro supor que os nomes são determinados seja pelo que for, excepto uma designação arbitrária.

Ao argumentar assim, Demócrito pretende rejeitar o naturalismo, a perspectiva de que o modo como os nomes e as coisas nomeadas se relacionam não é convencional. Uma primeira aproximação nessa direcção poderá ser a perspectiva de que todos os nomes são originalmente onomatopeicos ou de algum modo pictográficos. Formulado deste modo grosseiro, o naturalismo poderá parecer um falso ponto de partida. Contudo, outras formas de naturalismo, menos rígidas em comparação com estas versões mais simples, invocam ao invés descrições naturais, tendo como resultado que os nomes, especialmente os nomes próprios, acabam todos por ser descrições definidas disfarçadas. Tornando o naturalismo ainda mais ténue, um número razoável de naturalistas tinham por hábito invocar a origem dos nomes e de outras palavras, confundindo assim questões genéticas com questões semânticas.

Apesar de nestes diferentes contextos as diferentes versões de naturalismo se misturarem de maneira nada esclarecedora, o contraste entre o convencionalismo e o naturalismo é importante para a história da semântica clássica, por três razões inter-relacionadas. Primeiro, o debate que se seguiu, grande parte do qual era bastante subtil e sofisticado, foi inicialmente formulado em termos de um contraste entre o convencionalismo e o naturalismo e, mesmo na Antiguidade tardia, os dados que os naturalistas invocavam surgem de maneira surpreendentemente insistente. Segundo, o que em parte motivava o naturalismo revela-se afinal razoável: o naturalismo, ao contrário de algumas formas de convencionalismo, parecia captar a normatividade da linguagem. Alguns nomes são correctos e adequados, ao passo que outros são incorrectos ou de algum modo inapropriados. É difícil especificar com precisão como pode isso acontecer se os sons proferidos se aplicam às coisas de maneira puramente convencional, especialmente quando as convenções podem ser geradas muito paroquialmente. Terceiro, sejam quais forem as suas deficiências últimas, o naturalismo tenta pelo menos explicar como se dá a referência. Em algumas das suas formas antigas, o convencionalismo tinha dificuldade em sequer esboçar uma sugestão sobre este ponto.

2. Platão

A oposição entre o convencionalismo e o naturalismo domina a abordagem mais explícita e aturada da linguagem levada a cabo por Platão no Crátilo. O diálogo opõe teorias naturalistas e convencionalistas dos nomes igualmente insustentáveis, ao mesmo tempo que promove as virtudes de cada uma. Platão centra-se inicialmente nos nomes próprios, mas é claro que os seus interesses abrangem outros termos singulares, assim como termos gerais. Talvez Platão pretenda explorar factos sobre a referência, ao formular formas extremas de perspectivas que, apesar de incompatíveis, têm cada qual os seus méritos. Em qualquer caso, no decurso do diálogo, Platão põe de lado as características mais implausíveis do convencionalismo e do naturalismo, sem comentários de pormenor.

Estas características implausíveis estão integralmente presentes, contudo, na apresentação inicial de cada teoria. Crátilo abre o diálogo defendendo, em nome do naturalismo, que é possível uma pessoa não se chamar n, ainda que “todas as pessoas lhe chamem” n (383b6–7, cf. 429b12–c2). Isto porque, como descobrimos depois, n só é o nome de uma coisa qualquer se tiver uma relação natural R com essa coisa, sendo R só incompletamente especificada por Crátilo como um tipo de relação mimética ou imitativa (423b–428a, 430a10–b1). Assim, uma coisa só é um nome n se for correcto, ou seja, se imitar a coisa nomeada e na verdade se indicar o que é essa coisa (428e1–2).

