Partindo do pressuposto de que você viva num local abastecido por água e que esteja equipado por processos de esgotamento sanitário, considere por um momento o complexo sistema de encanamentos que faz com que esse sistema funcione. São muitos tubos e conexões, alguns mais recentes e outros mais antigos. Alguns passaram por consertos e outros continuam com vazamentos, também maiores ou menores, que demandam reparos urgentes ou nem tanto.
Nasci em 1950, cinco anos depois do fim da segunda guerra mundial, em West Hartlepool, no distrito de Durham, numa pequena cidade mineira no nordeste da Inglaterra. O hospital em que nasci era um albergue convertido, ou, como diríamos hoje em dia, um asilo para pessoas sem abrigo. A minha mãe tinha vinte anos, o meu pai vinte e seis, e eu era o primeiro filho.
O que é a raça? As discussões sobre este tema envolvem tópicos de diversas áreas de investigação. Podemos abordar os modos como os seres humanos se dividiram ao longo da história, avaliando também as consequências dessas práticas para as sociedades contemporâneas.
A epistemologia moderna começa com uma teoria da conspiração. “Irei supor”, escreve Descartes, “que um génio maligno, poderoso e astuto, tudo fez para me enganar […] Irei pensar que o céu, o ar, a terra, as cores, formas, sons e todas as coisas externas não passam de sonhos que o génio maligno maquinou como armadilhas para o meu juízo”.
Muitas pessoas são atraídas por conceções construtivistas da verdade, da justificação e da racionalidade, aceitando que há muitas maneiras radicalmente diferentes, mas igualmente válidas de conhecer o mundo. Ou seja, defendem a tese de que todo o conhecimento é socialmente construído.
Ao lado do grande “D” vermelho, na parte inferior do trabalho final que escrevi para um curso de ciência política de nível médio, durante o segundo semestre da faculdade, estava escrito: “Você pensa como um filósofo, não como um cientista político”.
Quem estuda lógica sabe que existem pelo menos duas maneiras de rejeitar um argumento: 1) encontrar algum defeito na passagem das premissas para a conclusão; 2) rejeitar as premissas. Aceitando as premissas e raciocinando bem, devemos também aceitar as conclusões que se seguem delas.
“The MIT Press Essential Knowledge series” tem como objetivo publicar livros sobre temas atuais de modo acessível, conciso e bem fundamentado. Para tanto, convida especialistas renomados para oferecer uma visão geral de um assunto particular que tem chamado a atenção da sociedade.
Segundo o Tractatus, todas as frases com sentido pertencem a uma de três classes: tautologias, que são verdadeiras em virtude do significado; contradições, que são falsas em virtude do significado; e frases sintéticas, cuja verdade ou falsidade depende do que significam e de como é o mundo.
Este é o título do original The Grasshoper: Games, Life, and Utopia — um livro curioso e interessantíssimo, por várias razões. Telegraficamente, pelos problemas que aborda e pelo modo como o faz. É (mais uma) prova de que, como na introdução salienta Thomas Hurka, se pode fazer filosofia séria sem o ar grandiloquente e por vezes pouco claro de renomeados filósofos.
Se a ideia de que a filosofia é uma ciência choca o leitor, isso pode ser apenas o resultado de uma concepção excessivamente restritiva de filosofia ou de ciência: “A filosofia é uma ciência de direito próprio, interligada com outras e tão autónoma como elas.”
Para professores de filosofia, um dos esclarecimentos iniciais junto aos estudantes envolve a questão da utilidade da matéria. “Para quê a filosofia?” é uma das primeiras questões nas aulas, antes mesmo de questões sobre a sua natureza (“O que é?”) ou a sua metodologia (“Como se faz?”). Fora da realidade escolar, a interrogação sobre a própria filosofia é relativamente comum.
Esta discussão dirá respeito a uma questão que percorre praticamente todas as áreas de investigação e que invadiu até a cultural geral — onde chegam ao fim a compreensão e a justificação? Chegam ao fim com princípios objectivos cuja validade é independente do nosso ponto de vista, ou chega ao fim no seio do nosso ponto de vista?
O discurso sobre construção social está na moda. Mas o que significa e qual o seu propósito? A ideia central parece razoavelmente clara. Dizer que algo é socialmente construído é dar ênfase à sua dependência relativamente a aspectos contingentes da nossa existência social.
