Nos anos que precederam a segunda guerra mundial, e que lhe sucederam, era comum na tradição analítica uma atitude decididamente negativa quanto à metafísica. Antes da guerra, os positivistas lógicos invocaram o seu critério empirista de significado para concluir que, tomadas ao pé da letra como teses sobre o mundo extralinguístico, as afirmações metafísicas eram literalmente destituídas de significado. Depois da guerra, os filósofos da linguagem comum não eram significativamente mais graciosos na avaliação que faziam das teses metafísicas. Aqui, Ludwig Wittgenstein liderou o ataque com a sua tese de que as afirmações metafísicas não passam de afirmações sem sentido que emergem de confusões linguísticas; mas mesmo os filósofos da linguagem comum que consideravam que a crítica de Wittgenstein era exagerada pensavam que os defensores tradicionais da metafísica eram ingénuos, ainda que não estivessem inteiramente desorientados. Foi então que, no espaço de apenas um ano, surgiram dois livros que muito contribuíram para suavizar estes muito difundidos preconceitos antimetafísicos: Individuals: An Essay in Descriptive Metaphysics (1959), de P. F. Strawson, e Word and Object (1960), de Willard Van Orman Quine. Apesar de cada um destes livros ter sido escrito por um filósofo cujas raizes se encontravam firmemente numa das duas tradições que tinham sido tão críticas quanto à metafísica, ambas eram obras reconhecidamente metafísicas, e ambas exerceram uma influência imensa nas gerações seguintes de filósofos.
Para Strawson, a metafísica é uma investigação acerca das características mais gerais do nosso pensamento acerca do mundo, aquilo a que Strawson chama o nosso esquema conceptual. Os metafísicos revisionistas consideram que esse esquema é filosoficamente problemático, e procuram substituí-lo por outro que lhe seja superior; ao passo que os metafísicos descritivos têm o objectivo mais modesto de descrever o esquema conceptual que de facto usamos. O próprio Strawson fora uma figura influente na tradição da linguagem comum, que identificava a filosofia com a análise conceptual; mas nega que a metafísica descritiva seja simplesmente uma forma de análise conceptual. É a um tempo mais geral e mais abrangente do que a análise conceptual, e procura identificar os pressupostos dos vários usos da linguagem que constituem o seu objecto de estudo.
Os tópicos que Strawson discute em Individuals são aqueles que constituem o objecto de atenção da metafísica tradicional: a individuação e persistência de indivíduos, a relação entre os corpos materiais e os esquemas do espaço e do tempo, o problema da mente-corpo, e o problema dos universais. Apesar disso, a abordagem que Strawson oferece destes tópicos é influenciada pelas suas raizes na linguagem comum. Pergunta-se pela identificação e reidentificação de particulares, pela atribuição de predicados psicológicos e físicos, e pelo que sustenta a distinção entre sujeito e predicado. Mas não é apenas a metodologia de Individuals que está enraizada na tradição da linguagem comum. As suas conclusões substanciais servem para vindicar a imagem de senso comum do mundo que se exprime na linguagem comum; e isto não é surpreendente, dado que o livro é supostamente um exercício de metafísica descritiva. Em harmonia com isso, os corpos materiais da experiência diária são entendidos como particulares ontologicamente básicos; as propriedades psicológicas e físicas são entendidas como irredutivelmente diferentes; a noção de pessoa é encarada como um conceito primitivo insusceptível de qualquer forma de análise redutora; e a distinção entre particulares e os universais que aqueles exemplificam é encarada como ontologicamente fundamental.
O enquadramento metafísico em acção no Word and Object de Quine dificilmente poderia ser mais diferente. Pelos padrões de Strawson, Quine é um metafísico revisionista. No seu livro, a metafísica de senso comum que Strawson defende dá lugar a um esquema ontológico austero concebido para acomodar as ideias perspicazes nucleares do que Quine considera que é a teoria científica mais bem-sucedida: a física. Assim, temos a perspectiva de que o tempo é apenas outra dimensão, em conjunto com as três dimensões espaciais; os particulares comuns são entendidos como minhocas espácio-temporais;1 temos um tratamento estritamente materialista do pensamento e da experiência; rejeita-se o discurso sobre significados, propriedades e proposições, assim como a invocação das noções modais de necessidade e possibilidade; e as únicas entidades abstractas toleradas são as classes ou conjuntos do matemático.
