A liberdade é uma das crenças mais básicas e fundamentais dos seres humanos. Estamos convencidos de que sempre que decidimos ou escolhemos fazer uma coisa em vez de outra, quer seja a propósito de um assunto importante ou de algo completamente trivial, essa decisão ou escolha depende inteiramente de nós. Por exemplo, estamos tão convencidos, seja quando escolhemos o que vamos fazer na vida seja quando escolhemos a cor de uma camisola que vamos comprar, de que a decisão depende inteiramente de nós que nem nos ocorre perguntarmo-nos se temos efectivamente liberdade para tomar essas decisões e para fazer essas escolhas. A crença na liberdade de decisão e escolha (ou, dito de outro modo, na existência de livre-arbítrio) é tão básica e natural, que não temos a menor ideia de como e quando a adquirimos. Com efeito, se tentarmos recordarmo-nos de quando isso aconteceu, facilmente chegamos à conclusão de que o ignoramos completamente. Tanto quanto nos lembramos sempre acreditámos que somos livres. Algumas das nossas crenças têm esta característica: temo-las desde tão tenra idade e são tão básicas e fundamentais que nos parecem evidentes e, por conseguinte, inquestionavelmente verdadeiras. A crença em que somos livres ou temos livre-arbítrio é uma dessas crenças.
A liberdade de que estamos aqui a falar não é, obviamente, a liberdade política, isto é, a liberdade de optarmos por diferentes modelos de organização económica e social e de, consequentemente, votarmos — ou não — no partido que no nosso entendimento mais fielmente defende essas opções políticas. A liberdade de que falamos é a liberdade metafísica. A liberdade política pode ou não ser-nos permitida, consoante o regime político em que vivamos. A liberdade metafísica não nos pode ser dada nem tirada, mesmo que vivamos no pior dos regimes políticos. O homem é ou não metafisicamente livre qualquer que seja o regime político em que viva. Se for verdade que o homem tem livre-arbítrio, como a maior parte das pessoas acredita, mesmo aqueles que vivam na mais feroz das ditaduras e não tenham quaisquer liberdades políticas, serão livres no sentido em que estamos aqui a usar a palavra. A maior parte das pessoas acredita mesmo que esta liberdade é pressuposta pela liberdade política e por todas as actividades humanas que exijam a capacidade de decidir e escolher. Com efeito, a maior parte das pessoas julga que se, ao contrário do que vulgarmente pensamos, os seres humanos não tiverem liberdade metafísica ou livre-arbítrio, quer a responsabilidade moral quer a liberdade política serão completamente impossíveis. Assim, para a maioria das pessoas, não só a liberdade política é diferente da liberdade metafísica como a pressupõe, porque sem ela não poderia existir.
A maior parte das pessoas acredita que é livre, mas, claro, não pensa que pode fazer tudo o que lhe apetecer. Toda a gente sabe que há certos aspectos da nossa natureza ou do nosso meio que nos impedem de fazer aquilo que outras pessoas ou outros animais podem facilmente fazer. O que as pessoas têm muito menos presente, no entanto, é que esses aspectos não são apenas obstáculos à nossa acção. São eles também que nos tornam capazes de fazer muitos dos actos que fazemos, incluindo alguns que outros seres humanos e animais são incapazes de fazer. É costume designar esses aspectos pelo nome genérico de “condicionantes físico-biológicas” e “condicionantes histórico-culturais”, porque uns derivam da nossa natureza física e biológica e os outros da história e cultura humanas.
Não podemos voar porque não nascemos com asas e, embora possamos nadar e correr, estamos longe de o fazer com a elegância e a rapidez de um tubarão e de uma chita. Estamos ainda sujeitos a condições e tendências hereditárias, incluindo doenças, que não podemos controlar nem evitar. Por outro lado, há certos comportamentos que só podemos ter porque temos a constituição física e biológica que temos. Não poderíamos manusear os objectos como fazemos, por exemplo, se a fisiologia das nossas mãos fosse diferente. E não poderíamos certamente ter produzido a sociedade tecnológica em que vivemos se o nosso cérebro não tivesse a capacidade cognitiva que tem.
Todas estas condicionantes são de natureza física e biológica. Mas, como já dissemos, há também condicionantes de natureza histórica e de natureza cultural. Deste grupo fazem parte as tradições, os hábitos, os costumes, as normas de conduta e os sistemas de organização social e económica de cada povo. Heródoto (c. 484–420 a. C.), um historiador grego da Antiguidade, conta que o imperador persa, Dário, sugeriu um dia a uns gregos, que se encontravam na sua corte, que comessem os seus progenitores mortos e a uns calatinos, membros de uma tribo da Índia, que os cremassem. Tanto os gregos como os calatinos rejeitaram a sugestão com horror, porque na sua cultura o que se fazia era exactamente o contrário. Mas não precisamos de recuar à Antiguidade. Quantos de nós, ocidentais, estamos dispostos a comer carne de cão, como fazem os chineses, ou a apedrejar até à morte as mulheres que cometem adultério, como, infelizmente, voltou a ser prática em certas províncias da Nigéria?