Via de regra, quando traçamos a história de um problema filosófico, constatamos um enorme desacordo entre os filósofos. A natureza dos jogos, contudo, é um problema filosófico com uma história um tanto peculiar: o desacordo é a exceção.
A doutrina das semelhanças de família está ligada de um modo peculiar ao exemplo particular dos jogos. Pois embora a doutrina se tenha tornado parte do arsenal da filosofia analítica, por vezes, quando os filósofos sentem necessidade de a sustentar, o exemplo dos jogos é o que supostamente encerra a discussão.
Com vista a um exame crítico de várias teses acerca da natureza da actividade de jogar um jogo, propõe-se a seguinte definição: jogar um jogo é participar de uma actividade que visa a realização de um estado de coisas específico, usando-se somente os meios permitidos por regras específicas, em que os meios permitidos pelas regras são mais restritos do que seriam na ausência dessas regras.
Uma companhia publicita o produto X afirmando que melhora substancialmente a memória e combate a demência. A companhia não fornece provas convincentes destas afirmações, e os estudos científicos não conseguem confirmar a existência dos efeitos estipulados. O leitor compraria X? Provavelmente não.
Esta é a versão em linha e gratuita da versão de 2003 do Dicionário Escolar de Filosofia, org. por Aires Almeida (Lisboa: Plátano Editora). Trata-se de um dicionário escolar por ter sobretudo em conta os estudantes do ensino secundário português (alunos entre 15 e 16 anos). Não apenas pela linguagem acessível e directa, mas também pela selecção de conteúdos, este dicionário serve os adolescentes que estudam filosofia pela primeira vez. Uma segunda edição (Lisboa: Plátano Editora, 2009), muitíssimo alargada, foi entretanto publicada.
Sobre o que é, então, a filosofia? Para Quine e alguns outros filósofos americanos contemporâneos, a filosofia é simplesmente a parte mais abstracta da ciência. Não faz, de facto, qualquer observação nem conduz quaisquer experiências próprias; mas pode, e deve, incorporar as descobertas das ciências para construir uma teoria naturalizada do conhecimento e da mente.
O objectivo destas páginas é não apenas responder à pergunta do título, mas também fornecer alguns instrumentos importantes para quem chega à filosofia pela primeira vez. Este texto será por isso do interesse, espero, de estudantes, professores e pessoas que querem realmente saber o que é afinal a filosofia.
Todas estas questões indescritivelmente esquisitas sobre números, propriedades, indivíduos, espaço, tempo, causalidade, mentes, possibilidade, probabilidade, necessidade, obrigação, razões, leis, Deus… Não só são as questões individualmente esquisitas, como em conjunto não formam mais do que um caos, sendo um desafio a qualquer tentativa de as reduzir a uma sequência racional.
No capítulo 4 do meu livro A Cigarra Filosófica: A Vida é um Jogo? levanto a questão do fim prelusório do xadrez, pois à primeira vista parece que o xadrez não pode ter tal fim, tal como o defini: “que pode ser descrito antes ou independentemente de qualquer jogo de que possa fazer já parte ou vir a fazer parte”.
A melhor forma de caracterizar a filosofia é dizer que ela consiste em problemas, teorias e argumentos. O que distingue os problemas filosóficos dos problemas de outras áreas de investigação, como a física ou a história, é o facto de não terem solução experimental.
“O que faz de alguém um filósofo, além de ser considerado como tal pela universidade?” Primeiro, penso que um autor tem de dar atenção a questões com um alto grau de generalidade, e tem de se sentir à vontade com as ideias abstractas.
Como nunca estudaste filosofia na escola, talvez tenhas uma ideia vaga ou até errada sobre o assunto. Ou talvez não tenhas ideia nenhuma. Como é natural, ficarás a saber melhor o que é a filosofia depois de a teres estudado correctamente. Mas é conveniente dar-te já uma ideia do que é a filosofia. Deste modo, poderás orientar-te melhor na disciplina. É este o objectivo deste primeiro capítulo.
