A existência levanta problemas complexos e importantes na metafísica, filosofia da linguagem, e lógica filosófica. Muitos destes problemas podem ser organizados em torno das seguintes duas questões: É a existência uma propriedade de indivíduos? E pressupondo que a existência é uma propriedade de indivíduos, há indivíduos que carecem dessa propriedade?
O que significa perguntar se a existência é uma propriedade? Uma resposta integral a esta pergunta exige uma teoria geral de propriedades, o que está bastante além do escopo deste artigo. Contudo, podemos delinear o cenário, brevemente, para que possamos estabelecer a nossa discussão acerca da existência. (Veja-se os verbetes sobre propriedades e substância para uma discussão mais profunda). As propriedades contrastam com os indivíduos. Esta distinção pode ser explicada usando a relação de instanciação. O meu gato instancia a propriedade de estar com fome, dado que esse é um modo como ele é. Dado que o meu gato é em si um indivíduo, não é instanciado por coisa alguma. Assim, embora as propriedades também instanciem — a propriedade de ser vermelho, por exemplo, tem a propriedade de ser uma cor — apenas as propriedades são instanciadas; os indivíduos apenas instanciam. A nossa primeira questão é se a existência é instanciada e, se o for, se é instanciada por indivíduos como Obama, a minha cadeira, e a figueira no meu quintal. Será que os indivíduos instanciam, além de propriedades corriqueiras como ter fome, ser um ser humano, ser confortável para se sentar, a propriedade expressa pelo verbo português “existe”?
Há um debate, na bibliografia sobre propriedades, entre a concepção abundante de propriedades, de acordo com a qual há uma propriedade correspondente a cada predicado da linguagem natural e, de forma mais geral, a cada classe de indivíduos, e a concepção esparsa, de acordo com a qual um predicado expressa uma propriedade apenas se os objetos aos quais esse predicado se aplica assemelharem-se uns aos outros de um modo intrínseco. Se a concepção abundante for verdadeira, então a nossa primeira questão pode parecer trivial: a existência é uma propriedade de indivíduos porque frases como “Bill Gates existe” são gramaticais e há uma classe de todos os indivíduos e, portanto, uma propriedade de existir correspondente. Parece, deste modo, que a nossa primeira questão só tem interesse se a concepção esparsa for verdadeira. Mas as aparências enganam. Como veremos na seção 1, há uma controvérsia relacionada à questão de saber se a forma lógica de uma frase como “Bill Gates existe” é realmente sujeito-predicado em estrutura e, portanto, se o verbo português “existir” é realmente um predicado de indivíduos. A questão de saber se a existência é uma propriedade de indivíduos talvez seja mais direta na concepção esparsa de propriedades. Entretanto, a questão também pode ser levantada mesmo na concepção abundante, como a questão de saber se a existência é uma propriedade dos indivíduos envolvidos na nossa conversa acerca do que existe e do que não existe, sendo, portanto, uma questão acerca da forma lógica das frases usadas no nosso discurso existencial.
Podemos detectar o problema de saber se a existência é uma propriedade num desacordo, entre o filósofo grego Aristóteles e alguns de seus seguidores medievais, acerca da relação entre a essência de um indivíduo e a sua existência. O debate exige alguma contextualização. Começaremos com a distinção entre acidente e essência e a relação dessa distinção com a contingência e a necessidade. Algumas das propriedades de uma coisa são contingentes, no sentido de que a coisa poderia não as ter tido. Estou escrevendo agora, mas, ao invés disso, eu poderia ter saído para correr. Portanto, estar agora trabalhando num artigo é uma das minhas propriedades contingentes. As propriedades contingentes contrastam com as propriedades necessárias. Sou necessariamente humano, no sentido de que é impossível que eu seja um não humano. (Pode ser possível que não seja o caso que sou um ser humano, no sentido em que é possível que eu nunca tenha absolutamente existido, caso em que eu não estaria, nessa possibilidade, incluído na classe dos humanos. Mas isso é uma questão diferente.) Todas as propriedades contingentes são acidentes e todas as essências são necessárias, porém de acordo com o Aristotélico, algumas propriedades necessárias são acidentes. As propriedades essenciais de uma coisa são inseparáveis do portador, não apenas no sentido de que a propriedade é necessariamente tida por esse objeto (na medida em que o objeto existe), mas no sentido mais profundo de que qualquer explicação adequada acerca do que esse objeto é envolve aquela propriedade; elas são parte de qualquer definição adequada da coisa ou da resposta à pergunta “O que é este objeto?”. Sou essencialmente um humano e talvez essencialmente a pessoa que de fato sou, se houver essências individuais além de essências gerais. Sou necessariamente idêntico a algo e necessariamente tal que 2 + 2 = 4, mas estas propriedades estão entre os meus acidentes, dado que não são parte de qualquer explicação adequada acerca do que sou e do que me distingue dos outros. Embora esta distinção entre as propriedades necessárias de uma coisa e as suas propriedades essenciais seja controversa, não há dúvida de que essa fosse a perspectiva de Aristóteles, partilhada pela maior parte de seus seguidores medievais, influenciando dessa forma a primeira ocorrência histórica do debate acerca da existência sob discussão. Aristóteles parece ter visto na existência nada mais do que essência; não há um hiato entre uma afirmação acerca do que uma coisa é e a existência dessa coisa. São Tomás de Aquino, por outro lado, reconhecidamente distinguiu a essência de uma coisa da sua existência. Aquino defendeu algo como o seguinte, no capítulo 4 de seu O Ente e a Essência. Uma pessoa pode ter um entendimento acerca do que é um homem ou uma fênix sem saber se tal coisa existe. Portanto, a existência é algo adicional à essência. Resumidamente, Aquino defendeu que a existência é uma propriedade separada, posto que a existência não é parte da maioria das naturezas dos objetos e, deste modo, esses objetos podem ser concebidos ou pensados separadamente das suas existências.
Há uma longa e notável linhagem de filósofos, incluindo David Hume, Immanuel Kant, Gottlob Frege e Bertrand Russell, que seguiram Aristóteles ao negar que a existência seja uma propriedade separada dos indivíduos, muito embora rejeitassem outros aspectos das visões de Aristóteles. Hume defendeu (no Tratado Sobre a Natureza Humana 1.2.6) que não há qualquer impressão da existência que seja distinta da impressão de um objeto, que é em última análise, na visão de Hume, um agrupamento de qualidades. Dado que todas as nossas ideias com conteúdo derivam de impressões, Hume concluiu que a existência não é uma propriedade separada de um objeto. A crítica de Kant aos argumentos ontológicos a favor da existência de Deus se baseou numa rejeição da afirmação de que a existência é uma propriedade de um objeto. Os proponentes do argumento ontológico defendem que o conceito de Deus enquanto uma entidade com todas as perfeições, ou um ser acerca do qual nada mais grandioso pode ser pensado, implica a existência de Deus, dado que a existência é uma perfeição e um ser que existe é mais grandioso do que um ser que não existe. Kant objetou (na sua Crítica da Razão Pura, A596/B624-A602/B630) que a existência não é uma propriedade. “Assim, quando penso uma coisa, quaisquer que sejam e por mais numerosos que sejam os predicados através dos quais a penso (ainda que em sua determinação completa), não lhe acrescento o mínimo que seja quando postulo adicionalmente que esta coisa é. Pois, de outro modo, aquilo que existiria não seria o mesmo que aquilo que pensei em meu conceito, e sim mais do que isso, e eu não poderia dizer que é propriamente o objeto do meu conceito que existe” (A600/B628). Por último, tanto Frege como Russell defenderam que a existência não é uma propriedade de indivíduos, mas sim uma propriedade de segunda ordem — uma propriedade de conceitos, para Frege, e para Russell, uma propriedade de funções proposicionais. De forma grosseira, dizer que os dinossauros não existem é dizer que a propriedade de ser um dinossauro não é instanciada; dizer que Jean-Baptiste Botul não existe é dizer que alguma propriedade — a saber, a propriedade de ser um crítico kantiano do pós-guerra bastante peculiar e pai do Butolismo — não é instanciada. Em nenhum dos casos trata-se de dizer acerca de algum indivíduo que ele não existe, o que nem Frege nem Russell pensavam que fazia sentido.
