Uma vez instaurada a democracia, que trabalho resta ao filósofo político? Numa perspectiva optimista, mal temos um processo democrático de tomada de decisões, o trabalho fundamental do filósofo político chegou ao fim. Todas as decisões podem agora ser deixadas ao funcionamento justo da máquina eleitoral. Infelizmente, mesmo sendo a democracia o melhor sistema que podemos conceber, não é solução para tudo. E Mill afirma que tem os seus perigos próprios: a ameaça da ditadura da maioria.
Desde a década de oitenta que o professor de filosofia Aleksandr Dugin acredita que o destino manifesto da Rússia é um poder cristão ortodoxo e imperial inteiramente diferente do liberalismo ocidental, e completamente na sua contramão. Em pessoa, o rosto estriado e barbudo de Dugin e a sua fogosa autoconfiança, fazem dele uma encarnação moderna de um starets, ou homem sagrado, de um romance de Tolstoi.
Em 29 de Dezembro do ano passado, Hasan Gokal, o director clínico da equipa de resposta à COVID-19 no Condado de Harris, no Texas (que inclui Houston, a quarta maior cidade dos Estados Unidos em termos de população), supervisionava a administração da vacina da Moderna, na sua maior parte a trabalhadores de serviços de urgência.
Acautele-se o leitor que decida abrir Facfulness, o livro onde Hans Rosling condensou a sua experiência de uma vida como médico, investigador, professor e reputado conferencista de Saúde Internacional, com a colaboração do filho Ola e da nora Anna, que se encarregaram mais especificamente da análise de dados, dos gráficos e das explicações visuais!
O Iluminismo Agora, de Steven Pinker, apresenta uma defesa poderosa da ideia de que em todas as métricas as condições de vida dos seres humanos melhoraram persistentemente nos últimos duzentos anos. Esta melhoria pode ser atribuída não apenas à difusão dos princípios do iluminismo anunciados no século XVIII, mas também às propriedades evolutivas da mente humana, que a modernidade libertou.
A pergunta central que anima o pensamento liberal é: como as pessoas podem viver conjuntamente como livres e iguais? Essa pergunta vem sendo revigorada pelo surgimento do que podemos chamar de liberalismo neoclássico.
Só recentemente tivemos oportunidade de ver 2081, uma curta-metragem realizada por Chandler Tuttle (2009), baseada no também curto conto Harrison Bergeron, de Kurt Vonnegut (1961). Tirando algumas diferenças de menor importância, o filme de Tuttle é fiel ao conto de Vonnegut, o que nos permite dizer que ambos expõem a mesma história.
História, literatura, religião e a observação prática, todas sugerem que o castigo sempre desempenhou um papel central na organização das relações humanas. Por diversas razões, isso não é surpreendente nem perturbador. Por outras razões, é as duas coisas. Para entender o fenômeno e os desafios morais que apresenta, as duas perspectivas precisam de uma exploração cuidadosa.
Em 1874 Karl Marx leu a obra Estatismo e Anarquia de Mikhail Bakunine, um dos fundadores do anarquismo como movimento revolucionário internacional e principal adversário de Marx na luta pelo controlo da primeira internacional. Marx não era passivo relativamente a qualquer coisa que fizesse e, ao ler Bakunine, copiou diversas passagens cruciais do livro acrescentando os seus próprios comentários.
Quando era graduando, acreditava que a prevalência do positivismo nas ciências sociais — a ideia de estudar os fenômenos sociais de modo “objetivo” e “sem valores” — era um dos grandes males do mundo. Não se tratava apenas de uma ilusão, mas sim de uma ilusão perigosa, porque sob o disfarce da objetividade se escondiam planos secretos, nomeadamente um interesse na dominação.
“No termo “globalização”, mais do que na designação anterior de “internacionalização”, está implícita a ideia de que estamos a ultrapassar a era do estabelecimento de laços entre os países e começamos a contemplar algo para lá do conceito existente de Estado-nação. Mas esta alteração precisa de encontrar eco em todos os níveis do pensamento, em especial na reflexão sobre a ética”.