As nossas condicionantes histórico-culturais influenciam decisivamente o modo como nos comportamos, impedindo-nos de agir ou levando-nos a agir de forma diferente dos membros de outras culturas e tradições. E ninguém tem dúvidas de que a nossa cultura nos permite fazer coisas que estão vedadas à esmagadora maioria dos animais. Podemos, contudo, pensar que as condicionantes histórico-culturais não influenciam tanto a forma como agimos quanto as condicionantes físico-biológicas, uma vez que, apesar da repulsa, é possível conseguir comer carne de cão, ao passo que nada nos fará voar verdadeiramente. No entanto, se pensarmos em quão fortemente os povos se agarram às suas tradições e às suas crenças (muitas delas más ou erradas) perceberemos que a força dessas condicionantes é igualmente grande.
Para percebermos como estas condicionantes podem funcionar como causas temos de ver o que são relações e cadeias causais. Pensemos num exemplo que toda a gente conhece, o exemplo das bolas de bilhar. Quando uma bola se movimenta em direcção a uma outra numa mesa de bilhar e, em seguida, lhe bate provocando o seu movimento, o movimento da primeira bola é a causa e o movimento da segunda o efeito. A relação entre ambas é aquilo a que se chama uma relação causal. Uma relação causal é, então, uma relação entre duas entidades, objectos ou acontecimentos, um dos quais origina um outro que é o efeito. Em geral, podemos dizer que uma relação causal envolve três condições que têm de ser cumpridas:
Deste modo, a relação causal é uma relação necessária; por outras palavras, desde que não haja interferências, sempre que a causa de um acontecimento ocorra, esse acontecimento ocorre necessariamente.
As relações causais não são estanques, isoladas do resto dos acontecimentos do mundo. Consequentemente, um acontecimento que numa relação causal é um efeito pode ele próprio vir a ser causa de um outro efeito que, por sua vez, pode também ser causa de outra efeito.
O mundo físico fornece uma infinidade de exemplos que permitem ilustrar esta ideia. Alguns cientistas, por exemplo, alegam que a poluição originada pela actividade humana, se nada for feito para a diminuir, provocará alterações radicais no clima da Europa, fazendo com que os Invernos neste continente sejam tão frios quanto os Invernos na América do Norte. Segundo esses cientistas, existe uma cadeia causal entre essa poluição e o clima na Europa, que é, grosso modo, a seguinte: a poluição que resulta da actividade humana causa o aumento médio das temperaturas no planeta; este aumento das temperaturas, por sua vez, causa o derretimento do gelo dos glaciares e da calote do Árctico; este derretimento, por sua vez, lança grandes quantidades de água doce no Atlântico Norte, o que (acreditam os cientistas) irá causar a interrupção da Corrente do Golfo (uma corrente marítima que circula entre o Golfo do México e o Atlântico Norte transportando, à superfície, a água mais quente do Golfo para o Norte, o que torna o clima europeu ameno no Inverno, e levando, em profundidade, a água mais fria de volta ao Golfo), o que, por sua vez, tornará o clima da Europa, no Inverno, semelhante ao da América do Norte, onde as temperaturas nessa estação chegam a atingir os 60 graus negativos. Podemos sintetizar esta cadeia causal do seguinte modo (repare-se que, à excepção da poluição — que é apenas causa — e dos Invernos rigorosos na Europa — que são apenas efeitos — todos os fenómenos intermédios são, por um lado, causas, e, por outro, efeitos):
Poluição ➝ aquecimento global ➝ derretimento das calotes polares e glaciares do Árctico ➝ grandes quantidades de água doce no Atlântico Norte ➝ interrupção da Corrente do Golfo ➝ Invernos extremamente rigorosos na Europa
Se os cientistas tiverem razão (e os estudos sobre a história da Terra parecem dar-lhes razão), então, a menos que controlemos rapidamente a poluição, toda a Europa irá ter inevitavelmente daqui a poucas dezenas de anos Invernos muito mais frios.
No mundo físico, dadas as causas os efeitos ocorrem inevitavelmente. Mas, poderão as condicionantes da acção humana determinar de forma tão necessária e absoluta as deliberações e acções humanas quanto as causas físicas no mundo físico determinam os acontecimentos nesse mundo, fazendo com que, desde que não haja nenhuma interferência, a presença de uma condicionante ou conjunto de condicionantes leve um ser humano a agir sempre da mesma maneira? Por outras palavras, poderão as condicionantes da acção humana determinar essa acção no mesmo sentido que as causas no mundo natural determinam os acontecimentos que ocorrem nesse mundo, fazendo com que as acções humanas sejam tão pouco livres quanto os acontecimentos desse mundo?