A visão segundo a qual a existência não é uma propriedade de indivíduos tornou-se a visão comum no princípio do século XX. Embora as razões interconectadas de Aristóteles, Hume e Kant a favor dessa tese tenham persuadido algumas pessoas, a força dominante por detrás desse consenso é o pensamento, desenvolvido mais fortemente em Russell (1905b), segundo o qual negar que a existência seja uma propriedade de primeira ordem é o único modo de evitar a consequência de que existem coisas que não existem e, portanto, haver uma distinção entre ser e existir, a nossa segunda questão formulada anteriormente. A tese segundo a qual existem coisas que não existem foi defendida pelo filósofo austríaco Alexius Meinong. A existência é uma propriedade genuína de indivíduos, afirmou Meinong, mas não é universalmente tida. Embora haja muitas formas de se motivar o meinongianismo, uma motivação inicial é o paradoxo das existenciais negativas singulares — frases que parecem afirmar verdadeiramente a não existência de um indivíduo, como a frase “Jean-Baptiste Botul não existe”. Para que tal frase seja verdadeira, parece que a posição de sujeito tem de designar alguma entidade à qual a não existência é realmente predicada, caso em que há coisas — a designação destes termos singulares — que não existem. Frege e Russell, por outro lado, encaram as mesmas frases como demonstrando que essas expressões não são termos singulares genuínos, de todo em todo, e que as existenciais negativas têm todas uma forma geral, asserindo a não instanciação de uma propriedade.
A próxima seção discute a explicação de Frege e Russell acerca das existenciais negativas verdadeiras. A segunda seção discute o meinongianismo, comparando a explicação das existenciais negativas verdadeiras oferecida pelo meinongiano com a explicação russelliana discutida na primeira seção. O verbete termina com a discussão de uma explicação antimeinongiana de acordo com a qual a existência é uma propriedade universal de indivíduos e uma discussão das questões inter-relacionadas acerca da existência no contexto do tempo quantificado e das lógicas modais.
Há dois conjuntos de razões para negar que a existência seja uma propriedade de indivíduos. O primeiro é a perplexidade de Hume e Kant acerca do que a existência adicionaria a um objeto. Qual é a diferença entre uma maçã vermelha e uma maçã vermelha que existe? Para ser vermelha (ou mesmo para ser uma maçã) a coisa tem de já existir, dado que apenas as coisas existentes instanciam propriedades. (Este princípio — segundo o qual a existência é conceitualmente prévia à predicação — é rejeitado pelos meinongianos.) Dizer que uma coisa é vermelha e é uma maça e, além disso, que existe é dizer algo redundante. A ideia parece ser a de que instanciar alguma propriedade em si pressupõe existência e, portanto, a existência não é uma propriedade adicional para além das propriedades genuínas de uma coisa. A ideia não é simplesmente que tudo aquilo que instancia alguma propriedade existe, como se aplica a ser auto-idêntico, ser ou não ser um humano — pressupondo a lei do terceiro excluído — e ser tal que 2 + 2 = 4, propriedades as quais parecem ser todas propriedades não problemáticas de indivíduos, ainda que esse estatuto seja negado à existência. A ideia é, ao invés disso, a de que a instanciação de absolutamente qualquer propriedade pressupõe conceitualmente a existência de um sujeito, de um modo que torna incoerente conceber a existência como uma propriedade adicional daquela coisa. A existência da coisa é anterior a qualquer predicação e, portanto, é incoerente conceber a existência como uma propriedade tida pela coisa. Este pensamento está por detrás da tese de Aristóteles segundo a qual a existência não é uma característica adicional de uma coisa, para além da sua essência.
A segunda consideração que favorece a tese de que a existência não é uma propriedade de indivíduos diz respeito ao paradoxo das existenciais negativas singulares. Suponha-se que a existência é uma propriedade da designação do termo do sujeito numa frase existencial singular. Assim, “Ronald McDonald não existe” predica a não existência à designação do termo sujeito, caso em que a realidade inclui uma entidade — a designação do termo singular (sujeito da predicação) — que tem a propriedade de não existir. Isso, queixa-se Russell, contraria um sentido robusto de realidade, de acordo com o qual tudo existe. (Veja-se Russell [1905a]). Devemos rejeitar, portanto, a afirmação de que a existência é uma propriedade da designação dos termos sujeitos nas frases existenciais.
Para que possamos apreciar a explicação alternativa de Russell, consideremos primeiramente as afirmações gerais de não existência. Dizer que as raposas existem é dizer que há coisas que são raposas; isto é, a propriedade de ser uma raposa é instanciada. Isto reflete-se na regimentação padrão de frases do tipo “Raposas existem” e “Há raposas” na lógica quantificacional de primeira ordem como ∃xFx, onde Fx é a tradução do predicado “x é uma raposa”. Termos categoriais gerais não designam, portanto, indivíduos, acerca dos quais dizemos (de forma redundante) que existem, quando usamos o predicado “existe” ou (paradoxalmente) dizemos que eles não são, quando usamos o predicado “não existe”. Termos categoriais designam, ao invés disso, propriedades, e frases simples aparentemente sujeito-predicado, como “Raposas são carnívoras”, são encaradas como tendo uma forma lógica mais complicada, ∀x(Fx → Cx), onde Cx traduz o predicado “x é um carnívoro”. (Isto ignora a questão difícil de saber se os enunciados genéricos são realmente quantificadores, sendo mais problemáticos pelo fato de que alguns enunciados genéricos parecem admitir exceções — “As aves voam” é verdadeira, muito embora pinguins sejam aves e não voem; “Os gatos têm quatro patas” é verdadeira, muito embora exista um gato de três patas perambulando pelo planeta. Veja-se o verbete sobre enunciados genéricos). Dada esta análise, afirmações gerais de não existência não são problemáticas. A frase “Dragões não existem” diz, nesta análise, que a propriedade de ser um dragão não é instanciada. Considere-se a classe mais inclusiva das coisas que existem; nada nessa classe tem a propriedade de ser um dragão. Isso é o que ¬∃xDx diz, sendo Dx a tradução do predicado “x é um dragão”. Isto é significativo, pois não exige que identifiquemos uma entidade para depois lhe predicar a propriedade da não existência.
A visão de Frege e Russell segundo a qual a existência é uma propriedade de segunda ordem se baseia na ideia de que frases existenciais aparentemente singulares e frases existenciais negativas como “Bill Gates existe” e “Ronald McDonald não existe” são, em suas formas lógicas mais profundas, afirmações existenciais gerais e afirmações existenciais negativas. Foquemos na versão de Russell dessa abordagem.
Russell afirmou que nomes próprios comuns como “Bill Gates” são descrições definidas disfarçadas, algo como “o homem mais rico do mundo”. E descrições definidas, dada a visão de Russell acerca das descrições definidas, não são termos que genuinamente referem, mas sim expressões quantificacionais. A frase “O homem mais rico do mundo mora em Washington” tem, como forma lógica, uma estrutura quantificacional e não uma estrutura de sujeito-predicado, sendo equivalente a algo como o seguinte: existe uma única pessoa mais rica que mora em Washington. Indivíduos não entram diretamente na proposição expressa pela frase e não são parte das condições de verdade da frase.
Estes aspectos da explicação de Russell acerca das descrições definidas são significativos para o tratamento das existenciais aparentemente singulares e das existenciais negativas, na medida em que removem a necessidade de haver entidades que sirvam como a designação dos termos singulares para que o significado e a verdade das existenciais negativas sejam acomodados. Existenciais aparentemente singulares como “Bill Gates existe” se assimilam a existenciais gerais como “Raposas existem”. Pressupondo que o nome próprio “Bill Gates” é analisado como a descrição definida “a pessoa viva mais rica”, a frase “Bill Gates existe” tem uma forma lógica que pode ser mais fidedignamente expressa como Existe alguém que é univocamente mais rico do que qualquer outra pessoa viva. Isto não é redundante nem não informativo, visto que podemos apreender em pensamento as propriedades, ao mesmo tempo que nos perguntamos, racionalmente e coerentemente, se são ou não propriedades instanciadas. A explicação de Russell dissolve, de forma similar, os problemas gerados pelas existenciais negativas aparentemente singulares, como “Ronald McDonald não existe”. A verdade dessa frase não exige uma designação para o termo ao qual a não existência é predicada. “Ronald McDonald” abrevia uma descrição definida, a saber, “o palhaço feliz do hambúrguer”. A frase “Ronald McDonald não existe” expressa uma proposição da forma Não é o caso que existe, univocamente, um palhaço feliz do hambúrguer. Esta proposição é verdadeira, ainda que absolutamente tudo o que há existe. A proposição diz respeito à propriedade de ser um palhaço feliz do hambúrguer e diz acerca dessa propriedade que ela não é univocamente instanciada. Embora a propriedade — o verdadeiro sujeito da predicação — exista, não somos forçados, contudo, a aceitar a realidade de entidades que não existem para que possamos reconhecer esta frase como dizendo algo verdadeiro.