Como deve a riqueza ser distribuída para que haja justiça social? Imagine dois romancistas: um vende muitos livros e por isso tem muito dinheiro e o outro vende pouco e por isso vive com dificuldades. Os filhos do romancista rico frequentam uma excelente escola privada, inacessível aos filhos do romancista pobre. Terá o romancista rico a obrigação de pagar a educação dos filhos do romancista pobre?
No final do primeiro capítulo do seu livro Fundamentos da Filosofia (Zahar, 1977), Bertrand Russell expõe uma das suas expectativas em relação ao futuro dos problemas filosóficos: “Talvez a ciência moderna nos permita ver os problemas filosóficos a uma nova luz. Com essa esperança, vamos examinar a relação do homem com o seu meio”.
Há várias ilusões cognitivas persistentes que têm uma característica comum: exprimem-se de modo a haver duas interpretações cruciais. Numa, a ideia em causa é verdadeira, mas não é surpreendente nem merece a nossa atenção porque é banal. Na outra, a ideia é surpreendente e chama-nos apropriadamente a atenção, mas é patentemente falsa.
Uma confusão comum no que respeita à justificação da filosofia é que muitas vezes o que se visa, sem que a pessoa se aperceba disso, não é exactamente a justificação da filosofia.
Esta comunicação dá conta do que se fez nas aulas de Filosofia do 2.º ciclo (alunos com 10 e 11 anos), na escola Dr. Manuel Laranjeira. A oportunidade que nos foi dada, e que desde já agradecemos, pareceu-nos vir em boa hora para contar como as coisas realmente se passaram. Na primeira secção, trataremos de dizer de que modo este projecto, se é que lhe podemos chamar assim, começou.
Em 2012 serão distribuídos pelo Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) livros didáticos para o ensino de filosofia na rede pública. Um dos livros selecionados para a distribuição foi este. O seu projeto gráfico foi renovado para a quarta edição e está excelente.
No século XX, a filosofia conheceu uma divisão lamentável, que dá infelizmente origem a um ambiente doentio em algumas universidades: a divisão entre a chamada “filosofia analítica” e a chamada “filosofia continental”.
Uma ideia que tem sido importante para mim ao longo da última década é que o conhecimento filosófico cresce por meio da aplicação extraordinariamente inexorável e sistemática de competências humanas bastante comuns.
No século XVIII era comum os cientistas apresentarem os seus resultados directamente ao grande público (Weingart 2010: 6). O progresso das disciplinas e subdisciplinas científicas, cada qual com os seus termos e conceitos próprios do seu objecto, há muito que tornou isto impraticável.
É prática comum entre nós apresentar a filosofia ao grande público ou aos alunos que têm seu primeiro contato com a disciplina louvando-a como um presente dos deuses aos meros mortais. Dizem que nada lhe pode ser superior e que qualquer área de investigação lhe é subserviente. É como se o filósofo tivesse um acesso privilegiado à verdade.
Um exemplo simples de ilusão perceptiva é quando ao longe confundimos um arbusto com uma pessoa. Um exemplo simples de ilusão conceptual é pensar que existir contingentemente é incompatível com ter propriedades essenciais. Ambas são exemplos de ilusão cognitiva.
Imagine que está em casa e tanto o rádio como a lâmpada se desligam subitamente. Uma explicação para o que aconteceu é que houve um corte de eletricidade. Outra explicação é que o rádio e a lâmpada pifaram ao mesmo tempo. Qual das duas explicações parece mais plausível? Em casos como este a maioria das pessoas opta pela explicação mais simples, que é a primeira.
Lembro-me de há vários anos ter visto um livro sobre as frases mais insensatas dos filósofos. A referência exacta não é realmente importante. Nesse livro citava-se supostos exemplos das afirmações filosóficas mais insensatas.
A filosofia baseia-se, em parte, em intuições. Os filósofos apresentam teorias para dar resposta a problemas como a natureza da verdade, a relação entre teorias e observação, e a justificação dos juízos morais. Estas teorias são defendidas ou criticadas de acordo com a sua capacidade para captar intuições associadas aos problemas em causa.
“Impostura”, de acordo com o dicionário, significa “embuste, engano artificioso; afetação de grandeza; superioridade, orgulho, confinante com a empáfia e a bazófia”.
A filosofia ocupa-se de problemas fundacionais insusceptíveis de resolução científica, recorrendo à análise minuciosa, teorização intensa, formulação rigorosa e argumentação imaginativa. Um matemático só se ocupa de problemas que possam ser resolvidos recorrendo a técnicas matemáticas; o filósofo procura saber o que é um número.
