A Europa, a Índia e a China têm tradições, religiões, folclore, poesia, arte e apanhados de máximas que dão corpo à sabedoria que emana da experiência. Desenvolveram também corpos de pensamento que são distintamente filosóficos, na forma de debates detalhados e, em quase todos os casos, escritos, sobre teorias e ideias metafísicas, epistemológicas, éticas e políticas.
A história da filosofia, tal como hoje é vista por estudantes e professores de filosofia, é uma construção retrospectiva. É escolhida a partir do fluxo mais vasto da história das ideias de modo a fornecer os seus antecedentes às preocupações filosóficas de hoje. Tem de se fazer notar este facto mais que não seja para evitar confusões com as próprias palavras “filosofia” e “filósofo”.
O intrépido filósofo Julian Baggini viajou pelo mundo, foi a conferências académicas, entrevistou dezenas de filósofos no activo, desde académicos a gurus, tentando compreender e estabelecer… bem, justamente o que o título do seu livro sugere.
A maioria das definições de filosofia são razoavelmente controversas, em particular quando são interessantes ou profundas. Esta situação deve-se em parte ao facto de a filosofia ter alterado de forma radical o seu âmbito no decurso da história e de muitas das investigações nela originalmente incluídas terem sido mais tarde excluídas.
A nova história da filosofia de Anthony Kenny é um feito excepcional. O livro é acessível mas sofisticado, conciso mas abrangente. As suas principais fraquezas são as decisões editoriais do autor, por vezes surpreendentes e dramáticas, e a sua intermitente aplicação idiossincrática da filosofia analítica do século XX. Além disso, Kenny não fornece referências das citações que usa.
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O existencialismo é um movimento filosófico que normalmente se faz remontar ao filósofo oitocentista dinamarquês Søren Kierkegaard. O nome em si foi introduzido por Jean-Paul Sartre, embora a expressão “filosofia da existência” tenha sido usada antes por Karl Jaspers, que pertencia à mesma tradição.
O nosso assunto é quádruplo — um livro e seu significado; um homem e suas ideias; uma cultura e suas preocupações; uma sociedade e seus problemas. A sociedade é a Kakania1 — em outras palavras, a Viena dos Habsburgo dos últimos vinte e cinco ou trinta anos do Império Austro-Húngaro, conforme captado com uma ironia perspicaz por Robert Musil no primeiro documental volume do seu romance O Homem Sem Qualidades.
O médico vienense diria que, ao recusarem a psicanálise, os críticos apenas resistem aos seus próprios fantasmas e recalcamentos. Mesmo assim, houve sempre quem gritasse “o rei vai nu”.
Nelson Goodman (1906–1998) foi um dos mais importantes filósofos do século XX. As suas obras reconfiguraram a epistemologia, a metafísica e a filosofia da arte. The Structure of Appearance (1977), que parte da sua dissertação de doutoramento, mostra como construir sistemas formais interpretados que resolvem ou dissolvem problemas epistemológicos e metafísicos persistentes.
Bertrand Russell detinha um lugar único entre os filósofos deste século porque combinava o estudo de problemas especializados da filosofia não apenas com um interesse tanto pelas ciências da natureza quanto pelas ciências sociais, mas também com um compromisso com o ensino primário e também universitário, e com uma participação activa na política.
A filosofia analítica começou com a chegada de Wittgenstein a Cambridge em 1912 para estudar com Bertrand Russell e, como acabou por acontecer, para o influenciar de forma significativa. Entre as duas guerras mundiais, devido à influência dos escritos de Russell e do Tratactus Logico-Philosophicus (1922) de Wittgenstein, a filosofia analítica acabou por dominar a filosofia britânica.
A expressão “filosofia continental” adquiriu o seu significado corrente apenas a seguir à Segunda Guerra Mundial, quando o acelerado processo de mútua exclusão entre a filosofia praticada nos países de língua inglesa e no continente europeu, cuja origem se situa no início do século, finalmente foi reconhecido como tão profundo quanto de facto é.
Quando Wittgenstein, após ter escrito no Prólogo do Tractatus que “a verdade dos pensamentos aqui comunicados parece-me a mim intocável e definitiva” e ter definido pensamentos, em 4, como consistindo em “proposições com sentido”, escreve em 6.54 que “as minhas proposições são elucidativas pelo facto de que aquele que as compreende as reconhece afinal como falhas de sentido [unsinnig]”...
Nesta nota, sem discutir obras individuais, irei limitar-me a indicar as linhas gerais do desenvolvimento filosófico ocorrido em décadas recentes. Por volta de 1960, poderíamos traçar o mapa do mundo da filosofia ocidental, sem um grau muito elevado de simplificação excessiva, por meio de um diagrama...
Em tempos, Bertrand Russell referiu-se a Kant como a maior catástrofe na história da filosofia. C. D. Broad comentou que este lugar pertencia seguramente a Hegel. Tanto Russell como Broad se enganaram, porque este título pertence sem dúvida a Martin Heidegger.
