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Crítica
13 de Outubro de 2008   Filosofia da ciência

Mudar de paradigma

Eduardo Dayrell de Andrade Goulart
A Estrutura das Revoluções Científicas
de Thomas S. Kuhn
Tradução de Carlos Marques
Lisboa: Guerra & Paz, 2009, 288 pp.

A Estrutura das Revoluções Científicas, de Thomas Samuel Kuhn (1922–1996), é uma das obras mais influentes em filosofia da ciência; menos pela solidez de seus argumentos do que pelo elevado número de divergências e debates que tem causado. Originalmente publicado em 1962 e traduzido para mais de vinte línguas, este livro constitui uma das principais fontes de argumentos para quem defende o relativismo epistêmico e científico. Opõe-se, principalmente, ao conjunto de crenças compartilhadas pelos filósofos do Círculo de Viena e seus sucessores. Sobretudo, o debate com Karl Popper (1902–1994) e Imre Lakatos (1922–1974) foi intenso.

Thomas Kuhn graduou-se em física pela Universidade de Harvard, tendo grande interesse por questões de filosofia da ciência. Contudo, sempre dedicou maior esforço a investigações no campo de história da ciência, onde se destacou com maior importância e mérito. Antes conhecido como historiador da ciência do que como filósofo da ciência, Kuhn construiu seus argumentos sob a influência de estudos históricos; estudando e comparando períodos históricos do desenvolvimento científico Kuhn pressupõe e elucida conceitos e crenças filosóficas que são caros para todos aqueles que se interessam pelos problemas filosóficos da ciência: a saber, a natureza do conhecimento científico e seu método, o processo de aquisição de conhecimento científico e, sobretudo as pressuposições metafísicas da ciência e seus praticantes.

Kuhn organiza seu livro como se segue. Começa com um prefácio e introdução, onde expõe suas motivações e objetivos com o livro; demonstra quais foram suas influências no processo de produção e cita trabalhos dos filósofos que o influenciaram diretamente. Depois da introdução são apresentados doze capítulos nos quais apresenta suas ideias e desenvolve toda sua argumentação. O final do livro constitui-se de um posfácio em sete partes, que foi incluído em 1969, onde Kuhn tenta esclarecer algumas de suas idéias e argumentos em virtude de críticas recebidas.

Seguem-se alguns esclarecimentos sobre as principais idéias do livro. Destacam-se os conceitos de ciência normal, ciência extraordinária, paradigma, incomensurabilidade e revoluções científicas.

Segundo Kuhn, toda ciência madura atravessa dois estágios, um aparentemente estável e um outro completamente instável, imprevisível e revolucionário. O primeiro estágio é denominado de ciência normal. É a ciência determinada segundo as regras e modelos de um paradigma ou de uma tradição de pesquisa científica; neste estágio, o trabalho dos cientistas não vai além do que esclarecer e elucidar conceitos fundamentais de maneira acrítica e doutrinária. Tais regras da ciência normal não são apresentadas no sentido de um conjunto de métodos que prescreverão a pesquisa científica, mas como práticas convencionais que serão adotadas e condicionadas a fatores sociológicos e culturais.

