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Crítica
26 de Agosto de 2004   Filosofia

Depois da viragem linguística?

Timothy Williamson
Tradução de Desidério Murcho

The Linguistic Turn é o título de uma antologia muito influente organizada por Richard Rorty e publicada em 1967. Na sua introdução, Rorty explica que

O objectivo do presente volume é fornecer materiais de reflexão sobre a mais recente revolução filosófica, a da filosofia linguística. Por “filosofia linguística” entendo a perspectiva de que os problemas filosóficos são problemas que podem ser resolvidos (ou dissolvidos) quer pela reforma da linguagem quer por uma compreensão acrescida da linguagem que usamos presentemente. (1967: 3)

“A viragem linguística” tornou-se a partir de então uma expressão canónica vaga para um acontecimento difuso — considerando-o alguns o acontecimento — na filosofia do século XX, e que não se reduz a filósofos linguísticos explícitos no sentido de Rorty. Para quem aceitou a viragem, a linguagem era de algum modo o tema central da filosofia. Há uma sensação cada vez mais comum de que a viragem linguística pertence ao passado. Neste ensaio, pergunto-me até que ponto a viragem foi, ou deve ser, invertida.

A. J. Ayer, o meu predecessor em segundo grau na Cadeira Wykeham de Lógica em Oxford, foi o primeiro dos regentes desta cadeira a aceitar a viragem linguística.1 Em 1963, de regresso de Viena, mas ainda não tendo assumido a regência da cadeira, anunciou uma versão formal sem concessões da filosofia linguística:

O filósofo, enquanto analista, não se ocupa directamente das propriedades físicas das coisas. Ele ocupa-se unicamente com o modo como falamos delas. Por outras palavras, as proposições da filosofia não têm um carácter factual, mas sim linguístico — isto é, não descrevem o comportamento dos objectos físicos ou até mentais; expressam definições, ou as consequências formais das definições. (1936: 61–62)

Ayer faz remontar as suas perspectivas, em última análise, ao empirismo de Berkeley e Hume (1936: 11). O contraste por ele apresentado entre as definições de palavras e as descrições de objectos é, aproximadamente, o análogo linguístico do contraste de Hume entre relações de ideias e questões de facto. Para um empirista, os métodos a priori da filosofia não podem fornecer-nos conhecimento de verdades sintéticas sobre questões de facto (“o comportamento de objectos físicos, ou mesmo mentais”); tais métodos fornecem apenas verdades analíticas sobre relações de ideias (“definições, ou as consequências formais de definições”). Um empirismo bastante tradicional acabou mais tarde por colocar em segundo plano o tema linguístico na obra de Ayer.

Ayer foi o predecessor de Michael Dummett na Cadeira Wykeham. Dummett ofereceu uma articulação clássica da viragem linguística, atribuindo-a a Frege:

Só com Frege o objecto próprio da filosofia foi finalmente estabelecido: nomeadamente, primeiro, que o objectivo da filosofia é a análise da estrutura do pensamento; em segundo lugar, que o estudo do pensamento se deve distinguir cuidadosamente do estudo dos processos psicológicos do pensar; e finalmente que o único método próprio para analisar o pensamento consiste na análise da linguagem ... A aceitação destes três princípios é comum a toda a escola analítica. (1978: 458)

Deste ponto de vista, o pensamento é essencialmente expressável (quer seja ou não expresso de facto) numa linguagem pública, que filtra o ruído subjectivo, os aspectos meramente psicológicos do pensamento, da mensagem intersubjectiva, aquilo que pensamos. A própria obra de Dummett constitui um dos mais imponentes monumentos da filosofia analítica assim definida.

Noutra obra, Dummett esclarece que entende ser a preocupação com a linguagem o que distingue a “filosofia analítica” das outras escolas (1993: 4). A sua perspectiva das suas origem varia ligeiramente. A dada altura, afirma:

A filosofia analítica nasceu quando se deu a “viragem linguística”. Isto não aconteceu, é claro, uniformemente num dado grupo de filósofos num dado momento: mas o primeiro exemplo claro que conheço ocorre em Die Grundlagen der Arithmetik de 1884.

Mais à frente, lê-se:

Se identificarmos a viragem linguística como o ponto de partida da filosofia analítica, propriamente falando, não há dúvida que, apesar de Frege, Moore e Russell terem preparado intensamente o terreno, o passo crucial foi dado por Wittgenstein no Tractatus Logico-Philosophicus de 1922. (1993: 127)

Presumivelmente, em Frege a viragem linguística era um insight fortuito, ao passo que em Wittgenstein era uma concepção sistemática.

