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Crítica
23 de Dezembro de 2023   História da filosofia

Cirenaísmo

Harry A. Ide
Tradução de Desidério Murcho

Os cirenaicos constituem uma escola de filosofia clássica grega que começou pouco depois de Sócrates e persistiu ao longo de vários séculos. É conhecida sobretudo pelo seu hedonismo. Os autores da Antiguidade fazem remontar os cirenaicos a Aristipo de Cirene (século V–IV a.C.), um companheiro de Sócrates. Aristipo foi para Atenas devido à fama de Sócrates, tendo depois desfrutado com muito gosto do luxo da vida cortesã da Sicília. (Há quem atribua a fundação da sua escola ao neto, também chamado “Aristipo”, devido a um relato da Antiguidade segundo o qual o Aristipo mais velho nada de claro teria dito sobre as finalidades humanas.) Entre os cirenaicos, conta-se a filha de Aristipo, Areta, o filho desta, com o nome do avô (e que recebeu instrução da mãe), Hegesias, Aniceres e Teodoro. A escola parece ter sido suplantada pelos epicuristas. Não nos chegaram escritos dos cirenaicos, e os relatos que temos são fragmentários.

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Dúvidas?

Os cirenaicos evitavam a matemática e a filosofia natural, preferindo a ética, devido à sua utilidade. (Segundo eles, o estudo da natureza não só não nos torna virtuosos, como não nos faz ficar mais fortes, nem mais ricos.) Alguns relatos afirmam que evitavam também a lógica e a epistemologia. Porém, isto não se aplica a todos os cirenaicos: segundo outros relatos, pensavam que a lógica e a epistemologia eram proveitosas, consideravam que os argumentos (e também as causas) eram tópicos a estudar na ética, e tinham uma epistemologia — céptica. Só podemos conhecer o que nos afecta; podemos conhecer, por exemplo, o efeito da brancura em nós, mas não que a causa desta sensação seja em si branca. Isto difere da teoria de Protágoras; ao contrário deste, os cirenaicos não faziam inferências sobre as coisas que nos afectam, afirmando apenas que as coisas externas têm uma natureza que não podemos conhecer. Porém, como Protágoras, baseavam a sua teoria no problema das aparências que entram em conflito entre si. Dada a sua epistemologia, se os seres humanos devem ter como finalidade algo que não seja uma maneira de ser afectado (ou seja, algo que, segundo os cirenaicos, seja imediatamente percepcionado), nunca poderemos saber seja o que for sobre isso. Nada surpreendentemente, pois, afirmavam que a finalidade é uma maneira de ser afectado; em particular, eram hedonistas. A finalidade das boas acções são os prazeres particulares (mudanças suaves), e a finalidade das más acções são dores particulares (mudanças agrestes). Há também uma classe intermédia, que nem visa o prazer, nem a dor. A mera ausência de dor encontra-se nesta classe intermédia, dado que pode ser apenas um estado estático. Ao que parece, o prazer, para Aristipo, era a sensação de prazer, sem incluir os estados psíquicos relacionados. Devemos visar o prazer (ainda que nem toda a gente o faça), como claramente se vê no facto de o procurarmos quando somos crianças, antes de o escolhermos conscientemente. A felicidade, que é a soma dos prazeres particulares que alguém tem, vale a pena ser escolhida exclusivamente devido aos prazeres particulares que a constituem, ao passo é por si mesmos que vale a pena escolher os prazeres particulares. Assim, os cirenaicos não se importam com a maximização do prazer total ao longo da vida, mas apenas com os prazeres particulares, de modo que não devem escolher abdicar de prazeres particulares para ter a hipótese de aumentar esse total.

Os cirenaicos tardios divergem em aspectos importantes do hedonismo original cirenaico, talvez em resposta ao desenvolvimento das perspectivas de Epicuro. Hegesias afirmava que a felicidade é impossível, devido às dores associadas ao corpo, e por isso concebia a felicidade como prazer total subtraído da dor total. Sublinhou que as pessoas sábias actuam para si próprias, e negou que as pessoas actuem de facto para outrem. Aniceres, por outro lado, afirma que as pessoas sábias são felizes mesmo que tenham poucos prazeres, de modo que parece conceber a felicidade como a soma dos prazeres, e não como o que sobra de prazer depois de descontadas as dores. Aniceres começa a ter em consideração prazeres psíquicos: insiste que os amigos devem ser valorizados não só por serem úteis, mas também devido aos nossos sentimentos por eles. Devemos até aceitar perder algum prazer devido a um amigo, ainda que a finalidade seja o prazer. Teodoro deu um passo além de Aniceres. Afirmou que a finalidade das boas acções é a alegria e que o desgosto é a finalidade das más. (Surpreendentemente, nega que a amizade seja razoável, dado que os tolos só têm amigos por ser útil, e que as pessoas sábias não precisam de amigos.) Considera até o prazer uma coisa intermédia entre a sabedoria prática e o seu oposto. Isto parece obrigar a considerar a felicidade como finalidade, e não os prazeres particulares, e poderá obrigar a perder prazeres particulares em nome da felicidade de longo prazo.

Harry A. Ide
Cambridge Dictionary of Philosophy, 3.ª edição, ed. Robert Audi (Cambridge: Cambridge University Press, 2015), pp. 232–233.
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