Filósofo alemão (1889–1976), professor nas universidades de Marburgo (1923–1928) e Freiburg (1928–1951), Heidegger é famoso pelas suas teorias do ser e da natureza humana e pelas suas interpretações singulares da metafísica tradicional.
O incidente levanta ainda hoje discussões acaloradas. Na única situação na qual dois dos maiores filósofos de origem austríaca (Popper e Wittgenstein) estiveram juntos, as coisas não correram bem. Popper apresentava uma conferência no King’s College de Cambridge, no Clube de Ciência Moral, sobre a existência ou não de problemas filosóficos genuínos.
Quando iniciei a licenciatura em Filosofia, em meados dos anos 80, não existia em Portugal — sinal do nosso atraso filosófico — uma única obra de Wittgenstein traduzida para a nossa língua (embora no Brasil, honra lhe seja feita, já existissem algumas edições).
Wilfrid Stalker Sellars (n. 1912, m. 1989) foi um pensador sintético e profundamente criativo, cuja obra, tanto como um filósofo sistemático quanto um editor influente, ajudou a estabelecer e moldar a agenda filosófica anglo-americana por mais de quatro décadas.
A mais recente biografia de Wittgenstein saiu há pouco tempo na editora Reaktion Books, e é um excelente relato da vida do pensador austríaco, escrita num estilo cativante e acessível, que seduz o leitor interessado desde o início do livro e o obriga a continuar a ler até ao seu final.
Em Maio de 1873, o establishment britânico foi agitado por uma dura discussão. Dizia respeito ao legado de John Stuart Mill, recentemente falecido. O Times tinha publicado um obituário que era um exercício de assassínio póstumo de reputação. Foi escrito por Abraham Hayward, um advogado conservador e feroz crítico de liberais, feministas e filósofos.
Eis um livro refrescantemente original e muito bem fundamentado, que abre novas e promissoras perspectivas de interpretação das filosofias de Bertrand Russell, do Wittgenstein do Tractatus e da história da filosofia analítica do século XX em geral.
O Clube Metafísico foi formado nos anos setenta do século XIX por jovens americanos que vieram a exercer uma enorme influência nas ideias do seu tempo: os filósofos Charles Peirce, John Dewey e William James, e o jurista Oliver Wendell Holmes Júnior, entre outros.
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Descartes (1596–1650) foi um filósofo e matemático francês, fundador da “idade moderna”, e talvez a figura mais importante na revolução intelectual do século XVII, na qual os sistemas tradicionais de entendimento, baseados em Aristóteles, foram postos em questão e, em última análise, rejeitados.
“A vida de Kant não tem história: viveu uma vida mecânica, escrava do seu racionalismo desumano, sem emoções nem paixão, dedicada às grandes abstracções da filosofia, sem contacto com a vida real. Os habitantes de Königsberg (actual Kaliningrado) regulavam os seus relógios pela pontualidade dos seus passeios”. Esta é a imagem que o público tem da vida de Kant.
George Berkeley (1685-1753) estudou no Trinity College, de Dublin, onde foi eleito Junior Fellow em 1707 e ao qual permaneceu ligado até ser nomeado Deão de Derry em 1724. Em 1734 foi nomeado Bispo de Cloyne.
Quando estudamos história da filosofia e queremos ter uma visão geral sobre o pensamento de um determinado autor, os principais problemas que discute, as suas teses e argumentos centrais, ou quando estudamos algum tema espinhoso e queremos saber o que esse autor disse a esse respeito, é sempre útil consultar um bom livro introdutório que nos permita seguir em frente...
A Cambridge University Press reactivou a sua colecção de biografias de grandes filósofos, na qual há uns anos tinha editado a biografia de Hobbes, da autoria de A. P. Martinich. No espaço de um ano foram publicadas biografias académicas de Nietzsche, Hegel, Kant e Kierkegaard.
Não é difícil encontrar obras de grande ambição na história da filosofia, mas entre estas são muito poucas as que acabaram por se revelar efectivamente inovadoras, profundas e inspiradoras. O Tratado da Natureza Humana é um desses raros exemplos. Esta obra singular em tantos aspectos, a começar pela juventude do autor, marcou definitivamente todas as áreas maiores da filosofia.
Esclarecimento (Aufklärung) significa a saída do homem de sua menoridade, pela qual ele próprio é responsável. A menoridade é a incapacidade de se servir de seu próprio entendimento sem a tutela de um outro. É a si próprio que se deve atribuir essa menoridade...
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A maior parte das pessoas pensa que foi Descartes quem pela primeira vez descobriu o argumento fatal para os cépticos: podemos estar enganados acerca de tudo, mas para podermos estar enganados temos de existir: “cogito ergo sum” (penso, logo existo).
O historiador e medievalista francês, Sylvain Gouguenheim, professor da Escola Normal Superior de Lyon, publicou recentemente um livro polémico, que já lhe valeu a hostilidade de vários colegas de profissão.