Como vimos, a maior parte das pessoas pensa que a crença no livre-arbítrio é verdadeira. No entanto, o facto de uma crença nos parecer obviamente verdadeira não constitui uma garantia efectiva de que o seja. Muitas crenças — e muitas crenças instintivas e fundamentais — que nos parecem obviamente verdadeiras revelam ser, quando examinadas com mais cuidado e rigor, falsas ou, no mínimo, de verdade duvidosa, sobretudo se existem outras crenças igualmente importantes que também parecem ser verdadeiras. É o que acontece com a crença no livre-arbítrio. A sua verdade começa a parecer-nos menos evidente assim que nos apercebemos de que uma outra crença, em que também acreditamos tanto ou mais do que na crença no livre-arbítrio, parece implicar a sua falsidade. Esta crença é a crença no determinismo.
A crença no determinismo é a crença em que tudo é determinado por acontecimentos anteriores, ou que o estado de coisas actual no mundo resulta de um estado de coisas anterior que é a sua causa. Outra forma de expressar a ideia central do determinismo é dizer que tudo o que acontece tem uma causa.
Tentemos tornar esta ideia mais clara. O determinismo não afirma que tudo no mundo tem uma causa, podendo, eventualmente, ter hoje uma causa e amanhã uma outra completamente diferente. O que o determinismo afirma é antes que um acontecimento resulta de uma causa ou conjunto de causas e que sempre que essa causa ou conjunto de causas ocorrer dará inevitavelmente origem ao acontecimento. Esta é a crença por detrás da explicação científica da natureza, uma vez que explicar cientificamente um acontecimento é apresentar a causa ou o conjunto de causas que dão origem ao acontecimento e mostrar como a relação entre essas causas — expressas na forma daquilo a que chamamos leis da natureza — produz esse acontecimento.
A maior parte de nós, embora nunca tenha pensado no assunto, assume no dia-a-dia que o determinismo é verdadeiro. Por exemplo, quando acendemos um candeeiro esperamos naturalmente que ele dê luz. Se isso não acontecer, julgamos que tal facto tem de ter uma causa que, provavelmente, está em a lâmpada se ter fundido e, por isso, verificamos o estado da lâmpada. Se a lâmpada está fundida, consideramos que encontrámos a causa do candeeiro não dar luz e substituímo-la. Mas, se a lâmpada estiver boa, não concluímos, por isso, que o facto de o candeeiro não dar luz não tem uma causa. Julgamos que a causa pode estar, por exemplo, em a ficha ter saído da tomada e verificamos se foi isso que aconteceu. Se não foi, pensamos eventualmente que faltou a luz e verificamos se é aquele candeeiro que não dá luz ou se não há luz em toda a casa. Por fim, se não é isso que acontece e, no entanto, o candeeiro continua a não dar luz, conjecturamos que deve haver algum fio desligado ou partido no seu interior e ou tentamos arranjá-lo ou mandamos arranjá-lo. Mas nunca concluímos que não há qualquer causa para o facto de o candeeiro não funcionar. Acreditamos, ou pelo menos agimos como se acreditássemos, que tudo sem excepção tem uma causa.
A crença no determinismo, tal como a crença no livre-arbítrio, surge assim como uma crença natural e evidente e a maior parte das pessoas não só acredita em ambas como, normalmente, não vê qualquer problema em fazê-lo. Talvez isto aconteça porque as pessoas julguem que o determinismo, a ideia de que tudo resulta de causas anteriores, se aplica apenas aos objectos físicos e, quando muito, aos animais, e não se apercebam de que é possível que a sua aplicação se estenda também aos seres humanos e aos seus comportamentos e acções. Com efeito, se o determinismo for verdadeiro, provavelmente não são apenas os corpos físicos inanimados e os animais inferiores que lhe estão sujeitos, mas o que quer que exista no universo, quer se trate de átomos e corpos naturais, de cérebros e dos respectivos estados mentais ou de deliberações, escolhas e acções humanas.
Muitos acontecimentos do dia-a-dia parecem indicar que a tese do determinismo é verdadeira. Por exemplo, deitamos açúcar no café e ele fica doce, tocamos com a mão em algo quente e sentimos calor. No primeiro caso, a causa do café ter ficado doce foi o açúcar que nele deitámos e, no segundo, a nossa sensação de calor foi provocada pelo calor do corpo em que tocámos. Estes são exemplos triviais a que se pode juntar muitos outros, como deitar tinta em água fá-la mudar de cor ou bater com a mão na mesa produz som. Todos estes exemplos têm uma outra particularidade interessante: sempre que constatamos que o efeito ocorreu sabemos que a sua causa também ocorreu, mesmo que não tenhamos observado a sua ocorrência. Se, ao bebermos café, verificarmos que sabe a doce, sabemos que alguém lhe deitou açúcar, pois essa é a única maneira de o café saber a doce. E o mesmo se aplica aos outros exemplos e a muitas outras situações semelhantes do nosso mundo.
Também é possível encontrar acções e comportamentos humanos que sustentem a tese do determinismo. Toda a gente já ouviu falar de cleptomania, uma doença que compele as pessoas a roubar mesmo sabendo que é errado e que correm o sério risco de serem apanhadas. E há pessoas que sofrem de uma doença que as compele a lavar as mãos vezes sem conta, por vezes ao ponto de ficarem em sangue, embora já as tenham lavado muitas vezes e saibam perfeitamente que o fizeram. Estes e outros exemplos que a ciência tem vindo a revelar parecem indicar que pelo menos alguns dos nossos comportamentos são completamente independentes das nossas deliberações e das nossas escolhas.