Hermógenes responde em nome do convencionalismo:

Não consigo ficar persuadido de que há uma correcção (orthotēs) dos nomes que não a convenção e o acordo. Pois parece-me que seja qual for o nome que alguém dá a algo, esse é o nome correcto. […] Pois nenhum nome é por natureza apropriado seja para o que for, sendo antes apropriado pelo costume e hábito de quem tem o hábito de usá-lo e de chamar as coisas por esse nome. (Crátilo, 384c10–d9)

O convencionalismo de Hermógenes poderá parecer inicialmente mais plausível do que qualquer versão de naturalismo. Contudo, Hermógenes é acusado de não ter em consideração as restrições externas que limitam as convenções. Mais importante do que isso é o facto de os nomes terem a função dupla de transmitir informação e de distinguir naturezas reais no mundo (388b7–11); se um nome deixa escapar estas naturezas reais ou as obscurece, não será bem-sucedido como nome, ou em qualquer caso será, na melhor das hipóteses, um nome subóptimo. Platão sugere que mesmo este grau de normatividade é incompatível com a versão de convencionalismo que Hermógenes expõe.

Ao opor-se a este tipo de convencionalismo, Platão não adopta o naturalismo de Crátilo. Pelo contrário, o Sócrates do diálogo, que representa evidentemente o ponto de vista de Platão, é igualmente crítico de um naturalismo que não distingue entre o nome correcto de uma entidade e o nome que as pessoas efectivamente usam ao designá-la. Sócrates embaraça Crátilo por duas vezes, obrigando-o a reconhecer que a sua teoria não pode distinguir entre ser bem-sucedido em referir um objecto e referi-lo correctamente (429c3–5 e 429e8–430a5). O ponto em questão, actualizando um pouco o exemplo de Platão, é este: se uma criança aponta para uma baleia, exclamando “Aquele peixe é maior do que a nossa casa!”, a criança foi claramente bem-sucedida em referir a baleia, mas só incorrectamente o fez. Crátilo tem de conceder que não só a criança não designou a baleia, como poderá ter proferido uma frase falsa referindo um vairão que está nas proximidades da baleia.

No fim, Platão concorda com o naturalista que tem de haver uma relação R que de maneira directa ou indirecta relacione o nome com a coisa nomeada; mas nega que R possa ser especificada de maneira a ignorar por completo a convenção. Assim, Platão concorda igualmente com o convencionalista que a convenção é relevante para determinar os nomes; mas nega que a convenção possa determinar R só por si. Pois Platão pensa que os nomes são portadores de informação e que, se forem correctos, reflectem a estrutura do mundo extralinguístico. Assim, o argumento do Crátilo tem o efeito de extrair o que está correcto tanto no convencionalismo como no naturalismo, e de estabelecer as restrições a que uma explicação semântica e metafisicamente adequada da referência terá de obedecer. Faz também avançar o debate ao distinguir diferentes maneiras em que se pode dizer que um nome é correcto ou incorrecto: um nome pode ser correcto de maneira pragmática, cumprindo a sua função de fixar a referência, ou correcto de maneira descritiva, por veicular informação que reflecte o mundo com precisão. Platão dá-se conta de que estas funções podem dissociar-se de maneiras que tornam a tarefa de especificar R extremamente difícil. Contudo, o próprio Platão não oferece uma explicação articulada da sem dúvida complexa relação R. Ao invés, o diálogo acaba em perplexidade.

Apesar de incluir a sua abordagem mais autoconsciente e aturada, o Crátilo dificilmente esgota as perspectivas de Platão acerca dos nomes e da linguagem mais em geral. Merecem nota especial as suas discussões complexas de várias funções sintácticas e semânticas do verbo ser, conduzidas mais aturadamente no Parménides e no Sofista, ambos diálogos tardios. No Parménides (142a, 161e–162b), ao formular um quebra-cabeças sobre a afirmação verdadeira “a não é” (não podemos predicar algo de a a menos que a seja; mas então não podemos fazer o que claramente podemos fazer, nomeadamente, negar a existência de algo), Platão entra numa discussão acerca de existenciais negativas que continua até hoje. Quando, no Sofista, Platão responde ao argumento parmenidiano a favor do monismo, centra-se muito correctamente nos diferentes usos de “é”. Esta distinção continua a ser um importante instrumento filosófico para reconhecer e diagnosticar falácias.