A estratégia de Russell depende de duas afirmações. A primeira é a de que a negação numa frase existencial negativa tem âmbito longo, aplicando-se à sub-frase toda e não apenas ao predicado. Assim, “Ronald McDonald não existe” não envolve atribuir o predicado “é não existente” ao sujeito “Ronald McDonald”. Tal frase é melhor representada, ao invés, como “Não é o caso que [Ronald McDonald existe]”. A segunda é a de que “Ronald McDonald” não é uma expressão que genuinamente refere e o predicado “existe” significa de fato algo como é instanciado. Note-se que a primeira não é suficiente, por si só, para extinguir os problemas gerados pelas frases existenciais negativas singulares aparentemente verdadeiras. Ainda que a forma profunda de “Ronald McDonald não existe” seja “Não é o caso que [Ronald McDonald existe]”, pressupondo que “Ronald McDonald” é um termo singular genuíno, o problema de encontrar na realidade alguma entidade que sirva como a designação de “Ronald McDonald” permanece. Essa entidade é, deste modo, parte da realidade e, portanto, pressupondo que o meinongianismo é falso, é existente. Nesse caso, a sub-proposição Ronald McDonald existe é verdadeira e, portanto, sua negação falsa. O problema das frases existenciais negativas singulares verdadeiras não repousa na suposição de que elas envolvem atribuir a propriedade da não existência. Deste modo, é a segunda das afirmações supramencionadas que carrega o peso da solução de Russell para o problema das existenciais negativas singulares.
A segunda componente da solução russelliana — a afirmação de que nomes próprios comuns como “Bill Gates” são descrições definidas disfarçadas — enfrenta inúmeras objeções. Uma é o argumento semântico. (Veja-se [Kripke 1972]). Suponha-se que o equivalente descritivo do nome “Bill Gates” seja “a pessoa viva mais rica do mundo”. Um entendimento semântico adequado da frase “Bill Gates é mais rico do que qualquer outra pessoa viva” seria assim suficiente para o reconhecimento de sua verdade. (Mais precisamente, a frase “Se alguém é mais rico do que qualquer outra pessoa viva, então Bill Gates é mais rico do que qualquer outra pessoa viva” tem esta característica). Mas isso parece implausível. Certamente temos de coletar informação empírica para determinar a sua verdade. Uma pessoa que se pergunte se alguém, suponhamos, Warren Buffett, é mais rico do que Bill Gates não manifesta irracionalidade ou ignorância semântica, comparativamente a alguém que se pergunte se uma dúzia é mais do que 12 unidades.
Talvez estas considerações devam motivar o descritivista a abandonar descrições de “grandes feitos” em favor de descrições metalinguísticas como “a pessoa denominada ‘Bill Gates’” ou descrições causais como “a pessoa que está na origem desta cadeia de usos do nome ‘Bill Gates’”. (Veja-se [Bach 1981, 2002], [Kroon 1987] e [Lewis 1984] para discussão.) É plausível que a competência semântica seja suficiente para saber que a frase “Bill Gates se chama ‘Bill Gates’” é verdadeira e, embora talvez a importação de fatos extrassemânticos acerca do uso da linguagem seja necessária, é plausível que qualquer falante competente da língua portuguesa saiba que qualquer espécime da frase “Bill Gates é a pessoa que está na origem desta cadeia de usos do nome ‘Bill Gates’” é verdadeira. Portanto, estas descrições parecem sobreviver ao argumento semântico apresentado no parágrafo anterior. Contudo, enfrentam outra objeção, com a qual as versões mais simples do descritivismo também se defrontam: nomeadamente, a objeção modal ([Kripke 1972]). Embora seja absolutamente impossível que Bill Gates não seja Bill Gates, é metafisicamente possível, ao que parece, que Bill Gates não seja a pessoa viva mais rica, sendo, ao invés, um americano médio, e parece metafisicamente possível que ele não se chame “Bill Gates” e não esteja na origem causal de alguma cadeira particular de usos do nome “Bill Gates”, a menos que a cadeia seja individuada parcialmente em termos do indivíduo atual que a funda. Isto sugere que nomes próprios comuns e os seus alegados equivalentes descritivos anteriormente considerados não são, de fato, semanticamente equivalentes, dado que se comportam de forma diferente sob operadores modais como “é necessário que”. [Veja-se o verbete sobre nomes para mais discussão acerca destes problemas.]
Em resposta ao argumento modal, o descritivista pode lançar mão de descrições da essência individual como “a pessoa idêntica a Bill Gates”, “a pessoa que Bill-Gatetiza”, ou rigidificações das descrições supramencionadas, “a pessoa atualmente denominada ‘Bill Gates’” e “a pessoa que atualmente está na origem desta cadeia de usos do nome ‘Bill Gates’”, todas elas designando a mesma pessoa em cada mundo possível no qual designam algo. É plausível que a competência semântica é suficiente para o reconhecimento da verdade da frase “Bill Gates é a pessoa idêntica a Bill Gates” e que essa frase expressa uma verdade necessária. Portanto, estas versões do descritivismo parecem escapar aos problemas discutidos nos parágrafos anteriores. As duas primeiras candidatas, no entanto, não são muito promissoras para resolver o problema das frases existenciais negativas singulares aparentemente verdadeiras. Sabemos o que é a propriedade de ser idêntico a Bill Gates, mas apenas porque conhecemos o resultado de emparelharmos um dos relata na relação diádica ser idêntico a com o indivíduo Bill Gates. Contudo, na medida em que pensamos que a realidade não inclui qualquer entidade idêntica a Ronald McDonald, somos levados a nos perguntar o que é a propriedade de ser idêntico a Ronald McDonald. Porque os conteúdos destas propriedades são derivados dos indivíduos que servem como os referentes dos nomes que nelas ocorrem, tais propriedades são péssimas candidatas a equivalentes descritivos para uma versão robusta do descritivismo, e dificilmente lançam luz sobre a verdade das frases existenciais negativas aparentemente singulares como “Ronald McDonald não existe”. Considerações similares aplicam-se à visão predicativa.
As últimas candidatas, as descrições metalinguísticas rigidificadas e as descrições causais rigidificadas, são as mais promissoras para uma forma robusta de descritivismo. Contudo, alguns afirmam que podemos identificar diferenças importantes, de algum caráter, entre o funcionamento de um nome e o funcionamento da sua suposta descrição rigidificada semanticamente equivalente. Em primeiro lugar, alguns afirmam que o nome “Bill Gates” designa Bill Gates relativamente a todos os mundos possíveis, incluindo os mundos onde Bill Gates não existe; caso contrário, a frase “Bill Gates não existe” não seria verdadeira relativamente a esses mundos. Mas a descrição rigidificada “a pessoa atualmente denominada ‘Bill Gates’”, por exemplo, não designa qualquer coisa relativamente a tal mundo, dado que nada no domínio desse mundo satisfaz a condição de ser denominado “Bill Gates” no mundo atual. Isso porque é apenas Bill Gates que satisfaz essa condição e ele não é um membro do domínio do mundo possível em questão. Assim, diferenças no modo como um nome e uma descrição rigidificada se comportam sob operadores modais podem ainda ser detectadas. (Veja-se [Salmon 1981] para mais discussão.) Esta objeção pressupõe que o domínio de quantificação varia de mundo para mundo e que indivíduos que servem como a designação de nomes comuns são existentes contingentes genuínos, teses as quais podem ser negadas. A objeção também pressupõe que o escopo da descrição é o domínio do mundo relativamente ao qual a descrição está sendo avaliada e que o operador de atualidade rigidifica apenas a condição da descrição, o que também pode ser negado. A segunda objeção ao descritivismo rigidificado diz respeito às diferenças que alguns afirmam existir entre o modo como nomes e descrições rigidificadas se comportam sob verbos de atitude proposicional. Intuitivamente, mesmo que as coisas tivessem sido muito ligeiramente diferentes do que atualmente são — digamos que nesta manhã comprei uma rosquinha com papoila ao invés de uma rosquinha com gergelim —, Jones teria ainda assim acreditado que Bill Gates é rico. Mas se o conteúdo da crença de Jones diz respeito ao mundo atual, como dita o descritivismo rigidificado, então, para manter a sua crença atual nessa situação contrafactual, ele teria de acreditar em algo acerca de outro mundo possível — o mundo atual. Mas é implausível que Jones tenha uma crença acerca de outro mundo possível. Assim, o conteúdo da crença de Jones não diz respeito ao mundo atual e, portanto, uma pessoa pode acreditar no que é expresso por “Bill Gates é rico” sem acreditar no que é expresso por “A pessoa que atualmente está na origem da cadeia de usos do nome ‘Bill Gates’ é rica”. (Veja-se [Soames 1998].)