“Cidadania” é um termo cujo significado filosófico difere do seu uso quotidiano. No discurso quotidiano, a cidadania é entendida como sinónimo de “nacionalidade”, referindo-se ao estatuto legal das pessoas enquanto membro de um país em particular. Ser um cidadão implica ter certos direitos e responsabilidades, mas estes variam imenso de país para país.
[No pensamento liberal], a cidadania é um “estatuto”, um estatuto que se procura e que, uma vez atingido, deve ser mantido. Uma diferença fundamental entre o mundo ocidental moderno e as épocas anteriores, radica na dificuldade de saber quem pode legitimamente considerar-se cidadão.
O conceito de direitos humanos é uma pedra angular da nossa humanidade. Tais direitos não são concedidos porque se é cidadão de um país ou se pertence a uma nação, mas pertencem por direito a toda a humanidade. Isso diferencia-os, em consequência, dos direitos criados constitucionalmente, garantidos a pessoas determinadas (por exemplo, os cidadãos americanos ou franceses).
A objetividade é um conceito bastante discutido em filosofia. Discute-se se a ciência pode ser objetiva, se a justificação de nossos juízos morais é objetiva, se é possível conhecer a realidade objetivamente e outras questões correlatas. Porém, não é só na filosofia que o termo objetividade é relevante.
O direito é freqüentemente visto como um emaranhado de problemas descritos em pilhas de papéis que são conduzidos de uma maneira obscura por burocratas especializados. É associado também a essa disciplina a figura do sofista, aquele que utiliza a persuasão a fim de, a qualquer custo, “vencer” um debate — este seria o advogado.
O direito tem sido um importante tema de discussão filosófica desde o início da disciplina. Tentativas de descoberta dos princípios da ordem cósmica e de descoberta ou estabelecimento dos princípios da ordem nas comunidades humanas foram os primórdios da investigação sobre o direito.
Esta é a melhor obra introdutória à filosofia política que alguma vez li. Sem impor qualquer ideologia, oferece precisamente aquilo que pode interessar a qualquer leitor que se inicie no assunto: um exame crítico dos temas fundamentais da filosofia política.
“O orientalismo romântico de Foucault” podia muito bem ser o título deste livro, que coloca, a partir de uma perspectiva feminista e de esquerda, questões sérias, profundas e particularmente incómodas sobre o pensamento de Foucault e a sua crítica enviesada da modernidade.
Um encontro com uma das mais surpreendentes reviravoltas da vida intelectual europeia do século XX, é o que nos propõe Richard Wolin, um historiador das ideias da City University de Nova Iorque, neste, agora editado em paperback (a edição original é de 2004).
O filósofo italiano Norberto Bobbio (1909–2004) nunca gostou de falar de si próprio, mas o cerco feito pelo jornalista Alberto Papuzzi, do La Stampa (quotidiano de Turim onde exerceu atividade de colaborador regular de 1976 aos anos 90), acabou por demovê-lo. A ele abriu seus arquivos, escritos e cartas pessoais, alinhavados numa série de entrevistas ao longo de um ano.
Este livro narra a história da construção da liberdade de pensar ao longo dos séculos XVII e XVIII. Este período histórico pode ser dividido, pelo menos, em duas fases distintas as quais o autor norte-americano procura aclarar: um Iluminismo “Radical”, a partir das ideias de Espinosa, Descartes, Malebranche, Diderot, D’Argens, Rousseau, D’Holbach, Voltaire, Hobbes, Hume...
Talvez a característica mais marcante no que se refere à política é o quão ela é suscetível de discordância – apenas a religião e a ética competem com a política enquanto fonte de desacordo. Há três características principais das discordâncias políticas que quero apontar: (i) são muito difundidas.
