Vou falar acerca da situação actual em filosofia e, em relação a isso, acerca do meu próprio desenvolvimento como filósofo. Já fazia filosofia há décadas, literalmente, antes de se tornar para mim visível como o meu próprio trabalho se situava na actividade da filosofia e na vida intelectual em geral.
O facto intelectual central acerca da era presente é que o conhecimento progride. Sabemos simplesmente muito mais do que os nossos avós, e os nossos netos saberão muito mais do que nós. Nas cerimónias de queima das fitas diz-se que o conhecimento progride exponencialmente, mas não se pensa no que é um expoente. O conhecimento não progride exponencialmente, mas progride de facto colossalmente, e é um facto extraordinário que saibamos tanto. Este desenvolvimento, o progresso brutal do conhecimento, mudou a natureza da filosofia em alguns aspectos que quero mencionar. Primeiramente, durante três séculos depois de Descartes, as questões dominantes em filosofia eram epistémicas: Como podemos saber seja o que for com certeza? Como podemos responder ao cepticismo? Essas questões não podem ter para nós o mesmo significado que tiveram há três séculos ou mesmo há cem anos, e a razão é que estamos agora seguros acerca de muito do nosso conhecimento. É muito difícil, por exemplo, enviar homens à Lua, trazê-los de volta e depois perguntar “Sabemos realmente que o mundo exterior existe?” ou “Sabemos realmente que a Terra é redonda?” Portanto, o tipo de cepticismo que ocupou os filósofos por tanto tempo não pode ter para nós o mesmo significado. Ainda há questões cépticas tradicionais, mas são um pouco como os paradoxos de Zenão acerca do espaço e do tempo: para ir daqui até à porta tenho de percorrer metade da distância, e para percorrer a metade da distância tenho de percorrer metade da metade da distância, e, bom, sabemos aonde isto vai dar. Contudo, ninguém no fim do paradoxo de Zenão pensa “Ora bem, de facto não posso caminhar até à porta”, e é um pouco assim que estamos com respeito aos paradoxos cépticos. Os paradoxos tradicionais colocam questões como “Como sei que não estou a ser enganado por um génio maligno, a ter uma alucinação, ou que não sou um cérebro numa cuba?”, e assim por diante. Mas, ao fim e ao cabo, não duvidamos realmente que temos conhecimento seguro, e isso é um contraste com o século XVII. No século XVII, o conhecimento era genuinamente problemático. Muitas pessoas instruídas naquela era acreditavam na existência de unicórnios, e outras superstições eram extremamente comuns. Não temos este problema hoje. Temos de facto grandes lacunas no nosso conhecimento, algumas dos quais discutirei neste livro, mas actualmente há um corpo enorme de conhecimento que podemos simplesmente dar como garantido. Ademais, temos a tecnologia que torna esse conhecimento instantaneamente disponível. Se queremos saber o número de anéis de carbono na serotonina, basta fazer uma pesquisa no Google. É impressionante a quantidade de informação crua que temos à nossa disposição.
Um segundo efeito do progresso do conhecimento é ter alterado a natureza dos nossos problemas em filosofia. O problema central da filosofia não é colocar o conhecimento numa base segura, mas sim tornar o nosso conhecimento total consistente e coerente. E aqui está o quebra-cabeças: temos um conhecimento seguro de como o mundo funciona, num nível básico. O mundo consiste inteiramente de entidades às quais pensamos ser conveniente, se não inteiramente adequado, chamar “partículas”, como átomos e partículas subatómicas, e estas existem em campos de forças e estão organizadas em sistemas. Essa é a realidade básica. Mas se isso é o universo — se o universo consiste em partículas físicas estúpidas e destituídas de sentido organizadas em sistemas ainda mais amplos, nos quais as relações causais entre as partículas conectam os sistemas — se essa é a realidade última, onde entra a humanidade? Enquanto seres humanos, concebemos-nos como seres conscientes, sensíveis, linguísticos, políticos, éticos e estéticos. Também consideramos que temos livre-arbítrio e racionalidade. Essa é a realidade humana. A questão central na filosofia e aquela que analisarei nestas palestras é esta: Como se integra a realidade humana na realidade básica? E a questão não é apenas “Como podemos tornar a nossa realidade humana consistente com a realidade básica da física e da química?”; idealmente, devemos mostrar que a realidade humana é um desenvolvimento natural, uma consequência natural, da realidade mais básica das partículas físicas. Quero que se veja que, dado que temos electrões, é provável que acabemos por ter eleições, dado que temos protões, é provável que tenhamos presidentes. Para mim, não basta mostrar que podemos ficar com ambas as realidades, a humana e a básica. Temos também de mostrar que a realidade humana é uma consequência natural dessa realidade básica.
