Teremos realmente livre-arbítrio?
Suponha o leitor que o raptam e o obrigam a cometer uma série de crimes terríveis. O raptor fá-lo disparar sobre a primeira vítima, forçando-o a premir o gatilho de uma arma, hipnotiza-o para que envenene uma segunda e depois empurra-o de um avião fazendo-o esmagar uma terceira. Milagrosamente, o leitor sobrevive à queda. A situação deixa-o atordoado, aliviado por ter chegado ao fim da sua dolorosa experiência. Mas então, para sua surpresa, é detido pela polícia, que o algema e acusa de homicídio.
A Náusea, de Jean-Paul Sartre
A Náusea foi publicado pela primeira vez em 1938, nas Éditions Gallimard, num momento em que o autor ainda era um desconhecido. Na opinião de críticos e admiradores, o livro de Sartre viria a tornar-se um clássico da literatura do século XX. A sua publicação foi, no entanto, rejeitada num primeiro momento: só depois da intervenção de Gaston Gallimard, que leu a obra com entusiasmo, acabaria por ser aceite.
Aqueles que abandonam Omelas
Com um clamor de sinos que fez as andorinhas elevarem-se nos ares, o Festival de Verão chegou a Omelas, a cidade costeira de torres brilhantes. No porto, os aprestos dos barcos resplandeciam com bandeiras. Nas ruas, deslocavam-se procissões, entre casas de telhados vermelhos e paredes pintadas, entre velhos jardins cheios de musgo e à sombra de avenidas de árvores, para lá dos grandes parques e dos edifícios públicos.
Epistemologia confiabilista
Um dos principais objetivos dos epistemólogos é oferecer uma abordagem substancial e explicativa das condições nas quais uma crença tem algum status epistêmico desejável (tipicamente, justificação e conhecimento). Do ponto de vista confiabilista, qualquer teoria epistemológica adequada terá de levar em conta a confiabilidade do processo responsável pela crença ou, de maneira mais geral, considerações acerca da verocondutibilidade.
A lógica de Frege
O acontecimento mais importante na história da filosofia do século XIX foi a invenção da lógica matemática. Não se tratou apenas de fundar de novo a própria ciência da lógica; foi algo que teve igualmente consequências importantes para a filosofia da matemática, para a filosofia da linguagem e, em última análise, para a compreensão que os filósofos têm da natureza da própria filosofia.
A verdadeira tragédia do aborto
Em 2018, uma semana apenas depois de o senado argentino ter recusado a descriminalização do aborto nas primeiras catorze semanas de gravidez, uma mulher de trinta e quatro anos morreu em resultado de tentar interromper a sua própria gravidez.
O que me fez filosofar?
Nasci em 1950, cinco anos depois do fim da segunda guerra mundial, em West Hartlepool, no distrito de Durham, numa pequena cidade mineira no nordeste da Inglaterra. O hospital em que nasci era um albergue convertido, ou, como diríamos hoje em dia, um asilo para pessoas sem abrigo. A minha mãe tinha vinte anos, o meu pai vinte e seis, e eu era o primeiro filho.
A liberdade em Mill
Uma vez instaurada a democracia, que trabalho resta ao filósofo político? Numa perspectiva optimista, mal temos um processo democrático de tomada de decisões, o trabalho fundamental do filósofo político chegou ao fim. Todas as decisões podem agora ser deixadas ao funcionamento justo da máquina eleitoral. Infelizmente, mesmo sendo a democracia o melhor sistema que podemos conceber, não é solução para tudo. E Mill afirma que tem os seus perigos próprios: a ameaça da ditadura da maioria.
George Orwell
Eric Arthur Blair (1903–1950), mais conhecido pelo pseudônimo George Orwell, foi um ensaísta, jornalista e romancista britânico. Orwell é bastante famoso por suas obras de ficção distópica Animal Farm e 1984, muito embora grande parte de seus outros livros e ensaios tenha também alcançado popularidade.
