1 de Novembro de 2016   Dicionário Escolar de Filosofia

Dicionário escolar de filosofia

Organização de Aires Almeida

A

a dicto secundum quid ad dictum simpliciter

Expressão latina que significa “da asserção qualificada para a não qualificada”; trata-se de uma falácia informal. Por exemplo: “Todo o deus omnipotente pode fazer tudo; logo, todo o deus pode fazer tudo”. (Desidério Murcho)

a dicto simpliciter ad dictum secundum quid

Expressão latina que significa “da asserção não qualificada para a qualificada”; defende-se por vezes que se trata de uma falácia informal. Por exemplo: “Nenhum cavalo pode voar; logo, nenhum cavalo alado pode voar”. (Desidério Murcho)

a fortiori

Expressão latina que significa “por maioria de razão”. Se todas as opiniões são inúteis, então a fortiori a sua opinião também o é. (Aires Almeida)

a priori / a posteriori

1. Uma distinção entre modos de conhecimento. Conhecemos a priori uma dada proposição quando não recorremos à experiência para a conhecer. Por exemplo, uma pessoa sabe a priori que 23 + 12 = 35 quando faz um cálculo mental, não recorrendo à experiência. Conhecemos a posteriori uma dada proposição quando recorremos à experiência para a conhecer. Por exemplo, uma pessoa sabe a posteriori que o céu é azul quando olha para o céu e vê que é azul. Considera-se, tradicionalmente, que a lógica, a matemática e a filosofia são disciplinas a priori porque têm por objecto problemas cuja solução implica recorrer ao pensamento puro. A história, a física e a economia, por exemplo, são disciplinas a posteriori porque têm por objecto de estudo fenómenos que só podem ser conhecidos através da experiência; por exemplo: para saber em que ano Buzz Aldrin e Neil Armstrong foram à Lua é necessário consultar documentos históricos; para saber qual a taxa de inflação em Portugal em 2003 é necessário consultar dados económicos.

2. Diz-se que um argumento é a priori quando todas as suas premissas são conhecíveis a priori; e diz-se que é a posteriori quando pelo menos uma das suas premissas só pode ser conhecida a posteriori. Não se deve confundir o a priori / a posteriori com o analítico/sintético, nem com necessário/contingente. (Desidério Murcho)

absoluto/relativo

Diz-se que é absoluto o que depende apenas de si próprio, não se submete a quaisquer condições e não tem restrições. Pelo contrário, o que tem uma natureza dependente e não existe por si mesmo é relativo. Por exemplo, dizer que há normas morais absolutas é dizer que essas normas não dependem da época, da sociedade, da opinião das pessoas, etc. Por sua vez, ao dizer que as normas morais são relativas, estamos a afirmar que tais normas dependem de algo que, neste caso, devemos especificar, sendo por isso variáveis. O termo “absoluto” é também utilizado por alguns filósofos como substantivo, para referir uma espécie de ser supremo, espiritual, único e autoconsciente. Um exemplo disso encontra-se na filosofia idealista de Hegel. (Aires Almeida)

abstracção

O processo psicológico que consiste em isolar as características comuns a um dado conjunto de objectos. Também se costuma chamar abstracção ao resultado deste processo. Segundo John Locke, trata-se do processo através do qual adquirimos os conceitos (ver conceito) de homem, árvore, azul, etc. Isso implica que, de entre a variedade de características que cada objecto exemplifica, se retenham apenas as que são comuns a todos os objectos da mesma classe. Assim, o conceito de árvore inclui apenas as características que se podem observar em todas as árvores, sejam elas pinheiros, oliveiras, laranjeiras, etc., e não características particulares como o tamanho, a forma da copa, o textura do tronco, ou a cor e a quantidade de folhas de cada árvore. Para Locke, os animais não são capazes de abstracção; apenas os seres humanos, residindo aí a principal diferença entre ambos. Por sua vez, Berkeley nega a existência da abstracção, pois considera que isso nos leva a conceber coisas que não existem em lado algum, como objectos sem cor, etc. Para este filósofo não há ideias abstractas, defendendo que todas as ideias são concretas. Ver também abstracto/concreto. (Aires Almeida)

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Dúvidas?

abstracto/concreto

Muitas pessoas utilizam o termo “abstracto” para referir algo impreciso, vago, sem conexão com a realidade e sem objectividade. Mas isso é incorrecto. Um termo refere algo abstracto se aquilo que é referido por esse termo não tem existência espácio-temporal, isto é, se não existe num lugar qualquer nem num determinado momento. Por exemplo, a justiça é uma entidade abstracta, pois não tem localização espácio-temporal, não se podendo confundir com os casos concretos de situações justas, que têm localização espácio-temporal. As propriedades são, pois, exemplos típicos de “coisas” abstractas; a propriedade de ser árvore, por exemplo, não se confunde com as próprias árvores. Cada árvore em particular é concreta, dado que existe no espaço e no tempo; mas a própria propriedade de ser árvore é abstracta dado que não existe no espaço nem no tempo. Supostamente, os números e as proposições (ver proposição) também não têm existência espácio-temporal, pelo que são exemplos comuns de entidades abstractas. Por sua vez, diz-se que uma entidade é concreta se tem uma existência espácio-temporal, ou seja, se existe ou existiu numa dada ocasião, num certo sítio. Assim, a árvore que está neste momento à entrada do portão principal da minha escola é uma entidade concreta. Exemplos de entidades concretas são também a dor de dentes que tive hoje à tarde, o suspiro de Pedro ao ver Inês, a ponte Vasco da Gama, a Marisa Cruz, etc. Esta distinção nem sempre é pacífica: os nominalistas, por exemplo, rejeitam a existência de entidades abstractas. (Aires Almeida)

absurdo

1. Em lógica e filosofia, uma afirmação absurda é uma afirmação sem sentido; por outras palavras, sem valor de verdade, como “As ideias verdes dormem furiosamente juntas”. Não basta desconhecer o valor de verdade de uma afirmação para ela ser absurda; é preciso que a afirmação não tenha realmente valor de verdade. Por exemplo, desconhece-se se a afirmação “Há vida microscópica em Marte” é verdadeira, mas a afirmação não é absurda, dado que tem um valor de verdade, apesar de ser desconhecido.