Os Elementos do Jornalismo, livro de Bill Kovach e Tom Rosenstiel, oferece bons temas para reflexão. Bem escrito, claro e objetivo, mostra o que passa pelas cabeças dos jornalistas dos EUA, mas vale também para os brasileiros, inclusive no que diz respeito a algumas confusões teóricas da profissão, sempre apontadas mas não resolvidas. Aproveito a ocasião para comentar duas delas.
Era o ano 2081, e toda a gente era finalmente igual. Não apenas perante Deus e a lei. Igual em todos os aspectos. Ninguém era mais inteligente. Ninguém era mais bem parecido. Ninguém era mais forte ou rápido. Toda esta igualdade era devida às 211.ª, 212.ª e 213.ª emendas constitucionais, e à vigilância incessante dos agentes da Direcção-Geral Incapacitante dos Estados Unidos.
“A verdade antes de tudo, senhores” — isto é o que pedia Rui Barbosa na conferência “A Imprensa e o Dever da Verdade” publicada pela Universidade de São Paulo. Esse texto se deve a uma feliz iniciativa de Freitas Nobre, professor do Departamento de Jornalismo da Escola de Comunicação e Artes — ECA — onde funciona o Curso de Jornalismo.
A Revolução Americana de 1787, em particular, e a história americana, em geral, têm merecido pouca ou nenhuma atenção por parte das editoras nacionais e dos investigadores portugueses nas áreas das ciências humanas e das humanidades.
Desde o clássico de Edward Gibbon, The History of the Decline and Fall of the Roman Empire, publicado no final do século XVIII, que as razões e as consequências da queda do Império Romano do Ocidente têm fascinado e dividido os historiadores.
A 10 de Março de 1762, na cidade de Toulose, um homem é torturado, supliciado na roda até à morte para, finalmente, o seu cadáver ser lançado ao fogo. Assim se cumpria a condenação sentenciada, no dia anterior, pelo Parlamenlo local.
No que diz respeito a acontecimentos reveladores, a chegada de pães indianos à mesa dificilmente será o mais dramático. Mas deu a Saskia o tipo de choque mental que modificaria profundamente a sua maneira de pensar.
Lucio Colletti (1924-2001), um dos filósofos mais importantes da Itália e um dos poucos a serem reconhecidos internacionalmente (à parte um certo provincianismo inglês, apenas ele e Benedetto Croce figuram, por exemplo, no Oxford Companion to Philosophy, de Ted Honderich, de 1995), acaba de receber uma homenagem, três anos após sua morte...
A evolução do direito internacional tem sido acelerada, nos últimos tempos, pela globalização, pelas relações intensas entre países e pelas políticas externas dos governos. Neste ensaio, abordam-se os novos desafios que se oferecem hoje ao direito internacional, nomeadamente os problemas relacionados com o estado-nação.
Pensa por momentos na tua própria sujeição política. Estás continuamente a ser sujeito a regras de que não és o autor — designadas por “leis” — que te governam não apenas a ti mas aos outros, que impõe, por exemplo, a velocidade a que deves andar na auto-estrada, o comportamento que deves ter em público, que tipo de acções para com os outros são permissíveis...
Em 1952, a BBC transmitiu seis conferências radiofónicas de Isaiah Berlin que deixaram o público rendido ao seu talento para discutir, de uma forma acessível e despretensiosa, teorias políticas e filosóficas com grande importância prática.
Sempre que nos informamos de acontecimentos que abalam o mundo, de catástrofes ou massacres, tendemos não apenas a sentir vergonha (bem rapidamente) das preocupações rabugentas que temos com nossos problemas secundários, mas também a questionar o valor mais geral de todas as nossas atividades.
Em 1799, o primeiro presidente dos EUA, George Washington, adoeceu do que hoje se pensa ter sido uma infecção na epiglote de sua garganta, que se trata de uma infecção rara, porém séria, que pode levar ao bloqueio da passagem de ar e eventualmente à asfixia. Seu amigo e médico pessoal o atendeu, juntamente com dois médicos de consulta.