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A filosofia emergiu no século VI a.C. em Mileto, uma colónia grega na Ásia Menor, com três figuras, Tales, Anaximandro e Anaxímenes, que se interessaram por duas questões principais — “de que é feito o mundo?” e “como se deu origem ao mundo?”.
A investigação racional que está na origem da filosofia e da ciência actuais começou com Tales de Mileto no século VI a. C. Mas tanto ele como a maior parte dos filósofos pré-socráticos que se lhe seguiram, quer fossem próximos quer fossem ou geográfica e temporalmente mais distantes, faziam da realidade física o seu objecto principal de estudo.
É no diálogo Górgias, em que uma das personagens principais é o sofista do mesmo nome, que o conflito que opôs, na Antiguidade, os filósofos aos mestres de retórica a propósito da educação é melhor tratado por Platão. O que se segue é um resumo de algumas das ideias mais importantes desse diálogo.
É notória a falta de boas traduções das obras clássicas em língua portuguesa. Editoras universitárias muitas vezes oferecem boas traduções de clássicos, comentadas e anotadas, mas, infelizmente, por via de regra essas editoras têm uma distribuição deficiente e, por essa razão, trabalhos de pesquisadores competentes e dedicados se perdem no esquecimento.
A tradição filosófica ocidental que teve início na Grécia com uma série de pensadores freqüentemente denominados de “pré-socráticos” foi marcada por uma forte atitude crítica relativamente às próprias teorias filosóficas.
Que nenhum jovem adie o estudo da filosofia, e que nenhum velho se canse dela; pois nunca é demasiado cedo nem demasiado tarde para cuidar do bem-estar da alma. O homem que diz que o tempo para este estudo ainda não chegou ou já passou é como o homem que diz que é demasiado cedo ou demasiado tarde para a felicidade.
Com o Górgias deparamo-nos com uma das mais importantes obras de Platão e também uma das mais longas. (De todos os diálogos, só a República e as Leis são maiores). Em nenhum outro as componentes filosófica e dramática da arte de Platão são tão poderosamente combinadas como no confronto aqui encenado entre Sócrates e os seus sucessivos interlocutores.
O paradoxo da investigação de Ménon surge no diálogo platónico com o mesmo nome. Ménon e Sócrates estão a discutir sobre a virtude; a dada altura, Ménon diz: “Como é que podes tentar descobrir o que isso [a virtude] é, Sócrates, quando não fazes a mínima ideia do que isso seja?”
Se é que alguns livros mudam o mundo, a República pode bem reivindicar o primeiro lugar. É habitualmente considerada a realização suprema de Platão como filósofo e escritor, brilhantemente suspensa entre os primeiros diálogos zetéticos e inconclusivos e as especulações cosmológicas e dúvidas menos impositivas dos mais tardios.
É de saudar a tradução directa do grego para português do Manual de Epicteto, um dos mais populares e acessíveis textos do estoicismo, a escola de pensamento fundada mais de trezentos anos antes por Zenão de Cítio.
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Podemos afirmar que a gênese da Filosofia chinesa tradicional, tal como a conhecemos hoje, situa-se no século VI a.C. com Confúcio, Laozi, e o estabelecimento das primeiras escolas de pensamento da antiguidade.
A civilização chinesa é permeada por uma concepção única de universo, que exerce seu domínio sobre a intelectualidade desde tempos imemoriais e se espalha por todos os campos do conhecimento. Sábio e camponês compartilham, em seu imaginário, uma visão semelhante sobre o mundo, embora seus conhecimentos sejam bastante diferentes.
Minha preocupação inicial neste artigo é falar um pouco sobre este tema tão pouco (e mal) conhecido por nós, ocidentais, que é o pensamento chinês. Constantemente banalizado por abordagens superficiais...
A base mais segura para discutirmos o surgimento do antigo pensamento chinês esta afixada na figura do sábio Kungzi (VI a.C.), que os missionários portugueses do século XVI chamaram de Confúcio.
A razão pelo qual decidi produzir este artigo deve-se à um problema essencialmente “ocidental” em relação ao pensar filosófico: existe ou não um sistema de lógica formal clássica na China?
Em meio ao caos que se instalava no século VI a.C., a proposta do misterioso mestre Laozi (contemporâneo de Confúcio) surgiu com um elemento bastante inovador nas formas de pensar chinesas: baseando-se num distanciamento claro das decadentes instituições políticas dos Zhou, este sábio defendia, no seu Daodejing (Tratado da Virtude e do Caminho) um retorno à natureza primordial do ser...
Em trajetória concomitante, Oriente e Ocidente se afastaram, no passado, e perdemos o ponto de referência, de diálogo. Ambos estranhavam-se, mas também se admiravam. Geravam fascínio mútuo, um instigador da busca pelo diferente — este contestador natural e legítimo de toda alteridade.