Não somos apenas parecidos com os animais; somos animais. A nossa diferença em relação a outras espécies pode ser impressionante, mas compararmo-nos a elas tem sido crucial, e tem de o ser para o modo como nos vemos a nós mesmos. Este livro é uma discussão geral sobre como tais comparações operam e por que são importantes. O fosso entre o homem e os outros animais está, penso, num lugar ligeiramente diferente daquele em que a tradição o coloca, além de mais estreito. A perspectiva tradicional certamente distorceu o argumento ético e pode ter causado equívocos às possibilidades abertas à humanidade.
A metafilosofia — assim como a estética, a metafísica, a epistemologia, e etc. — é uma disciplina filosófica por excelência. O seu objeto de estudo é a própria filosofia, i.e., a metafilosofia é a filosofia da filosofia.
A que podemos dedicar-nos sem sair da poltrona? Todas as actividades de poltrona levantam a questão de saber se os seus métodos são adequados para os seus fins. Os métodos tradicionais da filosofia são de poltrona: consistem em pensar, sem qualquer interacção especial com o mundo para lá da poltrona, coisa que a medição, observação e experimentação tipicamente iria envolver.
O livro do Sr. Gellner, Words and Things, merece a gratidão de todos aqueles que não podem aceitar a filosofia linguística agora em voga em Oxford. É difícil adivinhar que efeito imediato será provável que o livro tenha; o poder da moda é grande, e nem os argumentos mais cogentes terão poder persuasivo se não se alinharem com a onda da opinião corrente.
O que o aluno ingressante no curso de filosofia pensa sobre a disciplina? O que espera encontrar durante a graduação em filosofia? Tal exame é bastante interessante, pois podemos nos surpreender com as respostas e talvez com nossa própria experiência. Nesse contexto, este livro não é apenas uma introdução produtiva à disciplina, mas uma preparação bastante interessante para o curso de filosofia.
Alexandre Machado apresenta em “Preconceitos Sobre a Filosofia Analítica” um contra-exemplo paradigmático a uma das muitas ideias erradas que subsistem sobre a filosofia analítica: que esta, ao contrário da filosofia propriamente dita, se caracteriza por dar importância à linguagem. Esta ideia dá origem à impressão vaga de que as expressões “filosofia da linguagem” e “filosofia analítica” são quase sinónimas.
A boa escrita em filosofia é uma habilidade difícil de adquirir e, entretanto, deve ser a mais valorizada. Exige trabalho e repetição. Não é uma questão de gênio, pode ser ensinada e aperfeiçoada. Com boa escrita quero significar uma escrita clara, organizada, direta e simples; onde os argumentos sejam construídos conforme uma ordem e estrutura.
A filosofia é uma grande aventura intelectual, ao mesmo tempo que o seu objecto de discussão é uma das coisas mais importantes que podemos fazer com as nossas vidas.
Subsistem por vezes algumas confusões com respeito ao termo “factivo”, confundindo-se com facticidade. Para efeitos de completude aproveito para esclarecer também outros termos relacionados.
No seguimento de um trabalho de tradução de alguns textos fundamentais da filosofia analítica anglo-saxónica, tenho vindo a insistir, através de pequenos artigos que publico no meu blogue, na consideração cuidada de problemas respeitantes à fixação do léxico filosófico português.
Muitas pessoas têm a crença estranha de que já não há filósofos. Outras não vão tão longe, mas acreditam, ainda assim, que os filósofos já nada têm para dizer às pessoas comuns. Este livro é a prova de que tais crenças são falsas. Nele se pode confirmar que a filosofia está de boa saúde e que não perdeu a sua capacidade de chegar a qualquer pessoa, dando continuidade ao exemplo paradigmático de Sócrates.
O termo inglês “mindfuck” coloca um interessante problema de tradução. É um termo com menor circulação do que “bullshit”, cuja análise foi feita por Harry Frankfurt no texto intitulado On Bullshit, já traduzido para português com o título Da Treta (Livros de Areia, 2006).