3. Aristóteles

Aristóteles aborda o estudo da linguagem com olho de lógico. Procura determinar como os termos se relacionam em estruturas sintácticas de vários tipos, sobretudo para determinar e regulamentar as formas correctas e incorrectas de traçar inferências. Assim, investiga a natureza do significado, as dificuldades da referência, e os erros que resultam de não responder ao que Aristóteles chama os usos homónimos das palavras, ou seja, os usos de palavras com uma pluralidade de significados distintos mas relacionados, incluindo especialmente termos filosóficos nucleares cuja equivocidade poderá inicialmente escapar-nos. Aristóteles pensa que quando os filósofos procuram definições unificadas destes géneros de termos — ou, pelo menos, definições que não sejam disjuntivas, dadas como condições necessárias e suficientes — estão a ignorar a complexidade dos conceitos ou propriedades que esses termos exprimem. A linguagem natural reflecte por vezes esta complexidade; outras vezes, obscurece-a.

Aristóteles investiga os fenómenos linguísticos sobretudo nas Categorias e De Interpretatione, mas também na Metafísica, nos Tópicos, nas Refutações Sofísticas e nos Primeiros e Segundos Analíticos. Aristóteles nem sempre conecta explicitamente entre si estas investigações, mas há várias passagens que fazem ligações e que indicam como considera ele que as suas perspectivas nestas áreas se relacionam entre si. Talvez a passagem mais importante de entre elas seja a abertura de De Interpretatione, onde Aristóteles faz uma analogia razoavelmente completa entre palavras e frases, por um lado, e tipos de afecções (pathēmata) da alma, por outro.

Segundo esta analogia, há uma relação razoavelmente directa entre ideias e sons proferidos: as palavras individuais estão para as frases assertivas como as ideias individuais estão para as ideias compostas. Os primeiros membros destes pares não têm valor de verdade, sendo em algum sentido semanticamente atómicos. Os segundos membros são em contraste necessariamente verdadeiros ou falsos. Ou seja, Aristóteles afirma que a bivalência se verifica em todas as frases assertivas simples e nos seus análogos mentais, as ideias compostas.

Em parte devido a esta analogia, a abertura de De Interpretatione inclui as sementes de quatro teses aristotélicas inter-relacionadas, cada uma das quais é desenvolvida em várias passagens do corpus:

  1. Composicionalidade. O valor semântico das frases assertivas é uma função das suas partes subfrásicas semanticamente relevantes (semanticamente relevantes porque, como Aristóteles faz notar em De Interpretatione 16a20–22, nem “ton” nem “ano” dão qualquer contributo para o significado de “Clinton era excepcionalmente bem formado para presidente americano”);
  2. Convencionalidade. Os símbolos escritos e proferidos que se usa no lugar de ideias são convencionais, ao passo que as próprias ideias e o que estas representam não o são;
  3. Relacionismo. As unidades semânticas convencionais (marcas escritas e sons proferidos) ganham significado semântico das coisas que simbolizam;
  4. Significação. A relação devido à qual as unidades semânticas ganham significado semântico consiste ou inclui o que Aristóteles chama “significação” (sēmainein).

As teses 3 e 4 merecem especial atenção.

A segunda tese, o convencionalismo, indica onde Aristóteles se situa na questão explorada no Crátilo. Aristóteles explica a sua posição do seguinte modo:

Afirmo <que um nome é um som significativo> segundo a convenção (kata sunthēkēn) porque nenhum nome é por natureza <significativo>, mas tão-só quando se torna um símbolo. Ainda que sons inarticulados, por exemplo, os sons das bestas selvagens, revelem realmente qualquer coisa (dēlousi ti), nenhum é um nome. (De Interpretatione 16a26–29)

Aristóteles rejeita o naturalismo, mas sem subscrever qualquer versão simples de convencionalismo. Ao invés, formula a restrição segundo a qual um som só se torna um nome quando se torna um símbolo, sendo que uma coisa só é um símbolo quando tem uma relação apropriada com uma representação mental não-convencional.