Além disso, ao passo que Strawson dá muita atenção às maneiras como as palavras funcionam na linguagem comum, Quine é herdeiro da tradição do positivismo lógico, e usa os instrumentos técnicos da lógica formal para formular e justificar a sua teoria metafísica. Da maneira como este filósofo vê as coisas, basta aceitar as afirmações da física para ficarmos comprometidos com o enquadramento metafísico que Quine defende. Neste ponto, apoia-se num entendimento do conceito de compromisso ontológico que desenvolveu em obras anteriores a Word and Object. Segundo esse entendimento, para determinar os compromissos ontológicos associados à aceitação de um dado corpo de discurso, traduz-se as frases que o constituem numa linguagem da lógica de primeira ordem. Se chamarmos S1 … Sn a essa tradução, podemos então dizer que, ao aceitar o corpo original de discurso, ficamos comprometidos com a existência de todas aquelas entidades que têm de existir para que S1 … Sn resultem em verdades.
Assim, se por este critério descobrimos que uma dada afirmação nos compromete com a existência de entidades de um certo género, então, desde que aceitemos essa afirmação, estamos obrigados a incluir entidades do género relevante no nosso esquema ontológico; ou melhor, estamos obrigados a isso, a menos que possamos mostrar que o compromisso é apenas aparente; e conseguimos mostrá-lo se conseguirmos formular uma paráfrase plausível da frase original que, pelo teste de Quine, seja inocente de qualquer compromisso com entidades do tipo em questão. O tema subjacente de Word and Object é que não há paráfrase plausível das frases que constituem a teoria física que mostre que não têm os compromissos metafísicos expressos na ontologia de Word and Object.
A obra de Strawson e Quine levou a um renascimento da metafísica tradicional. A mudança foi gradual, e assumiu tendencialmente duas formas diferentes de cada lado do Atlântico. No Reino Unido, a influência da abordagem de Strawson era especialmente forte. A perspectiva de Strawson de que a metafísica diz respeito à estrutura do nosso pensamento sobre o mundo levou a um estilo de metafísica no qual se dava ênfase às nossas práticas conceptuais e aos pressupostos dessas práticas. Dada a centralidade da ideia de estruturas conceptuais em termos das quais falamos e pensamos acerca do mundo, não é surpreendente que os metafísicos britânicos das últimas quatro décadas, aproximadamente, se tenham preocupado seriamente com questões que dizem respeito à relação entre o nosso pensamento e o mundo que é objecto desse pensamento. Um ponto fulcral aqui tem sido a oposição entre o que Michael Dummett (1978) chama realistas e anti-realistas. Ao passo que os realistas de Dummett querem afirmar que há um mundo independente da mente, que torna as nossas afirmações e crenças verdadeiras quando lhe correspondem, os seus anti-realistas questionam a ideia de uma realidade cuja constituição seja independente das nossas actividades conceptuais e das estruturas conceptuais que fazemos intervir na investigação, e sustentam que aquilo a que chamamos verdade é uma propriedade epistémica, como a propriedade de ser apoiado por provas adequadas.
Durante os anos sessenta e setenta do século XX, a discussão metafísica fora do Reino Unido foi fortemente influenciada por Quine. Apesar de haver a tendência para aceitar a abordagem do compromisso ontológico proposta por Quine, muitos filósofos deste período sentiam-se desconfortáveis com o enquadramento metafísico austero que defendeu em Word and Object. Uma das principais áreas de preocupação era o facto de Quine não estar disposto a aceitar propriedades, nem proposições. Quine defendera que ao passo que os conjuntos têm condições de identidade claras (um conjunto α é idêntico a β exclusivamente no caso de α e β terem os mesmos membros), nenhumas condições de identidade desse género são possíveis no caso de propriedades e proposições. Críticos como Roderick M. Chisholm (1976) responderam que não há outra opção senão aceitar entidades abstractas como estas. A existência de propriedades, afirmaram esses críticos, é pressuposta ao falar de semelhança, no discurso com sujeito e predicado, e no discurso que inclui termos singulares abstractos, como sabedoria, triangularidade e humanidade; e defenderam que as proposições são necessárias para desempenhar o papel de objectos das nossas crenças.