O pressuposto fundamental subjacente a este trabalho, e na verdade, penso, a qualquer abordagem sensata dos problemas filosóficos contemporâneos, é que temos de começar com dois pressupostos teóricos fundamentais: a física atómica e a biologia evolucionista darwinista. Esta abordagem dos problemas filosóficos preserva muitos dos problemas tradicionais acerca da natureza da realidade, da natureza e dimensão do conhecimento humano, da objectividade em ética, e diversas questões filosóficas consagradas. A mudança principal é que encaramos agora estas questões de um ponto de vista naturalista. A palavra “naturalismo” tem sido apropriada de modo equivocado por muitas pessoas que querem negar factos óbvios acerca da natureza. É um facto natural óbvio que temos consciência e intencionalidade. Tipicamente, contudo, quando os filósofos falam acerca de consciência ou intencionalidade “naturalizada”, querem negar a existência destes fenómenos enquanto fenómenos naturais intrinsecamente subjectivos. Fazem-no porque herdaram uma série de confusões filosóficas, que irei expor depois. A filosofia neste livro é resolutamente naturalista, reconhecendo que a consciência, a intencionalidade, a racionalidade, a ética, a estética, e outras coisas mais fazem parte da natureza. Quero enfatizar a ideia de que tudo o que realmente existe faz parte da natureza. Se Kant tinha razão acerca o imperativo categórico, então o imperativo categórico faz parte da natureza.
Já fazia filosofia literalmente há vinte ou trinta anos antes de me dar conta de que era isso que estava a fazer. A minha teoria dos actos de fala foi concebida para mostrar como, quando faço ruídos com a minha boca, estes ruídos podem ser actos de fala com significado; as minhas perspectivas sobre a consciência e a intencionalidade analisam-nas como fenómenos biológicos comuns, como a digestão ou a fotossíntese, e assim por diante com outros problemas filosóficos. Portanto, essa é a nossa questão: como se relaciona a realidade humana com a realidade mais básica?
O leitor interpretará mal o projecto se pensar que se trata de reconciliar a ciência com o senso comum ou qualquer coisa desse tipo. “Ciência” não é o nome de um domínio ontológico. É o nome de um conjunto de métodos para captar os factos. O facto de os átomos de hidrogénio terem um electrão e o facto de eu ter nariz são ambos epistemicamente objectivos, e ontologicamente fazem ambos parte da mesma realidade. É preciso técnicas especiais para descobrir o facto de os átomos de hidrogénio terem um electrão, mas isso é uma consequência fortuita das nossas limitações e não identifica um reino ontológico separado. O meu objectivo não é, sublinhe-se, reconciliar “ciência” e “senso comum”. Essa parecer-me-ia uma missão disparatada. Os resultados científicos, uma vez aceites, são senso comum.
Disse que os nossos pressupostos básicos são a teoria atómica da matéria e a teoria evolucionista da biologia, mas há um pressuposto ainda mais fundamental que é tão fundamental que nem sequer é propriamente concebido como uma teoria, dado ser a condição prévia para haver teorias. Por vezes chamamos-lhe realismo, ou realismo metafísico. A ideia é esta: existe um mundo real, uma realidade completamente independente das nossas representações. Muitas das nossas representações, embora nem todas, são verdadeiras ou falsas dependendo de se adequarem ou não aos aspectos dessa realidade. O realismo, entendido deste modo, não é outra teoria, mas sim a condição prévia para haver teorias, posto que teorias como a teoria atómica da matéria ou a teoria evolucionista da biologia só são inteligíveis sob o pressuposto de que há uma realidade que existe independentemente da teoria de qualquer pessoa. O realismo tal como o entendo não é uma teoria acerca do que existe, mas sim a condição prévia para haver estas teorias. O pressuposto de que existe esta realidade é uma condição de possibilidade para haver teorias acerca de qualquer coisa. Portanto, quando chegamos a teorias acerca do dinheiro, que exigem representações como parte da própria existência do dinheiro, só pode haver essa realidade dependente da mente se houver uma realidade que lhe seja independente. O realismo está pressuposto na minha perspectiva não por ser mais uma teoria verdadeira, mas porque é uma condição prévia para haver quaisquer outras teorias de todo em todo, verdadeiras ou falsas.