2. Diz-se que a vida ou a existência é absurda quando não tem sentido (ver sentido da vida).

3. Diz-se que uma afirmação é absurda quando é disparatada, ou evidentemente falsa. (Desidério Murcho)

absurdo, redução ao

Ver redução ao absurdo.

acção

Aquilo que é feito intencionalmente por alguém; um acontecimento que resulta directamente da vontade de um agente. Uma pessoa pode causar um acontecimento sem que o tivesse previsto, desejado ou controlado (como quando chuta uma pedra involuntariamente e esta acerta num carro). Neste caso, não se trata de uma acção. Apenas aos acontecimentos causados por alguém de forma intencional (ver intenção), e que têm em vista obter algum resultado, se pode apropriadamente chamar “acções" (como atirar uma pedra a um cão para o afastar do meio da estrada). O movimento corporal não é necessário nem suficiente para assinalar a existência de uma acção: é vulgar alguém fazer a acção de se defender de um cão feroz permanecendo imóvel; e há movimentos quando espirramos sem que isto represente qualquer acção. (António Paulo Costa)

acção afirmativa

Ver discriminação positiva.

acto de fala

J. L. Austin, no seu célebre livro Como Fazer Coisas com Palavras, notou que as línguas humanas contêm frases gramaticalmente assertóricas (ver asserção) que, tipicamente, não são usadas pelos falantes para fazer asserções genuínas. Assim, se eu disser “prometo chegar a horas amanhã”, não estou a descrever uma situação futura, nem a descrever a minha intenção de cumprir a promessa, nem a descrever o acto de fazer a promessa, mas antes a fazer a própria promessa. O mesmo acontece se eu disser “agradeço as tuas palavras" (caso em que estou a agradecer, e não a descrever um agradecimento). Nestes, como em casos semelhantes, não se está a descrever um estado de coisas e, portanto, a elocução respectiva não é candidata a ser classificada como verdadeira ou falsa mas antes como “feliz” ou “infeliz”, consoante se satisfaça ou não certas condições para o sucesso de um acto de fala. Na influente teorização que John Searle fez dos actos de fala, é apresentada uma tipologia das acções praticáveis através do uso da linguagem humana, onde os actos assertivos (aqueles que consistem em descrever, veridicamente ou não, estados de coisas) correspondem apenas a uma das categorias contempladas. Outras categorias são as dos actos compromissivos (como os de prometer ou ameaçar), expressivos (como os de agradecer ou lamentar), directivos (como os de ordenar ou perguntar), declarativos (como os de baptizar ou celebrar um matrimónio) ou declarativo-assertivos (como os de demitir alguém ou declarar aberta uma cerimónia). (Pedro Santos)

acidente

Ver substância/acidente.

ad baculum, argumentum

Expressão latina que significa apelo à força. Ver falácia do apelo à força.

ad consequentiam, argumentum

Expressão latina que significa apelo às consequências. Ver falácia do apelo às consequências.

ad hoc

Expressão latina que significa literalmente “para isso”. Por exemplo, quando se introduz uma hipótese numa teoria em dificuldades para a salvar, diz-se que a hipótese é ad hoc. (Aires Almeida)

ad hominem, argumentum

Expressão latina que significa ataque pessoal. Ver falácia ad hominem.

ad hominem, falácia

Ver falácia ad hominem.

ad ignorantiam, argumentum

Expressão latina que significa apelo à ignorância. Ver falácia do apelo à ignorância.

ad infinitum

Expressão latina que significa literalmente “até ao infinito”.

ad misericordiam, argumentum

Expressão latina que significa apelo à piedade. Ver falácia do apelo à piedade.

ad populum, argumentum

Expressão latina que significa apelo ao povo. Ver falácia do apelo ao povo.

ad verecundiam, argumentum

Expressão latina que significa apelo à autoridade. Ver argumento de autoridade.

afirmação

O mesmo que enunciado.

afirmação da consequente, falácia

Ver falácia da afirmação da consequente.

agente

Aquele que age; a pessoa que faz uma acção. Na tradição filosófica são apontadas pelo menos duas exigências para que se considere que alguém tem a propriedade de ser um agente: a primeira, ser capaz de avaliar e escolher entre as várias opções de acção disponíveis; a segunda, ser capaz de concretizar a escolha que fizer. O problema filosófico da agência consiste em saber se as acções são apenas acontecimentos que envolvem pessoas (ou seres racionais em geral), ou se são acontecimentos causados pelos agentes e, nesse caso, como se dá tal causalidade. Ver causa/efeito e livre-arbítrio. (António Paulo Costa)

agnosticismo

A suspensão da crença em relação à existência de Deus. O agnosticismo forte é a ideia de que nunca poderemos descobrir se Deus existe ou não. (Célia Teixeira)