Há uma entidade chamada “estado” que pode tomar o seu dinheiro, decidir quais tipos de medicamentos poderá usar e, eventualmente, desalojá-lo para que se construa uma avenida exatamente no local onde fica a sua casa. Alguns funcionários dessa entidade, tipicamente eleitos pelos votos de uma parte das pessoas, vivem de criar regras acerca do que todas as pessoas podem e não podem fazer.
O realismo político é uma teoria de filosofia política que tenta explicar, modelar e prescrever as relações políticas. Parte do pressuposto que o poder é (ou deve ser) o fim primeiro da acção política, seja na arena doméstica seja na arena internacional.
Num ensaio acertadamente publicado em 24 de Dezembro de 1943, Orwell sublinha que todas as utopias e concepções de uma existência humana perfeita, terrenas ou não, falham miseravelmente. Contrastam com a vivacidade das distopias e narrativas que descrevem em pormenor uma existência infernal ou o próprio inferno.
Na última semana escrevi reclamando de como os jornalistas tendem a usar o termo indiferenciado “politicamente correto” para descrever um grupo complexo de comportamentos que podemos encontrar na academia contemporânea.
Poucos pensadores ilustram melhor as contradições do capitalismo contemporâneo do que Slavoj Žižek, o filósofo esloveno e teorizador da cultura. A crise financeira e económica demonstrou a fragilidade do sistema de mercado livre que os seus defensores consideravam ter triunfado na guerra fria...
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Desde a viragem do século — e para referir apenas as guerras mais importantes —, o mundo já viu surgir a guerra do Afeganistão (entre os Estados Unidos e o governo afegão, por um lado, e os Talibã e a al-Qaeda, por outro), a guerra civil do Chade (na qual rebeldes chadianos e mercenários sudaneses tentam depor o presidente), a guerra do Darfur (entre a região sudanesa do Darfur e o governo sudanês)...
As regras da conduta justa enquadram-se nos dois amplos princípios da discriminação e da proporcionalidade. O princípio da discriminação diz respeito a quem constitui um alvo de guerra legítimo, ao passo que o princípio da proporcionalidade respeita à quantidade de força que é moralmente apropriada.
Erasmo, o grande defensor alemão do humanismo, foi um dos primeiros a condenar a guerra. Referindo-se à guerra escreveu: “Quem já viu 100 000 animais a correr para se degolarem uns aos outros, como os homens fazem por toda a parte, sabe que nada há mais perverso, mais desastroso, mais destruidor, mais repugnante, numa palavra, mais indigno do homem”.
O pacifismo é a teoria segundo a qual o intercâmbio humano deve ser governado por relações pacíficas e não por relações violentas ou beligerantes e que a arbitragem, a rendição ou a migração devem ser usadas para resolver disputas.
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Se você é homem e tem acesso à internet, é certo que já consumiu conteúdo pornográfico ao menos uma vez na vida. É o que afirma um estudo da Universidade de Montreal, no Canadá. Além disso, pensa provavelmente que a pornografia é um assunto privado. Portanto, ninguém tem nada a ver com o que você assiste, vê ou escuta e nem com quem produz esse material.
Pode um governo proibir legitimamente os cidadãos de publicar ou ver pornografia, ou seria isto uma violação injustificada das liberdades básicas?
John Stuart Mill (1806-1873) foi um defensor dos direitos liberais e um homem preocupado com o bem-estar individual e social da humanidade. Suas idéias utilitaristas a favor da maximização do bem-estar deram-lhe destaque no meio filosófico e político.
Ayaan Hirsi (o nome original é Ayaan Hirsi Magan), nasceu em 1969, em Mogadíscio, no seio de uma família muçulmana importante da Somália, pertencente ao clã Osman Mahamud, um subclã dos Darod. Este livro é um obra autobiográfica e tremendamente humana.