Que os “filósofos analíticos” no sentido de Dummett coincidam com os que habitualmente se classificam como tal não é óbvio. Em grande parte do que habitualmente se chama “filosofia continental” (supostamente não analítica) ocorreu uma certa viragem linguística. Não é óbvio que Jacques Derrida não subscreva à sua maneira aos três princípios de Dummett: se tivermos de alargar alguns princípios para o fazer, temos também de o fazer para incluir Wittgenstein. Conversamente, Bertrand Russell não subscrevia os três princípios, apesar de ser muitíssimo citado como um paradigma do “filósofo analítico”. Ao longo dos últimos vinte anos, dos filósofos que aceitam que se aplique a designação “filosofia analítica” ao seu trabalho há cada vez menos quem afirme igualmente que aceita a viragem linguística (e eu não sou um deles). Mesmo filósofos fortemente influenciados por Dummett, como Gareth Evans, Christopher Peacocke e John Campbell, já não dão à linguagem o papel central que Dummett descreve. Para este filósofo, eles pertencem a uma tradição que nasceu da “filosofia analítica” sem que sejam eles mesmos “filósofos analíticos” (1993: 4-5). Com efeito, eles procuram analisar o pensamento directamente sem tomarem o desvio pela análise da linguagem.

A filosofia da mente desalojou, como se sabe, a filosofia da linguagem enquanto centro de grande parte do debate corrente. Isto dificilmente é uma forma de viragem linguística, mesmo concedendo a importância da noção de Jerry Fodor de uma linguagem do pensamento (o código computacional do cérebro) na filosofia da mente (Fodor, 1975). Contudo, a noção de uma representação mental é central na nova filosofia da mente. Um conceito é uma representação mental neste sentido, corresponda ou não a uma expressão numa linguagem do pensamento. Podemos portanto classificar conjuntamente a linguagem e o pensamento sob a categoria mais geral de representação, e argumentar que a viragem linguística foi apenas a primeira fase da viragem representacional, segundo a qual o objectivo da filosofia é a análise (num sentido generoso) da representação. Para a classificação ser apropriada, precisamos também de um sentido generoso de “representação”, que seja correlativo com a noção imprecisa de “acerca de”. Pensamos sobre coisas e falamos sobre elas. Representamos o modo como as coisas são quando sabemos, acreditamos ou afirmamos que essas coisas são de certo modo; representamos como as coisas são quando intencionalmente o referimos, esperamos ou pedimos a alguém para referir que são desse modo. As coisas são ou não como as representamos. Tanto na linguagem como no pensamento, levantam-se questões de verdade ou falsidade: ainda que algum pensamento ou discurso não seja verdadeiro nem falso, não existiria de modo algum pensamento ou discurso se não houvesse pensamento ou discurso verdadeiro ou falso.2 Segundo alguns pontos de vista, a percepção envolve representações não conceptuais do nosso meio ambiente: também estas representações levantam a questão da má representação. Enquanto não conceptuais, estas representações não se incluem presumivelmente na categoria do pensamento, tal como definida por Dummett; na verdade, ameaçam até o primeiro princípio de Dummett, a ideia de que o objectivo da filosofia é a análise da estrutura do pensamento. Nem é claro até que ponto a filosofia da mente contemporânea aceita o seu segundo princípio, pois nem sempre distingue cuidadosamente o estudo do pensamento do estudo do processo psicológico do pensamento. Os naturalistas defendem que tudo é parte do mundo natural, e que deve ser estudado enquanto tal; como poderemos estudar o pensamento enquanto parte do mundo natural sem estudar o processo psicológico do pensamento?

Poderíamos ter juntado o pensamento e a linguagem enquanto formas de representação dizendo que em ambos os casos se trata de formas de intencionalidade. Esta terminologia sublinha quão pouco a viragem linguística se reduz ao que normalmente se chama “filosofia analítica”. A tradição fenomenológica pode constituir outra forma da viragem representacional. No estudo hermenêutico da interpretação, e em muitas variantes do discurso pós-modernista sobre o discurso, a viragem representacional assume uma forma mais especificamente linguística.

