A guerra mais longa dos Estados Unidos foi contra as nações nativas americanas, à medida que se dava a expansão para oeste, alimentada por repetidas corridas ao ouro e pela chegada dos caminhos-de-ferro, que invadiram os territórios dos povos shoshone, cheyenne e sioux, entre outros, nas Grandes Planícies e nas Montanhas Rochosas. No sudoeste, no Novo México, Texas e Nevada, as tribos comanche e apache resistiram aos colonos; quando os Estados Unidos adquiriram a Florida de Espanha, o resultado foi uma série de amargos conflitos com o povo seminola.
Segundo Dee Brown, um dos principais historiadores dos nativos americanos, foi no período entre 1860 e 1890 que
a cultura e a civilização do índio americano foi destruída, e é desse tempo que emanam praticamente todos os grandes mitos do oeste americano — historietas de comerciantes de peles, montanheses, pilotos de navios a vapor, prospectores, jogadores, pistoleiros, pessoal da cavalaria, vaqueiros, meretrizes, missionários, professoras e colonos. Só ocasionalmente se ouve a voz do índio, e mesmo então o mais frequente é que seja registada pela pena de um branco. O índio era a ameaça tenebrosa dos mitos, e mesmo que tivesse sabido escrever inglês, onde encontraria uma casa impressora ou quem o publicasse?1
Mas os conflitos do século XIX não eram novos. Os nativos americanos resistiram primeiro aos colonos, em inícios do século XVII, na Virgínia, nas guerras powhatan (1610–1614, 1622–1632 e 1644–1646), e na Nova Inglaterra, na guerra pequot (1636–1638). Ao longo de todo o século XVII, e do XVIII, ocorreram vários conflitos — pelo menos uma dúzia — de Nova Iorque à Carolina do Norte e do Sul, da Nova Escócia a Kentucky e à Virgínia ocidental, à medida que as tribos americanas nativas combatiam os invasores das suas terras. O exército norte-americano ainda combatia nativos no primeiro quartel do século XX, mesmo depois de tratados e deportações forçadas, e depois de se completar o sequestro de quase todas as nações nativas americanas para “reservas”; as guerras apache só acabaram oficialmente em 1924.
Esta é uma história notável de resistência e expropriação, e cometeram-se atrocidades dos dois lados. Um exemplo basta como indicação dos três séculos de confito envolvidos. Em 1851 foi assinado um tratado em Fort Laramie entre o governo dos EUA e sete “nações índias”, incluindo os arapaho e os cheyennes, reconhecendo-lhes o direito a uma vasta extensão de terras entre o rio Platte Norte, no limite setentrional, do Rio Arcansas, no meridional, e entre o Kansas ocidental, para leste, e as Montanhas Rochosas, para oeste. O território sobrepõe-se a partes do que são agora os estados de Wyoming, Nebrasca, Colorado e Kansas. Em 1858 descobriu-se ouro na área do Pico Pikes das Montanhas Rochosas, no Colorado, o que despoletou uma invasão de prospectores e colonos no território. O governo federal foi pressionado para rever o tratado de Fort Laramie, para redefinir a extensão do território nativo americano. No Tratado de Fort Wise, em 1861, quatro chefes arapaho e seis cheyenne aceitaram ficar sem onze de doze avos da terra que lhes tinha sido dada no Tratado de Fort Laramie. Os seus próprios povos, furiosos com eles devido a isto, e considerando que teriam sido subornados ou enganados, recusaram-se a reconhecer o tratado, e continuaram a viver e a caçar nas terras do tratado de 1851. Alguns dos bandos de guerreiros militantes dos cheyenne, os cães-soldados, eram especialmente hostis para com os colonos, e as tensões aumentaram nas proximidades do percurso dos campos auríferos, na região do Rio Smoky Hill do Kansas.
Um regimento de voluntários do Colorado fora criado para ajudar a causa da União, na guerra civil que começou em 1861, sob o comando de um pregador metodista que se tornou coronel do exército norte-americano, John Chivington. Depois de conseguir uma vitória sobre uma força texana na batalha de Glorieta Pass, no Novo México, em Março de 1862, o regimento regressou ao Colorado, onde Chivington, em colaboração com o governador territorial do Colorado, John Evans, decidiu usá-lo para lidar com os cheyenne.