O texto que se segue mostra o contributo da filosofia para o esclarecimento e solução de problemas reais — como, neste caso, os problemas associados à legislação sobre o casamento e a adopção por parte de casais de pessoas do mesmo sexo. Estes dois problemas podem ser formulados do seguinte modo...
Catharine MacKinnon é uma figura emblemática na vida e no direito americanos. Durante vários anos ela e a sua colaboradora mais recente, Andrea Dworkin, foram as porta-estandartes do feminismo antiliberal, e como advogada, autora e professora tem tido um impacto explosivo.
John Stuart Mill explica assim, em Sobre a Liberdade (Edições 70, no prelo), o princípio do dano: “É o princípio de que o único fim para o qual as pessoas têm justificação, individual ou colectivamente, em interferir na liberdade de acção de outro, é a autoprotecção”.
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O governo representativo é um fenómeno relativamente recente: não tem mais de um século e meio. Isto significa que, durante muito tempo, a teoria democrática foi essencialmente especulativa, alimentada por muito romantismo e boas intenções. Hoje, porém, dispomos de resultados que vêm da experiência; e isso justifica, no mínimo, que a teoria democrática deve ser confrontada com os factos.
A democracia deliberativa afirma a necessidade de justificar as decisões tomadas pelos cidadãos e pelos seus representantes. Espera-se que ambos justifiquem as leis que querem impor uns aos outros. Numa democracia, os líderes devem dar razões que justifiquem as suas decisões e responder às razões que, por sua vez, são apresentadas pelos cidadãos.
A democracia é hoje infelizmente vista como inevitável. É o sistema político que quase ninguém se atreve a pôr em causa, e que ninguém põe em causa publicamente. Isto é infeliz por duas razões. Em primeiro lugar, porque limita a nossa imaginação.
A discussão pública é importante porque é a única maneira que temos de descobrir a verdade. Somos todos seres falíveis e por isso erramos muitas vezes. Muitas das nossas crenças mais queridas revelam-se falsas. A única maneira que temos de aumentar a proporção de crenças verdadeiras é submetê-las à discussão pública.
Democrata — Ouvi dizer que te dizes um verdadeiro defensor das ideias democráticas. Todavia, criticas democratas que, como eu, afirmam que a democracia deve ser a forma de governar o estado.
Anarquista — Pois claro. Não podes transformar um mau estado num bom estado só por torná-lo democrático...
Este verbete tem como foco seis perguntas de grande importância a respeito da ética e da racionalidade do ato de votar: 1) Do ponto de vista de um cidadão individual, é racional votar? 2) Há um dever moral de votar? 3) Há obrigações morais a respeito de como os cidadãos votam?4) É justificado os governos obrigarem os cidadãos a votar?
Quando a época glaciar estava a chegar ao fim, os Neandertais pensavam provavelmente que aqueles verões quentes europeus eram apenas uma excepção. Afinal, sempre os glaciares tinham sido presença constante na Europa.
Já tem alguns anos a sua edição nos Estados Unidos, mas vale a pena ler ou reler este livro. Fredrick Appel assumiu a difícil tarefa de mostrar como a imagem que hoje tende a prevalecer sobre o pensamento de Friedrich Nietzsche, particularmente nas Humanidades e Ciências Sociais — onde este aparece, quase angelicamente, como um pensador amoral...
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A recente publicação de várias caricaturas sobre o profeta Maomé numa revista dinamarquesa tem suscitado várias reacções diferentes, sendo frequentemente posta a questão de quais devem ser os limites da liberdade de expressão.
Na obra On Liberty (1859), John Stuart Mill (1806-73) apresenta vários argumentos famosos e influentes a favor da liberdade de expressão, um dos direitos humanos fundamentais, consagrado no artigo 19.º da Declaração Universal dos Direitos Humanos das Nações Unidas. Um dos argumentos de Mill será analisado nesta comunicação.
O Mangas considerava-se um homem de bem. Naquela manhã, porém, ao sair de casa, sentiu o chão fugir-lhe por baixo dos pés: ao correr da parede, até aí imaculada, um graffiti anunciava: “O Mangas usa ceroulas”. Por baixo: “Almeida Trigueiros”.