Esta seção examinou a tese segundo a qual frases existenciais aparentemente singulares e frases existenciais negativas são na verdade existenciais gerais, as quais são então tratadas como atribuindo a propriedade de ser instanciada ou não ser instanciada a alguma propriedade. A necessidade de conceder ser a entidades que não existem para explicar a verdade de frases como “Ronald McDonald não existe” é assim evitada, o que não é uma vitória insignificante. O sucesso dessa proposta, contudo, parece basear-se na afirmação de que nomes próprios comuns têm equivalentes descritivos, o que muitos filósofos da linguagem rejeitam. (Para mais discussão sobre a questão de saber se “existir” é ou não um predicado de primeira ordem genuíno em sua forma lógica profunda, veja-se, para além das referências anteriores desta seção: [Crane 2012], [Dancy 1986], [Geach 1954, 1986], [Haaparanta 1986], [Hintikka 1984, 1986], [Kneale 1936], [Mackie 1976], [McGinn 2000], [Miller 1975, 1986], [Moltmamnn 2013], [Moore 1936], [Owen 1965], [Pears 1967], [Quine 1948], [van Inwagen 2008], [Vilkko e Hintikka 2006], [Wiggins 1995], [Williams 1981], e [Williams 1995].
Em parte com base nos problemas acima discutidos, muitos filósofos rejeitam o descritivismo e aceitam que os nomes próprios comuns são dispositivos de referência direta, que há frases existenciais negativas genuinamente singulares e verdadeiras, e portanto que existem objetos não existentes. “Ronald McDonald” parece um termo que refere, aberto à generalização existencial, no sentido em que uma frase como “Ronald McDonald não existe” implica “Existe algo que não existe”, e “existir” parece ser um predicado que se aplica ou falha em se aplicar à designação de termos que ocupam o lugar de sujeito, sendo equiparável a um predicado como “estar sentado”. O meinongiano adota estas aparências e conclui que a realidade inclui referentes de nomes vazios e esses referentes não existem. O meinongiano troca a simplicidade lógica e semântica pela abundância metafísica.
O meinongianismo é a tese de que há objetos que não existem e, portanto, incluídas no domínio mais irrestrito de quantificação e discurso estão as entidades não existentes. Um desafio imediato para o meinongiano é oferecer condições de individuação para não existentes. O princípio da compreensão mais direto é o princípio ingênuo segundo o qual para qualquer condição sobre objetos, há um único objeto que satisfaz exatamente essa condição. Para os nossos propósitos, podemos conceber uma condição como aquilo que determina um conjunto de propriedades; grosseiramente, as propriedades expressas pelos predicados que compõem a condição. Nesse caso, a condição C é a mesma condição que C’ quando ambas determinam o mesmo conjunto de propriedades. Segue-se disto que, correspondendo a qualquer conjunto de propriedades, existe exatamente um objeto com exatamente aquelas propriedades. O princípio da compreensão ingênuo enfrenta vários problemas. No restante desta seção, apresentaremos estes problemas e distinguiremos diferentes versões do meinongianismo em termos dos dispositivos empregados para desenvolver um princípio da compreensão restrito para objetos que evite esses problemas. (Todos estes problemas são desenvolvidos na discussão de Russell sobre Meinong. Veja-se [Russell 1905a, 1907]. Para uma discussão acerca do debate entre Russell e Meinong, veja-se [Smith 1985].)
O primeiro é o problema dos objetos incompletos. As condições não têm de ser totais; isto é, não exigimos que o conjunto de propriedades que uma condição determina seja tal que, para qualquer propriedade, ou a propriedade ou o seu complemento é um membro desse conjunto. Deste modo, pelo princípio da compreensão ingênuo, a condição de ser um cantor define um objeto com exatamente essa propriedade — ser um cantor — e nenhuma outra propriedade. Um conjunto com outras propriedades também é um conjunto distinto de propriedades e corresponde, assim, a uma condição diferente e, portanto, a um objeto diferente. Alguns consideram que objetos incompletos sejam em si problemáticos, dado que são contraexemplos à bivalência: o nosso cantor, por exemplo, não tem a propriedade de usar um vestido nem a propriedade de não usar um vestido. E também conduzem a ameaças mais genéricas de paradoxo. O nosso cantor é um objeto com exatamente uma propriedade: a de ser um cantor. Esta é a sua característica definidora e única. Portanto, ter exatamente uma propriedade é também uma propriedade do nosso cantor e essa propriedade é distinta da propriedade de ser um cantor, a qual o nosso cantor também tem. Desta forma, o cantor tem duas propriedades. Contradição. Uma solução simples consiste em restringir o princípio da compreensão a condições totais. A proposta resultante conduz, no entanto, a uma aplicação questionável da metafísica meinongiana a problemas relacionados à verdade ficcional, pois muitos querem afirmar que simplesmente não há qualquer fato relativamente a Sherlock Holmes ter ou não uma mancha no ombro esquerdo, dado que as histórias de Holmes deixam isso indeterminado e não há quaisquer fundamentos mais profundos para qualquer das duas predicações. A promessa de empregar objetos inexistentes para explicar verdades aparentes acerca da ficção é uma das principais virtudes da teoria. Associadamente, esta solução fragiliza uma motivação central para o meinongianismo — nomeadamente, a ideia de que há um sujeito de predicação correspondente a qualquer objeto de pensamento, dado que certamente não pensamos apenas em objetos completos. Portanto, a solução simples é demasiada simples e o meinongiano terá de encontrar outra solução mais complexa para os problemas de incompletude.
O segundo é o problema da contradição. Um princípio da compreensão ingênuo gera objetos que violam o princípio da não contradição. Considere-se a condição de ser mais alto que qualquer coisa. Pelo princípio da compreensão ingênuo, esta condição determina um objeto e, portanto, há um objeto que tem exatamente a propriedade de ser mais alto que qualquer coisa. Mas então este objeto é mais alto do que ele próprio, o que é uma contradição, dada a irreflexividade da relação de ser mais alto que. A irreflexividade da relação de ser mais alto que é não lógica. Não é assim, porém, com a relação de identidade, posto que = é tipicamente encarado como sendo um predicado lógico. É uma verdade lógica que tudo é auto-idêntico; isto é, a frase ∀x x=x é verdadeira sob qualquer interpretação. Considere-se, no entanto, a propriedade de ser autodistinto. Pelo princípio da compreensão ingênuo, esta condição determina um objeto e esse objeto é autodistinto. Mas então esse objeto não satisfaz a condição x=x. Portanto, a nossa frase logicamente verdadeira tem um contraexemplo. Contradição.
Um terceiro problema, o problema das objeções de Russell ao meinongianismo (Veja-se [Russell 1905a, 1907]), está relacionado ao fato de a existência ser, no meinongianismo, uma propriedade e aparecer, portanto, na base do princípio da compreensão. Considere-se a condição de ser alado, ser um cavalo, e existir. Pelo princípio da compreensão ingênuo, há um objeto com exatamente estas características. Mas então este objeto existe, dado que existir é um dos seus aspectos caracterizadores. Intuitivamente, contudo, não há qualquer cavalo alado existente. Um objeto existente não pode ser tão facilmente trazido à existência. Na verdade, para cada objeto intuitivamente não existente que motiva o meinongianismo — Zeus, Pégasos, Papai Noel, e Ronald McDonald — há, pelo princípio de abstração ingênuo, um objeto exatamente igual a ele, mas com a propriedade adicional de existir. Mas então há um Zeus existente, um Pégaso existente, etc.. Isto é sobrelotação não apenas de ser, mas de existência também.
