Quando avaliamos os protestos nas sociedades democráticas, a não-violência não é o único critério que deve ser ponderado. O princípio da proporcionalidade pode servir como um guia útil para os factores que os manifestantes devem considerar, permitindo-nos defender o direito de protestar e, ao mesmo tempo, especificar as responsabilidades éticas dos manifestantes.
Os activistas do clima já interferiram em jogos de ténis em Wimbledon, atiraram sopa de tomate aos vidros que protegem pinturas famosas, espalharam pó cor de laranja em Stonehenge e bloquearam o trânsito. Em resposta, os governos europeus têm vindo a reprimir os activistas ambientais com detenções e multas e, num caso, com uma pena de prisão de cinco anos por terem defendido a desobediência civil numa chamada via Zoom.
O facto de um protesto ser ou não ético é diferente de ser legal. Como Martin Luther King Jr. argumentou na sua “Carta de uma Cadeia de Birmingham”, os manifestantes que se envolvem em desobediência civil demonstram respeito pela lei quando agem de forma não-violenta e aceitam a pena imposta pela lei.
Concordamos que a não-violência é um elemento crucial de um protesto ético, e que os manifestantes que vivem numa democracia com salvaguardas contra penas excessivas para acções políticas não-violentas devem estar dispostos a aceitar a pena imposta pela lei. Contudo, o que é considerado uma pena excessiva depende da quantidade de incómodo que os manifestantes podem eticamente infligir ao público.
Sugerimos que se adapte o princípio internacionalmente reconhecido da proporcionalidade na guerra. Este princípio proíbe as acções militares quando os danos causados a civis são desproporcionais face à vantagem militar obtida. É incorrecto visar um único comandante inimigo, prevendo que o método utilizado irá matar centenas de civis inocentes.
Nas democracias liberais, a aplicação desta abordagem aos protestos que não são violentos tem quatro aspectos. Em primeiro lugar, um “princípio de proporcionalidade do protesto” deve tentar equilibrar o incómodo para os outros com o número de cidadãos que protestam. Se um milhão de pessoas se juntar a uma marcha de protesto, é inevitável que encham a rua, parando o trânsito.
O professor da Universidade de Princeton, Zeynep Tufekci, tem razão quando diz que os protestos de massas contemporâneos perderam relevância, porque as redes sociais os tornaram muito mais fáceis de organizar. Em vez de investir anos a construir laços entre indivíduos com ideias semelhantes e depois aproveitar esses esforços comunitários para culminar num protesto nacional, os organizadores podem simplesmente enviar um tweet com a hora e o local do encontro.
No entanto, essa facilidade de comunicação não invalida a diferença entre cinco manifestantes e 500 000. As pessoas continuam a ter de estar dispostas a dispensar o seu tempo e a fazer o esforço de comparecer. Um grande número de manifestantes diz a uma democracia que algo poderá estar profundamente errado (embora também seja possível que os manifestantes estejam errados).
A segunda componente do princípio da proporcionalidade dos protestos é a importância da questão face ao incómodo provocado. O facto de os manifestantes serem em número reduzido não torna necessariamente as suas acções erradas. Os activistas do clima, que têm como alvo obras de arte, estão a tentar incitar-nos a agir contra uma crise “em câmara lenta” que já prejudicou milhões de pessoas e que, se não forem tomadas medidas drásticas, irá alterar o clima do nosso planeta, prejudicando milhares de milhões delas. Mesmo uma pequena hipótese de despertar as pessoas para a necessidade de mudança é mais importante do que a desilusão de muitos turistas que ficam temporariamente impossibilitados de ver a Mona Lisa.
Naturalmente, os manifestantes tendem a acreditar que a sua causa é crucial. Se estiverem enganados, o protesto pode ser antiético, mesmo que provoque apenas um pequeno incómodo.
A terceira consideração é se os activistas pretendem infligir inconvenientes significativos ou se procuram minimizar a perturbação. Os manifestantes sentem-se encurralados no dilema do activista: a forma mais fácil de ganhar visibilidade é protestar de forma perturbadora, o que pode virar a opinião pública contra a sua causa. Para ultrapassar o ruído mediático, acreditam que têm de causar grande incómodo.
Pode ser difícil pensar em formas criativas de alertar os outros para injustiças sem perturbar as suas vidas, mas isso pode ser feito. Em vez de perturbar a iluminação de uma árvore de Natal para crianças, os manifestantes podem organizar um evento em que plantem árvores num parque público. A originalidade de um protesto deste tipo poderia tornar-se viral, ao mesmo tempo que garantiria que qualquer resposta dos burocratas, como a remoção das árvores recém-plantadas, apenas aumentaria a cobertura mediática.
A intenção de causar incómodo não é necessariamente antiética; deve ser ponderada face a outros factores de proporcionalidade do protesto, incluindo quem está a ser incomodado. Este é o quarto factor. Uma dúzia de activistas do clima que impedem milhares de pessoas de levar os filhos à escola ou de ir para o trabalho é mais eticamente preocupante do que perturbar a rotina de quem tem o poder de reduzir as emissões de gases com efeito de estufa.
É mais ético incomodar os políticos e os burocratas no exercício das suas funções oficiais do que o público em geral. Para que as democracias funcionem, os funcionários públicos devem conhecer as opiniões dos cidadãos. No entanto, os manifestantes precisam de considerar a importância dos serviços que perturbam. É mais fácil justificar a interrupção de uma reunião de políticos com lobistas empresariais do que o bloqueio da prestação de serviços públicos.
Quer estejamos a avaliar conflitos internacionais, quer estejamos a avaliar protestos não-violentos, o princípio da proporcionalidade não dará respostas exactas. No entanto, as considerações éticas continuam a ser vitais. O activismo que não é ético, mesmo quando não é violento, pode facilmente incitar contraprotestos que acabam em violência. O princípio da proporcionalidade pode servir como um guia útil para os factores que os manifestantes devem ter em consideração, permitindo-nos defender o direito de protestar e, ao mesmo tempo, especificar as responsabilidades éticas dos manifestantes.