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Crítica
29 de Dezembro de 2007   Filosofia

O gramático conceitual

Matheus Martins Silva
Analysis and Metaphysics: An Introduction to Philosophy
de Peter F. Strawson
Oxford: Oxford University Press, 1992, 160 pp.

Este livro é interessante por uma série de motivos, sendo um deles desmentir preconceitos sobre a filosofia analítica, freqüentemente identificada com o falecido positivismo lógico ou uma concepção filosófica caricata, que reduz todos os problemas filosóficos a problemas de lógica ou linguagem. Outro motivo de interesse é que apesar de apresentar idéias sofisticadas o livro não pressupõe um leitor familiarizado com o tema: nove dos dez capítulos resultam de uma série de dezesseis aulas introdutórias de filosofia ministradas por Strawson na Universidade de Oxford, entre os anos de 1968 e 1987.

Nos capítulos 1, 2 e 3, Strawson apresenta diferentes teorias sobre a natureza geral da filosofia e seus métodos. O capítulo 1, “Filosofia Analítica: Duas Analogias”, é um dos mais interessantes do livro e apresenta duas descrições rivais acerca da natureza da filosofia analítica. Uma das descrições é a analogia do filósofo analítico como terapeuta. O filósofo como terapeuta não oferece uma teoria, mas uma prática que visa curar desarranjos mentais. Ao levantar questões filosóficas começamos a questionar coisas óbvias e fazer perguntas que parecem não ter respostas porque permitimos que as palavras se desliguem do seu uso corrente ou dos interesses teóricos que constituem o seu significado. Para acabar com esses problemas ilusórios (os desarranjos mentais) devemos nos voltar para o emprego efetivo das palavras e dos conceitos em questão. Um defensor ilustre dessa concepção filosófica é o segundo Wittgenstein.

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A outra analogia é a do filósofo analítico como gramático conceitual, que pode ser resumida da seguinte maneira: do mesmo modo que temos um domínio funcional da nossa língua nativa, mesmo sem conhecer de modo explícito as regras da gramática que governam a nossa língua, também podemos ter um domínio prático do equipamento conceitual, mesmo sem ter um entendimento explícito dos princípios que governam a utilização desse equipamento. Portanto, assim como o gramático produz uma análise sistemática das regras gramaticais que seguimos em nossa prática cotidiana, também o filósofo fornece uma análise sistemática da estrutura conceitual geral que dominamos implicitamente na prática cotidiana.

Strawson apresenta de maneira imparcial os pontos fortes e fracos de cada uma das analogias, mas acaba por recusar a analogia do filósofo como terapeuta devido a seu caráter auto-refutante: é uma teoria filosófica geral que pretende descartar as teorias filosóficas gerais. Nos capítulos 2 e 3, a partir da analogia do filósofo analítico como gramático conceitual, Strawson desenvolve uma concepção de filosofia: a tarefa do filósofo é descrever os conceitos mais gerais que organizam nosso pensamento acerca do mundo, os conceitos-tipo. A partir dessa concepção, do capítulo 4 em diante o autor aborda de modo interdisciplinar alguns problemas nos campos da lógica, ontologia e epistemologia.

O livro como um todo é bastante informativo e apresenta com clareza alguns debates filosóficos que envolvem conceitos centrais como “identidade”, “existência”, “verdade”, “conhecimento”, “significado”, “causalidade” e “liberdade”. Essa exposição clara torna possível compreender com facilidade até mesmo argumentos e teorias bastante especializados como a tese de Quine acerca do compromisso ontológico ou a teoria do significado de Donald Davidson.

Como mencionei, o livro afasta alguns preconceitos quanto à filosofia analítica (é um livro de um filósofo analítico que aborda questões metafísicas), mas também acaba por difundir outros: no capítulo 1, Strawson apresenta a filosofia continental como o tipo de filosofia que reflete de maneira mais ou menos sistemática sobre a situação humana (Heidegger, Sartre e Nietzsche) e a filosofia analítica como uma prática diferente, que lida com conceitos. Essa é uma péssima distinção não apenas porque podemos encontrar na filosofia analítica uma excelente bibliografia de reflexões sistemáticas sobre a situação humana como também é absurdo afirmar que os filósofos continentais não lidam com conceitos. Mas essa é uma exceção dentre as inúmeras virtudes do livro, que é sem dúvida uma leitura estimulante, por vezes repleta de humor e bastante informativo. Uma leitura obrigatória para quem gosta de boa filosofia.

Matheus Martins Silva

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ISSN 1749-8457