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Crítica
26 de Abril de 2023   Ética

Corrija a sua dieta, salve o planeta

Peter Singer
Tradução de Rosa Costa e José Oliveira

O ano em que se assinalou o primeiro Dia da Terra, em 1970, foi quando deixei de comer carne. Não o fiz para salvar a Terra, mas sim porque percebi que não há justificação ética para tratar os animais como máquinas para converter a ração em carne, leite e ovos. É moralmente errado ignorar ou menosprezar os interesses de seres sencientes por não serem membros da nossa espécie.

Nos Estados Unidos e não só, as gigantescas corporações do agro-negócio continuam a criar animais em condições que desrespeitam o seu bem-estar, nunca permitindo que os porcos ou as galinhas andem ao ar livre, amontoando as galinhas poedeiras em gaiolas que as impedem de esticar as asas, e criando galinhas para crescerem tão depressa que os seus imaturos ossos das pernas mal lhes suportam o peso.

Boicotar este abuso monstruoso de milhares de milhões de animais, todos os anos, é uma forte razão para não comer carne, mas a enorme contribuição da carne e dos lacticínios para as alterações climáticas constitui agora, para mim, uma parte igualmente urgente da mudança para uma dieta à base de plantas. Contudo, não precisamos de ser intransigentes quanto a evitar todos os produtos de origem animal. Se toda a gente optasse por alimentos à base de plantas em apenas metade das suas refeições, teríamos menos animais a sofrer, bem como uma hipótese muitíssimo maior de evitar as consequências mais desastrosas das alterações climáticas.

A produção de carne e lacticínios é uma das principais fontes de metano, um gás com um poderoso efeito de estufa. O Painel Intergovernamental sobre Alterações Climáticas calcula que a libertação para a atmosfera de uma tonelada de metano irá, ao longo de um século, aumentar a temperatura do nosso planeta cerca de vinte e oito vezes mais do que a libertação de uma tonelada de dióxido de carbono. Isso já seria suficientemente mau, mas o impacto é ainda mais desproporcional no curto prazo: uma vez que o metano se decompõe muito mais rapidamente do que o dióxido de carbono, ao longo de vinte anos essa tonelada irá aquecer tanto o planeta como 84 toneladas de dióxido de carbono.

Já é demasiado tarde para evitar que as alterações climáticas transformem irreversivelmente os ecossistemas, causando imensa perda de biodiversidade, inundando as regiões costeiras baixas e destruindo os meios de subsistência de muitas pessoas que dependem de padrões de precipitação estáveis. Esses vinte anos são aproximadamente o tempo que temos para evitar mudanças muito mais devastadoras.

Isso significa que, cada vez que comemos, podemos fazer algo pelo planeta. E se os americanos substituíssem cinquenta por cento de todos os alimentos de origem animal por alternativas de origem vegetal até 2030, isso contribuiria, por si só, para chegar a um quarto dos objectivos climáticos dos EUA ao abrigo do acordo de Paris.

É certo que abrandar as alterações climáticas seria muito mais fácil — e mais justo — caso os governos tributassem os produtos de origem animal proporcionalmente face aos danos que causam ao clima. Porém, na ausência de impostos que incidam sobre a carne e os lacticínios, o poder está nas mãos de quem consome produtos de origem animal, e das instituições que em grande parte nos fornecem alimentos.

A decisão de deixar de comer animais é uma resolução adequada para o Dia da Terra, mas não apenas devido às alterações climáticas. Quarenta por cento do abate e queima de florestas tropicais é para criar pastagens para o gado — o maior factor de desflorestação da Amazónia brasileira. Além de emissões substanciais de carbono, a destruição das florestas tropicais ameaça extinções em massa, incluindo a perda de espécies ainda por identificar. Grande parte da restante terra desflorestada é utilizada para a cultura de soja, mais de três quartos da qual será consumida por animais para a produção de carne e lacticínios, um processo que desperdiça a maior parte do valor alimentar dessa cultura.

Como se isso não bastasse, a pecuária industrial é um vizinho fedorento, que polui o ar local, atrai moscas em grande número e polui os rios e os lagos da região. É também um risco para a saúde pública, pois contribui para o surgimento de novos vírus e cria bactérias resistentes que cada vez mais nos deixam indefesos contra infecções.

Talvez a mudança mais positiva desde que escrevi o livro Libertação Animal seja a ascensão da alimentação vegana. Em 1975 era raro encontrar um vegetariano nas sociedades ocidentais, excepto em certas comunidades. As dietas veganas e vegetarianas podiam encontrar-se entre os adventistas do sétimo dia, os seguidores do rastafarianismo, alguns membros da nação islâmica e quem tinha origem hindu. Actualmente existem 1,3 milhões de veganos na Grã-Bretanha, ou seja, 2% da população do país, e nos Estados Unidos as estimativas da proporção de veganos na população variam de 0,5% a 6%. Os alimentos veganos, rotulados de forma clara, encontram-se em muitos supermercados e em muitos menus de restaurantes.

Mas mesmo que houvesse dez vezes mais veganos no mundo, não seria suficiente para salvar o planeta ou acabar com a pecuária industrial. Persuadir a maioria das pessoas mais ricas do mundo a reduzirem pelo menos para metade o seu consumo de produtos de origem animal, permitiria alcançar muito mais.

Será isso realista? Quando era novo, fui a festas e reuniões em que o ar estava tão carregado de fumo de cigarro que, mesmo na manhã seguinte, a minha roupa cheirava a fumo. Nunca pensei que isso pudesse mudar, mas mudou. Há vinte anos, a sodomia era um crime em alguns estados americanos e a aceitação generalizada do casamento entre pessoas do mesmo sexo era impensável. Não há razão para que as atitudes face à produção industrial de animais não possam mudar com a mesma rapidez.

Peter Singer
Excerto do livro Animal Liberation Now (2023), de Peter Singer, previamente publicado no New York Times.
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ISSN 1749-8457