Pode-se pensar “Bom, mãos ao trabalho para resolver os problemas!”, mas estes não são assim tão fáceis de resolver. E uma razão é sermos herdeiros de duas tradições equivocadas, e tornarei claro por que razão estas tradições são equivocadas. A primeira é a de Deus, da alma e da imortalidade, e essa tradição diz que nós, com as nossas mentes e consciências, não fazemos parte do mundo físico; fazemos parte do mundo espiritual. E a alma, a mente, não faz parte da biologia — não poderia de modo algum fazer parte da biologia. Esta tradição é comummente denominada “dualismo” e, na sua versão mais famosa, graças a Descartes, “dualismo cartesiano”.
Ora, por estranho que pareça, o dualismo opõe-se a outra má tradição que faz exactamente o mesmo erro. Trata-se da tradição do “materialismo científico”, que afirma que a consciência não faz parte do mundo físico comum. Ora, o que diziam os dualistas? Que a consciência não faz parte do mundo físico comum. O materialista científico faz exactamente o mesmo erro de supor que a consciência não pode ser um aspecto biológico, comum, do mundo em que vivemos, que inclui a digestão, a fotossíntese, a secreção da bílis, a mitose, a meiose, e todos os outros fenómenos biológicos conhecidos. Esse será o meu objectivo principal na palestra de hoje e em parte da Palestra 2. Quero que o leitor veja que o nosso esforço para conseguir uma concepção unificada da realidade exige, antes de mais nada, que assimilemos a consciência a essa realidade. Portanto, essa será a questão que analisarei hoje, e essa questão insere-se nos três últimos séculos da história da filosofia.
Há um par de distinções conceptuais que tenho de fazer antes de podermos avançar. Em primeiro lugar, tenho de clarificar a distinção entre a objectividade e a subjectividade. Esta distinção é de uma importância central na nossa cultura intelectual, mas a distinção em si é sistematicamente ambígua entre um sentido epistémico, onde “epistémico” significa estar relacionado ao conhecimento, e um sentido ontológico, onde “ontológico” significa estar relacionado à existência. Seja-me permitido ilustrar as distinções. O sentido epistémico da distinção objectivo/subjectivo é uma distinção entre tipos de afirmações. Se digo que Francisco Goya era espanhol, essa afirmação é epistemicamente objectiva — podemos descobrir de facto se é verdadeira ou não. Mas se digo que Francisco Goya era um pintor melhor que Diego Velasquez, essa afirmação é uma questão de opinião subjectiva. Estes dois exemplos ilustram a distinção entre os sentidos epistémicos de objectividade e subjectividade: a distinção é entre tipos de afirmações. Contudo, subjacente a essa distinção está uma distinção entre modos de existência, uma distinção ontológica. As montanhas, as moléculas e as placas tectónicas têm uma existência que, ontologicamente, é inteiramente objectiva; a existência destas coisas é independente de experiência de qualquer pessoa. Mas as dores, as cócegas e as comichões só existem na medida em que são objecto de experiência; são ontologicamente subjectivos, e não ontologicamente objectivos. Por que razão estas distinções são tão importantes? Descobriremos no decorrer destas palestras que muitas vezes damos explicações de fenómenos onde a explicação é epistemicamente objectiva, muito embora os fenómenos em si sejam ontologicamente subjectivos. Apenas para dar alguns exemplos, o pedaço de papel que tenho na minha carteira é dinheiro na União Europeia, mas, evidentemente, o facto que o torna dinheiro não é um facto da física; é um facto acerca das nossas atitudes, e portanto o facto tem um elemento de subjectividade ontológica. Contudo, é um facto epistemicamente objectivo que esta é uma nota de cinquenta euros. Isto é historicamente importante porque quando falarmos acerca da consciência, que é o tópico principal da palestra de hoje, estaremos a falar acerca de um domínio que é ontologicamente subjectivo, mas acerca do qual podemos ter uma teoria epistemicamente objectiva. Quando pela primeira vez me interessei pela consciência, pensei: “Os cientistas têm de descobrir como o cérebro faz isso; têm de descobrir como o cérebro causa a consciência”. E fui falar com cientistas na Universidade da Califórnia em São Francisco, que tem uma componente de investigação neurobiológica bastante ampla, e disse-lhes algo como isto: “Estou a pagar-lhes para quê? Ponham por favor mãos ao trabalho e resolvam o problema da consciência! Como cria o cérebro a consciência?” E uma resposta comum que obtive foi “Segundo a sua própria perspectiva, a consciência é subjectiva e a ciência é objectiva, portanto não pode haver uma ciência da consciência”. Ora, espero que o leitor seja capaz de ver que isso é uma falácia da ambiguidade. A ciência é de facto epistemicamente objectiva, no sentido em que o cientista tenta dar uma explicação da realidade cuja verdade ou falsidade não dependa das suas atitudes pessoais, mas a subjectividade ontológica de um domínio não torna impossível ter uma teoria científica epistemicamente objectiva desse domínio. A consciência é ontologicamente subjectiva; só existe enquanto é objecto de experiência, mas uma ciência da consciência pode ser uma ciência como qualquer outra, muito embora a objectividade epistémica da ciência tenha de ser consistente com a subjectividade do domínio.