Morrer no tribunal
Gloria Taylor, uma canadiana, sofre de esclerose lateral amiotrófica (ELA), também conhecida como “doença de Lou Gehrig”. Em poucos anos, os seus músculos irão enfraquecer até não poder andar, usar as mãos, mastigar, engolir, falar e, por fim, respirar. Depois morre. Taylor não quer passar por tudo isso. Quer morrer quando quiser.
Existencialismo
O existencialismo é um movimento filosófico que normalmente se faz remontar ao filósofo oitocentista dinamarquês Søren Kierkegaard. O nome em si foi introduzido por Jean-Paul Sartre, embora a expressão “filosofia da existência” tenha sido usada antes por Karl Jaspers, que pertencia à mesma tradição.
Hilary Putnam
Hilary Putnam (1926–2016) foi um filósofo americano que deu contributos significativos para as filosofias da linguagem, da ciência, da matemática e da mente, assim como para a lógica matemática, a metafísica, a epistemologia e a ética. Concluiu o seu doutoramento em 1952 na Universidade da Califórnia de Los Angeles, e deu aulas nas universidades de Northwestern, Princeton, MIT e Harvard, onde foi Professor Universitário Emérito Cogan.
Vim para matar índios
A guerra mais longa dos Estados Unidos foi contra as nações nativas americanas, à medida que se dava a expansão para oeste, alimentada por repetidas corridas ao ouro e pela chegada dos caminhos-de-ferro, que invadiram os territórios dos povos shoshone, cheyenne e sioux, entre outros, nas Grandes Planícies e nas Montanhas Rochosas.
O argumento ontológico
Talvez seja melhor pensar no argumento ontológico não como um único argumento mas como uma família de argumentos, em que cada membro começa com um conceito de Deus e, apelando apenas a princípios a priori, procura estabelecer que Deus existe efectivamente. Nesta família de argumentos, o mais importante historicamente é o apresentado por Anselmo no segundo capítulo do seu Proslogium (um discurso).
Corrija a sua dieta, salve o planeta
O ano em que se assinalou o primeiro Dia da Terra, em 1970, foi quando deixei de comer carne. Não o fiz para salvar a Terra, mas sim porque percebi que não há justificação ética para tratar os animais como máquinas para converter a ração em carne, leite e ovos.
Representação pictórica
Até à década de 1960, os filósofos estudaram menos intensivamente a representação pictórica do que o significado linguístico. A doutrina tradicional segundo a qual as imagens representariam objectos copiando a sua aparência tinha vindo a ser posta em questão pelos teóricos da arte desde o primeiro quartel do século XX, quando aqueles que eram considerados como estilos ilusionistas em pintura foram perdendo popularidade em favor do prestígio cada vez maior dos chamados estilos artísticos “primitivos”, e das experiências fauvistas e cubistas levadas a cabo pelos artistas dessa época.
Sobre não ser filósofo
— Tens lido Epicteto?
— Ultimamente, não.
— Oh, não deixes de lê-lo. Tommy tem estado a lê-lo pela primeira vez, e está terrivelmente empolgado.
Apanhei estas sobras de diálogo da mesa do lado, no átrio de um hotel. Como Tommy, também eu me sentia “terrivelmente empolgado”, pois nunca lera realmente Epicteto, apesar de o ter amiúde visto na prateleira — talvez até o tenha citado — e perguntei-me se estava finalmente aqui o livro de sabedoria de que andara à procura aos soluços desde que andei na escola.
O que é a moralidade?
A filosofia moral é a tentativa de ganhar uma compreensão sistemática da natureza da moralidade e do que esta requer de nós — ou, nas palavras de Sócrates, de “como devemos viver”, e porquê. Seria útil se pudéssemos começar com uma definição simples e incontroversa de moralidade, mas isso é impossível.
Thomas Nagel
Thomas Nagel (n. 1937) deu contributos num largo espectro de tópicos filosóficos em teoria ética, psicologia moral, ética aplicada e teoria política, assim como em metafísica e epistemologia. A sua obra distingue-se pela abrangência, clareza e acúmen.