Agostinho, Santo

Ver Santo Agostinho.

alegoria da caverna

Situação imaginada por Platão no Livro VII de A República (trad. 2001, Gulbenkian) para representar os diferentes tipos de ser que, segundo ele, existem e a condição em que nos encontramos em relação ao seu conhecimento. Vários prisioneiros estão amarrados de pés e mãos numa caverna e só podem olhar para a parede diante deles. Por detrás existe um fogo e entre eles e o fogo passam pessoas transportando vários objectos, cuja sombra se reflecte na parede diante dos prisioneiros, o que os leva a pensar que as sombras são a verdadeira realidade. Só os prisioneiros que são capazes de se libertar (os filósofos), sair da caverna (mundo sensível) e contemplar a realidade e o Sol (mundo inteligível e ideia de Bem) são capazes de compreender como até essa altura viveram num mundo de aparências e ignorância. (Álvaro Nunes)

aletheia

Termo grego que significa “verdade” e de onde deriva o adjectivo “alético”.

alienação

Conceito que se refere a um conjunto de situações em que um ser não se reconhece porque perdeu algo da sua essência. Em Hegel a alienação era uma condição necessária da realização do Absoluto como Espírito que tudo governa. Em Marx o sujeito da alienação é o homem e a alienação é uma degradação física e moral de que urge salvá-lo. Para Marx a alienação fundamental é a económica: o trabalhador é obrigado a vender o seu trabalho para satisfazer necessidades que não são especificamente humanas (comer, beber...). A exploração do trabalho aliena o trabalhador, isto é, desumaniza-o. Na raiz da degradação está a propriedade privada dos meios de produção. Só o comunismo, ao abolir esta situação, poderá salvar o homem. (Luís Rodrigues)

ambiguidade

Uma frase é ambígua quando exprime mais de uma proposição. Por exemplo, a frase “O João está no banco” é ambígua porque tanto pode querer dizer que o João está numa instituição financeira como que o João está sentado num banco. Podemos distinguir dois tipos de ambiguidades: semântica e sintáctica. O exemplo dado é uma ambiguidade semântica. As ambiguidades semânticas resultam da ambiguidade do significado das palavras que ocorrem na frase; no exemplo dado, resulta dos diferentes significados da palavra “banco”. A ambiguidade sintáctica não resulta da ambiguidade do significado das palavras que ocorrem na frase, mas antes do modo como as palavras estão encadeadas. Por exemplo, a frase “O João viu a Maria com os binóculos” pode exprimir duas proposições: que quando o João olhou para a Maria ela estava com binóculos, ou que o João viu a Maria através de binóculos. Algumas ambiguidades são consideradas sintácticas na lógica clássica, mas híbridas ou até semânticas em linguística. É o caso das ambiguidades que dependem da ordem dos quantificadores, como a presente em “Toda a rapariga gosta de um actor" (que pode querer dizer que há um só actor de que todas as raparigas gostam, ou que cada rapariga gosta de um actor diferente). (Desidério Murcho)

âmbito

O âmbito de um operador (por exemplo “alguns” ou “não”) ocorrente numa expressão linguística é a parte da expressão a que ele se aplica. Por exemplo, na frase “Alguns estudantes gostam de filosofia mas detestam estudar”, o quantificador “alguns” tem por âmbito toda a sequência que se lhe segue (está a dizer-se, de alguns estudantes, que gostam de filosofia e, além disso, que detestam estudar); pelo contrário, na frase “Alguns estudantes gostam de filosofia mas o Paulo não” o âmbito do quantificador “alguns” não abrange a oração que começa por “mas”. A noção usa-se tanto no estudo da linguagem corrente como no da lógica. Na lógica, o âmbito dos operadores é assinalado por meio de parêntesis, impedindo a ocorrência de ambiguidades. A linguagem corrente, porém, é rica em ambiguidades de âmbito. Por exemplo, a frase “Todos os estudantes amam uma actriz americana” tem duas interpretações: a de que todos os estudantes amam alguma actriz americana, e a de que há uma actriz americana específica que é amada por todos eles; cada uma destas interpretações corresponde à atribuição de âmbitos diferentes aos quantificadores “todos” e “uma”. Para representar uma ambiguidade de âmbito é necessário analisar o papel dos operadores da linguagem corrente por meio de uma linguagem formal (como a do cálculo de predicados), onde os diferentes significados das frases ambíguas possam distinguir-se claramente. (Pedro Santos)

analítico/sintético

Uma distinção semântica, isto é, baseada no significado dos termos usados. Uma frase é analítica se, e só se, o seu valor de verdade é conhecível unicamente com base no significado dos termos usados. Por exemplo, “Nenhum solteiro é casado” é uma frase analítica porque para saber que é verdadeira basta saber o significado dos termos usados. Uma frase é sintética se, e só se, o seu valor de verdade não é conhecível unicamente com base no significado dos termos usados. Por exemplo, a frase “Nenhum solteiro é feliz” é uma frase sintética porque para saber se é verdadeira ou falsa não basta saber o significado dos termos usados. Kant definia estas noções de forma diferente. Partindo do falso pressuposto de que todas as frases têm uma estrutura sujeito-predicado (como “Sócrates é mortal”), defendeu que uma frase é analítica quando o predicado está “contido” no sujeito. É evidente que por este critério uma frase evidentemente analítica, como “Chove ou não chove” não seria analítica; nem uma frase como “Se Sócrates é grego, é grego”, que é evidentemente analítica, pode contar como analítica segundo a definição de Kant. Não se deve confundir o analítico/sintético com o a priori / a posteriori, nem com necessário/contingente. (Desidério Murcho)