Uma das mais constantes mentiras presentes na mentalidade humana é a ideia de que há modos de acesso privilegiado à verdade. Como muitas mentiras nocivas, também esta se alimenta do silêncio: a ideia nunca é realmente formulada frontalmente pois, se o fosse, quase toda a gente perceberia que é uma palermice.
Este livro é interessante por uma série de motivos, sendo um deles desmentir preconceitos sobre a filosofia analítica, freqüentemente identificada com o falecido positivismo lógico ou uma concepção filosófica caricata, que reduz todos os problemas filosóficos a problemas de lógica ou linguagem.
Quando a primeira gramática de espanhol, ou melhor dizendo de castelhano, foi apresentada à rainha Isabel de Castela, a sua reacção foi a de perguntar para que servia ela. A resposta dada em nome do autor foi de carácter histórico, descrevendo a língua como um instrumento do Império — o que podemos considerar irrelevante para os nossos propósitos. O que não é irrelevante é o significado da pergunta.
Eis uma obra indispensável para quem quer fazer trabalho sério em filosofia da educação e iluminante para qualquer pessoa interessada nesta área da filosofia. Trata-se de mais um volume da colecção Blackwell Companions to Philosophy. Como os restantes volumes da série, consiste num conjunto exaustivo de artigos acerca dos conceitos, problemas, teorias, argumentos e objecções da área em causa, escritos por diferentes especialistas de universidades norte-americanas, britânicas, canadianas, australianas e israelitas, como, por exemplo, Gareth Matthews, Nathan Tarcov, Frederick Beiser, Douglas Kellner, David E. Cooper, Paul Standish, Mark Steiner, Noel Carroll e Harry Brighouse.
O homem é um animal racional — pelo menos foi o que me ensinaram. No decurso de uma vida longa, procurei diligentemente indícios que apoiassem esta afirmação, mas até agora não tive a sorte de os encontrar, embora tenha percorrido vários países em três continentes. Pelo contrário, vi sempre o mundo afundar-se cada vez mais na loucura.
A hermenêutica, a “arte da interpretação”, era originalmente a teoria e o método de interpretação da Bíblia e de outros textos difíceis. Wilhelm Dilthey a alargou à interpretação de todas as criações e atos humanos, incluindo a história e a interpretação da vida humana. Heidegger, em Ser e Tempo (1927), esboçou uma “interpretação” do ser humano, o ser que, em si mesmo, compreende e interpreta.
Eis um livrinho pequenino, mas extremamente interessante em termos filosóficos: trata-se de um debate acerca do conceito de verdade, entre Richard Rorty, um dos filósofos contemporâneos mais importantes — embora polémico — e Pascal Engel, professor na Universidade de Genebra e conhecido filósofo analítico francês.
Ao iniciar inadvertidamente a leitura de Como se Faz um Filósofo dificilmente reparamos que estamos perante um livro de filosofia. Mais parece um romance de sabor autobiográfico acerca de um pacato rapaz, oriundo de uma família de mineiros do nordeste de Inglaterra, que imagina o seu futuro como baterista num grupo de rock.
O mais recente livro do filósofo da Universidade da Califórnia em Berkeley, John Searle, acaba de ser publicado pela editora nova-iorquina Columbia University Press. É constituído por uma longa introdução e dois textos diferentes: um acerca do problema do livre-arbítrio e outro acerca do problema do poder político.
Entende-se habitualmente que o amor é uma poderosa emoção que implica uma intensa ligação a um objecto e uma grande valorização desse objecto. Em algumas acepções, contudo, o amor não implica, de todo, emoção, mas somente um interesse activo no bem-estar do objecto. Noutras situações o amor é essencialmente uma relação que implica permutação e reciprocidade, mais propriamente que uma emoção.
Atualmente, tendências pós-modernas presentes em alguns círculos acadêmicos, sobretudo em alguns setores das humanidades e das ciências sociais, colocam em causa várias concepções da tradição intelectual ocidental, concepções como a de verdade objetiva e racionalidade.
Neste pequeno livro John R. Searle, um dos maiores filósofos contemporâneos, tenta explicar de modo reduzido alguns de seus pontos de vista sobre a mente, a linguagem e a sociedade, de modo a demonstrar sua unidade subjacente como diversos elementos de um só mundo. Como eles podem se relacionar e como se encaixam em nossa concepção geral do universo?