Oração peticionária
A oração é, ao que parece, uma característica proeminente de todas as religiões. As pessoas quando rezam visam contato ou comunicação com entidades ou pessoas especiais, tais como Deus, deuses, antepassados, ou ainda seres humanos exemplares, os quais possuiriam, segundo se crê, algum estatuto especial.
René Descartes
Descartes (1596–1650) foi um filósofo e matemático francês, fundador da “idade moderna”, e talvez a figura mais importante na revolução intelectual do século XVII, na qual os sistemas tradicionais de entendimento, baseados em Aristóteles, foram postos em questão e, em última análise, rejeitados.
As muitas moradas
de Kwame Anthony Appiah
Tradução de Vera Ribeiro
Revisão técnica de Danilo Marcondes
Rio de Janeiro: Contraponto Editora, 2007
O que é a raça? As discussões sobre este tema envolvem tópicos de diversas áreas de investigação. Podemos abordar os modos como os seres humanos se dividiram ao longo da história, avaliando também as consequências dessas práticas para as sociedades contemporâneas.
Aleksandr Dugin, o filósofo fascista
Desde a década de oitenta que o professor de filosofia Aleksandr Dugin acredita que o destino manifesto da Rússia é um poder cristão ortodoxo e imperial inteiramente diferente do liberalismo ocidental, e completamente na sua contramão. Em pessoa, o rosto estriado e barbudo de Dugin e a sua fogosa autoconfiança, fazem dele uma encarnação moderna de um starets, ou homem sagrado, de um romance de Tolstoi.
Argumentos ontológicos
Anselmo nasceu em Aosta, na Itália, em 1033 ou 1034, e morreu em 1109, com 75 ou 76 anos. É também conhecido como “Anselmo da Cantuária”, porque foi arcebispo dessa província, sucedendo a Lanfranc. Mas foi como monge, no mosteiro beneditino de Nossa Senhora de Bec, situado no que é hoje o norte de França, que escreveu, por volta dos 44 anos, aquela que é talvez a sua mais influente obra: Proslogion (1077–1078).
Para que serve a lógica?
Uma maneira esclarecedora de compreender o que é a lógica e qual é a sua importância é compreender primeiro o que é o raciocínio e qual é a sua importância. Será aqui abordado sobretudo o raciocínio discursivo, que é onde a lógica desempenha o seu papel mais óbvio, mas nem todo o raciocínio é discursivo. Quando reconhecemos um rosto humano, subimos um lance de escadas ou até quando caminhamos, a quantidade de raciocínio exigida é impressionante. Contudo, está quase inteiramente fora do nosso controlo.
Condições necessárias e condições suficientes
A linguagem vulgar é muitas vezes vaga, imprecisa e ambígua. No último caso, isto acontece quando os termos que utilizamos para comunicar admitem mais do que uma interpretação, podendo a mesma expressão assumir diferentes significados ou designar diferentes coisas (objetos, acontecimentos, etc.). A expressão “ser humano”, como é sabido, pode ser interpretada no sentido biológico para designar os membros da espécie Homo Sapiens, ou no sentido psicológico, relativo a pessoa.
A estrutura da ética e da moral
Devo iniciar dizendo o que penso ser o objeto desta atividade chamada filosofia moral. Consiste em encontrarmos uma maneira de pensar melhor – isto é, mais racionalmente – sobre questões morais. O primeiro passo em direção a isto é: entender as questões que você está levantando. Isto poderia parecer óbvio, mas dificilmente tentamos fazê-lo.
Uma solução para o problema da indução
O problema de indução que vou abordar neste texto é o problema de justificar a inferência: todos os F observados têm sido G; logo, todos os F são G. Este tipo de inferências é corrente no dia-a-dia. Por exemplo, todos os corvos observados têm sido negros, logo, todos os corvos são negros; todos os cisnes observados têm sido brancos, logo, todos os cisnes são brancos; todos os electrões observados têm-se repelido, logo, todos os electrões se repelem.