É frequente confundir-se o determinismo com o fatalismo, embora sejam crenças muito diferentes. A ideia básica do fatalismo é que nada do que façamos poderá alterar o que irá acontecer, o que acontece está destinado a acontecer. Esta ideia corresponde àquilo a que costumamos chamar “destino” ou “fado” e é muito popular entre pessoas que nunca reflectiram sobre o problema do livre-arbítrio. Quando dizemos que “o destino de alguém está traçado” o que queremos com isso dizer é que nada do que essa pessoa possa fazer alterará o que quer que seja no curso dos acontecimentos futuros da sua vida. Deste ponto de vista, limitamo-nos a viver um guião que foi definitivamente escrito e não poderá ser alterado por nada que façamos. O fatalismo é, portanto, uma crença que convida ao imobilismo, uma vez que o futuro é completamente independente do que fizermos no presente.
O determinismo, no entanto, não tem estas implicações. Tudo o que o determinismo afirma é que o estado do mundo num momento determina o estado do mundo no momento seguinte. Mas não estabelece qual o estado do mundo no primeiro momento nem que não possa ser diferente daquele que é e, portanto, não tem como consequência que nada do que os seres humanos possam fazer alterará o futuro. O determinismo é perfeitamente consistente com a ideia de que a forma como agirmos numa dada altura poderá afectar o que vier a acontecer e, portanto, com a ideia de que o nosso futuro depende daquilo que fizermos no presente. Ao contrário do fatalismo, o determinismo não nos convida ao imobilismo.
Como dissemos, a maior das pessoas acredita no livre-arbítrio e no determinismo sem ver nisso qualquer problema. Talvez isso aconteça porque julguem que o determinismo se aplica apenas ao domínio da natureza e o livre-arbítrio à esfera humana. Como têm domínios de aplicação diferente, pensam essas pessoas, não pode haver conflito. Contudo, o determinismo, a ser verdadeiro, aplica-se também à esfera das decisões e escolhas do homem. Quando compreendem isto, muitas pessoas tendem a pensar que a crença no determinismo é incompatível com a crença no livre-arbítrio, ou seja, que estas crenças são mutuamente exclusivas e que, portanto, se uma delas é verdadeira, a outra é falsa e vice-versa.
Com efeito, se, como o determinismo parece implicar, tudo no universo é determinado por causas anteriores, desde a mais pequena partícula de matéria até ao maior e mais complexo corpo, como pode haver livre-arbítrio? Se tudo é determinado, mesmo as complexas operações mentais que estão na base das nossas decisões são determinadas por acontecimentos anteriores, muitos dos quais escapam completamente ao nosso domínio e, por consequência, as nossas acções não podem ser livres.
Se, por um lado, o determinismo parece implicar a inexistência de livre-arbítrio, por outro, o livre-arbítrio parece implicar a falsidade do determinismo. A ideia é a seguinte: o livre-arbítrio consiste em poder escolher entre várias acções possíveis. Mas, para podermos escolher entre várias acções possíveis é necessário que não esteja tudo determinado, caso contrário poderíamos apenas fazer a acção que estivéssemos determinados para fazer (não só não haveria várias acções possíveis entre as quais optar, como, mesmo que houvesse, não nos seria possível escolher entre elas). Portanto, para que exista livre-arbítrio não pode haver determinismo.
É isto que está na origem do chamado problema do livre-arbítrio.
O problema do livre-arbítrio é o problema de saber se as crenças no determinismo e no livre-arbítrio podem ser conciliadas e, caso possam, como podem ser conciliadas. Este problema pode ser dividido nos seguintes três problemas:
O interesse por este problema não é apenas teórico. Não se trata apenas de satisfazer a nossa curiosidade. O problema do livre-arbítrio tem importantes implicações práticas, a principal das quais relacionada com a responsabilidade moral. Tudo parece indicar que se a crença no determinismo for verdadeira e não houver livre-arbítrio, então também não é possível responsabilizar moralmente um agente pelas acções que pratica e, consequente, puni-lo ou recompensá-lo. Só faz sentido responsabilizar moralmente alguém (e por extensão punir ou recompensar) se a pessoa puder escolher entre diferentes acções alternativas possíveis, isto é, se for livre. Se não o for, isto é, se estiver determinado a fazer o que fez, então não há qualquer razão para a responsabilizar — e punir ou recompensar —, uma vez que não podia deixar de proceder como procedeu. Quer o assassino que tenha cometido o crime mais hediondo quer o herói que tenha realizado o acto mais altruísta que seja possível imaginar não podem ser responsabilizados pelos seus actos. Quer um quer outro fez apenas o que já estava determinado a fazer por uma longa cadeia de acontecimentos que não têm qualquer possibilidade de controlar: o assassino não podia ter deixado de cometer o crime que cometeu e o herói não podia ter deixado de fazer o acto altruísta e heróico que fez. Podemos expor do seguinte modo o argumento por detrás desta ideia:
Se a crença no determinismo é verdadeira, então a crença no livre-arbítrio é falsa.