O princípio da compreensão ingênuo deve, assim, ser rejeitado e um princípio restrito que conecte conjuntos de propriedades a objetos deve ser colocado em seu lugar. O princípio deve gerar objetos suficientes para servir o propósito meinongiano de assegurar, para todo e qualquer pensamento, um objeto correspondente, ao mesmo tempo que evita os problemas acima discutidos. Podemos distinguir duas estratégias, ambas sugeridas pelo aluno de Meinong, Ernst Mally [Mally 1912]. A primeira distingue dois tipos de propriedades, as quais, seguindo Terence Parsons [Parsons 1978, 1980], chamaremos propriedades nucleares e propriedades extranucleares. Embora a distinção permaneça em última análise obscura, a ideia central é a de que as propriedades nucleares são parte da natureza de uma coisa, interpretada de uma forma ampla, e as propriedades extranucleares são externas à natureza de uma coisa; mais precisamente, as propriedades nucleares, mas não as propriedades extranucleares, são parte da caracterização daquilo que o objeto é. O princípio da compreensão é então restrito a condições envolvendo apenas os predicados nucleares. Propriedades problemáticas, como existir, etc., são consideradas como extranucleares e estão para além do escopo do princípio da compreensão, não determinando os objetos que existem. São as propriedades nucleares, e não as propriedades extranucleares, que individuam os objetos. A segunda facção meinongiana distingue dois modos de predicação: aquilo a que Mally chamou determinação e satisfação, Hector-Neri Castañeda [Castañeda 1974, 1975, 1978, 1980, 1986, 1989, 1990] chamou predicação interna e externa, William Rapaport [Rapaport 1978] chamou circunscrição e exemplificação, Kit Fine [Fine 1982] chamou implícito e explícito, e Edward Zalta [Zalta 1983, 1988] chamou codificar e exemplificar. Nesta visão, há uma classe unitária de propriedades que o princípio da compreensão abrange, mas o princípio determina as propriedades codificadas e não exemplificadas (seguindo a terminologia de Zalta) pelo objeto caracterizado. Para qualquer condição, há um único objeto que codifica apenas essas propriedades. Um objeto pode ou não exemplificar as propriedades que ele codifica. Sherlock Holmes codifica as propriedades de ser um detetive e viver no 221B da Baker Street, etc., mas ele não exemplifica essas propriedades. Ele exemplifica (mas não codifica) as propriedades de ser um personagem ficcional e ser o herói das histórias de Holmes de Arthur Conan Doyle. As propriedades que um objeto exemplifica não são, nesta visão, uma questão de mera estipulação.
Como estas distinções resolvem os problemas acima levantados para o princípio da compreensão ingênuo? Comecemos com a visão de Parsons. Parsons foca nos problemas de contradição e do cavalo alado existente. Seguindo a discussão de Russell acerca de Meinong, em [Russell 1905a, 1907], Parsons considera a ameaça de contradição gerada por objetos impossíveis como o quadrado redondo. Meinong afirmou que há um quadrado redondo, mas isso, queixou-se Russell, leva a violações do princípio da não contradição, dado que essa entidade é então redonda e não redonda, à luz do fato de ser quadrada, o que implica que ela não é redonda. A resposta de Parsons (veja-se [Parsons 1980], 38-42) parece consistir em negar que ser quadrado implica não ser redondo, caso em que é simplesmente falso que o quadrado redondo não seja redondo. Ele pensa que a implicação ocorre apenas para objetos “reais”. Afirma que há contraexemplos para a afirmação de que todos os objetos quadrados não são redondos; afinal, o quadrado redondo é um objeto quadrado que é redondo! Esta solução, contudo, não parece dissolver a ameaça mais geral da contradição, como discutido acima. Na verdade, o próprio Parsons reconhece o sucesso limitado da sua resposta (veja-se [Parsons, 1980, 42n8]). Ele concede que ser não quadrado é uma propriedade nuclear. Mas nesse caso o seu princípio da compreensão implica que há um objeto correspondente à condição de ser um quadrado não quadrado, onde esse objeto instancia as propriedades incompatíveis de ser um quadrado e ser um não quadrado. A ameaça de contradição não foi silenciada.
Retornemos à resposta de Parsons ao problema da existência. O princípio da compreensão ingênuo enfrentou o problema de gerar um cavalo alado existente. Contudo, porque a existência é uma propriedade extranuclear, a versão de Parsons do princípio da compreensão, que correlaciona conjuntos de propriedades nucleares (apenas) a objetos, evita este problema. A condição de ser um cavalo alado existente não é composta unicamente de propriedades nucleares e assim o princípio de Parsons não o correlaciona a um objeto. A distinção de Parsons entre propriedades nucleares e extranucleares promete, de igual forma, resolver o problema dos objetos incompletos. Reconsideremos o nosso cantor. Esse objeto não tem exatamente uma propriedade; tem, ao invés, exatamente uma propriedade nuclear. Dado que ter exatamente uma propriedade nuclear é em si uma propriedade extranuclear, por mais que ser um objeto completo esteja na visão de Parsons, a ameaça de contradição é evitada.
A distinção entre propriedades nucleares e extranucleares permanece obscura. Parsons introduziu a distinção com listas de predicados nucleares (“se azul”, “ser alto”, “chutar Sócrates”, “ser uma montanha”) e predicados extranucleares (“existir”, “ser pensado por Meinong”, “ser completo”). Depois nos diz que as propriedades extranucleares são aquelas que não correspondem a propriedades de indivíduos ([Parsons 1980, 24]). E, evidentemente, são as propriedades nucleares, e não as propriedades extranucleares, que individuam os objetos. O princípio de individuação de Parsons é o seguinte: “(1) Nunca dois objetos (reais ou irreais) têm exatamente as mesmas propriedades nucleares; e (2) Para qualquer conjunto de propriedades nucleares, algum objeto tem todas as propriedades desse conjunto e nenhuma outra propriedade nucleare” ([Parsons 1980, 19]). Todavia, não é claro qual é o estatuto que propriedades de identidade individual — propriedades como ser idêntico a A, onde A é uma substância individual como, por exemplo, o próprio Parsons — têm relativamente a esta distinção. Parsons afirma, às vezes, que são propriedades extranucleares ([Parsons 1980, 28]). Nesse caso, contudo, Parsons está comprometido com a tese problemática da identidade dos indiscerníveis e, portanto, com a impossibilidade de haver dois objetos primitivamente distintos, mas qualitativamente idênticos. (Para mais discussão, veja o verbete sobre a identidade dos indiscerníveis.) Muitos filósofos contemporâneos concordam que os objetos não são individuados qualitativamente, sendo primitiva a identidade e a diversidade deles. As duas esferas qualitativamente indiscerníveis de Max Black são primitivamente distintas, em virtude do fato de que uma tem a propriedade de ser essa própria coisa e a outra carece dessa propriedade (veja-se [Black 1953]). Para aceitar isto, Parsons precisa incluir as propriedades de identidade individual entre as propriedades nucleares. Ademais, é difícil ver por que as propriedades de identidade não são propriedades de indivíduos. Suponhamos que encaramos as propriedades de identidade, como ser idêntico a A, como propriedades nucleares, aquelas propriedades que estão no leque do princípio da compreensão restrito de Parsons. Assim, as negações nucleares dessas propriedades são também nucleares. Mas então podemos pegar o conjunto de todos os objetos, construir a propriedade de identidade individual para cada objeto, construir a negação nuclear de cada uma dessas propriedades, e depois, a partir dessas propriedades, construir uma condição que, pelo princípio da compreensão de Parsons, corresponde a um objeto. Há, desta forma, um objeto que é distinto de qualquer objeto que exista, o que é uma contradição. Não é claro, portanto, que a distinção entre propriedades nucleares e extranucleares e a restrição do princípio da compreensão a propriedades nucleares resolva os problemas enfrentados pelo princípio da compreensão ingênuo. (Para mais discussão acerca da ideia de Parsons, veja-se [Fine 1982, 1984] e [Zalta 1992].)