O livro até nem começa mal. Nos primeiros capítulos encontramos uma crítica perspicaz e bem humorada ao recurso abusivo às terapias oferecidas por psiquiatras e psicólogos. Lou Marinoff denuncia, entre outras coisas, a tendência dos especialistas para postular desenfreadamente cada vez mais doenças mentais.
Numa conferência e ensaio recentes, “Philosophy as a Humanistic Discipline”, Bernard Williams levanta a pergunta crucial de saber como deve a filosofia entender-se a si mesma. Williams favorece o que ele chama uma “concepção humanística” da filosofia, contrastando-a com a concepção do “cientismo”.
São cada vez mais numerosos, ainda que muito minoritários na população filosófica francesa, aqueles que se interessam pela, e mesmo que se reclamam da, filosofia analítica. No passado, tratava-se sobretudo de pessoas que, decepcionadas por certos aspectos da tradição filosófica dominante em França, lhe viravam resolutamente as costas.
The Linguistic Turn é o título de uma antologia muito influente organizada por Richard Rorty e publicada em 1967. Na sua introdução, Rorty explica que “O objectivo do presente volume é fornecer materiais de reflexão sobre a mais recente revolução filosófica, a da filosofia linguística”.
Os professores ensinam duas coisas: os resultados da investigação e como obter mais resultados. Os professores de filosofia querem descobrir e transmitir verdades filosóficas e, mais importante ainda, querem transmitir a aptidão para obter resultados e para os distinguir de coisas parecidas como o absurdo e a falsidade. Daqui resultam dois quase paradoxos.
A prática filosófica faz exigência morais extenuantes: honestidade e equidade para com os oponentes na argumentação; uma capacidade para tolerar uma incerteza prolongada quanto a questões sérias; a força de carácter para mudar as nossas ideias quanto a crenças básicas, e para seguir a argumentação e não as nossas inclinações emocionais; independência mental em vez da disposição para seguir as modas filosóficas.
Existe — ou existiu — filosofia na China? A pergunta, aparentemente tola, guarda uma profunda relação com o problema da aceitação do pensamento oriental pelo Ocidente. Filosofia, religião, superstição — em que categoria poderíamos enquadrar o pensamento chinês, em suas múltiplas manifestações? E será, também, que estas categorias são apropriadas para avaliá-lo?
Este é um livro a vários títulos exemplar. Trata-se de uma obra escrita para ser usada na prática de ensino e resulta da experiência do autor. Só por si este já constitui um motivo suficiente para a olhar com atenção. Mas Morton pretende com ela, ao mesmo tempo, fornecer um instrumento de trabalho e exemplificar o método que, com sucesso, tem usado na sua actividade lectiva.
Nos últimos anos comecei a ensinar filosofia de forma diferente. É uma forma que muitos outros professores começaram a explorar. Começámos a fazer experiências com o nosso ensino para fazer frente a turmas cada vez maiores. Mas então descobrimos que os novos métodos funcionavam de facto melhor. Os estudantes aprendiam mais e o que aprendiam parecia-se mais com filosofia.
Disse o bispo Berkeley em 1710, na introdução dos Princípios do Conhecimento Humano: “Em geral, inclino-me a pensar que a maior parte, senão a totalidade, das dificuldades a que até agora os filósofos têm achado graça, e que bloquearam o acesso ao conhecimento, se devem inteiramente a nós mesmos — primeiro levantamos a poeira e depois queixamo-nos que não conseguimos ver”.
Há algum tempo ouvi o Reitor da minha Universidade, um físico por formação, expressar o seu desconforto pela sugestão de o lema da Faculdade das Artes e Ciências incluir a expressão “compromisso com a verdade”. A palavra deixa as pessoas nervosas, advertia ele, e leva-as a perguntar, “a verdade de quem?”
Diz-se que o 11 de Setembro mudou o mundo. É possível que isso seja verdade, quanto mais não seja porque mudou o modo como muitas pessoas vêem o mundo — e uma mudança nas ideias das pessoas é uma mudança no mundo.
O título desta pequena obra pode parecer paradoxal a quem estiver habituado a identificar sabedoria com soluções. Mas a filosofia é a actividade para a qual as soluções são o problema, e o objectivo de Sabedoria sem Respostas é introduzir o leitor nos problemas da filosofia.