A crença no determinismo é verdadeira.
Logo, a crença no livre-arbítrio é falsa.
Se a crença no livre-arbítrio é falsa, então não somos responsáveis pelas nossas acções.
Logo, não somos responsáveis pelas nossas acções.
Este argumento é constituído por dois modus ponens ligados. Por esse motivo, uma vez que o modus ponens é uma forma lógica válida, se as premissas forem verdadeiras, a conclusão é verdadeira.
Mas o problema do livre-arbítrio não tem apenas implicações para a responsabilidade moral. Em algumas religiões, como em algumas variações do cristianismo, o livre-arbítrio é uma condição fundamental da salvação. Só aquele que quer pode salvar-se. Assim, se não existir livre-arbítrio, não há salvação possível para o homem e, além disso, a própria crença religiosa perde todo o sentido.
As respostas ao problema do livre-arbítrio têm consistido em afirmar que apenas uma das crenças, mas não as duas, é verdadeira ou que ambas as crenças são verdadeiras. Chama-se incompatibilista ao primeiro tipo de respostas, em virtude de, desse ponto de vista, as crenças no determinismo e no livre-arbítrio serem incompatíveis e apenas uma dessas crenças ser verdadeira. O segundo tipo de respostas assume que a crença no determinismo e no livre-arbítrio são compatíveis e que, por isso, são ambas verdadeiras. A este tipo de resposta é costume dar-se o nome de compatibilista.
Um incompatibilista que considere o determinismo verdadeiro pode fazer o seguinte raciocínio:
Se a crença no determinismo é verdadeira, então a crença no livre-arbítrio é falsa.
A crença no determinismo é verdadeira.
Logo, a crença no livre-arbítrio é falsa.
Chama-se ao ponto de vista segundo o qual só o determinismo é verdadeiro determinismo radical e, consequentemente, a quem pensa desta maneira chama-se determinista radical.
Mas um incompatibilista não está obrigado a acreditar no determinismo. Em vez de acreditar no determinismo, um incompatibilista pode acreditar no livre-arbítrio. Nesse caso, o seu raciocínio será o seguinte:
Se a crença no livre-arbítrio é verdadeira, então a crença no determinismo é falsa.
A crença no livre-arbítrio é verdadeira.
Logo, a crença no determinismo é falsa.
A este ponto de vista chama-se libertismo e a este tipo de incompatibilistas, que apenas aceitam como verdadeira a crença no livre-arbítrio, chama-se libertistas.
Os compatibilistas, ao contrário dos incompatibilistas, pensam que tanto a crença no determinismo como a crença no livre-arbítrio são verdadeiras. Podemos representar o raciocínio que fazem do seguinte modo:
A crença no determinismo é verdadeira.
A crença no livre-arbítrio é verdadeira.
Logo, a crença no determinismo e no livre-arbítrio são compatíveis.
A este ponto de vista é costume chamar determinismo moderado. Mas não se deve pensar que a crença no determinismo de um determinista moderado é radicalmente diferente da crença de um determinista radical. A diferença entre ambos está antes em que o determinista moderado não pensa que a sua crença no determinismo acarrete necessariamente que não haja livre-arbítrio, ao passo que, para o determinista radical, essa crença tem como consequência inevitável a falsidade da crença no livre-arbítrio.
Podemos mostrar melhor o que acabámos de dizer recorrendo a um esquema que ilustre a relação entre os diferentes tipos de resposta ao problema do livre-arbítrio e as respectivas crenças.
Determinismo radical | Libertismo | Determinismo moderado | |
---|---|---|---|
Tudo no mundo é determinado por acontecimentos anteriores | Aceita | Rejeita | Aceita |
Não há acções livres | Aceita | Rejeita | Rejeita |
Ninguém é responsável pelas suas acções | Aceira | Rejeita | Rejeita |
O determinismo radical é a crença em que todos os acontecimentos são determinados por causas anteriores. Como o quadro anterior mostra, os deterministas radicais juntam a esta crença duas outras crenças, a saber, a crença em que, nesse caso, não há livre-arbítrio (tudo o que fazemos está determinado e o mesmo acontece com as nossas acções, que são determinadas pelos nossos genes e o meio no qual crescemos) e a crença em que, consequentemente, não podemos ser responsabilizados pelas nossas acções. Comecemos por ver que razões os deterministas radicais apresentam para afirmar que a primeira destas três crenças é verdadeira.
Os deterministas radicais recorrem muitas vezes a exemplos da vida quotidiana, idênticos àqueles que vimos antes, a exemplos da acção humana, que mostram que os homens agem pressupondo o determinismo, e ao conhecimento científico da natureza para mostrar que o determinismo é verdadeiro. A ideia é que é legítimo inferir, com base nesses exemplos e no conhecimento científico, que a natureza é determinista e que o mesmo se aplica às decisões e às acções humanas.