Anteriormente, distinguimos duas versões do meinongianismo sofisticado. A primeira, baseada na distinção entre propriedades nucleares e extranucleares, mostrou-se inadequada. Voltamo-nos agora para a segunda, baseada na distinção entre codificar e exemplificar uma propriedade, focando na versão de Zalta desta postura, que é a versão desenvolvida de forma mais completa na literatura. Ao passo que Parsons distinguiu diferentes tipos de propriedades, restringindo o princípio da compreensão a propriedades nucleares apenas, na esperança de assim evitar os problemas que assolam o princípio da compreensão ingênuo, Zalta distingue, com o mesmo propósito, dois modos diferentes de ter uma propriedade. Exemplificar uma propriedade corresponde ao modo familiar no qual um indivíduo tem uma propriedade; é aproximadamente o que a maior parte dos metafísicos têm em mente quando falam de instanciar uma propriedade. Obama exemplifica a humanidade, a minha cadeira exemplifica o ser confortável, e a figueira no meu quintal exemplifica o precisar de água. Aquilo que o princípio da compreensão faz é dizer não quais propriedades os objetos exemplificam, neste sentido, mas sim quais propriedades eles codificam. Portanto, para qualquer condição C sobre de propriedades, há um objeto que codifica exatamente essas propriedades, o que deixa em aberto se esses objetos também exemplificam essas propriedades ou não.
Como esta distinção resolve os problemas enfrentados pelo meinongianismo, apresentados anteriormente nesta seção? Pelo princípio da compreensão, a condição de ser um cantor determina um objeto com exatamente essa propriedade. Mas o princípio da compreensão não implica que esse objeto exemplifica a propriedade de ser um cantor, mas sim que ele codifica tal propriedade. Exemplificar a propriedade de ser um cantor requer exemplificar outras propriedades como ter uma localização espacial, ter uma laringe, etc., propriedades as quais o nosso cantor nem codifica nem exemplifica. Contudo, o objeto pode codificar a propriedade de ser um cantor sem codificar estas propriedades adicionais. O cantor de fato exemplifica algumas propriedades, como a propriedade de ser abstrato. O cantor codifica a propriedade de ser um cantor, não codifica a propriedade de ser abstrato, e exemplifica múltiplas propriedades, incluindo a propriedade de ser abstrato, de ser o tópico deste parágrafo, e de não ser um cantor. Isto não é contraditório, tendo em vista a diferença fundamental entre codificar e exemplificar. De forma mais geral, o princípio da compreensão de Zalta correlaciona conjuntos de propriedades com objetos que codificam, não (necessariamente) exemplificam, essas propriedades. Na medida em que o conjunto de propriedades que caracterizam um objeto não é completo, o objeto resultante será incompleto no que diz respeito às propriedades que ele codifica. Mas não precisa ser incompleto no que diz respeito às propriedades que ele exemplifica. Embora o nosso cantor não codifique nem a propriedade de usar sapatos azuis nem a propriedade de não usar sapatos azuis, podemos dizer que ele exemplifica a propriedade de não usar sapatos azuis. A bivalência é salva, pelo menos no que diz respeito à exemplificação.
Restringir o princípio da compreensão a propriedades codificadas e rejeitar uma transferência fácil entre propriedades codificadas e propriedades exemplificadas também promete evitar as outras ameaças de contradição apresentadas acima. Relembremos a condição logicamente impossível de ser distinto de si próprio. O princípio da não contradição diz respeito às propriedades que os objetos exemplificam, não às propriedades que os objetos codificam (pressupondo que o nosso meinongiano fornece uma explicação para objetos impossíveis). Porque um objeto pode codificar propriedades inconsistentes sem as exemplificar, objetos impossíveis não violam o princípio da não contradição. Por fim, a preocupação de Russell de que um princípio da compreensão meinongiano gera cavalos alados existentes pode ser respondida. Há um objeto correlacionado à condição de ser um cavalo alado existente, mas esse objeto codifica e não exemplifica a propriedade de existir. Ser existente pode caracterizar um objeto sem que esse objeto exemplifique a existência. Não temos de nos preocupar, assim, com uma sobrelotação de seres existentes, dado que seres existentes exemplificam a existência, o que o cavalo alado existente não faz.
Uma visão baseada na distinção entre codificar e exemplificar evita as objeções padrão ao meinongianismo, ao mesmo tempo que promete concretizar os muitos benefícios dessa visão. A semântica e a lógica são diretas e simples e as formas superficiais das frases da linguagem natural de interesse neste artigo harmonizam-se com as formas lógicas mais profundas dessa semântica e dessa lógica. Os custos ontológicos, no entanto, são evidentes. Há simplicidade semântica e lógica a custo de um preço metafísico. (Para mais acerca do meinongianismo, além das referências anteriores nesta seção, veja-se o seguinte: [Barz 2016], [Berto 2012], [Berto e Priest 2014], [Findlay 1963], [Griffin 1985], [Jacquette 1989, 1996], [Lambert 1983], [Landini 1990], [Lewis 1990], [Priest 2005], [Rapaport 1976, 1978, 1981], [Routley 1966, 1979, 1980], [Voltolini 1995, 2006], [Zalta 1983, 1985, 1988, 1992].
As duas seções anteriores discutiram perspectivas que negam que a existência é uma propriedade de indivíduos e perspectivas que negam que a existência seja uma propriedade universal. Esta seção considera perspectivas de acordo com as quais a existência é uma propriedade universal de indivíduos, na esperança de colher os benefícios de ambas as perspectivas anteriores. Explora-se a interação entre quantificadores, operadores temporais, operadores modais, e um predicado existencial de primeira ordem e universal, numa tentativa de expor algumas dificuldades que tal perspectiva enfrenta.
Tanto para o meinongiano como para o proponente da abordagem sob consideração, nomes próprios são diretamente referenciais e frases simples nas quais eles ocorrem expressam proposições singulares. No entanto, ao contrário do meinongiano, um proponente da visão a ser desenvolvida nesta seção insiste que absolutamente tudo existe. Nesse caso, uma frase como “Ronald McDonald não existe” ou expressa uma proposição singular completamente articulada e, portanto, é falsa, dado que nesse caso há um referente do termo singular (que ocupa o lugar de sujeito) que existe, ou não expressa uma proposição com valor de verdade de todo em todo, posto que o termo singular carece de um conteúdo semântico. Em nenhum dos casos a frase é verdadeira. Evitar essa consequência foi uma motivação fundamental por detrás de todas as explicações alternativas discutidas nas duas seções anteriores. O primeiro desafio enfrentado por um defensor de uma tal visão é, assim, explicar como frases do tipo “Ronald McDonald não existe” são simultaneamente dotadas de significado e por vezes aparentemente verdadeiras, sem abandonar as teses de que absolutamente tudo existe e de que todos os nomes são dispositivos de referência direta.
Uma sugestão importante, adotada por Saul Kripke (1973 [2013]), Peter Inwagen (1977, 1983, 2000, 2003), Nathan Salmon (1998), David Braun (1993, 2005), e Amie Thomasson (1999, 2003, 2009), entre outros, é a de que nomes aparentemente vazios como “Ronald McDonald” referem personagens ficcionais existentes, ainda que abstratos. Personagens ficcionais tanto têm ser como existência. (Para uma crítica poderosa a esta forma de realismo ficcional, veja-se Hofweber 2000.) Posto que não nos deparamos com eles na rua, não os vemos no ônibus, ou os sentimos nas nossas camas, dadas as suas ausências de localização espaciotemporal, é plausível que aquilo que um falante quer dizer quando profere a frase “Ronald McDonald não existe” não é a proposição falsa que a frase expressa, mas sim a proposição verdadeira de que o Ronald McDonald (o personagem ficcional) não é uma pessoa real, ou não é concreto. Na verdade, isto é sugerido pela retificação natural, “Ronald McDonald não existe; ele é uma criação da publicidade!” Nesta perspectiva, portanto, não há frases existenciais negativas singulares genuinamente verdadeiras. Todas as frases existenciais singulares dotadas de sentido são verdadeiras e as suas negações falsas. De forma errônea, consideramos algumas frases existenciais negativas singulares como verdadeiras porque mesclamos, ou não distinguimos nitidamente existir de ser concreto. O benefício desta explicação é a semântica simples dos nomes próprios e a metafísica esparsa. O custo é o revisionismo relativamente àquilo que queremos dizer quando usamos frases existenciais negativas singulares aparentemente verdadeiras.
