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Crítica
19 de Março de 2002   Lógica

Lógica indutiva e lógica dedutiva

Mark Sainsbury
Tradução de Desidério Murcho

Há uma velha tradição segundo a qual há dois ramos da lógica: a lógica dedutiva e a indutiva. Mais recentemente, as diferenças entre estas disciplinas tornaram-se tão profundas que a maior parte das pessoas usam hoje em dia o termo “lógica” com o significado de lógica dedutiva, reservando termos como “teoria da confirmação” para abranger pelo menos parte do que se costumava chamar “lógica indutiva”. Irei seguir a prática mais recente, interpretando “filosofia da lógica” como “filosofia da lógica dedutiva”. Nesta secção, irei tentar mostrar as diferenças entre as duas disciplinas, e indicar brevemente as razões pelas quais as pessoas pensam que a lógica indutiva não é realmente lógica.

[Uma] maneira de as premissas de um argumento constituírem boas razões a favor da sua conclusão é quando a conclusão se segue das premissas. Vamos chamar “válido” a qualquer argumento cuja conclusão se siga das suas premissas. Um teste inicial de validade é o seguinte. Perguntamos: será possível que as premissas sejam verdadeiras mas a conclusão falsa? No caso do argumento “O Henrique é um dramaturgo e alguns dramaturgos são pobres. Logo, o Henrique é pobre” a resposta é “Sim”. Mesmo que alguns dramaturgos sejam pobres, é possível que outros, talvez até a maioria, sejam ricos, e que o Henrique seja um destes outros. Em geral, um argumento é válido unicamente se for impossível que as premissas sejam todas verdadeiras mas a conclusão falsa. Poderemos ter a esperança de distinguir a lógica dedutiva da indutiva dizendo que a primeira, mas não a segunda, se ocupa da validade?

Considerem-se dois argumentos que ocorrem em centenas de manuais escolares:

  1. Todos os homens são mortais. Sócrates é um homem. Logo, Sócrates é mortal.
  2. O Sol nasceu todas as manhãs até hoje. Logo, (é provável que) nasça amanhã.

O primeiro é um exemplo canónico de um argumento classificado como válido pela lógica dedutiva. O segundo é um argumento que não é classificado como válido pela lógica dedutiva. Contudo, o lógico indutivo deve atribuir ao último um estatuto favorável qualquer. Sem dúvida que as razões que as premissas do argumento 2 nos dão a favor da sua conclusão são muito melhores do que as razões dadas pela mesma premissa a favor da conclusão oposta:

  1. O Sol nasceu todas as manhãs até hoje. Logo, (é provável que) não nasça amanhã.

Isto pode parecer um argumento tolo, mas aparentemente é qualquer coisa como isto que dá vida a alguns apostadores. A “Falácia de Monte Carlo” consiste na crença de que se o vermelho saiu várias vezes na roleta, é mais provável que da próxima vez saia o preto. O lógico dedutivo contrasta os argumentos 1 e 2 dizendo que o primeiro, mas não o segundo, é válido. O lógico indutivo irá contrastar os argumentos 2 e 3 — provavelmente sem usar a palavra “válido”, mas dizendo talvez que 2, ao contrário de 3, é “indutivamente forte”. As premissas de 2, mas não as de 3, fornecem fortes razões a favor da sua conclusão.

As premissas de 1 também fornecem fortes razões a favor da sua conclusão. Como poderemos distinguir razões dedutivas fortes de razões indutivas fortes? Temos uma sugestão perante nós: a verdade das premissas de um argumento dedutivo válido torna a falsidade da sua conclusão impossível, mas isso não acontece no caso de argumentos indutivamente fortes. Outro modo de colocar esta questão é: as razões dadas por um argumento dedutivamente válido são conclusivas: a verdade das premissas garante a verdade da conclusão. Este modo de traçar o contraste adequa-se a 1 e 2. A verdade da premissa de 2 pode tornar a conclusão provável, mas não a garante: não lhe dá certeza.

A lógica indutiva, como a terminologia da força indutiva sublinha, tem de se ocupar de uma relação que obtém num grau maior ou menor. Algumas razões não conclusivas são mais fortes do que outras. Assim, ao contrário da lógica dedutiva, que faz uma dicotomia clara entre argumentos válidos e inválidos, a lógica indutiva irá distinguir um contínuo de casos, no qual o argumento 2 talvez fique com uma alta classificação, ao passo que o 3 fica bastante baixo.

A validade dedutiva é, como dizem os lógicos, monotónica. Isto é, se começarmos com um argumento dedutivamente válido, então, independentemente das premissas que acrescentarmos, teremos no fim um argumento dedutivamente válido. A força indutiva não é monotónica: acrescentar premissas a um argumento indutivamente forte pode transformá-lo num argumento indutivamente fraco. Considere-se o argumento 2, que é considerado um paradigma da força indutiva. Suponha-se que acrescentamos as seguintes premissas: há um meteoro enorme que está a viajar na nossa direcção; hoje à noite entrará no sistema solar, onde permanecerá numa órbita estável em torno do Sol; irá ficar entre o Sol e a Terra, de modo que a Terra irá ficar permanentemente na sombra. Quando acrescentamos estas premissas, o argumento que resulta está longe de ser forte. (Admiti uma certa interpretação do que quer dizer que o Sol “nasce”. Seja como for que interpretemos esta expressão, é fácil encontrar premissas cuja adição enfraqueça o argumento.)