Os críticos, contudo, costumam chamar a atenção para que o valor de tais exemplos é limitado. Poucos são aqueles, dizem, que contestam a existência de acontecimentos completamente determinados por acontecimentos anteriores. O que é contestado por muitos é a tese segundo a qual todo e qualquer acontecimento — incluindo as acções humanas — é determinado por acontecimentos anteriores. Ora, por mais numerosos que sejam os exemplos da vida quotidiana, eles não podem provar que o determinismo é verdadeiro, uma vez que basta um único caso que não seja determinado por acontecimentos anteriores para que o determinismo seja falso.
A isto os deterministas costumam responder que o que pretendem com os exemplos da vida quotidiana, da acção humana e do conhecimento científico, não é provar para além de toda a dúvida que o determinismo é verdadeiro, mas mostrar que é legítimo inferir, na ausência de exemplos contrários, que o determinismo é verdadeiro. O raciocínio que, segundo eles, permite esta inferência é o seguinte:
Só se tivéssemos experiência de que causas idênticas não produzem sempre os mesmos efeitos, é que o determinismo estaria errado.
Mas nós não temos experiência de ocorrências desse tipo. A experiência que temos é exactamente a contrária.
Portanto, é legítimo concluir que o determinismo é verdadeiro.
Os críticos do determinismo costumam também chamar a atenção para que, mesmo que seja verdade que os homens agem pressupondo o determinismo, não é menos verdade que também agem no pressuposto de que têm livre-arbítrio. Por conseguinte, de pouco vale recorrer aos exemplos da vida quotidiana dos homens para provar a verdade do determinismo, uma vez que é igualmente possível apresentar muitos exemplos da sua vida quotidiana que mostrem que se baseiam no pressuposto de que são livres. Além disso, dizem os mesmos críticos, questionando o suposto apoio da ciência às teses deterministas, embora no passado fosse praticamente consensual entre os cientistas que a natureza é determinista, a maior parte dos físicos — como veremos adiante — discorda actualmente desta ideia.
O grande número de exemplos de determinismo também não parece aos críticos suficiente para provar que o determinismo se aplica às acções humanas, tanto mais que temos uma forte predisposição para pensar que algumas das nossas acções são genuinamente livres. Para nos convencer de que as nossas acções também são determinadas, os deterministas chamam normalmente a atenção para comportamentos humanos reconhecidamente causados (como, por exemplo, a cleptomania) e argumentam que todos os outros comportamentos humanos são do mesmo tipo, embora não conheçamos — pelo menos, por agora — as suas causas. Se conhecêssemos, dizem, veríamos que esses comportamentos são também determinados e tão determinados quanto a trajectória de um projéctil ou qualquer outro acontecimento da natureza.
Os críticos respondem a este argumento uma vez mais que o facto de a psicologia ter sido bem sucedida a mostrar que existem causas para algumas disfunções psíquicas antes julgadas sem causa física não significa que o mesmo seja verdade de todos os estados mentais e que, portanto, é ir longe de mais afirmar que tudo o que o homem faça tem causas. A isto os deterministas costumam responder chamando a atenção para o grande sucesso da psicologia moderna na descoberta das causas de muitos comportamentos antes julgados livres e para que é razoável presumir que o mesmo se passa com os outros comportamentos humanos, cujas causas a ciência pode descobrir num futuro mais ou menos próximo.
Como vimos, os deterministas apoiam-se fortemente no conhecimento científico para justificar a sua crença na verdade do determinismo. As leis da física de Newton são deterministas e a visão científica do mundo que lhes estão associadas modelaram a ciência até ao princípio do século XX. Contudo, no início desse século, físicos, como Werner Heisenberg, Erwin Schrödinger e Niels Bohr, que estudavam o comportamento das partículas subatómicas recém-descobertas, formularam, para explicar esse comportamento, uma teoria que ficou conhecida como a Teoria Quântica ou Mecânica Quântica, cuja interpretação mais comum, a “interpretação de Copenhaga”, afirma que o comportamento das partículas subatómicas não é determinista e que o acaso é um componente activo do universo. É impossível prever o comportamento das partículas não porque desconheçamos alguma ou algumas das causas que originam esse comportamento, mas porque não tem qualquer causa ou, dizendo de outro modo, resulta do acaso.
Nem toda a gente aceitou esta explicação com facilidade. Albert Einstein, o físico mais importante do século XX, estava tão convencido da verdade do determinismo que, até ao fim da vida, se recusou a aceitar a interpretação de Copenhaga, afirmando peremptoriamente que “Deus não joga aos dados”. Apesar disso, a interpretação de Copenhaga é hoje quase consensualmente aceite pelos físicos.