Sob o título “A Especificidade da Filosofia”, o programa de Filosofia do 10.º de escolaridade que foi substituído em 2003 apontava quatro propriedades: autonomia, radicalidade, historicidade e universalidade da filosofia. Pretensamente, estas quatro propriedades dariam à filosofia a sua especificidade.
A colecção Filosofia Aberta atingiu o décimo segundo volume com “O Significado das Coisas”, um livro notável de A. C. Grayling. Especialista em Berkeley, Wittgenstein e Russell, Grayling partilha com este último um interesse profundo tanto pela metafísica e epistemologia logicamente disciplinadas, como pela filosofia literária acessível a um público amplo.
Walter B. Jehovah tinha sido solipsista toda a sua vida. Não vou justificar o seu nome, pois este era realmente o seu nome. Um solipsista, no caso de o leitor não conhecer a palavra, é alguém que acredita que ele próprio é a única coisa que realmente existe, que as outras pessoas e o universo em geral só existem na sua imaginação, e que se ele deixasse de os imaginar estes também deixariam de existir.
O ácido universal é um líquido tão corrosivo que perfura tudo! O problema é o seguinte: onde podemos guardá-lo?” Na sua juventude, Daniel Dennett, um dos filósofos da mente mais influentes deste século, sentiu-se fascinado por esta fantasia. Não podia então adivinhar que mais tarde viria a dedicar um livro inteiro a uma ideia parecida: a ideia perigosa de Darwin.
Há filósofos analíticos, como Quine ou Popper, que em toda a sua longa obra nunca abdicaram das teses e argumentos que os tornaram influentes. De livro para livro, mais do que rever as suas posições, tentaram desenvolvê-las e aprofundá-las sistematicamente. Hilary Putnam, pelo contrário, conta-se entre os filósofos analíticos mais imprevisíveis.
Se tivesse “apenas” contribuído para introduzir a obra do filósofo Karl Popper (1902–1994) no Brasil, como o fez, nos anos 70, traduzindo alguns de seus escritos, o professor Leônidas Hegenberg já teria feito muito.
Acaba de ser publicado o livro Subjective, Intersubjective, Objective que reúne textos “epistemológicos” de Donald Davidson escritos entre as décadas de oitenta e noventa do século passado. Este livro guarda a prosa direta e elegante de Davidson.
Espera-se que o professor desenvolva no seu aluno, em primeiro lugar, o homem de entendimento, depois, o homem de razão, e, finalmente, o homem de instrução. Este procedimento tem esta vantagem: mesmo que, como acontece habitualmente, o aluno nunca alcance a fase final, terá mesmo assim beneficiado da sua aprendizagem.
Será que há pequenos seres azulados em Vénus? Esta é uma questão fechada, uma vez que sabemos como solucioná-la. Se ainda não temos a resposta, sabemos pelo menos como obtê-la. Talvez não seja fácil consegui-la, se a informação de que dispomos sobre Vénus for insuficiente.
São várias as revistas de filosofia que se publicam regularmente em Portugal. Mas dificilmente elas podem ser lidas com proveito por pessoas sem qualquer formação filosófica universitária — frequentemente nem sequer isso chega.
Primeiro apareceu Aristóteles, e o filósofo disse-lhe: “Podias fazer um resumo de quinze minutos de toda a tua filosofia?” Para surpresa do filósofo, Aristóteles fez uma excelente exposição em que sintetizou uma enorme quantidade de material em quinze minutos. Mas depois o filósofo levantou uma certa objecção a que Aristóteles não conseguiu responder. Confundido, Aristóteles desapareceu.
A reflexão “não coze o pão nem põe os aviões no ar”. Nesse caso, pergunta Simon Blackburn, “por que razão não havemos de pôr as perguntas reflexivas de lado, e passar às outras coisas?”
Eis uma coisa que o leitor deve sempre evitar tentar explicar. Mas pode desejar ficar com duas coisas claras desde o início. Em primeiro lugar, a filosofia não é um assunto — é uma actividade. Consequentemente, não se estuda: faz-se.
A pseudofilosofia consiste em elucubrações que se apresentam como filosóficas mas que são ineptas, incompetentes, que carecem de seriedade intelectual e que reflectem um compromisso insuficiente com a procura da verdade.