Grande parte do raciocínio quotidiano não é monotónico, e há incontáveis casos mais realistas e mais simples do que o que apresentámos. Ao começar uma investigação, a confissão de Robinson constitui uma razão poderosa para pensar que ele é o culpado. Mas podemos muito bem mudar de opinião quanto à sua culpabilidade, sem mudarmos de opinião sobre a questão de saber se ele confessou, quando uma dúzia de testemunhas independentes afirmam que ele estava a 100 quilómetros de distância, na altura do crime. Este é um caso típico em que acrescentar informação pode enfraquecer razões que, isoladamente, são fortes.

A tabela 1 resume as diferenças entre a lógica indutiva e a dedutiva que mencionámos até agora.

Tabela 1

  Raciocínio dedutivo válido Raciocínio indutivo forte
A verdade das premissas fornece boas razões a favor da verdade da conclusão SIM SIM*
A verdade das premissas torna a falsidade da conclusão impossível SIM NÃO
As premissas são razões conclusivas SIM NÃO
Monotónico SIM NÃO
As razões têm graus diferenciados de força NÃO SIM*

Afirmei que nem toda a gente concordaria que a lógica indutiva seja coisa que exista realmente. Um proponente famoso de uma versão extrema desta perspectiva é Karl Popper (The Logic of Scientific Discovery, cap. 1, §1), que defendeu que o único tipo de boa razão é uma razão dedutivamente válida. Uma consequência desta perspectiva é a ideia de que não há que escolher entre 2 e 3, se os considerarmos unicamente como argumentos: são ambos igualmente maus, dado que são igualmente inválidos dedutivamente. Popper rejeitaria por isso as respostas assinaladas com asterisco na nossa tabela 1. Para Popper, não existe o objecto de estudo que procurei demarcar com a expressão “lógica indutiva”; nenhum argumento indutivo nos dá boas razões; e não há diferença de grau entre a força de “razões indutivas”, sendo todas elas igualmente más.

Um céptico menos radical quanto à lógica indutiva pode conceder que há boas razões que não são dedutivamente válidas, mas negar que haja qualquer disciplina sistemática que mereça o nome de “lógica indutiva”. A reflexão sobre o papel do conhecimento de fundo no que chamamos “argumentos indutivamente fortes”, como o 2, podem apoiar um tal cepticismo. A força indutiva, como vimos, não é monotónica. Logo, não se pode dizer que um argumento é indutivamente forte em absoluto: pois alguma informação de fundo possível irá conter elementos que enfraqueceriam em muito a conclusão. Isto significa que tem de se relativizar qualquer avaliação da força indutiva a um corpo de conhecimento de fundo. Contudo, está longe de ser óbvio como deve o projecto da lógica indutiva tentar acomodar este aspecto, pois não é nada claro como se poderá especificar o conhecimento de fundo de modo a que não seja nem uma petição de princípio (afirmando, por exemplo, que tal e tal argumento é indutivamente forte relativo a quaisquer corpos de conhecimento que não contenham qualquer informação que enfraqueça a sua conclusão), nem bastante assistemático (fazendo listas, por exemplo, de vários corpos de conhecimento de fundo). Há pois uma base genuína (não digo que seja decisiva) para duvidar que a lógica indutiva possa aspirar ao tipo de sistematização e generalidade atingido pela lógica dedutiva.

Um cepticismo ainda menos radical sobre a possibilidade da lógica indutiva tem a seguinte forma: há realmente um tal objecto de estudo, mas não merece chamar-se “lógica”. Eis uma razão pela qual uma pessoa pode adoptar esta perspectiva. Pode dizer-se que qualquer coisa que mereça o nome “lógica” tem de ser formal: tal estudo terá de se ocupar da propriedade dos argumentos que resultar completamente da forma ou padrão ou estrutura das proposições envolvidas. Seja o que for que “formal” queira exactamente dizer, parece sem dúvida ser verdade que o que divide as pessoas que acham que os dados mostram que fumar aumenta o risco de doenças cardíacas e os que acham que não, não está em causa nenhuma questão formal.

Outra forma deste tipo de cepticismo é o seguinte. A lógica é a priori, mas a “lógica” indutiva não; logo, não é realmente uma lógica. Considere-se o argumento 4:

Sem dúvida que a interpretação dos dados estatísticos seria importante, e talvez haja uma disciplina estatística a priori. Mas mesmo concedendo isto, parece pelo menos defensável que há algum material não a priori envolvido. Se assim for, isto é, se a questão de saber se um argumento é ou não indutivamente forte não é puramente a priori, então a “lógica” indutiva não seria uma disciplina a priori, o que a tornaria em algo bastante diferente da lógica dedutiva.

A tabela 2 resume os vários tipos de cepticismo sobre a possibilidade da lógica indutiva.

Tabela 2

  Lógica dedutiva “Lógica” indutiva
A verdade das premissas fornece boas razões a favor da verdade da conclusão. SIM ?
Sistemática SIM ?
Formal SIM ?
A priori SIM ?
Mark Sainsbury
Logical Forms (Blackwell, Oxford, 1991), pp. 9–13.
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ISSN 1749-8457