Teremos alargado de tal modo os nossos termos que é agora vácuo dizer que uma dada filosofia assume a viragem representacional? Não. O que a linguagem e o pensamento têm mais obviamente em comum é que ambos são manifestações da mente. Se rejeitarmos o idealismo em todas as suas formas, tomamos a mente unicamente como uma pequena fracção da realidade. Não é um lugar-comum dizer que o objectivo da filosofia é analisar manifestações dessa pequena fracção. Em termos muito esquemáticos, aceitemos que o idealismo sobre o objecto de estudo da filosofia é a perspectiva de que o que a filosofia estuda é a mente, por oposição ao idealismo ontológico, a perspectiva de que o que existe é mente. Apesar de o idealismo sobre o objecto de estudo da filosofia não implicar o idealismo ontológico, não é claro por que razão deveremos aceitar o idealismo quanto ao objecto de estudo da filosofia se rejeitarmos o idealismo ontológico. É claro que podemos rejeitar o idealismo quanto ao objecto de estudo da filosofia ao mesmo tempo que defendemos que o método correcto da filosofia é o estudo do seu objecto não inteiramente mental através do estudo das representações linguísticas desse objecto. Esta perspectiva metodológica será discutida mais tarde; para já, basta notar que se trata de uma perspectiva muitíssimo mais fraca do que as perspectivas de Ayer e Dummett.

A afirmação de que a mente constitui unicamente uma pequena fracção da realidade pode ser acusada de violar o segundo princípio de Dummett, confundindo o pensamento com o processo do pensamento. Quase toda a gente concorda que os acontecimentos psicológicos constituem unicamente uma pequena fracção da realidade, mas isso não é ainda uma maneira de conceder que o pensamento, num sentido não psicologista, é igualmente uma pequena fracção da realidade. John McDowell, por exemplo, argumenta o seguinte:3

Não há qualquer lacuna ontológica entre o tipo de coisa que podemos querer dizer, ou em geral o tipo de coisa que podemos pensar, e o tipo de coisa que pode ser. Quando pensamos com verdade, o que pensamos é o que é o caso. Assim, dado que o mundo é tudo o que é o caso [...] não há qualquer lacuna entre o pensamento, enquanto tal, e o mundo. É claro que o pensamento pode distanciar-se do mundo por ser falso, mas não há distância entre o mundo e o pensamento implícita na própria ideia de pensamento. (1994: 27)

Para McDowell, o tipo de coisa que podemos pensar é um conteúdo conceptual: o conceptual não tem qualquer limite externo para lá do qual se encontre a realidade não conceptualizada. Ele nega a acusação de idealismo com base na ideia de que não está comprometido com qualquer disputável tese que afirme a dependência do mundo relativamente à mente.

O tipo de coisa que pode ser é um certo objecto ter uma certa propriedade. A afirmação de McDowell não é que o objecto e a propriedade são conceitos; é unicamente a afirmação de que podemos em princípio formar conceitos deles, com os quais podemos pensar que o objecto tem tal propriedade. Efectivamente, podemos em princípio formar muitos conceitos diferentes deles: podemos pensar no mesmo objecto como Fósforo ou como Véspero. Em termos fregianos, diferentes sentidos determinam a mesma referência. McDowell admite “um alinhamento das mentes com o domínio do sentido, mas não com o domínio da referência” (1994: 179). No caso dos objectos, a sua afirmação de que o conceptual não tem limites equivale à afirmação que qualquer objecto pode ser pensado. Analogamente no que respeita ao tipo de coisa que pode ser: a afirmação é que, por exemplo, sempre que um objecto tem uma propriedade, pode-se pensar que o primeiro tem a segunda. Mas, numa leitura coerente e natural de “o tipo de coisa que pode ser”, tais coisas são individuadas de forma grosseira pelos objectos, propriedades e relações entre eles. Assim, dado que Véspero é Fósforo, o que é o caso se Véspero for brilhante é o que é o caso se Fósforo for brilhante: os objectos são o mesmo, tal como as propriedades. Nesta leitura, a afirmação de McDowell de que “Quando pensamos com verdade, o que pensamos é o que é o caso” é falsa, porque o que pensamos é individuado ao nível do sentido ao passo que o que é o caso é individuado ao nível da referência. Apesar de a afirmação de McDowell ser verdadeira noutras leituras, não é claro que irão sustentar a força que o seu argumento coloca nelas.

