O título desta pequena obra pode parecer paradoxal a quem estiver habituado a identificar sabedoria com soluções. Mas a filosofia é a actividade para a qual as soluções são o problema, e o objectivo de Sabedoria sem Respostas é introduzir o leitor nos problemas da filosofia.
Daniel Kolak e Raymond Martin declaram abertamente situar-se na tradição socrática. Com Sabedoria sem Respostas pretendem dar ao leitor as boas-vindas à filosofia da maneira como Sócrates, o filósofo por excelência, o faria.
Para a tradição socrática, a filosofia consiste no questionamento e na argumentação rigorosa, e não na produção de verdades oraculares, frequentemente ininteligíveis, e cuja relevância inevitavelmente escapa ao comum dos mortais, que não dispõe de mais do que a razão para decidir o que fazer ou em que acreditar. Partindo de uma compreensão clara da natureza dos problemas filosóficos, os autores pretendem introduzir o leitor no caminho do questionamento e da argumentação. O convite a pensar é, de resto, um dos aspectos mais conseguidos desta pequena obra.
Haverá maneira de ensinar filosofia a não ser questionando e convidando a questionar as nossas crenças mais básicas, precisamente aquelas de que mais dificilmente nos distanciamos, argumentando e contra-argumentando as nossas — questionáveis — convicções? Não, se a filosofia é actividade crítica.
A importância da actividade filosófica é mostrada de forma subtil. Ao crescermos, a curiosidade da infância foi cedendo lugar, em nós, a uma teia de respostas em que nos fomos enredando, e que foi minando o espanto com que começámos por encarar o mundo.
Assim teve de ser — ou não teríamos os meios de viver bem. Obtivemos as respostas; e, no nosso anseio por saberes securizantes, agarrámo-nos a elas. Mas, no processo, fomos agarrados por elas, e ficámos dependentes delas.
Na maior parte do tempo, tomamo-las como garantidas; mas, ao fazê-lo, silenciamos a inquietação fundamental: serão elas verdadeiras?
As respostas de que dispomos colocam, na realidade, questões metafísicas substanciais, porque ocultam crenças básicas acerca de como as coisas são. A visão de nós mesmos e da realidade a que nos habituámos, e de que acabamos por depender na maior parte do tempo, dá-nos da realidade uma imagem que parece bem mais estável do que é. Ora, essa visão assenta em respostas que, no limite, ocultam tanto ou mais do que aquilo que revelam. Logo, essas respostas dão-nos talvez conhecimento — mas não nos dão sabedoria. No limite, paralisam-nos.
O principal obstáculo ao estudo da filosofia, escrevem os autores, não é ainda não sabermos o suficiente — mas o sabermos já demasiado. Em filosofia, não se trata de substituir respostas velhas por novas respostas. Se fosse o caso, a filosofia seria apenas um corpo de conhecimentos a acrescentar — ou a contrapor — a outros. Em filosofia, trata-se é de nos vermos a nós mesmos e ao mundo de pontos de vista diferentes.
Claro que ter um ponto de vista sobre o mundo é útil. Mas, se ficamos cegamente agarrados a ele, tornamo-nos cegos a outros pontos de vista. Logo, um ponto de vista pode ocultar tanto ou mais do que aquilo que revela.
Os nossos pontos de vista podem ser bons. Queremos que sejam bons. Mas não somos infalíveis. Talvez estejamos errados. Se não os questionarmos, nunca o saberemos. Há outros pontos de vista, talvez melhores. A menos que consideremos alternativas, nunca o saberemos.
Na origem da actividade filosófica está justamente a disposição para ver de outra maneira, para regressar à ausência de respostas, para encontrar problemas onde e sempre que nos parece haver respostas. E considerar alternativas.
Numa linguagem clara e acessível, mas rigorosa, os autores confrontam o leitor com as grandes questões da filosofia, convidam-no a pensar, e apresentam e discutem os argumentos clássicos da filosofia, abrangendo um território que vai da metafísica à ética, passando pela filosofia do conhecimento e pela filosofia da mente.
Cada um dos catorze curtos capítulos apresenta, de maneira independente, um dos temas clássicos da filosofia. O tratamento independente dos temas é uma vantagem inegável para o estudante, que pode dirigir-se ao que mais lhe interessar em cada circunstância. Assim, Sabedoria sem Respostas introduz, por esta ordem, o leitor na reflexão sobre os conceitos de espaço, tempo, identidade, liberdade, conhecimento, Deus, realidade, experiência, consciência, cosmos, morte, sentido, ética e valores.
Porque se trata de uma introdução à filosofia, a obra interessa especialmente a estudantes e professores do ensino secundário.
Por se tratar de uma obra introdutória à filosofia, e não à história da filosofia, Daniel Kolak e Raymond Martin optam não por uma aproximação histórica, mas por uma aproximação temática e crítica. Todavia, os autores fornecem, nas “Ligações Filosóficas”, uma panorâmica do desenvolvimento histórico dos diferentes pontos de vista sobre os temas apresentados e os argumentos discutidos. As “Ligações Filosóficas” remetem ainda o leitor para os textos, clássicos e contemporâneos, onde os problemas, as teorias e os argumentos apresentados e discutidos em cada capítulo podem ser abordados a outro nível.
A leitura de Sabedoria sem Respostas não exige qualquer conhecimento prévio específico, para além do domínio comum da língua portuguesa. Por isso, esta pequena obra deve encontrar lugar não só na biblioteca do estudante de filosofia — e, naturalmente, na do professor — a quem preferencialmente se destina, mas na de qualquer leitor que possa ter interesse pelo que há de mais fundamental sobre essa área do saber — isto é, toda a gente.
A vivacidade do texto, onde questões e respostas se vão sucedendo como se de um diálogo se tratasse, tornam a leitura desta pequena obra irresistível.
Artur Polónio