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30 de Novembro de 2018   História da filosofia

Uma viagem alucinante pelas ideias

Marina Vaizey
Tradução de José Oliveira
How the World Thinks: A Global History of Philosophy
de Julian Baggini
Londres: Granta Books, 2018, 432 pp.

O intrépido filósofo Julian Baggini viajou pelo mundo, foi a conferências académicas, entrevistou dezenas de filósofos no activo, desde académicos a gurus, tentando compreender e estabelecer… bem, justamente o que o título do seu livro sugere. É um defensor das possibilidades inerentes a um pluralismo muito cuidadosamente controlado: não se pode simplesmente colher e misturar, pois o fruto precisa que a sua planta-mãe floresça completamente. O contexto é crucial, mas o entendimento também é.

Durante milénios, o mundo tem pensado sobre as questões mais desconcertantes: por que estamos aqui, de onde viemos, para onde vamos, ou será que apenas estamos... aqui? Haverá apenas isto? E o que significa isto? Há, é claro, uma infinidade de respostas e práticas, mas How the World Thinks é um livro sobre filosofia, e não sobre as minúcias das religiões (embora estas não possam deixar de estar frequentemente interligadas). Aparecem detalhes e contrastes fascinantes e inesperados para coreografar a narrativa: o culto dos chineses pelos antepassados, por exemplo, poderia envolver verdadeiros banquetes para os que partiram com comida real, enquanto, é claro, os cristãos têm o simbolismo da Eucaristia, embora o autor se abstenha de salientar que os cínicos seculares possam pensar nisso como algo muito mais sombrio.

Estamos imersos num deslumbrante caleidoscópio de Vedas, Upanixades, haikus, karma, yin e yang, Confúcio, culto dos antepassados, Platão, Aristóteles, Taoísmo, utilitarismo, contradição, paradoxo, vazio, plenitude, pragmatismo, empirismo, realismo, racionalismo, espiritualidade, neo-platonismo, para citar apenas alguns elementos numa concatenação de pensadores, “ismos” e rótulos. Baggini apresenta de forma concisa múltiplas tentativas e diferentes pontos de vista que, ao longo de milénios, sugeriram como poderíamos perceber a estrutura do mundo em que vivemos, o significado do eu e da sociedade, e acima disso (possivelmente) o sentido.

Será que essa cacofonia de filosofias — frequentemente aliada aos quebra-cabeças da ética, da moral, das teologias, das religiões e da política — tem na verdade mais de semelhante do que de diferente? A cabeça do leitor já está a doer? O tom calmo de aceitação e simultaneamente de curiosidade por parte do autor é uma ajuda real neste aparente turbilhão de uma volta ao mundo. Às vezes, em cada curto capítulo, o emaranhado de nomes e citações é tão denso que o leitor fica preso num labirinto, muito parecido com o emaranhado labiríntico através do qual o nosso autor nos está a guiar; por outro lado, Baggini escreveu muitas colunas de jornal e tem um verdadeiro dom para tornar acessível o que é difícil, ao usar uma prosa lapidar.

Além disso, há a implicação — e também uma aspiração bem explicada — de que, ao entender tais diferenças, todos conseguiremos entender-nos melhor, comunicar mais proveitosamente, atravessar os perigos de uma paisagem mental marcada por mal-entendidos e tudo isso num mundo de pensamento onde, por muitos exploradores que tenhamos, tudo permanece repleto de incerteza e especulação. E aqueles que estão muito certos da sua mundividência podem ser os mais perigosos de todos.

O que é especialmente atraente, significativo, útil e importante a propósito da perspectiva de Baggini fica exemplificado na dedicatória do seu livro ao Centro Este-Oeste no Havai, essas pequenas ilhas no meio do Pacífico: nestes tempos difíceis, esta não é uma perspectiva eurocêntrica, mas uma perspectiva sobre questões globais no sentido mais amplo. Embora a maior parte dos especialistas, historiadores, filósofos e académicos consultados sejam realmente europeus brancos (que podem até vestir fatos), as histórias e atitudes que são exploradas são de todas as culturas e de todos os tempos.

E a coincidência mais estranha é que as estruturas e atitudes filosóficas evoluíram mundialmente, tanto quanto sabemos, na China, na Índia e na Grécia, quase ao mesmo tempo. De facto, o filósofo chinês Mêncio é citado aqui mais que Platão. Baggini diz-nos que a filosofia nasceu, em termos práticos, em toda a parte, entre os séculos VIII e III a.C., definida por Karl Jaspers como a “Era Axial”; esta narrativa, descrevendo o maior número possível de abordagens filosóficas, visa levar o leitor até à Era da Informação.

Assim, embora este seja, sem dúvida, um livro sobre as questões maiores, não há qualquer tentativa por parte do autor de lhes dar resposta — em vez disso, descreve simplesmente atitudes que, em alguns casos, são quase impossíveis de definir. Será que os ocidentais conseguem entender o fascínio japonês pelo vazio, os espaços entre? Será que os asiáticos conseguem entender quão literais são algumas das tradições europeias? Haverá algum acordo, por exemplo, sobre o tempo? Muitas filosofias vêem-no como cíclico, enquanto os aborígenes australianos vêem o passado, o presente e o futuro como um só. Será que os países que acreditam na determinação filosófica que subjaz à ideia de que a sociedade como um todo deveria apoiar todos os seus membros conseguem compreender os americanos empenhados na sua paixão de exaltar o poder do indivíduo e da autonomia individual?

O próprio Baggini ficou muitas vezes perplexo e encantado. Participou no 90.º Congresso Filosófico Indiano (fundado por Tagore em 1925), mas ficou genuinamente surpreendido, ao vir da tradição argumentativa ocidental, por aquilo que considerou uma reverência e aceitação indevidas, uma falta de questionamento por parte dos indianos relativamente àqueles que consideravam os seus superiores em todos os sentidos. Ficou até um pouco irritado e muitíssimo perturbado com o caos e a pobreza que viu: “Certamente há lugares mais esquecidos por Deus, mas haverá algum lugar esquecido por tantos deuses? Os Vedas nomeiam 33 divindades e a crença popular dos indianos é de que existem, de facto, 350 milhões. Se esses deuses fossem reais, poder-se-ia pensar que deveriam ter dado mais assistência divina à nação de mil milhões de pessoas que os veneram”. De seguida, ele discute a necessidade que daí resulta de uma espécie de fatalismo resignado entre os indianos, as crenças noutras vidas, a salvação numa vida futura.

No final da sua viagem, por enquanto, as suas anotações sugerem dezenas, se não centenas de livros, artigos, filmes, palestras e outras fontes, e cita muitas conversas com filósofos contemporâneos. Apresenta uma bibliografia sucinta. Mas certamente seria útil um glossário para muitos dos termos que são dolorosamente pouco familiares para os ocidentais menos informados. Mas esta é realmente uma introdução maravilhosa e original — eis um conceito ocidental — a um campo complexo, altamente pessoal, divertido, repleto de factos e até divertido. Vale a pena ler e reler.

Marina Vaizey
The Arts Desk, 21 de Outubro de 2018.
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ISSN 1749-8457