O argumento de McDowell parece exigir que a premissa de que tudo (objecto, propriedade, relação, estado de coisas) é pensável. A premissa é muitíssimo disputável. Que razões temos para presumir que a realidade não contém objectos elusivos, incapazes em princípio de serem pensados individualmente? Apesar de podermos pensar neles colectivamente — por exemplo, como objectos elusivos — isso não permite destacar qualquer um deles no nosso pensamento. Poderemos ter a certeza de que os objectos materiais correntes não são constituídos por nuvens de partículas sub-atómicas elusivas? Podemos conhecê-las pelos seus efeitos colectivos, apesar de sermos incapazes de pensar em qualquer uma delas. Claro, McDowell não quer que o conceptual seja limitado pelos limitações meramente médicas dos seres humanos, mas a elusividade pode ser mais profunda do que isso: a natureza dos objectos pode impedir o tipo de interacção causal separável com seres complexos que é exigido pela possibilidade de os isolar no pensamento. Usando uma vez mais a terminologia de Frege, um sentido é um modo de apresentação de um referente; um modo de apresentação de algo é um modo de apresentá-lo a um pensador possível, ainda que não a um pensador efectivo; tendo em conta o que McDowell mostrou, poderão existir limitações necessárias em todos os pensadores possíveis.4 Não sabemos se há objectos elusivos. Não é claro o que motivaria a afirmação de que não há tais objectos, excepto uma forma qualquer de idealismo. Não devemos adoptar qualquer concepção da filosofia que exclua, com base em considerações metodológicas, a possibilidade de objectos elusivos.5

Suponha-se, para efeitos de discussão, que não há objectos elusivos. Em si, isso não vindicaria, mesmo assim, a restrição da filosofia ao conceptual, ao domínio do sentido ou do pensamento. Os praticantes de qualquer disciplina têm pensamentos e comunicam-nos, mas raramente estudam esses pensamentos: ao invés, estudam o objecto dos seus pensamentos. A maior parte dos pensamentos não são sobre pensamentos. Fazer da filosofia o estudo do pensamento é insistir que os pensamentos dos filósofos devem ser sobre pensamentos. Não é claro por que razão devem os filósofos aceitar tal restrição.

A biologia e a física não são estudos do pensamento. Nos seus domínios mais teóricos, estas disciplinas fundem-se com a filosofia da biologia e da física. Por que razão deveriam os filósofos da biologia e da física estudar apenas o pensamento? Por vezes estudam os pensamentos dos biólogos e dos físicos, mas outras vezes estudam o objecto de tais pensamentos, de um modo abstracto e geral. Por que razão não devem tais actividades contar como filosofia?

Há um exemplo mais central. Grande parte da metafísica contemporânea não se ocupa primariamente, de modo algum, do pensamento ou da linguagem. O objectivo é descobrir que categorias fundamentais de coisas há e que propriedades e relações elas têm, e não como as representamos. Estuda substâncias e essências, universais e particulares, espaço e tempo, possibilidade e necessidade. Apesar de se terem tentado várias reduções nominalistas ou conceptualistas de todos este temas, tais teorias não têm qualquer prioridade metodológica e muitas vezes não fazem justiça ao que tentam reduzir.

As narrativas habituais sobre a história da filosofia do século XX não dão conta de grande parte dos resultados mais animados, exactos e criativos do último terço desse século: a reactivação da teorização metafísica, de espírito realista, muitas vezes especulativa, muitas vezes de senso comum, associada a Saul Kripke, David Lewis, Kit Fine, Peter van Inwagen, David Armstrong e muitos outros: trabalho que, para citar apenas um exemplo, tornou anacrónico rejeitar o essencialismo por ser um anacronismo.6 Nos grandes esquemas narrativos tradicionais da história da filosofia, esta actividade deve ser um retrocesso para a metafísica pré-kantiana. Não deveria estar a acontecer; mas está. Muitos dos que a praticam reconhecem sem problemas que o seu trabalho está numa linha de continuidade relativamente à metafísica tradicional; apelos à autoridade de Kant ou da história, parecem vácuos, pois não se apoiam em argumentos que tenham resistido ao teste dos tempos mais recentes.

Podemos tentar ver na metafísica contemporânea uma abolição quiniana de divisões entre a filosofia e as ciências da natureza. Mas se se trata de metafísica naturalizada, também a metafísica de Aristóteles, Descartes e Leibniz é naturalizada. Os argumentos largamente a priori mantêm um papel central, tal como as noções de possibilidade e necessidade. Apesar de o conhecimento empírico limitar a atribuição de propriedades essenciais, os resultados são as mais das vezes estabelecidos através de um jogo subtil de lógica e imaginação. As experiências cruciais são experiências mentais.