Com respeito à abordagem da linguagem e do significado levada a cabo por Aristóteles, a quarta tese, quanto à significação (sēmainein), é sem dúvida a mais central e importante. É também a mais complexa e difícil. Aristóteles escreve com frequência como se a significação fosse uma simples relação de significado: as palavras significam coisas, mesmo que não tenham referente. Assim, por exemplo, depois de distinguir nitidamente entre expressões assertivas, as únicas que têm valor de verdade, e os seus constituintes, que ainda não podem ter valor de verdade, Aristóteles imagina que alguém objecta que a palavra “hircocervo” (tragelaphos) já é falsa, dado que essas criaturas não existem. Aristóteles responde que apesar de “hircocervo” querer dizer qualquer coisa, não é ainda verdadeiro nem falso, precisamente porque não faz ainda parte de uma frase assertiva (De Interpretatione 16a16–18). A resposta de Aristóteles introduz correctamente uma distinção entre a referência vácua e a falsidade; e parece também considerar que a significação se aproxima muito da expressão de sentido: “hircocervo” tem sentido, mas não tem referência.

Apesar disso, surge uma complicação, por duas razões inter-relacionadas:

  1. Aristóteles invoca por vezes a significação onde parece implausível que possa ser entendida em termos de expressão de sentido;
  2. Aristóteles nega por vezes significação a termos singulares vácuos.

No primeiro caso, Aristóteles defende certamente que não são só as palavras que significam: a palavra “homem” significa “animal racional”, mas a entidade homem também significa animal racional (Categorias 3b10–23; Tópicos 122b16–17, 142b27–29; Segundos Analíticos 85b18–21; Metafísica 1017a22–27, 1028a10–16); além disso, as nuvens significam chuva e o fumo significa fogo (Segundos Analíticos 70a10–38).

Alhures, Aristóteles nega que uma única palavra, construída para significar “homemecavalo” tenha significação (De Interpretatione 18a19–27). A resolução provável é que a relação de significação era para Aristóteles em alguns contextos semântica, mas não noutros; além disso, em alguns contextos, a significação está mais próxima da referência, e noutros da expressão de sentido. Em alguns contextos mais técnicos, Aristóteles introduz a significação como uma espécie de especificação da essência: homem significa animal racional porque os seres humanos são essencialmente racionais. Contudo, neste sentido, talvez “significação” se comporte ainda mais como a palavra portuguesa “significado”: o fumo significa fogo; “carniçal” significa “espírito que saqueia sepulturas e devora cadáveres”; e dizemos que apesar de Êutífron falar de piedade, desconhece o significado do termo. Em alguns contextos filosóficos, somos apropriadamente técnicos com respeito à maneira como entendemos o conceito de significado; noutros, somos comparativamente descontraídos. Esta prática espelha a abordagem da significação levada a cabo por Aristóteles.

4. Os estóicos e os outros movimentos helenísticos

As escolas helenísticas que floresceram depois da morte de Aristóteles tornaram-se cada vez mais técnicas e especializadas no tratamento que davam à linguagem. Isto aplica-se em especial aos estóicos, cujos interesses em lógica, gramática e sintaxe os levaram a oferecer teorias subtis, repletas de vocabulários técnicos capazes de uma precisão e riqueza sem precedentes. As inovações mais intricadas e importantes foram muito provavelmente introduzidas por Crisipo.