analogia

Fazer uma analogia é estabelecer uma relação de semelhança entre coisas distintas. Por exemplo, quando se diz que tal como qualquer artefacto também a natureza mostra sinais de um criador, estamos a estabelecer uma analogia entre a natureza e os artefactos. Ver argumento por analogia. (Célia Teixeira)

anamnese

O processo que, segundo Platão, nos leva a recordar o que já tínhamos aprendido num estado de existência anterior e que estava como que adormecido na nossa alma. No seu diálogo Ménon, um jovem sem qualquer tipo de instrução consegue mostrar conhecimento de noções geométricas, respondendo apenas às perguntas que lhe são feitas por Sócrates. Platão pretende mostrar com isso que o conhecimento não se adquire neste mundo, mas se alcança por anamnese, salientando assim o seu carácter inato. Ver também ideias inatas. (Aires Almeida)

anamnêsis

Termo grego que significa anamnese ou reminiscência.

antecedente

Numa condicional com a forma “Se P, então Q” chama-se antecedente a P. Por exemplo, a antecedente de “Se Sócrates é um homem, então é mortal” é “Sócrates é um homem”. (Desidério Murcho)

antinomia

Contradição ou paradoxo, aparente ou real, entre dois princípios (ver princípio) ou conclusões (ver conclusão) de raciocínios que parecem igualmente justificados. Em Kant, na Crítica da Razão Pura (trad. 1997, Gulbenkian), as antinomias são contradições em que a razão pura cai necessariamente quando procura o incondicionado nos fenómenos e trata o mundo da experiência (ver experiência) como se tivesse realidade em si. Cada antinomia tem uma tese e uma antítese mutuamente contraditórias, para as quais existem aparentemente razões convincentes. Para além das antinomias da razão pura, existem uma antinomia da razão prática, respeitante ao conceito de soberano bem; uma antinomia do juízo teleológico, respeitante ao mecanismo e à finalidade; e uma antinomia do gosto. (Álvaro Nunes)

antítese

De um modo geral, a oposição entre dois termos ou proposições (ver proposição). Mas a palavra tem também um uso mais específico. Em Kant designa o segundo termo da oposição dialéctica que constitui as antinomias (sendo o primeiro a tese). Na dialéctica de Hegel e no materialismo dialéctico (ver materialismo), da oposição entre tese e antítese resulta uma síntese que supera ambas. (Álvaro Nunes)

apeiron

Termo grego que significa “ilimitado”. O filósofo pré-socrático Anaximandro de Mileto (610–656 a.C.) defendia ser o apeiron a origem do universo, e concebia o apeiron como algo infinito e sem ordem. Ver finitude/infinitude.

apelo à força, falácia do

Ver falácia do apelo à força.

apelo à ignorância, falácia

Ver falácia do apelo à ignorância.

apelo à piedade, falácia do

Ver falácia do apelo à piedade.

apelo ao povo, falácia do

Ver falácia do apelo ao povo.

apelo às consequências, falácia do

Ver falácia do apelo às consequências.

aporia

Um problema ou situação aparentemente sem saída. Diz-se por vezes que os chamados diálogos socráticos de Platão são aporéticos porque neles Sócrates discute problemas para os quais não se consegue encontrar uma solução. (Aires Almeida)

aposta de Pascal

Argumento indirecto a favor da existência de Deus da autoria de Blaise Pascal (1623-62), segundo o qual acreditar em Deus é a melhor aposta. Na ausência de argumentos decisivos a favor ou contra a existência de Deus, o melhor que temos a fazer é decidir se acreditar Nele é ou não uma boa aposta. O melhor resultado possível é Deus existir e termos apostado em acreditar Nele, o que implica a felicidade eterna — o Paraíso. O pior resultado possível é Deus existir e não acreditarmos Nele, o que implica a infelicidade eterna — o Inferno. Logo, o apostador racional deverá apostar em acreditar em Deus. Um dos problemas apontados a este argumento é o facto de partir da ideia de que nada podemos saber acerca de Deus, mas presumir, em contradição com esta ideia, que Deus irá reagir bem a um crente oportunista e mal a um descrente racionalmente íntegro. (Célia Teixeira)

Aquino, S. Tomás de

Ver Tomás de Aquino.

archê

Termo grego que significa origem, princípio ou ponto de partida. A palavra foi introduzida no vocabulário filosófico para referir a substância de que são feitas todas as coisas, ou a partir da qual todas surgiram, e que constituiu o objecto de estudo dos primeiros filósofos pré-socráticos. (Aires Almeida)

aretê

Termo grego que significa “virtude”, “excelência moral” ou “bem humano”. A tradução é problemática porque não existe um termo português que corresponda exactamente ao conceito grego original. Platão usava o termo para falar das virtudes ou bens essenciais para uma vida boa, e distinguia quatro virtudes cardinais: sabedoria (phronêsis), moderação (sôphrosynê), coragem (andreia) e justiça (dikaiosynê). Aristóteles ligava o termo à satisfação da função correcta do ser humano, e portanto à eudemonia ou felicidade. (Desidério Murcho)

Aufklärung

Termo alemão que significa “iluminismo”.

argumento

Um argumento é um conjunto de afirmações de tal modo estruturadas que se pretende que uma delas (a conclusão) seja apoiada pelas outras (as premissas). Por exemplo: “A vida tem de fazer sentido porque Deus existe” é um argumento; a premissa é “Deus existe” e a conclusão é “A vida tem de fazer sentido”. Mas “Ou Deus existe, ou a vida não faz sentido” não é um argumento, dado ser apenas uma afirmação que não está a ser apoiada por outras afirmações. Os argumentos podem ser válidos ou inválidos, mas não podem ser verdadeiros ou falsos. Um argumento é válido quando as suas premissas apoiam a sua conclusão (ver validade/invalidade). Há dois grandes grupos de argumentos: os dedutivos e os não dedutivos (ver dedução e indução).