A tolerância é uma das noções mais difíceis de compreender. Confunde-se geralmente com o relativismo epistémico e esta confusão denuncia incapacidade ou até falta de vontade para aceitar a tolerância. Os pensadores pós-modernistas são responsáveis por contaminar a cultura contemporânea com esta confusão grave, que acaba por tornar impossível a genuína tolerância.
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A publicação do Manifesto do Partido Comunista (1848), escrito por Marx e Engels, pode considerar-se o ato que, simbolicamente, inaugura um dos mais importantes movimentos sociais, políticos, ideológicos… e filosóficos dos últimos séculos: o movimento comunista.
Enquanto as crianças morrem de fome na Venezuela, reaparece uma saída antiga: isso não é socialismo de verdade! Uma versão desta resposta alega que o socialismo exige que os trabalhadores controlem diretamente os meios de produção. Assim, por mais que o governo venezuelano tenha colocado mais de 500 companhias sob o controle estatal, tal sistema é considerado “capitalismo de estado” e não socialismo.
Os raciocínios morais têm geralmente dois tipos de premissas: premissas morais e premissas empíricas. Para aceitar a conclusão de um raciocínio moral, temos, portanto, de aceitar ambos os tipos de premissa.
Este é um livro estranho de um economista, no mínimo, controverso. Na verdade, Steven D. Levitt nunca escreveu qualquer livro, incluindo este, que foi escrito (ou compilado) pelo jornalista Stephen J. Dubner do New York Times e da New Yorker, com base em artigos científicos publicados por Levitt. Apesar do sub-subtítulo ser um pouco exagerado, o subtítulo já assim não o é.
Como devem ser distribuídos os bens numa sociedade? […] Serão consideradas aqui três perspectivas — primeiro o utilitarismo, e depois as perspectivas não-consequencialistas de John Rawls e Robert Nozick.
Pode ser compreensível e de aplaudir que as pessoas que vivem hoje nas nações mais prósperas fiquem muitas vezes chocadas com os padrões de vida muitíssimo inferiores nos países do terceiro mundo, ou com a maneira como vivem as pessoas menos afortunadas da sua própria sociedade.
Karl Heinrich Marx nasceu a 5 de Maio de 1818, na cidade alemã de Trier e morreu em Londres em 1883. No cemitério de Highgate, em Londres, a 17 de Março de 1883, só 11 pessoas se apresentaram no funeral de Marx. Entre elas, o seu amigo de longa data, Friedrich Engels, que não hesitou em declarar que “o nome e a obra de Marx persistirão ao longo dos tempos”.
Para que as pessoas sejam agentes morais, para que sejam capazes de realizar escolhas sobre o que fazer com as suas vidas, precisam de ser soberanas, precisam de autoridade pessoal, de liberdade. Essa liberdade, tal como é entendida na tradição política liberal (clássica) ocidental e, em particular na americana, é inseparável da liberdade económica e do princípio do direito à propriedade privada. Porquê?
No parágrafo de encerramento do Manual do Perfeito Idiota Latino-Americano, Plínio Apuleyo Mendonza, Carlos Alberto Montaner e Álvaro Vargas Llosa sentenciam com certa tristeza a própria derrota perante a idiotice ideológica que se espalhara na América Latina. Disseram isso há treze anos. Infelizmente, não poderiam estar mais certos.
“Acredita que somos pobres porque eles são ricos e vice-versa, que a história é uma bem-sucedida conspiração dos maus contra os bons, onde aqueles sempre ganham e nós sempre perdemos (em todos os casos, está entre as pobres vítimas e os bons perdedores), não se constrange em navegar no espaço cibernético, sentir-se online e (sem perceber a contradição) abominar o consumismo.”
