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Crítica
21 de Junho de 2023   História da filosofia

Hilary Putnam

David Leech Anderson e Mario De Caro
Tradução de Desidério Murcho

Hilary Putnam (1926–2016) foi um filósofo americano que deu contributos significativos para as filosofias da linguagem, da ciência, da matemática e da mente, assim como para a lógica matemática, a metafísica, a epistemologia e a ética. Concluiu o seu doutoramento em 1952 na Universidade da Califórnia de Los Angeles, e deu aulas nas universidades de Northwestern, Princeton, MIT e Harvard, onde foi Professor Universitário Emérito Cogan. No final da década de 1950, deu contributos (com Martin Davis e Julia Robinson) para uma demonstração da inexistência de solução para o décimo problema de Hilbert (demonstração concluída em 1970 por Yuri Matiyasevich). Rejeitando tanto o platonismo como o convencionalismo na matemática, explorou os conceitos de verdade matemática e de necessidade lógica. Subscreveu a ideia — ainda que mais tarde a tenha abandonado — de que a lógica não é inteiramente imune à revisão empírica; e.g., a mecânica quântica pode exigir ressalvas na lógica clássica. Nas décadas de 1950 e 1960, defendeu o funcionalismo, no qual os seres humanos são concebidos como máquinas de Turing (computadores) e os estados mentais são concebidos como estados funcionais (ou computacionais). Apesar de esta teoria estar pressuposta em grande parte das ciências cognitivas contemporâneas, o próprio Putnam abandonou-a (em Representation and Reality, 1998), defendendo que a intencionalidade não pode ser reduzida a estados computacionais, porque o conteúdo das crenças é a) determinado por factos externos ao indivíduo, e é b) computacionalmente variável (ou plástica).

A crítica de Putnam ao funcionalismo apoia-se na “nova teoria da referência” — a que por vezes se chama “teoria causal” ou “teoria directa” — que também Kripke desenvolveu (independentemente um do outro) no final da década de 1960 e inícios da seguinte, e que é hoje acolhida por muitos filósofos e cientistas. Em “The Meaning of ‘Meaning’” (1975), Putnam afirmou que a referência de um termo para categorias naturais, como “água”, é determinada por factos acerca do mundo — a estrutura microfísica da água (H2O) e as práticas linguísticas dos locutores — e não pelos seus estados mentais internos.

Ao longo da carreira, Putnam advogou o realismo científico, rejeitando o convencionalismo e defendendo que sem um compromisso realista com entidades teóricas (e.g., partículas subatómicas) o sucesso da ciência seria um “milagre”. Em 1976, contudo, abandonou o realismo metafísico a favor de um anti-realismo a que chamou “realismo interno”, que abandona o compromisso com objectos independentes da mente e relativiza a ontologia a esquemas conceptuais. Numa série de argumentos baseados na teoria de modelos, Putnam pôs em questão o pressuposto metafísico realista de que uma teoria epistemicamente ideal poderia ser falsa, afirmando que isso exige uma teoria da referência implausivelmente “mágica”. Em 1990, abandonou o realismo interno e abraçou o realismo perceptivo directo. No século XXI, aprimorou ainda mais a sua perspectiva do realismo, o que inclui o seu realismo científico, que sustentou longamente, um realismo perceptivo directo que evita intermediários mentais entre quem percepciona e o mundo, mas sem um compromisso com o disjuntivismo, e uma relatividade conceptual compatível com uma objectividade robusta acerca do mundo exterior. Este realismo é uma posição metafísica sem hesitações que rejeita o quietismo wittgensteiniano, que foi por vezes uma tentação para Putnam. A sua tentativa incessante para captar bem a questão do realismo é um dos seus legados persistentes. Nenhum filósofo da sua geração deu mais atenção à compreensão da relação entre o pensamento e a realidade.

Há um reconhecimento crescente da unidade subjacente na obra de Putnam, que mitiga a sua reputação de mudar de ideias. Putnam procurou constantemente fazer justiça tanto ao “mundo real” do senso comum e da ciência como às maneiras distintamente humanas de representá-lo. Em décadas recentes, as suas energias concentraram-se em parte na nossa “imagem moral do mundo”. Na linha da frente do renascimento do pragmatismo americano, Putnam atacou a dicotomia facto-valor, articulando uma perspectiva moral que resiste tanto ao relativismo como ao autoritarismo, e defendeu a ideia de que a objectividade moral não pressupõe a existência de propriedades morais especiais (Ethics without Ontology, 2004). Mais recentemente, Putnam desenvolveu novas propostas em diferentes campos (Philosophy in an Age of Science, 2012): em filosofia da ciência, aprimorou o seu realismo acerca da mecânica quântica; na filosofia da linguagem, elaborou a ideia pragmatista de que as frases não têm um significado bem definido, dado dependerem das circunstâncias efectivas em que são proferidas; e quanto à natureza da verdade defende uma teoria descitacional que afirma a pluralidade da linguagem, que não é captável numa simples teoria da “correspondência”. A sua influência vai agora muito além de filósofos e cientistas, incluindo estudiosos de teoria da literatura, linguística cognitiva, ciências sociais e teologia.

David Leech Anderson e Mario De Caro
Cambridge Dictionary of Philosophy, ed. Robert Audi, 3.ª ed. (Cambridge: Cambridge University Press, 2015), pp. 888–889.
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ISSN 1749-8457