Não se deve confundir argumentos com explicações (ver explicação científica). Para que um argumento seja bom, a conclusão não pode ser mais plausível do que as premissas. Mas esta exigência não existe numa explicação: a “conclusão” das explicações é quase sempre mais plausível do que as “premissas”. Por exemplo: “Existem estações do ano nas latitudes elevadas porque o eixo da Terra está inclinado, o que provoca, juntamente com o movimento em torno do Sol variações na intensidade com que os raios do Sol chegam à Terra”. Se pensarmos que estas afirmações formam um argumento, cuja conclusão é “Existem estações do ano nas latitudes elevadas”, trata-se de um argumento muitíssimo mau, dado que as premissas são muitíssimo menos evidentes do que a conclusão. Contudo, esta é uma boa explicação da razão pela qual há estações do ano. Assim, num argumento procura-se persuadir alguém da verdade de uma conclusão, ao passo que numa explicação procura-se explicar a alguém a razão pela qual uma dada afirmação é verdadeira. Por isso, num bom argumento parte-se geralmente de premissas mais plausíveis ou evidentes do que a conclusão, o que não acontece numa boa explicação. (Desidério Murcho)

argumento bom

Um argumento válido, dedutivo ou não, que tem premissas verdadeiras e é racionalmente persuasivo. Ver validade/invalidade, argumento forte. (Desidério Murcho)

argumento cosmológico

Tipo de argumento a favor da existência de Deus segundo o qual se tudo na natureza tem uma causa, então tem de existir algo que não dependa de nada que seja a causa de tudo. A conclusão é que esse algo é Deus. A versão mais discutida deste argumento é a de S. Tomás de Aquino. A ideia é a de que dado que as cadeias causais (Ver cadeia causal) não podem regredir infinitamente, tem de existir algo de natureza distinta das coisas naturais que seja a causa de tudo. O maior problema que este argumento enfrenta é o de que, no máximo, apenas mostraria que existe algo responsável pela existência de tudo, mas não que esse algo seja Deus. (Célia Teixeira)

argumento de autoridade

Um argumento baseado no testemunho de outras pessoas, em geral com uma forma lógica "X disse que P; logo, P”, sendo X uma pessoa ou grupo de pessoas e P uma afirmação qualquer. Por exemplo: “Einstein disse que nada pode viajar mais depressa do que a luz; logo, nada pode viajar mais depressa do que a luz”. Não há regras de inferência precisas para argumentos de autoridade, mas ao avaliar um argumento de autoridade devemos ter em mente os seguintes princípios: 1) O especialista invocado (a autoridade) tem de ser um bom especialista da matéria em causa. 2) Os especialistas da matéria em causa (as autoridades) não podem discordar significativamente entre si quanto à afirmação em causa. 3) Só podemos aceitar a conclusão de um argumento de autoridade se não existirem outros argumentos mais fortes ou de força igual a favor da conclusão contrária. 4) Os especialistas da matéria em causa (as autoridades), no seu todo, não podem ter fortes interesses pessoais na afirmação em causa. Precisamente porque em questões filosóficas disputáveis, por definição, os especialistas não concordam entre si, em filosofia os argumentos de autoridade são quase sempre falaciosos. Contudo, a maior parte do conhecimento de cada ser humano baseia-se em argumentos de autoridade, no sentido em que se baseia no testemunho de outras pessoas. Ver falácia. (Desidério Murcho)

Murcho, Desidério, O Lugar da Lógica na Filosofia, Cap. 9 (Lisboa: Plátano, 2003).

argumento dedutivo

Ver dedução.

argumento do desígnio

Argumento por analogia a favor da existência de Deus. A premissa da analogia é a de que os objectos naturais se assemelham a artefactos. Como tal, do mesmo modo que os artefactos têm um criador (um desígnio) responsável pela sua existência, também os objectos da natureza têm de o ter. Dada a complexidade e ordem da natureza, o criador por detrás da natureza tem de possuir uma inteligência divina. A conclusão é que esse criador é Deus. O argumento foi criticado por David Hume nos Diálogos sobre a Religião Natural. Um dos problemas é que a analogia entre artefactos e objectos naturais parece fraca. (Célia Teixeira)

argumento forte

1. Um argumento não dedutivo é forte quando as suas premissas são verdadeiras e a verdade destas torna muito baixa a probabilidade de a conclusão do argumento ser falsa. Por exemplo, o argumento indutivo seguinte é forte: “Todos os corvos observados até hoje são pretos; a cor dos corvos está geneticamente determinada; só poderia alterar-se em condições ambientais diferentes das geralmente escolhidas pelos corvos para viver; logo, todos os corvos são negros”.