Embora Jason Stanley a descreva como “um livro sobre a natureza da propaganda”, o principal objetivo da obra é político: desenvolver um argumento contra a desigualdade material. Ele argumenta que, embora oculta, há em todo lugar um tipo de propaganda a ameaçar as democracias liberais, sustentada, acima de tudo, pelas desigualdades materiais.
Em plena segunda guerra mundial, quando o governo britânico pedia aos seus cidadãos imensos sacrifícios económicos, Orwell ficou chocado com a incongruência de jornais em que os editorialistas davam voz aos pedidos do governo, ao mesmo tempo que publicavam anúncios de casacos de peles, na mesma página.
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Em 1689 e 1690, logo após a revolução de 1688, escreveu Locke os dois Tratados do Governo, dos quais o segundo tem especial importância na história das ideias políticas.
Em 1971 era publicada uma obra que se tornaria muito importante nas discussões de filosofia política. O nome dessa obra é Uma Teoria da Justiça e seu autor John Rawls. Ao longo das aproximadas seiscentas páginas do livro, Rawls apresenta e defende a perspectiva que chamou de “Justiça como Equidade”.
A principal motivação da teoria da justiça como equidade é o desejo de Rawls de formular uma alternativa poderosa ao utilitarismo. Parecia-lhe que o utilitarismo era a teoria mais sistemática e abrangente disponível para fornecer uma base de comparação entre instituições e práticas sociais alternativas. No entanto, para Rawls, o utilitarismo é insatisfatório pelo menos por duas razões.
Uma questão que muito preocupou os filósofos políticos dos séculos XVII e XVIII foi a de encontrar uma justificação racional — dedutiva — para a existência das sociedades humanas. O problema apresenta-se do seguinte modo...
Há crianças vendidas por pais extremamente pobres a quem tem dinheiro e falta de escrúpulos para as comprar; pessoas cujo rendimento não permite fazer mais do que uma refeição por dia; jovens que não têm a menor possibilidade de adquirir pelo menos a escolaridade básica; cidadãos que estão presos por terem defendido as suas ideias.
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Houve um momento revelador na conferência de imprensa concedida por George W. Bush a 13 de Abril de 2004. Nessa altura, David Kay, nomeado pelo Director da CIA, George Tenet, para encontrar armas de destruição maciça no Iraque, dissera já que não tinha encontrado, nem esperava vir a encontrar, arsenais de armas de destruição maciça.
A facilidade com que Bush fala sobre bem e mal data de muito antes de 11 de Setembro de 2001, de antes da sua eleição como presidente, e de antes da sua campanha para este cargo, centrada na ideia de que ele levaria “honra e dignidade” à Casa Branca (no que todas as pessoas entenderam como um contraste em relação a Bill Clinton).
A primeira das três citações anteriores é retirada do discurso da campanha de Bush intitulado “Dever de Esperança” — um discurso inspirado que oferecia a esperança a cada americano, texto fulcral para a filosofia do “conservadorismo compassivo”.
Após a tomada de posse de George W. Bush como presidente, decorreram mais de seis meses até que surgisse uma questão suficientemente importante que o levasse a dirigir-se ao povo americano através da televisão, em horário nobre.
George W. Bush exprimiu frequentemente uma convicção que muitos americanos partilham: os Estados Unidos são “o país mais livre” do mundo. Mas na qualidade de recém-chegado aos Estados Unidos que viveu a maior parte da sua vida noutras democracias liberais, não me é absolutamente nada óbvio que os Estados Unidos sejam um país mais livre do que a Austrália, o Canadá, o Reino Unido ou a Holanda...
George W. Bush é cristão. O seu coração, disse-nos ele, está entregue a Jesus. Quando a guerra com o Iraque estava iminente, lia a Bíblia todos os dias. Também reza diariamente. Acredita num “plano divino que se sobrepõe a todos os planos humanos”. Aplica a fé na sua vida pública. Diz que a liberdade é “o plano do Céu para a humanidade”.