O conceito de paradigma foi alvo de críticas e mal-entendidos devido a uma série de imprecisões, obrigando Kuhn, em 1969, a incluir o referido posfácio, onde estabelece definitivamente o que quer dizer quando usa o conceito. Kuhn defende que um paradigma científico é um conjunto de crenças, técnicas e valores compartilhados por uma comunidade que serve de modelo para a abordagem e soluções de problemas. A ciência normal é encarregada de apresentar e resolver as questões que surgem no interior do paradigma. É importante ressaltar que todos os problemas surgem e serão resolvidos apenas dentro de um determinado paradigma e que diferentes paradigmas apresentam diferentes questões e diferentes soluções. Não existe um método científico que determina as práticas da investigação científica, mas sim um conjunto de regras que são relativas, cada uma, a diferentes paradigmas. Enquanto houver problemas cujas soluções encaixam-se no que prevê o paradigma, a ciência normal funciona adequadamente. Entretanto, quando começam a aparecer problemas que divergem totalmente das expectativas esperadas, o paradigma original começa a enfraquecer e uma nova concepção de mundo começa suceder à antiga compreensão da ciência normal. Começa a partir de então o segundo estágio de uma ciência, denominado ciência extraordinária. Essa ciência está na fronteira entre dois paradigmas, modificará todas as regras do antigo paradigma e introduzirá um novo modelo. As regras e métodos do antigo paradigma são dispensados, pois não permitem a resolução dos problemas apresentados. Chamada também de ciência revolucionária, define a mudança de paradigmas como um processo descontínuo. Portanto, a ciência normal é a praticada no interior de um paradigma e ciência extraordinária é a praticada na faixa de transição de dois paradigmas.

Kuhn defende que a mudança de paradigmas não é um processo racional. A idéia é que não há qualquer padrão de racionalidade que irá avaliar e criticar os paradigmas sob um ponto de vista comum, já que cada paradigma possui seu conjunto de regras que só tem sentido dentro de sua própria teoria. Ora, se a pesquisa científica muda de método assim que mudam os paradigmas, então não existe um padrão comum que possa avaliar paradigmas concorrentes. Portanto, esses paradigmas ou modelos científicos são incomensuráveis, ou seja, incomparáveis. Isso quer dizer que, tomando dois exemplos de explicação das órbitas planetárias, é impossível comparar e dizer que modelo está certo ou errado, ou qual é mais plausível do que o outro: a teoria de Newton ou a de Ptolomeu. O conceito de verdade científica relativiza-se ao paradigma científico em causa. Um outro argumento de Kuhn para a incomensurabilidade dos paradigmas é o de que se a realidade da pesquisa científica é determinada pelos paradigmas, então cada teoria científica descreverá uma realidade diferente. E, portanto, toda disputa científica será absurda já que o que se disputa são duas realidades distintas. Logo, cada paradigma descreve sua realidade e é incomensurável com qualquer outro.

A escolha entre paradigmas ou teorias científicas consiste, de acordo com Kuhn, em disputas retóricas. A disputa entre dois paradigmas nada tem a ver com experimentos, análises metodológicas ou deduções, mas sim com o quão hábil forem os cientistas para estabelecerem suas regras, seus modelos, suas questões e sua ciência normal. Isto quer dizer que o fato de o modelo heliocêntrico do sistema solar ser considerado uma teoria verdadeira é conseqüência somente da habilidade de persuasão de seus defensores e não de uma determinação da argumentação racional nem de experiências acumuladas.

A teoria que Kuhn defende em seu livro sobre o avanço do conhecimento científico é uma teoria contrária à de que o conhecimento é produzido mediante um processo de acumulação de informações. Segundo ele, o processo acontece através de rupturas completas e súbitas de um paradigma para o outro. Nada do que foi pesquisado ou organizado no paradigma anterior será aproveitado no desenvolvimento futuro, pois são modificações de mundos e de nada adianta utilizarmos dados de um mundo em outro mundo totalmente diferente. A produção de conhecimento não é cumulativa e progressiva, mas fragmentada; assim, “(…) a transição [entre paradigmas] tem de ocorrer subitamente (embora não necessariamente num instante) ou então não ocorre jamais”. (pág. 192).

O livro de Kuhn foi uma fonte de argumentos para sociólogos da ciência, filósofos e historiadores que defendem um relativismo epistêmico. É uma das principais obras dos relativistas e anti-realistas em ciência. O livro é importante para aqueles que gostariam de conhecer mais detalhadamente os principais argumentos de teorias relativistas.

Eduardo Dayrell de Andrade Goulart

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ISSN 1749-8457