2. Quando não sabemos se as premissas de um argumento dedutivo válido são verdadeiras mas achamos que são plausíveis dizemos que o argumento é forte. Por exemplo, muitas pessoas consideram que o seguinte argumento dedutivo válido é forte, pois consideram que a única premissa que não é evidentemente verdadeira (a primeira) é fortemente plausível: “Se os animais sentem dor, é imoral maltratá-los; dado que os animais sentem dor, é imoral maltratá-los”. Aristóteles chamava “dialécticos” a este tipo de argumentos. Note-se que a força de um argumento válido é precisamente igual à plausibilidade da sua premissa menos plausível: é por isso que para argumentar bem a favor de algo é uma boa ideia partir de premissas menos discutíveis do que a sua conclusão. Ver argumento sólido, validade/invalidade, indução. (Desidério Murcho)

argumento fraco

1. Um argumento não dedutivo é fraco quando a verdade das suas premissas não torna elevada a probabilidade de a sua conclusão ser verdadeira. Por exemplo, o seguinte argumento indutivo é fraco: “Todos os corvos que vi até hoje nasceram antes do ano 2100; logo, todos os corvos vão nascer antes do ano 2100”.

2. Quando não sabemos se as premissas de um argumento dedutivo válido são verdadeiras mas achamos que são implausíveis dizemos que o argumento é fraco. Por exemplo, muitas pessoas podem considerar que o seguinte argumento dedutivo válido é fraco porque pensam que a única premissa que não é evidentemente verdadeira (a segunda) é implausível: “Os animais não têm deveres; quem não tem deveres, não tem direitos; logo, os animais não têm direitos”. Por vezes, diz-se também que um argumento dedutivo inválido é fraco. Ver argumento sólido, validade/invalidade, indução. (Desidério Murcho)

argumento indutivo

Ver indução.

argumento ontológico

Argumento a priori a favor da existência de Deus; isto é, um argumento cujas premissas são todas a priori (ver a priori / a posteriori). Uma das versões mais discutidas do argumento é a de S. Anselmo, que parte da definição de Deus como “o ser maior do que o qual nada pode ser pensado”. A ideia é que se Deus não existisse, então não seria o ser maior do que o qual nada pode ser pensado, o que contradiz o ponto de partida; logo, Deus existe. O argumento foi criticado pelo monge Gaunilo, contemporâneo de Anselmo, que argumentou que através do mesmo tipo de argumento se poderia provar a existência de uma ilha perfeita, o que seria absurdo. (Célia Teixeira)

argumento por analogia

Argumento em que uma das premissas consiste numa analogia entre coisas semelhantes em alguns aspectos para se concluir que também são semelhantes em relação a outros aspectos específicos. Por exemplo, se os animais, tal como as pessoas, reagem quando sentem dor, então, por analogia, também eles devem sentir emoções. Um dos argumentos por analogia mais famosos é o argumento do desígnio a favor da existência de Deus. (Célia Teixeira)

argumento sólido

Um argumento válido com premissas verdadeiras. Por exemplo, o argumento “Se Sócrates era francês, era europeu; ele era francês; logo, era europeu” é válido (é um modus ponens) mas não é sólido, porque a segunda premissa não é verdadeira. Aristóteles chamava “demonstrações” aos argumentos sólidos e “argumentos dialécticos” aos argumentos válidos baseados em premissas cuja verdade não é conhecida. Ver validade/invalidade, argumento forte. (Desidério Murcho)

argumento válido

Ver validade/invalidade.

argumentos, tipos de

Há dois tipos gerais de argumentos: os dedutivos e os não dedutivos. Nos argumentos não dedutivos, a validade ou invalidade não depende exclusivamente da forma lógica; por exemplo: “Todos os corvos observados até hoje são pretos; logo, todos os corvos são pretos”. Há dois tipos de argumentos dedutivos: aqueles cuja validade ou invalidade depende exclusivamente da sua forma lógica, como “Se Deus existe, a vida faz sentido; logo, se a vida não faz sentido, Deus não existe”; e aqueles cuja validade ou invalidade é de carácter conceptual, como “O céu é azul; logo, é colorido”. Pode chamar-se aos primeiros “argumentos formais” e “argumentos conceptuais” aos segundos. Os argumentos formais podem dividir-se em dois grupos: os que são estudados pela lógica clássica (como o exemplo dado acima) e os que são estudados pelas lógicas não clássicas (como “A água é necessariamente H2O; logo, a água é possivelmente H2O”). Finalmente, todos estes tipos de argumentos são de carácter proposicional (como “Sócrates e Platão são mortais; logo, Sócrates é mortal”) ou predicativo (como “Sócrates é mortal; logo, há seres mortais”). (Desidério Murcho)