Porém, ao aceitar propriedades e proposições, os filósofos deste período deram consigo perante importantes questões metafísicas. Dizemos que os objectos comuns têm propriedades, mas qual é exactamente a relação entre um objecto e as suas propriedades? Aquilo a que se chama a teoria do feixe deu uma resposta a esta pergunta. Nesta teoria, nada mais há com respeito a um indivíduo a não ser as propriedades a si associadas; os objectos comuns são apenas feixes de propriedades. Nesse caso, contudo, deveria ser impossível que indivíduos numericamente diferentes partilhassem todas as suas propriedades. Críticos da teoria do feixe como Gustav Bergmann (1967) e David Armstrong (1989) defenderam que dado isto não ser impossível, cada objecto comum incorpora um constituinte além das suas propriedades, constituinte esse que só esse objecto tem. Este constituinte individuador foi denominado ora particular nu, ora particular delgado, e foi entendido como o portador literal das propriedades que nele estão co-presentes.
A noção de proposição deu origem a outros problemas. Pensamos que as proposições não são apenas verdadeiras ou falsas; podem ser necessariamente verdadeiras ou necessariamente falsas, contingentemente verdadeiras ou contingentemente falsas, e possivelmente verdadeiras ou possivelmente falsas. Ora, Quine tinha-se destacado por rejeitar o discurso modal. A modalidade, afirmou, está mergulhada em obscuridade. Para dar sentido às noções modais, críticos como Saul Kripke (1972), David Lewis (1986) e Alvin Plantinga (1974) invocaram a noção leibniziana de mundo possível. A ideia era, em primeiro lugar, que o nosso mundo (o mundo actual) é apenas um de muitos mundos possíveis, e, em segundo lugar, que o que há de único quanto ao discurso modal é ter como objecto todo o domínio de mundos possíveis, e não apenas o mundo actual. Estes teorizadores não concordavam entre si quanto à natureza e estatuto dos mundos possíveis, mas aceitavam a ideia leibniziana de que dizer que uma proposição é necessariamente verdadeira é dizer que é verdadeira em todos os mundos possíveis, e dizer que é possivelmente verdadeira é dizer que é verdadeira em algum mundo possível. Esta abordagem da modalidade revelou-se tremendamente frutuosa. O enquadramento dos mundos possíveis não se limitou a iluminar o discurso sobre a necessidade proposicional e a possibilidade também proposicional; revelou-se também útil para clarificar todo um domínio de fenómenos que de outro modo são enigmáticos, como a distinção entre essência e acidente, o conceito de significado, as condicionais contrafactuais, o conceito de causalidade, e a noção de lei da natureza.
A influência destes metafísicos dos mundos possíveis fez-se sentir em toda a filosofia e, ao chegar à década de 1980, a metafísica voltara a ser o que era. Para os metafísicos formados nessa década e nas seguintes, os ataques positivistas e da linguagem comum à metafísica eram episódios pitorescos de um passado distante. Estes metafísicos mais novos não eram minimamente apologéticos quanto à sua disciplina. Na verdade, queriam ardentemente desenvolver e defender teorias metafísicas abrangentes. O resultado foi um período tremendamente activo, no qual todos os tópicos da metafísica tradicional foram objecto de debate. Questões sobre os universais, a estrutura e individuação de objectos comuns, e sobre os mundos possíveis e a modalidade, continuaram a ser discutidas; mas, nos últimos anos, os metafísicos lidaram com um domínio muito mais vasto de questões, incluindo a natureza do tempo e do espaço-tempo, a natureza da identidade e da existência, a existência e estrutura dos acontecimentos, a persistência ao longo do tempo, a constituição material, a natureza das entidades ficcionais, o livre-arbítrio, a causalidade e a natureza do mental.