Poderá o contraste entre a nova-velha metafísica e a viragem representacional ser menos rígida do que parece? Estes metafísicos resistem firmemente às tentativas de reconstruir o seu trabalho em termos de análise do pensamento — ao contrário de Sir Peter Strawson, que define a sua “metafísica descritiva” como “satisfazendo-se com a descrição a estrutura efectiva do nosso pensamento sobre o mundo” (1959: 9). Mas talvez não possamos reflectir sobre o pensamento ou o discurso acerca da realidade sem reflectir sobre a própria realidade, pois o “acerca de” do pensamento e do discurso é-lhe intrínseco e a sua própria razão de ser. Esta ideia foi sublinhada por David Wiggins, o sucessor de Dummett e o meu predecessor imediato, autor de uma das mais distintas metafísicas essencialistas, na qual as considerações lógicas e biológicas se combinam harmoniosamente. Escreveu Wiggins: “Tratemos de esquecer de uma vez por todas a ideia de um conhecimento da linguagem ou do significado que não seja conhecimento do próprio mundo” (Wiggins 2001: 12). Ao definir palavras — por exemplo, termos para categorias naturais — temos de indicar espécimes reais. O que há determina o que há para ser expresso. Ao saber o que exprimimos, sabemos algo sobre o que há. Isto pode levar-nos a perguntar até que ponto a análise do pensamento ou da linguagem pode ser levada a cabo autonomamente, com alguma prioridade metodológica.

Dummett não afirmou que as questões tradicionais da metafísica não podem ser respondidas, mas antes que o modo de lhes responder era através da análise do pensamento e da linguagem. Por exemplo, para determinar se há números, temos de determinar se as palavras para números, como “7”, funcionam semanticamente como nomes próprios no contexto de frases pronunciadas no discurso matemático. Mas o que é funcionar desse modo? Palavras para demónios, como “Satanás”, parecem funcionar semanticamente como nomes próprios no contexto de frases pronunciadas no discurso de adoradores do demónio, mas não devemos saltar para a conclusão de que há demónios. Por mais entusiasticamente os adoradores de demónios usem “Satanás” como se referisse algo, isso não o faz referir algo. Apesar de os nomes vazios parecerem funcionar semanticamente como nomes com referência no contexto de frases pronunciadas por quem acredita que tais nomes referem, as aparências são enganadoras. “Satanás” refere algo se, e só se, alguma frase com “Satanás” na posição de sujeito (tal como “Satanás é auto-idêntico”) exprime uma verdade, mas a análise do pensamento e da linguagem pode não ser a melhor maneira de descobrir se alguma frase desse género é realmente verdadeira.

Os historiadores muito generalistas da filosofia serão provavelmente demasiado conservadores ou hegelianos para encarar a viragem linguística ou representacional unicamente como uma viragem em falso da qual a filosofia está a afastar-se, uma vez reconhecido o erro. Devemos seguir em frente, e não recuar. No mínimo, devemos aprender com os nossos erros, mais que não seja para não os repetir. Mas se a viragem representacional foi um erro, não foi unicamente um descuido; foi demasiado profundo para ser apenas isso.

Timothy Williamson
“Past the Linguistic Turn?”, de Timothy Williamson, in The Future for Philosophy, ed. Brian Leyter (Oxford University Press, 2004), pp. 106–112.

Notas

  1. Os três predecessores imediatos de Ayer foram John Cook Wilson, H.H. Joachim e H.H. Price.
  2. Que a linguagem e o pensamento são representacionais neste sentido não implica que as frases ou pensamentos representem certas entidades, como estados de coisas; o representar pode ser realizado pelas palavras ou conceitos integrantes. Quando Davidson nega que a linguagem seja representacional está a negar que as frases, por oposição aos termos singulares, representem objectos de algum tipo (1990: 281, 304).
  3. Apesar de McDowell ser por vezes classificado como um filósofo “pós-analítico”, ele aceita à sua maneira o “princípio fundamental da filosofia analítica” tal como Dummett a vê: que “as questões filosóficas sobre o pensamento devem ser abordadas através da linguagem”. (1994: 125)
  4. A invocação de humildade de McDowell (1994: 40) tem em mente limitações contingentes e não necessárias.
  5. Mark Johnston (1993: 96-7) discute “os Enigmas, entidades essencialmente indetectáveis por nós”. Ele estipula que tais entidades são colectiva e individualmente indetectáveis; assim, os nossos objectos elusivos não têm de ser os seus Enigmas. Se não podemos ter boas provas de que não há Enigmas, pode perfeitamente ser uma perda de tempo preocuparmo-nos com a questão de saber se há Enigmas. Mas daqui não se segue que é uma perda de tempo preocuparmo-nos com a questão de saber se poderão existir Enigmas. A sua definição não exclui o nosso conhecimento da possibilidade de tais coisas, e o conhecimento de tal possibilidade pode em si ser filosoficamente útil (na verdade, Johnston usa-o para os seus objectivos filosóficos).
  6. Veja-se, por exemplo, Kripke, 1980; French, Uehling e Wettstein 1986; Fine, 1994 e 1995; e Wiggins, 2001.

Referências

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