A interpretação de Copenhaga conduziu naturalmente à ideia de que o acaso também influencia o comportamento das pessoas, isto é, que não são apenas as partículas subatómicas e, por extensão, os corpos físicos que não obedecem a leis deterministas, mas também os nossos pensamentos, os nossos desejos, as nossas deliberações e as nossas acções e que, nesse caso, somos livres e responsáveis. O raciocínio que conduz a esta conclusão pode ser apresentado deste modo:
Se o determinismo é falso, então somos livres e responsáveis pelas nossas acções.
O determinismo é falso.
Logo, somos livres e responsáveis pelas nossas acções.
Mas será que a falsidade do determinismo (ou a verdade do indeterminismo) tem como consequência que somos livres e responsáveis? Muitos filósofos discordam desta ideia.
Em primeiro lugar, alguns filósofos, como John Searle, discordam de que se possa estender o indeterminismo das partículas físicas ao mundo corpóreo, aos estados mentais e aos comportamentos humanos, uma vez que não há indícios de que uns e outros sejam indeterminados. Eis como ele vê a questão:
[…] a indeterminação estatística ao nível das partículas não mostra qualquer indeterminação ao nível dos objectos que nos afectam — corpos humanos, por exemplo. (John Searle, Mente, Cérebro e Ciência, Edições 70, p. 106)
Em segundo lugar, outros filósofos vêm, pela mesma razão, no indeterminismo apenas uma estratégia para salvar a crença no livre-arbítrio. Por fim, há filósofos que defendem que mesmo que o indeterminismo seja verdadeiro, não se segue daí que sejamos livres e responsáveis, uma vez que acrescentar o acaso ao conjunto de causas de uma acção não torna essa acção mais dependente da nossa vontade. Se, como afirma o determinismo, os nossos comportamentos são determinados pelos nossos genes, pelo meio em que crescemos, pelos nossos desejos e pelas nossas crenças, não é por acrescentarmos a estes factores o acaso que passaremos a ser livres. Além disso, acentuam ainda outros filósofos, nesse caso nunca poderíamos confiar em ninguém, uma vez que, devido ao acaso, uma pessoa tanto se poderia comportar como não comportar de forma amigável.
Se estes críticos estão certos, o indeterminismo não fornece uma base adequada à defesa da existência de livre-arbítrio. Contudo, isso não significa necessariamente que o determinismo seja verdadeiro. Há filósofos que não pensam que o indeterminismo seja verdadeiro e, apesar disso, pensam que temos livre-arbítrio. Chama-se a esses filósofos libertistas e ao ponto de vista que defendem libertismo.
O libertismo é o ponto de vista — defendido no nosso tempo por filósofos como C. A. Campbell e Robert Kane — segundo o qual pelo menos algumas das acções humanas não são nem causalmente determinadas nem produto do acaso, mas livres e que, portanto, as pessoas são responsáveis por essas acções.
Um dos argumentos que os libertistas costumam usar para justificar o libertismo é que a crença no livre-arbítrio é uma crença de senso comum, isto é, uma crença em que toda a gente acredita. Para prová-lo costumam chamar a atenção para o processo de deliberação. Só faz sentido deliberarmos se pudermos escolher agir de modo diferente. Se não pudermos, como aparentemente os deterministas pensam, então é completamente absurdo deliberar. Para que serve deliberar se está já estabelecido como iremos agir? Ora, como toda a gente de uma forma ou outra delibera, isso significa que toda a gente, quer o reconheça quer não, acredita que tem livre-arbítrio e que, portanto, a crença no livre-arbítrio é uma crença de senso comum. Assim, pensam os libertistas, a mera introspecção, isto é, a reflexão sobre os conteúdos da nossa consciência, é suficiente para provar que temos livre-arbítrio.
Os críticos costumam responder a este argumento fazendo notar que os libertistas depositam uma confiança injustificada na introspecção. Eles chamam a atenção para que, por um lado, a introspecção pode ser incompleta, uma vez que podem existir factos de que não tenhamos consciência, e por outro, pode ser errónea, porque, a fazer fé em algumas teorias da psicologia, há mecanismos psicológicos que distorcem e dissimulam os nossos verdadeiros estados mentais. Assim, podemos estar a deliberar e a agir com a convicção de que somos livres apenas devido a estes dois factores e não a sermos de facto livres e a introspecção fazer-nos pensar que somos livres.
Os libertistas também dizem que quando fazemos acções diferentes daquilo que seria de esperar dado o nosso carácter, as nossas acções são livres. Os críticos, no entanto, uma vez mais não estão de acordo. O filósofo Elliott Sober expressa esta crítica do seguinte modo:
Suponha uma pessoa que normalmente é cobarde mas que numa dada ocasião consegue agir com coragem. Será plausível pensar que o acto corajoso não pode ser explicado pela mente da pessoa? Acho isto muito duvidoso. Suspeito que há aspectos da mente da pessoa que desempenharam um papel. Talvez uma combinação de circunstâncias raras a tenha levado a mostrar uma coragem que até aí fora impossível. (Elliott Sober, Core Questions in Philosophy, p. 310)
Os libertistas por vezes também procuram justificar o libertismo com a alegação de que o livre-arbítrio é uma condição necessária para se poder responsabilizar as pessoas pelas suas acções.