A animosidade de Chivington para com os nativos americanos cresceu. “Raios partam qualquer homem que simpatize com os índios!” terá ele dito, quando um dos seus oficiais se opôs ao seu plano para massacrar os cheyenne em Sand Creek. “Vim para matar índios, e acredito que é correcto e honrado usar quaisquer meios debaixo do Céu do Senhor para matar índios.” Incitou as suas tropas: “Matem e tirem os escalpes de todos, grandes e pequenos; os piolhos criam lêndeas”.2
Na Primavera e início do Verão de 1864 os soldados norte-americanos atacaram, sem aviso, vários grandes povoados cheyenne e, numa ocasião, quando um grupo de chefes cheyenne se aproximou do regimento para encetar discussões, foram mortos à bala pelos soldados. À parte os bandos de militantes, a maior parte dos cheyenne queriam ardentemente evitar o conflito, e quando lhes ofereceram paz e a protecção do exército dos EUA caso fossem realojados em Fort Wise (também conhecido como Fort Lyon), no sudeste do Colorado, concordaram. Aí chegados, o grupo de cheyenne e arapaho, sob a liderança do chefe Black Kettle, foi informado de que deviam acampar a cerca de sessenta quilómetros do forte, na curva de um rio chamado Sand Creek.
Foi aqui que Chivington e as suas forças de quase setecentos tropas os atacaram, no dia 29 de Novembro de 1864. Pensando que estariam seguros sob a protecção das autoridades, os cheyenne não tinham montado guarda. Muitos dos homens encontravam-se fora, caçando, e cerca de dois terços dos cerca de seiscentos habitantes do campo eram mulheres e crianças. Chivington lançou o seu ataque de madrugada; os habitantes do campo só souberam do ataque quando ouviram o trovejar de cascos dos cavalos das tropas que atacavam. Black Kettle erguera a bandeira americana num mastro porque um oficial do exército norte-americano, um tal coronel Greenwood, lhe dissera que desde que a bandeira americana esvoaçasse acima dele, nenhum soldado dispararia contra ele.3 Mas a bandeira revelou-se inútil; as tropas foram em frente e levaram a cabo uma matança indiscriminada.
Uma das pessoas que testemunhou no inquérito que se seguiu, um comerciante e mediador chamado Robert Bent, que era casado com uma cheyenne e que, contra a sua vontade, havia integrado as forças de Chivington, descreveu o que viu:
Quando as tropas dispararam, os índios correram, alguns dos homens para os seus alojamentos, provavelmente para pegar em armas […] Vi cinco índias debaixo de um banco para se protegerem. Quando as tropas chegaram até elas, fugiram e mostraram-se para os soldados verem que eram mulheres, e pediram misericórdia, mas os soldados mataram-nas todas. Vi uma índia deitada num banco, com uma perna despedaçada por uma bala; um soldado chegou-se a ela de sabre em punho; ela levantou o braço para se proteger, quando ele atacou, e partiu-lhe o braço; ela virou-se e ergueu o outro braço, quando ele atacou de novo, braço que também ele partiu. Depois, ele afastou-se sem a matar. Parecia haver uma matança indiscriminada de homens, mulheres e crianças. Havia umas trinta ou quarenta índias amontoadas num buraco para se protegerem; enviaram uma menina de uns seis anos com uma bandeira branca num pau; mal tinha andado uns poucos de passos quando foi morta por um tiro. Todas as índias do buraco foram depois mortas, e quatro ou cinco crianças em seu redor. As índias não ofereceram resistência. De todas as índias que vi mortas tinham-lhes tirado os escalpes. Vi uma índia com o ventre aberto, e com um bebé por nascer, ao que me pareceu, a seu lado. O capitão Soule disse-me depois que tinha sido mesmo isso que acontecera. Vi o corpo de White Antelope [um dos chefes] com as suas partes íntimas cortadas, e ouvi um soldado dizer que ia fazer uma bolsa para tabaco com elas. Vi uma índia cujas partes íntimas tinham sido cortadas […] Vi uma menina de uns cinco anos que se tinha escondido na areia; dois soldados descobriram-na, tiraram as pistolas e mataram-na, e depois puxaram-na da areia pelo braço. Vi vários bebés de colo mortos com as suas mães.4
