Esta versão portuguesa da Introdução à Estética de George Dickie, originalmente publicada em 1997, tem muitos méritos e um defeito importante. O seu autor, professor emérito da Universidade de Illinois, é uma das referências incontornáveis da Estética praticada pelos filósofos analíticos, nas últimas três décadas, a par de nomes como Nelson Goodman, Arthur Danto e Maurice Mandelbaum.
Deve-se a ele a mais notória defesa da teoria institucional da arte, ou seja, da tese segundo a qual é arte o que assim for reconhecido pela instituição mundo da arte. Mas, além de representar um olhar que surge de dentro da investigação contemporânea no domínio, Dickie revela-se, neste livro, um proficiente divulgador, luminoso, sucinto e rigoroso. Aliás, a propósito do seu rigor, não é possível deixar passar em claro o enorme esquecimento da edição portuguesa, em todos os outros aspectos impecável, ao permitir que caísse o subtítulo da edição original (“An analitic approach”), tanto mais quanto é o próprio autor, no prefácio da obra, que faz questão de justificar a sua decisão de introduzir o subtítulo com estas palavras: “Este título mais restrito descreve com maior rigor o conteúdo deste livro em relação à presente situação da estética”.
É pena que a edição portuguesa não tenha atendido a esta preocupação explícita do autor. É que de outro modo seria bizarro, no contexto de uma apresentação das teorias da arte e da estética do século XX, a inexistência de quaisquer referências a Merleau-Ponty, Walter Benjamin, Giorgio Agamben, Mario Perniola, já para não falar de escola formalista russa e de toda uma série de outros movimentos que, para todos os efeitos, tiveram enorme repercussão na estética contemporânea, na teoria da arte e, não menos importante, na própria criação artística. Será um pormenor, mas é um pormenor a que George Dickie não se mostrou insensível e que não faz justiça à muito boa tradução de Vítor Guerreiro, ao cuidado posto no índice remissivo e à entrega da revisão científica a Desidério Murcho. Fica o reparo. Mas qual é, então, para George Dickie, o conteúdo teórico da estética analítica? Ele mesmo clarifica, de forma explícita, o que está em jogo: “O tema da estética analítica do século XX será aqui apresentado e dividido em três áreas: 1) a filosofia do estético, que no século XIX substituiu a filosofia da beleza, 2) a filosofia da arte e 3) a filosofia da crítica ou metacrítica”. Destas três “áreas”, a terceira é a mais recente, tendo sido, logo na sua origem, muito influenciada pela filosofia analítica, enquanto análise da linguagem e dos conceitos empregues pelo discurso crítico.
Condensando os méritos deste livro num só, merece destaque o excepcional talento com que Dickie progride de uma breve introdução histórica (com realce para o século XVIII) para a pormenorização das principais opções que caracterizaram a filosofia da arte de pendor analítico no século XX e que ainda hoje são temas capitais de debate entre especialistas. Obtém-se assim uma perspectiva ampla, que do sobrevoo inicial por tendências históricas (por exemplo, a tendência que foi da atenção ao belo à atenção ao gosto e ao sublime e, por fim, ao estético) vai dando lugar a uma familiarização com tópicos de discussão teórica actuais em cada uma das três áreas da estética analítica. Por esta razão, este livro não oferece apenas uma valiosa introdução no sentido de uma desempoeirada divulgação do que seja a filosofia analítica. Também introduz o leitor às questões em aberto, actualmente em debate, convite, pois, ao envolvimento na discussão. As vantagens pedagógicas de uma obra assim são irrecusáveis.
Sob esta perspectiva, ao mesmo tempo informativa e questionante, Dickie apresenta e discute diversos problemas de estética contemporânea. Por exemplo, o problema de saber se a intenção do autor de uma obra de arte, seja ela de que espécie for, tem, ou não, relevância para a crítica; designadamente, se precisamos de conhecer a intenção do autor para compreender a sua obra e se ao avaliá-la está, ou não, em causa avaliar tal intenção. Ou, também, os problemas em torno das condições necessárias e suficientes para que um artefacto seja reconhecido como uma obra de arte ou, pelo menos, para que se possa responder à pergunta “quando é arte?”, (como propôs Nelson Goodman), ou ainda, mais basicamente, interrogando que espécie de conceito é exemplificado pelo conceito de obra de arte e se é sequer um conceito definível (Morris Weitz).
Por outro lado, diferente da pergunta “por que é arte?” é a pergunta “por que é boa arte?”, cujas respostas podem ser agregadas em diferentes teorias da avaliação, consoante o tipo de razões que os filósofos da crítica defendam estarem na base dos juízos valorativos da crítica. Estes são alguns exemplos dos problemas que a Estética analítica explora e que George Dickie aflora neste livro com indiscutível mestria.