Tipos de argumentos

Aristóteles

(384-322 a. C.) Um dos mais influentes filósofos de sempre. Nasceu em Estagira, no norte da Grécia. Foi discípulo de Platão em Atenas e mestre de Alexandre Magno, na Macedónia. Depois da morte de Platão, fundou em Atenas a sua própria escola, a que deu o nome de Liceu. Os seus interesses eram os mais variados. Não houve quase nenhum domínio do conhecimento sobre o qual não tivesse escrito e atribuía uma grande importância à observação da natureza. Ele próprio procedeu a estudos minuciosos nos domínios da física, biologia, psicologia e linguagem. Como é típico nos melhores filósofos, era muito rigoroso na justificação das suas opiniões e meticuloso na ponderação dos argumentos contrários, evitando chegar a conclusões precipitadas. Entre as disciplinas filosóficas que desenvolveu contam-se a lógica, a metafísica, a ética, a filosofia política, e a estética. Pode mesmo dizer-se que foi o fundador da Lógica, começando o seu estudo praticamente do nada. Se bem que limitada e com várias deficiências, a teoria lógica aristotélica foi o resultado de um trabalho notável de inteligência, de tal modo que, no essencial, se manteve incontestada e estudada até ao final do séc. XIX. Aristóteles procurou determinar as formas válidas de inferência, isto é, as inferências cuja forma nos impede de chegar a uma conclusão falsa a partir de premissas verdadeiras (ver premissa). E estabeleceu um conjunto de regras para identificar as boas e evitar as más inferências (ver lógica aristotélica). Organon é o nome dado ao conjunto das suas obras de lógica. Na Metafísica, uma das suas obras mais marcantes (assim chamada apenas porque foi publicada a seguir à Física), Aristóteles descreve esta disciplina como o estudo do “ser enquanto ser”, isto é, o estudo do ser em geral, independentemente do modo particular como as coisas são. Muitos dos conceitos metafísicos ainda hoje utilizados foram introduzidos por si. Em Ética a Nicómaco (assim chamada por ter sido dedicada a seu filho Nicómaco), Aristóteles argumenta, entre outras coisas, a favor da ideia de que as virtudes morais, como a generosidade e a honestidade, não são inatas. Só o hábito de evitar excessos de qualquer tipo nos pode tornar pessoas virtuosas. Por isso, a virtude adquire-se com a prática. Sobre filosofia política escreveu a Política e sobre estética a Poética, entre outros livros. (Aires Almeida)

Aristóteles, Categorias (Lisboa: Instituto Piaget, 2000)
Aristóteles, Da Alma (Lisboa: Edições 70, 2001)
Aristóteles, Poética (Lisboa: INCM, 1994)
Aristóteles, Retórica (Lisboa: INCM, 1998)
Aristóteles, Tratado da Política (Mem Martins: Europa-América, 1977)
Kenny, Anthony, História Concisa da Filosofia Ocidental, capítulo 4 (Lisboa: Temas e Debates, 1999).
Magee, Bryan, Os Grandes Filósofos, capítulo 2 (Lisboa: Presença, 1989)
Ross, David, Aristóteles (Lisboa: D. Quixote, 1987)

arte, filosofia da

Ver filosofia da arte.

artefacto

Os objectos que são construídos ou manufacturados, como martelos, livros, filmes, casas, esculturas, etc. Distinguem-se das coisas naturais, como as ondas do mar, as nuvens e as árvores. Em geral os filósofos da arte consideram que as obras de arte são artefactos. Daí que um belo pôr-do-sol não seja uma obra de arte. Contudo, visto que os movimentos que constituem uma peça de bailado, ou os sons que um cantor produz são frequentemente considerados arte, o termo “artefacto” tem sido interpretado de modo a incluir também esse tipo de acontecimentos. Ainda assim, podem encontrar-se outros casos na arte contemporânea que desafiam a ideia de que uma obra de arte tem que ser um artefacto. (Aires Almeida)

asserção

Acto linguístico que consiste na produção de uma frase declarativa com valor assertórico, ou seja, um acto linguístico através do qual o seu autor se compromete com a veracidade da proposição expressa. Muitas vezes uma frase declarativa parece ter valor assertórico mas não é susceptível de ser classificada como verdadeira ou como falsa, não fazendo qualquer asserção (por exemplo, “Prometo chegar a horas amanhã”). Ver também pragmática. (Pedro Santos)

ataraxia

Termo grego que significa “imperturbabilidade da alma” ou “tranquilidade interior”. Os epicuristas e estóicos consideravam-na o mais perfeito estado de felicidade. Ver epicurismo e estoicismo. (Aires Almeida)

ateísmo

Em sentido fraco, descrença na existência de uma entidade sobrenatural particular (o Deus teísta), omnipotente, omnisciente, perfeitamente boa, criadora do mundo, mas distinta deste e dotada de auto-existência (não existe por causa de outra coisa). Em sentido forte, é a crença na inexistência do divino em geral. A distinção é importante, pois muitas pessoas religiosas não são teístas (ver teísmo) nem ateístas, ou seja, acreditam em entidades sobrenaturais que não correspondem à ideia do Deus teísta, que é basicamente a ideia de Deus presente nas grandes tradições religiosas do Ocidente: judaísmo, cristianismo e islamismo. Os argumentos ateístas dividem-se em a) argumentos que visam demonstrar a inexistência de Deus e b) contra-argumentos aos principais argumentos teístas a favor da existência de Deus. Apesar de a popularidade da crença teísta sugerir o contrário, o ateísta considera que não está obrigado a apresentar argumentos do primeiro tipo — embora alguns filósofos ateístas procurem fazê-lo —, dado que o ónus da prova recai, neste caso, sobre a afirmação e não sobre a negação: cabe a quem propõe uma dada crença fundamentá-la racionalmente. Alguns dos principais argumentos ateístas do primeiro tipo são o chamado “problema do mal”, o problema da incompatibilidade dos atributos divinos, o problema da diversidade de religiões e o problema da descrença. O primeiro é um argumento que procura negar a existência do Deus teísta a partir da incompatibilidade entre a existência de mal ou sofrimento intenso no mundo e o atributo da perfeita bondade divina; o segundo tem diferentes versões, a mais conhecida das quais foi apresentada por Michael Martin (n. 1932), e consiste em mostrar que a incorporeidade é incompatível com a omnisciência: um ser incorpóreo não poderia ter conhecimento por contacto nem conhecimento performativo, mas apenas proposicional, logo, haveria seres corpóreos não omniscientes que saberiam coisas que Deus não sabe; o terceiro procura recusar a crença teísta com base na existência de múltiplas pretensões absolutas à verdade religiosa, sem que tenhamos qualquer razão forte para escolher uma delas em particular; o quarto consiste em mostrar que os atributos do Deus teísta são incompatíveis com a existência de descrentes: um Deus infinitamente bom e poderoso, que nos ama infinitamente, não deixaria de dar provas inequívocas da sua existência e impedir-nos-ia de acreditar que não existe. A partir daqui a crença teísta tem duas linhas de sustentação: 1) argumentos a favor das afirmações teístas fundamentais e 2) argumentos para proporcionar “imunidade epistémica" às afirmações teístas. Um destes últimos argumentos consiste em negar que as crenças deste tipo (a fé, as crenças com conteúdo religioso) possam ser avaliadas racionalmente como as outras crenças (ver fideísmo). Outra defesa consiste em afirmar que a crença teísta é “apropriadamente básica" (Alvin Plantinga), ou seja, é o tipo de crença que o agente não sabe justificar adequadamente mas que é racionalmente aceitável. (Vítor Guerreiro)