Concluímos esta seção discutindo brevemente questões que se levantam com a interação entre quantificadores, operadores temporais e modais, e um predicado existencial de primeira ordem e universal, dado que esta interação é a fonte de outro importante custo da explicação de existência a ser delineada nesta seção. Há dois conjuntos de intuições que parecem puxar em direções opostas. O primeiro diz respeito à transitoriedade e contingência da existência. As coisas parecem entrar e sair da existência ao longo do tempo. Platão e Descartes não existem mais, embora já tenham existido; quando Platão existia, Descartes ainda não existia; e neste momento a primeira criança a nascer em 2150 não existe, mas esse indivíduo existirá. Parece, assim, que coisas diferentes existem em momentos diferentes. De igual forma, acerca das coisas que de fato existem, parece que algumas delas poderiam não ter existido de todo em todo e coisas diferentes — coisas que de fato não existem — poderiam, ao invés ou adicionalmente, ter existido. Parece, deste modo, que coisas diferentes existem em mundos diferentes. Estas intuições são bastante robustas. O segundo conjunto de intuições diz respeito ao estatuto ontológico dos objetos não atuais e não presentes. Muitos filósofos são atraídos pela tese do atualismo: a tese de que absolutamente tudo é atual e o modo como um objeto é simpliciter é o modo como ele é atualmente, possibilidades não atualizadas de um objeto sendo, em algum sentido, maneiras hipotéticas de ser para esse objeto. Embora menos popular, muitos filósofos aceitam o análogo temporal do atualismo, a tese do presentismo, de acordo com a qual absolutamente tudo é presente e o modo como um objeto é simpliciter é o modo como ele é presentemente; o modo como um objeto foi e será corresponde, em algum sentido, a maneiras hipotéticas de ser para esse objeto. Estes dois conjuntos de intuições combinados à visão de existência sob consideração nesta seção leva a dificuldades.
Comecemos com o problema modal. Poderia ter havido um objeto distinto de todos os objetos atualmente existentes. Por exemplo, eu poderia ter tido um irmão e, dado o essencialismo da origem, se eu tivesse um irmão, ele teria sido distinto de quaisquer objetos atualmente existentes, dado que nenhuma coisa atualmente existente poderia ter sido o meu irmão. As nossas intuições relativamente a como as coisas poderiam ter sido leva-nos a aceitar esta afirmação como verdadeira. Contudo, pela tese do atualismo, absolutamente tudo é atual e, pela nossa visão acerca da existência, existe e, portanto, existe atualmente. Parece, assim, que o atualismo e a nossa visão acerca da existência são incompatíveis com a possibilidade intuitiva de haver um objeto distinto de todos os objetos existentes e com a intuição de que eu poderia ter tido um irmão.
Podemos sistematizar a intuição da contingência da existência do seguinte modo: seja A o operador de atualidade, onde Aϕ é verdadeiro relativamente a um mundo w sob uma interpretação I apenas no caso de ϕ ser verdadeiro relativamente ao mundo característico de I: ◇∃x¬A∃y(y=x). Chamemos a esta frase de Alien. O problema é que a verdade de Alien acarreta compromisso ontológico com indivíduos meramente possíveis e, portanto, acarreta a falsidade da tese do atualismo. Uma maneira de fundamentar esse problema é invocar a Fórmula de Barcan, ou um dos axiomas mistos propostos para operadores modais e quantificadores no trabalho revolucionário de Ruth Barcan Marcus em lógica quantificada modal [Marcus 1946], de acordo com a qual todas as instâncias da frase ◇∃x ϕ(x) → ∃x◇ϕ(x) são logicamente verdadeiras. (Nas fórmulas anteriores, ϕ(x) representa qualquer fórmula na qual a variável x pode ser livre ou não.) Podemos então transpor o operador modal e o quantificador em Alien para derivar ∃x◇¬A∃y(y=x). A verdade desta segunda frase requer, evidentemente, que exista algo que não é atual, contrariamente aos ditames do atualismo. A Fórmula de Barcan, e em parte por esta mesma razão, é controversa e rejeitada por aqueles que aderem a uma semântica de mundos possíveis de domínios variáveis para o discurso modal. Assim, não é provável que esta linha de argumento convença alguém de que as nossas intuições modais levam a problemas.
A Fórmula de Barcan é controversa. Há, contudo, uma segunda linha de argumento que não se baseia na validade da Fórmula de Barcan, apoiando-se ao invés disso em combinar definições padrão de verdade para frases quantificadas e modais da maneira mais direta. Alien é verdadeira sob uma interpretação I apenas no caso de haver um mundo w acessível a partir do mundo característico de I com um objeto no seu domínio que não esteja no domínio do mundo característico de I. Isto porque a sua verdade exige que ∃x¬A∃y(y=x) seja verdadeira relativamente a w e, portanto, é tentador concluir que exista uma testemunha que satisfaça a condição ¬A∃y(y=x) em w. Mas essa é a dificuldade. Se o atualismo for verdadeiro, então não há qualquer testemunha deste gênero, mesmo se pudesse ter havido. Se formos realistas quanto à semântica dos mundos possíveis, a teoria dos modelos para o discurso modal em si própria não contém modalidade primitiva, contendo ao invés disso mundos como pontos de avaliação e a noção de verdade num mundo, caso no qual “existir” na recursão de verdade supramencionada não ocorre dentro do escopo de um operador de possibilidade. Assim, se a Alien é verdadeira, há algum objeto o e algum mundo possível acessível w tal que o satisfaz ¬A∃y(y=x) em w, o que parece contrariar a tese do atualismo, dado que essa testemunha não existe atualmente. (Para mais discussão acerca deste problema e algumas das soluções consideradas a seguir, veja-se o verbete sobre atualismo.)
Uma solução consiste em abandonar o atualismo e aceitar que há objetos meramente possíveis. De acordo com esta posição possibilista, objetos meramente possíveis estão incluídos no domínio mais irrestrito de quantificação, sendo constituintes da realidade fundamental. Embora esta posição mereça séria consideração, coloquemo-la de parte e exploremos apenas as soluções atualistas. (A posição é estruturalmente similar à posição meinongiana, na medida em que o domínio de quantificação mais inclusivo, onde as coisas existem no sentido mais inclusivo e irrestrito, inclui entidades que não existem atualmente, ainda que elas existam simpliciter.) Uma segunda solução baseia-se em duas coisas: a distinção meinongiana entre ser (no sentido de ser um membro do domínio mais inclusivo de quantificação e discurso) e existir, e a afirmação de que há objetos que não existem. Armados com uma metafísica meinongiana, podemos rejeitar que Alien capta a intuição de que a existência é contingente, optando ao invés disso pela seguinte frase como fazendo isso, onde E!x é o predicado de existência logicamente primitivo meinongiano: ∃x(¬E!x ⋀ ◇E!x). O meinongiano pode então negar Alien e apelar para a verdade desta frase para explicar as nossas intuições acerca da contingência da existência. Tudo é atual, nesta perspectiva, embora algumas dessas coisas atuais não existam, mas poderiam ter existido, muito embora todas elas tenham ser e o domínio do ser é fixado ao longo de todos os mundos possíveis. Contudo, esta solução para os nossos problemas está indisponível para um proponente da visão de que a existência é uma propriedade universal de indivíduos.