O relato de Bent foi corroborado por outras testemunhas uma das quais foi o tenente James Connor: “Percorro o campo de batalha no dia seguinte e não vi um corpo de homem, mulher ou criança a que não tivessem tirado os escalpes, e em muitos casos os seus corpos estavam mutilados da maneira mais horrível — homens, mulheres e crianças com as suas partes íntimas removidas, etc. […] Ouvi um homem dizer que cortou os dedos de um índio para lhe ficar com os anéis”. Depois de descrever outras profanações de corpos ainda mais explícitas e repugnantes, Connor disse que “tanto quanto sei e acredito, estas atrocidades que foram cometidas foi com o conhecimento de J. M. Chivington, e não tenho conhecimento de medidas da parte dele para evitá-las”.5
As tropas de Chivington eram uma milícia, indisciplinada e mal treinada; tinham estado a beber uísque na cavalgada nocturna para Sand Creek, e algumas das baixas sofridas na rixa diz-se que resultaram da falta de pontaria ao disparar. Segundo algumas estimativas, morreram cerca de cento e trinta cheyenne e arapaho, quase todos mulheres e crianças, e o resto fugiu; Chivington afirmou que matara entre quinhentas e seiscentas pessoas. Teria conseguido fazer uma estimativa mais precisa, pois tanto ele como os seus homens voltaram ao local do massacre no dia seguinte para tirar mais escalpes e outras partes de corpos, incluindo órgãos genitais masculinos e femininos, com os quais decoraram as selas e chapéus, e que exibiram nos saloons e até no Teatro Apolo de Denver.
As famílias das vítimas do massacre, juntamente com muitos arapaho e cheyenne de outras áreas, juntaram-se aos cães-soldados ao longo de vários anos de ataques retaliatórios no Colorado e no Nebrasca. Como quase toda a resistência dos nativos americanos, os números superiores, poder militar e organização dos conquistadores brancos eram demais para eles. Excepções, como a vitória dos guerreiros sioux (Dacota), cheyenne e arapaho na batalha de Little Bighorn, a “última batalha de Custer”, em Junho de 1876, foram apenas isso: excepções.
Mas a consequência imediata do massacre de Sand Creek foi diferente. A princípio saudada como uma vitória sobre um inimigo numeroso e perigoso, a verdadeira natureza dos acontecimentos de Sand Creek depressa ficou conhecida, devido aos relatos de testemunhas oculares de algumas das tropas envolvidas — oficiais de dois dos esquadrões recusaram tomar parte, e havia civis como Robert Bent que faziam parte das forças armadas. Dois inquéritos militares e um do Congresso tiveram lugar, concluindo o segundo que Chivington “planeou e executou deliberadamente um massacre imundo e cobarde que teria feito cair em desgraça o mais selvagem de entre as vítimas da sua crueldade. Tendo integral conhecimento do seu carácter amigável, tendo ele mesmo sido instrumental em alguma medida para os colocar na posição de imaginária segurança, aproveitou-se da sua incompreensão e condição indefesa para gratificar as piores paixões que jamais atormentaram o coração do homem”.6 Surpreendentemente, foi só esse o castigo de Chivington: foi criticado.
O governo federal fez um novo acordo com os cheyenne e arapaho, o Tratado de Little Arcansas de 1865, prometendo reparações aos sobreviventes do massacre de Sand Creek e dando às tribos acesso aberto às terras a sul do Rio Arcansas (mas excluindo-os das terras a norte do rio). Dois anos depois, o governo federal recuou, substituindo estas medidas por uma nova resolução, o Tratado de Medicine Lodge de 1867, reduzindo em noventa por cento a área de terras da reserva. Não foi a última das reduções de área que foram impostas.