atitude estética

Disposição para nos relacionarmos com as obras de arte (e também com certos objectos ou aspectos da natureza) de forma meramente contemplativa e desinteressada. Esta caracterização sugerida por Kant significa que a apreciação das obras de arte não tem qualquer intuito prático, sendo isso que distingue a experiência estética de qualquer outro tipo de experiência. A atitude estética é, assim, a forma peculiar como encaramos a arte e as coisas belas, pelo que não deve ser confundida com outras atitudes como a religiosa, prática, moral, etc. Há, contudo, filósofos que rejeitam a existência de uma atitude peculiar que caracterize o modo como encaramos a arte em geral. O filósofo americano George Dickie (n. 1926) é autor de um ensaio intitulado O Mito da Atitude Estética (1964), onde argumenta que o desinteresse diz-nos mais acerca dos motivos de quem observa uma obra de arte do que acerca do modo como, em geral, nos relacionarmos com ela. (Aires Almeida)

autonomia/heteronomia

Um agente é autónomo quando as suas acções são autodeterminadas. Segundo Kant é a característica de uma vontade que cumpre o dever, não sendo condicionada por qualquer inclinação sensível (interesses, temores, desejos). A vontade autónoma considera imperativo categórico ou incondicional a obediência à lei moral. Esta exige que ao cumprir o dever apenas sejamos influenciados pela intenção de o cumprir (cumprir o dever pelo dever). À autonomia opõe-se a heteronomia. A vontade heterónoma pode cumprir o dever mas com a intenção, por exemplo, de agradar, de obter recompensas ou de evitar castigos (não cumpre o dever pelo dever). A vontade autónoma “dá a lei a si mesma”. Dá a si mesma a forma como cumpre o dever e encontra no cumprimento da lei moral a razão suficiente das suas decisões. Autodetermina-se. Liberta de qualquer influência das inclinações sensíveis, a vontade autónoma é a vontade de um sujeito que toma decisões enquanto ser racional e se submete unicamente à lei da sua razão. Deus, os interesses, a sociedade podem ser fonte de normas morais concretas mas não da lei moral, lei puramente formal que não nos diz o que devemos fazer mas de que forma devemos cumprir o dever. É a autonomia da vontade que torna a vontade boa. “Vontade autónoma” e “vontade boa” são termos equivalentes. (Luís Rodrigues)

auto-refutação

Uma afirmação é auto-refutante se o próprio facto de ser produzida implica a falsidade do que está a ser afirmado. Quem produzir afirmações como “Eu não estou aqui”, “Paulo Portas é ambicioso mas eu não acredito nisso” e, provavelmente, “O significado de uma frase ou de um texto escapa-se-nos infindavelmente” está a auto-refutar-se. (Pedro Santos)

axiologia

Teoria dos valores. A axiologia é o ramo da filosofia que estuda a natureza dos valores. Alguns filósofos consideram que o problema central da axiologia é a justificação dos juízos práticos em geral, confundindo-se em grande parte com a filosofia da acção e, mais recentemente, com a teoria da decisão. Outros acham que se trata da justificação dos juízos morais em particular. (Aires Almeida)

axioma

Em lógica e matemática, um axioma é uma proposição que não se demonstra, mas que serve de base para se demonstrar outras proposições, a que se chama “teoremas”. Os teoremas são demonstrados partindo dos axiomas e usando regras de inferência. Por exemplo, partindo dos axiomas (P ∧ Q) → P e P → (P ∨ Q) podemos derivar o teorema (P ∧ Q) → (P ∨ Q), com base na regra conhecida pelo nome de “silogismo hipotético”. Figurativamente, chama-se “axioma”, no discurso corrente, a qualquer afirmação dada como evidente e com base na qual se podem fazer outras afirmações. Contudo, não se deve pensar que os axiomas, quer em sentido figurado, quer no sentido rigoroso da lógica e matemática, são Verdades monolíticas arbitrárias que não podem ser colocadas em causa nem discutidas. Um bom axioma não pode ser arbitrário e tem de resistir à discussão crítica: tem de ser realmente indisputável, ou pelo menos muitíssimo plausível. Caso contrário, tudo o que se disser com base nesse “axioma” será tão implausível, ou mais, do que o próprio “axioma”. (Desidério Murcho)

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