Contudo, os críticos chamam a atenção para que, para serem consistentes, os libertistas têm de admitir que uma pessoa só é responsável pelas suas acções se estas não tiverem causa, nem mesmo as suas próprias crenças e desejos. Mas isto, alegam os críticos, não faz qualquer sentido, uma vez que as pessoas só podem ser moralmente responsáveis por acções que tenham como causa necessidades ou desejos que tenham procurado satisfazer com as suas acções. Se a acção de uma pessoa não tem qualquer ligação com o carácter da pessoa nem resulta das suas crenças, desejos e motivos, se as escolhas da pessoa não têm efectivamente qualquer causa, então, ao contrário do que pretendem os libertistas, é um erro elogiar, censurar, recompensar ou punir de algum modo essa pessoa pelas suas acções.
Aparentemente, não é por uma acção não ter causa que ela poderá ser livre. Será que, então, ao contrário, uma acção pode ser causada e ser livre? Os deterministas moderados são da opinião que pode. Vamos ver, segundo eles, como.
Para os deterministas moderados, as acções podem ser causadas e, apesar disso, ser livres. Enquanto para os incompatibilistas — os deterministas radicais e os libertistas —, a mera verdade de uma das crenças acarreta a falsidade da outra, para os deterministas moderados, que são compatibilistas, as duas crenças podem ser verdadeiras ao mesmo tempo. A razão disto está em que eles não pensam, como aparentemente os incompatibilistas pensam, que uma acção para ser livre tem de ser não causada. Os deterministas moderados definem “acção livre” de modo diferente. Para eles, uma acção é livre desde que não seja o resultado de coerção: uma acção é livre desde que o sujeito, caso o tivesse desejado, tivesse agido de outra forma. Para compreender isto, imagine-se, por exemplo, que um estudante tem um teste para o qual está a estudar afincadamente porque quer ter boa nota. Uma vez que a sua acção resulta dos seus desejos e crenças e não lhe foi imposta (por exemplo, pelos pais devido a maus resultados em testes anteriores), é uma acção livre. Mas, se a sua acção de estudar resultasse de uma imposição paterna que não lhe deixasse qualquer alternativa, então não seria uma acção livre. Repare-se que em ambos os casos a sua acção tem causas. Contudo, no primeiro caso as causas são os seus próprios desejos e crenças, ao passo que no segundo caso as causas são os desejos e crenças dos seus pais. É essa diferença que faz com que num caso a acção seja livre e no outro não. No primeiro caso, a sua acção é livre porque está sob o controle das suas crenças e desejos e se tivesse tido outros desejos, poderia ter escolhido e realizado uma acção diferente. No segundo, de nada lhe valeria ter outros desejos e crenças porque não poderia agir de acordo com eles.
O determinismo moderado parece ter a vantagem óbvia de resolver o problema do livre-arbítrio sem nos obrigar a abdicar nem da crença no determinismo nem da crença no livre-arbítrio. Contudo, os críticos afirmam que só o faz porque altera completamente o sentido da expressão “acção livre”. Esta expressão pode ter, pelo menos, dois significados. Um significado é o de acção não causada: uma acção é livre se não for o resultado de nenhuma causa. O outro significado é o de acção não compelida: a acção de uma pessoa é livre se tem como causa os desejos e crenças da própria pessoa. Normalmente, os incompatibilistas, tanto deterministas como libertistas, entendem “acção livre” no primeiro sentido. Mas os deterministas moderados usam a expressão no segundo sentido, um sentido que, clamam os incompatibilistas, não é o sentido com que a expressão deve ser entendida quando se trata do problema do livre-arbítrio. Assim, os deterministas moderados, dizem os críticos, usam um truque de magia para resolver o problema do livre-arbítrio.
Uma outra crítica que se faz ao determinismo moderado é a de não explicar o comportamento compulsivo. Quando alguém age compulsivamente, age de acordo com os seus próprios desejos e crenças. Contudo, dificilmente se pode dizer que quem o faz é livre. Parece difícil acreditar que uma pessoa que, por exemplo, seja uma compradora compulsiva e que, por causa disso, contraia muitas dívidas e destrua o casamento, seja livre. No entanto, ela ao agir compulsivamente respeita completamente o critério do determinismo moderado, segundo o qual uma acção é livre se resultar dos desejos e crenças da pessoa que a realiza.
Outra crítica que por vezes se faz ao determinismo moderado é designada “a sala fechada de Locke” por referência ao filósofo John Locke que a concebeu. A ideia é que um homem que tivesse sido levado enquanto dormia profundamente para uma sala, cuja porta fosse em seguida trancada, onde estivesse uma pessoa com quem ele desejasse falar, ao acordar podia ficar contente por encontrar essa pessoa e decidir ficar aí em vez de se ir embora. Não se pode dizer que a acção desse homem seja livre, uma vez que se quisesse não poderia sair. No entanto, dizem os críticos, de acordo com o determinismo moderado a sua acção é livre.