É difícil recapitular elementos do sistema estóico resumidamente. Para começar, as provas são fragmentárias, derivam de muitas fontes, algumas das quais hostis e, na sua maior parte, em segunda mão. Além disso, há divergências consideráveis no seio do próprio campo estóico; é importante não esquecer que estamos lidando com dados de vários séculos de filosofia. Dito isto, o doxógrafo Diógenes Laércio fornece uma sinopse funcional das principais características da teoria semântica estóica:

A elocução (phōnē) e o discurso (lexis) diferem, porque apesar de o som vocal ser também uma elocução, só o som articulado é discurso (lexis). E o discurso difere da linguagem (logos), porque esta é sempre significativa (sēmantikos), ao passo que o discurso <pode> não ser significativo, por exemplo, “blityri”; a linguagem não pode de modo algum <não ser significativa>. Além disso, dizer (to legein) difere de proferir (to propheresthai). Pois apesar de as elocuções serem proferidas, o que se diz são estados de coisas — que são afinal coisas ditas (ou coisas que podem ser ditas, lekta). (Diógenes Laércio, 7.57)

A perspectiva inicial aqui é simples. Os animais, incluindo os seres humanos, produzem sons; mas só alguns destes sons têm significado. Aqueles sons que exprimem lekta têm significado, são sēmantikos, e aqueles que não o têm são meros sons. Se eu falar alemão, ao contrário do leitor, a elocução verkehrt terá significado para mim, mas não para si; mas mesmo que ambos falemos alemão, a elocução sem sentido de “blityri” não terá significado para mim, nem para si. Os estóicos sugeriam, então, dado alguns sons serem significativos e outros não, que temos de supor que alguns sons têm significado, nomeadamente exprimem lekta, ao contrário de outros. Daí que seja necessário postular a existência de lekta.

O motivo principal para a introdução de lekta é, pois, semântico. Afortunadamente ou não, com os estóicos temos a primeira reificação consciente de significados enquanto tal. Nada surpreendentemente, os estóicos depressa puseram ao seu serviço uma segunda função das lekta. Algumas lekta, a que os estóicos chamavam axiōmata, são os portadores principais de verdade e de falsidade. Assim, segundo os estóicos, há uma espécie de axiōmata que podem ser verdadeiras ou falsas, evidentemente em termos primeiros. Dizer coisas verdadeiras ou falsas, ou seja, proferir frases com valor de verdade, é algo que depende de proferir uma frase que expressa um complexo de significados, um axiōma. Assim, a frase “Díon está caminhando” só é verdadeira se exprimir a proposição, que os estóicos consideravam não ser corpórea, que Díon está caminhando e se esta proposição for verdadeira. Tal como as palavras estão correlacionadas com significados ou significantes, que os estóicos consideravam lekta incompletas, também a frase completa “Díon está caminhando” adquire o seu significado e torna-se susceptível de ter valor de verdade porque exprime uma lekton completa, o axiōma ou proposição que é verdadeira independentemente de ser expressa ou não. Quão determinado é o pensamento dos estóicos quanto às proposições continua em disputa, dado alguns relatos que nos chegaram afirmarem que os estóicos introduziram proposições que mudam de valor de verdade e que, ainda que não sejam corpóreas, podem perecer, ou deixar de existir. Com bastante frequência, contudo, nestes casos, os estóicos andam afinal às voltas com problemas muito subtis gerados pelos indexicais e demonstrativos. Na verdade, os estóicos revelam com frequência ser mais sensíveis a estes problemas do que os seus críticos e expositores posteriores ao discutir as suas perspectivas.

Os estóicos não são de modo algum os únicos a oferecer avanços importantes no pensamento sobre a linguagem durante o período helenístico. Sexto Empírico desenvolve certamente temas semânticos. Além disso, os epicuristas, e em não tão grande medida os académicos, oferecem tratamentos da compreensão do significado e da linguagem, voltando amiúde a debates anteriores acerca da significação natural por oposição à convencional. Mais tarde, o ecléctico médico e filósofo Galeno (c. 129–210 d. C.) volta ao debate sobre o naturalismo e o convencionalismo, ridicularizando a propensão naturalista para as etimologias, por serem “belos amigos” que são também “impostores”. Contudo, nenhuma outra escola helenística rivaliza com os estóicos na maneira genuinamente inovadora e impressionantemente técnica como lidaram com questões semânticas e sintácticas.

Christopher Shields
Routledge Encyclopedia of Philosophy, org. Edward Craig (Londres: Routledge, 1998)

Referências e leituras

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ISSN 1749-8457