Bernard Linsky e Edward Zalta [Linsky e Zalta 1994] apresentam para este problema uma solução inédita que promete ser consistente com os princípios da visão acerca da existência sob consideração nesta seção. (Uma explicação similar é defendida por Timothy Williamson [Williamson 1998, 1999a [2000], 1999b, 2000, 2002, 2013]. Para uma discussão bastante interessante acerca de Williamson, veja-se [Goodman 2016].) Considere-se a possibilidade intuitiva de eu ter um irmão. Uma entidade que codifica a propriedade de ser meu irmão existe atualmente, mas como um objeto não concreto. Esse objeto é apenas contingentemente não concreto; ele poderia ter sido concreto, e se tivesse sido concreto, teria exemplificado a propriedade de ser meu irmão (juntamente a outras propriedades que ele codifica e as consequências necessárias disso). Nesta perspectiva, o meu possível irmão (bem como qualquer objeto tido como meramente possível) existe atualmente, mas como um indivíduo não concreto que poderia ter sido concreto. A perspectiva é tanto atualista, dado que absolutamente tudo é atual, e antimeinongiana, dado que absolutamente tudo existe. Note-se, contudo, que a Alien, a frase de dois parágrafos acima proposta para captar as nossas intuições acerca da contingência da existência, é falsa nesta visão, posto que qualquer indivíduo é um ser existente necessário. Alternativamente, a nossa intuição de que existir é contingente é explicada em termos da contingência daquilo que é concreto e não concreto. Assim, onde C!x é um predicado da concretude logicamente primitivo, é a verdade da seguinte frase, não a verdade de Alien, que explica essas intuições: ∃x(¬C!x ⋀ ◇C!x). Embora a explicação da contingência da existência mantenha uma similaridade estrutural com a explicação meinongiana discutida no parágrafo anterior, a metafísica é significativamente diferente e, portanto, as duas visões não devem ser identificadas. Linsky e Zalta descrevem uma perspectiva não meinongiana e atualista que trata a existência como uma propriedade universal de indivíduos.
A perspectiva de Linsky e Zalta implica que a concretude é uma propriedade acidental, no sentido de que o indivíduo auto-idêntico que é de fato não concreto (o meu possível irmão, por exemplo) poderia ter sido concreto e o indivíduo auto-idêntico que é de fato concreto (eu e você, por exemplo) poderia ter sido não concreto. Muitos metafísicos rejeitarão isto com base na ideia de que a concretude é categorial e um indivíduo não altera propriedades categoriais através do espaço modal. Mas agora considere o análogo temporal das questões modais com existência e concretude que temos explorado: o problema dos existentes temporários. Embora as explicações que alguém forneça para os dois problemas não tenham de andar de mãos dadas (Linsky e Zalta, por exemplo, não oferecem o análogo temporal da explicação que dão para existentes contingentes), dado que há diferenças entre a modalidade alética e a modalidade temporal, é útil considerá-las como um par para os nossos propósitos. Intuitivamente, as coisas entram e saem da existência; aquilo que existe num momento não existe noutro. O análogo temporal da perspectiva de Linsky e Zalta acerca dos existentes contingentes implica que tudo existe sempre. Aquilo que há e aquilo que existe num momento é a mesma coisa que aquilo que é e aquilo que existe em qualquer outro momento; o domínio de quantificação é fixado ao longo de todos os momentos. O que varia de momento para momento é, ao invés, quais desses indivíduos são concretos. Sócrates ainda existe agora, embora como um indivíduo não concreto, que foi concreto em 450 a.C, e similarmente para a primeira criança a nascer em 2150. Esta perspectiva exige que uma coisa possa sobreviver à mudança de ser não concreto para ser concreto, o que é a explicação para aquilo a que os antigos chamariam geração, e a mudança de ser concreto para ser não concreto, o que é a explicação daquilo a que os antigos chamariam destruição. Nesta perspectiva, portanto, mudanças aparentemente substanciais são, na verdade, formas de mudança qualitativa: uma mudança na qualidade da concretude. Isto contraria a concepção comum de que a concretude é necessária e eterna a qualquer objeto que a instancia, sendo a divisão entre indivíduos concretos e não concretos aquilo que marca uma divisão entre categorias de ser. Muitos metafísicos insistem que, exatamente como uma mesma coisa não pode deixar de ser um indivíduo para ser uma propriedade, assim também uma mesma coisa não pode deixar de ser não concreta para se tornar concreta.
Quais são os prospectos de uma teoria de acordo com a qual a existência é uma propriedade universal, genuinamente contingente e efêmera de indivíduos? Tal visão exige que o domínio de quantificação varie de mundo para mundo e de momento para momento, dado que tudo que é existe, mas indivíduos diferentes existem em mundos possíveis diferentes e em momentos diferentes, caso em que o domínio de quantificação varia de mundo para mundo e de momento para momento. Nesse caso, a Alien de antes é verdadeira. Assim, algum erro tem de ser encontrado no argumento anterior de que a verdade de Alien é inconsistente com a tese do atualismo. Uma das respostas encontradas na literatura rejeita o último passo, insistindo que há afirmações gerais que poderiam ter sido verdadeiras, e portanto são verdadeiras em algum mundo possível acessível, sem que haja instâncias específicas dessas afirmações que sejam verdadeiras nesses mundos possíveis acessíveis. Em ambientes não modais, a frase quantificada ∃xϕ(x) é verdadeira caso haja alguma testemunha o que satisfaça a condição ϕ(x). Essa condição falha, contudo, para frases quantificadas verdadeiras num mundo meramente possível. A teoria dos modelos para uma linguagem modelo — com o seu espaço de mundos possíveis e indivíduos povoando os domínios de mundos possíveis — contém, como todo o resto se o atualismo for verdadeiro, apenas entidades atualmente existentes. No entanto, frases como a Alien são verdadeiras e, portanto, há mundos meramente possíveis nos quais ∃x¬A∃y(y=x) é verdadeira. Não há qualquer indivíduo acerca do qual ¬A∃y(y=x) seja verdadeira, em virtude do qual a frase quantificada seria verdadeira, embora ela tivesse sido verdadeira caso aquele mundo meramente possível tivesse sido atual. Talvez isto seja mais claro quando mudamos de frases sendo verdadeiras relativamente a mundos meramente possíveis para proposições sendo verdadeiras em mundos meramente possíveis. Há um mundo w no qual a proposição existencial [há algo tal que não há qualquer coisa atual idêntica a esse algo] é verdadeira, mas não há qualquer proposição singular [não há qualquer coisa atual idêntica a o] verdadeira em w, dado que não há qualquer entidade o. Tivesse w sido atual, contudo, teria havido uma tal entidade e é este fato que fundamenta a verdade da proposição existencial em w. (A fonte clássica desta distinção é [Adams 1981]. Veja-se também [Fine 1985] e [Fitch 1996].) Deste modo, esta sugestão contraria a semântica padrão para frases quantificadas, que reduz a verdade ou falsidade de frases existenciais e universais à verdade ou falsidade das suas instâncias, quando ampliamos essa semântica para verdade num mundo. A sugestão também exige uma distinção entre verdade com respeito a um mundo (truth at a world), em termos da qual a teoria dos modelos para operadores modais é dada, e verdade em um mundo (truth in a world), o que envolve a noção de considerar o que teria havido tivesse um mundo não atual sido atual. (Para mais acerca desta distinção e do problema da contingência da existência de forma mais genérica, veja-se o verbete sobre atualismo.)
Este verbete começou por notar que a existência levanta muitos problemas complexos e importantes em metafísica, filosofia da linguagem, e filosofia da lógica. O verbete examinou alguns desses problemas e considerou várias explicações diferentes acerca da existência. Nenhuma das teorias consideradas é completamente satisfatória e sem custo. A primeira visão proposta por Frege e Russell trata a existência como uma propriedade de segunda ordem e entende as existenciais aparentemente singulares como existenciais gerais. A proposta exige o descritivismo, a tese segundo a qual nomes próprios comuns têm equivalentes descritivos, o que pode se mostrar uma tese problemática. A segunda visão, meinongiana, exige aceitar indivíduos que não existem. Vimos que esta perspectiva enfrenta dificuldades em fornecer princípios de individuação coerentes, além de informativos e plausíveis, para indivíduos não existentes e todas as versões desta perspectiva sofrem com o problema da sobrelotação metafísica. Por fim, a visão ingênua de que a existência é uma propriedade universal de indivíduos foi apresentada. Essa visão enfrentou o problema de ter de rejeitar a verdade de frases existenciais negativas singulares muito intuitivamente verdadeiras como “Ronald McDonald não existe”. Esta visão também enfrenta dificuldades em explicar adequadamente a interação entre quantificadores e operadores modais e temporais. A existência permanece, deste modo, em si como um problema sério em filosofia da linguagem, metafísica, e lógica, e um problema conectado a alguns dos problemas mais profundos e importantes dessas áreas.