A afirmação franca de Bush do seu compromisso com o interesse nacional constituiu a resposta a uma pergunta feita por Jim Lehrer, moderador dos debates presidenciais de 2000, colocada a ambos os candidatos, sobre os respectivos princípios orientadores para exercer o enorme poder que um deles em breve deteria na qualidade de líder do país mais poderoso do mundo.
A 11 de Setembro de 2001, assistindo pela televisão à derrocada do World Trade Center e vendo o desgosto das famílias das vítimas, era fácil concordar com Bush, quando este disse: “Hoje, o nosso país viu o mal”. No seu breve discurso ao país, nessa noite, usou a palavra “mal” quatro vezes, dando o tom para os meses e os anos vindouros.
A lenta preparação para o ataque norte-americano ao Iraque, em Março de 2003, deu a George W. Bush muitas oportunidades de esclarecer as ideias éticas subjacentes aos seus actos. Bush indicou dois argumentos distintos para entrar em guerra com o Iraque que podem ser colocados nos seguintes termos...
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Eric Arthur Blair (1903–1950), mais conhecido pelo pseudônimo George Orwell, foi um ensaísta, jornalista e romancista britânico. Orwell é bastante famoso por suas obras de ficção distópica Animal Farm e 1984, muito embora grande parte de seus outros livros e ensaios tenha também alcançado popularidade.
Byron usa algures a palavra francesa longueur e, de passagem, comenta que embora na Inglaterra por acaso não tenhamos a palavra, temos a coisa em considerável profusão. Do mesmo modo, existe agora um hábito mental tão disseminado que chega a afetar a nossa maneira de pensar sobre quase todos os assuntos, mas para o qual nenhum nome ainda foi dado.
Se algumas páginas do livro do Sr. Bertrand Russell, O Poder, parecem vazias, isso é unicamente porque descemos a um ponto tal que a reafirmação do óbvio é o primeiro dever dos homens inteligentes. O problema não é apenas que hoje em dia o governo da força crua se encontra em quase todo o lado. Provavelmente, isso sempre foi assim.
É um sinal da rapidez com que os acontecimentos estão se sucedendo o fato de a edição sem cortes de Mein Kampf, de Hurst e Blackett, publicada há apenas um ano, ser editada de um ângulo pró-Hitler. A intenção óbvia do prefácio e das notas do tradutor é atenuar a ferocidade do livro e apresentar Hitler de um modo tão gentil quanto possível. Pois naquela data Hitler ainda era respeitável.
No Tribune da semana passada havia uma carta interessante do Sr. J. Stewart Cook, na qual sugeria que a melhor maneira de evitar o perigo de uma “hierarquia científica” seria fazer todos os membros do grande público, tanto quanto possível, ter formação científica. Ao mesmo tempo, os cientistas deveriam sair do seu isolamento e ser encorajados a desempenhar um papel mais intenso na política e na administração.
George Orwell é o nome literário de Eric Blair (1903-1950), autor conhecido entre nós sobretudo graças a O Triunfo dos Porcos, de 1945 (Europa-América) e Mil Novecentos e Oitenta e Quatro, de 1949 (Antígona). Mas Orwell foi antes de mais um ensaísta popular. Pequenas crónicas e recensões, publicadas na imprensa inglesa, garantiram-lhe um lugar de respeito nas letras.
O anti-semitismo é obviamente um assunto que precisa de ser seriamente estudado, mas parece improvável que o venha a ser nos próximos tempos. O problema é que enquanto o anti-semitismo for encarado simplesmente como uma aberração vergonhosa, quase um crime, qualquer pessoa suficientemente literata para ter ouvido a palavra irá obviamente declarar-se-lhe imune...
A posição do escritor numa era de controle estatal é um assunto já amplamente discutido, embora a maior parte dos dados que podem ser relevantes não estejam ainda disponíveis. Não quero expressar aqui qualquer opinião a favor ou contra o patrocínio estatal das artes, mas apenas ressaltar que o tipo de estado que nos governa tem de depender parcialmente da atmosfera intelectual dominante...