Uma ideia que tem sido importante para mim ao longo da última década é que o conhecimento filosófico cresce por meio da aplicação extraordinariamente inexorável e sistemática de competências humanas bastante comuns. Um desafio lançado a esta ideia é que apesar de as competências cognitivas comuns estarem bem adaptadas para fornecer conhecimento de que algo é como é, é muito menos óbvio como haverão de fornecer conhecimento de que algo tem de ser como é ou como poderia ser, que é o que habitualmente interessa aos filósofos. Posso ver que o meu sofá é vermelho, mas como poderia ver que poderia ter sido verde, ou que não poderia ter sido vermelho sem ser colorido? Os filósofos apresentaram todo o género de teorias estranhas e implausíveis sobre como podemos saber tais factos sobre possibilidades e impossibilidades: que o fazemos por uma misteriosa faculdade de intuição racional, ou aplicando a gramática da língua portuguesa, ou que na realidade não há tais factos para conhecer.
O que tentei mostrar foi que a nossa capacidade para conhecer factos sobre o que poderia ou não ocorrer é apenas uma extensão natural da nossa capacidade comum para conhecer factos quotidianos sobre o que teria ocorrido se as coisas tivessem sido diferentes de vários modos. Por exemplo, sei que se tivesse desligado um certo interruptor agora mesmo, a minha luz se teria apagado. Esta condicional é contrafactual; de facto, não desliguei o interruptor. O conhecimento não é particularmente filosófico. Depende do meu conhecimento de que a luz está acesa e que este é o interruptor da luz. Precisamos do conhecimento de tais condicionais contrafactuais para aprender com os nossos erros. O leitor faz algo, isso tem um mau resultado e dá-se conta de que se tivesse agido de maneira diferente, o resultado teria sido melhor.
A imaginação desempenha um papel central ao permitir-nos ganhar tal conhecimento. O leitor imagina que sequência de acontecimentos teriam ocorrido se tivesse agido de modo diferente de uma certa maneira. É claro que podemos também imaginar muitas possibilidades tresloucadas e arbitrárias. Essa função da imaginação também tem valor prático, ao alertar-nos para os perigos e oportunidades em que de outro modo poderíamos não ter reparado. Mas ao imaginar o que teria acontecido se certas coisas tivessem acontecido, estamos fortemente delimitados pelo que já sabemos. Quando estamos desligados, usamos na imaginação muitas das mesmas capacidades cognitivas que usamos quando estamos ligados, em contacto com o mundo externo na percepção e na acção. Imaginar o que teria acontecido se o leitor tivesse ontem ligado para alguém não é assim tão diferente de prever o que irá acontecer se lhe ligar amanhã. A maior parte do nosso conhecimento de causa e efeito depende da exploração de cenários contrafactuais. Apesar de as leis da física e o cálculo por vezes nos ajudarem nessa tarefa, temos de pensar imaginativamente ao seleccionar modelos matemáticos apropriadamente simples de situações complexas. A imaginação pode fornecer conhecimento, e não apenas conjecturas aleatórias, porque está direccionada para a realidade.
A minha sugestão é que nas experiências mentais filosóficas e científicas, usamos as nossas imaginações precisamente dos mesmos modos cognitivamente delimitados, para ganhar conhecimento do que teria ocorrido em várias circunstâncias contrafactuais, ganhando assim conhecimento sobre as coisas que são possíveis e as que são impossíveis. O necessário é o que teria ocorrido fosse como fosse que as coisas tivessem ocorrido; o possível é aquilo cuja contraditória não é necessária. A nossa capacidade para usar a imaginação para explorar os limites do possível é um subproduto da nossa capacidade evolutivamente adaptativa para a usar para explorar questões muitíssimo mais práticas.
Apesar de os filósofos terem discutido a relação entre a possibilidade e a imaginabilidade (ou concebibilidade), têm-no feito usualmente ao mesmo tempo que negligenciam a importância cognitiva central da imaginação nas nossas vidas, vendo-a assim de uma perspectiva que torna o seu direccionamento para a realidade impossível de compreender. O resultado foi dar-se um imerecido crédito a teorias cépticas ou obscurantistas sobre o pensamento acerca do possível.
O pano de fundo da minha epistemologia da possibilidade é um tema mais geral: o anti-excepcionalismo quanto à filosofia. Uma deformação profissional de quem se entrega a qualquer disciplina consiste em apresentá-la como mais excepcional do que na realidade é; os filósofos não são excepção. É claro que os ramos da investigação humana diferem entre si em tópico e método: considere-se a matemática, física, biologia, psicologia, economia, história, linguística... A filosofia é uma parte legítima dessa diversidade. Qualquer disciplina que negligencie as suas aptidões especiais imitando como escrava qualquer outra não consegue dar o seu contributo distinto para o crescimento do conhecimento humano.
Mas quando os filósofos declaram que a compreensão filosófica é mais especial do que isso, não sendo algo tão vulgar como um ramo do conhecimento humano, levantam a suspeita de que a filosofia é uma fraude. Se não sabemos por que algo é como é, também não o compreendemos. Não podemos verdadeiramente dar-nos conta de como a filosofia difere das outras disciplinas até nos darmos conta de como é o mesmo.