Farei mais uma distinção antes de prosseguirmos. Uma parte importante da realidade que iremos analisar inclui fenómenos sociais como o dinheiro, a propriedade, o governo e o casamento. Ora, todos esses fenómenos são aquilo que são em parte porque as pessoas pensam que são aquilo que são, e neste sentido diferem de coisas como montanhas, moléculas e placas tectónicas. Portanto, precisamos de uma distinção entre aqueles fenómenos que são independentes do observador (ou, digamos, independentes de atitudes), e isso inclui montanhas, moléculas e placas tectónicas, e aqueles que são relativos ao observador, e isso inclui o dinheiro, a propriedade, o governo, o casamento, as universidades, os coquetéis e as férias de verão. E a esta altura já será nítido que os fenómenos relativos ao observador contêm elementos de subjectividade ontológica; por exemplo, o dinheiro só é dinheiro porque pensamos que é dinheiro. Portanto, temos um elemento de subjectividade ontológica em todos os fenómenos relativos ao observador; mas, em muitos casos, podemos fornecer uma explicação epistemicamente objectiva destes fenómenos, ainda que sejam pelo menos em parte ontologicamente subjectivos. E, uma vez mais, isto será importante porque quando falarmos acerca de fenómenos como o dinheiro e a propriedade — quando falarmos acerca da civilização humana — estaremos a falar acerca de fenómenos que são relativos ao observador. Mesmo quando falarmos acerca dos fenómenos da ética e da estética, os fenómenos serão relativos ao observador, e o nosso objectivo será tentar chegar a uma explicação epistemicamente objectiva destes fenómenos relativos ao observador. Nem vale a pena falar da confusão que se gera quando não se compreende estes aspectos.
Os fenómenos relativos ao observador, enquanto tais, são criados por estados mentais humanos, mas os estados mentais que os criam, tipicamente conscientes, mas por vezes inconscientes, são eles próprios relativos ao observador. Por exemplo, este pedaço de papel é uma factura de vinte dólares apenas em relação às atitudes conscientes das pessoas. Portanto, o seu estatuto como factura de vinte dólares é relativo ao observador, mas as atitudes conscientes que criam o fenómeno relativo ao observador não são em si relativas ao observador.
Dito isto, examinemos o problema da consciência. Este é supostamente um problema filosófico desesperadamente difícil, o denominado problema da mente-corpo. É um problema com uma longa história na civilização europeia. Argumentarei que se clarificarmos as distinções que tenho estado a fazer, tem uma solução bastante simples.
Em primeiro lugar, temos de definir os nossos termos. Diz-se que “consciência” é difícil de definir. Penso que é fácil definir se estivermos a falar de uma definição de senso comum que identifica o alvo da investigação. Temos de distinguir a definição de senso comum, que identifica aquilo acerca do qual estamos a falar, da definição científica, que surge depois da investigação. Por exemplo, a água — qual é a definição de “água”? Bom, é um líquido transparente, incolor e sem sabor que cai do céu na forma de chuva e corre nos rios e riachos. Essa é a definição de senso comum. Posteriormente, descobrimos que a água é H2O. E essa é a definição científica. Com “consciência” estamos ainda na fase do “líquido transparente, incolor e sem sabor”; ainda não temos uma definição científica. Mas é muito fácil dar uma definição de “consciência” em termos de senso comum. A consciência consiste em todos os nossos estados em que sentimos, temos senciência ou estamos cientes; estes estados começam pela manhã quando acordamos de um sono sem sonhos, e continuam durante todo o dia até irmos dormir novamente, ou quando ficamos inconscientes de outra maneira qualquer. Nesta perspectiva, os sonhos são uma forma de consciência. Então é isso: experiências em que sentimos, temos senciência ou estamos cientes tendem a acompanhar o estar acordado, embora os sonhos sejam também uma forma de consciência.
Contudo, também temos de saber quais são as características essenciais da consciência. Aquilo que acabei de dar é a definição geral de consciência. O que iremos mostrar é que a construção da linguagem, da sociedade e da civilização humana se baseia na consciência. A consciência que usamos para criar fenómenos relativos ao observador — como o dinheiro, a propriedade, o governo e o casamento — não é em si relativa ao observador. É um fenómeno independente do observador. Ora, aqui está o paradoxo aparente: com poucas excepções, todos os fenómenos relativos ao observador são criados pela consciência. O dinheiro, a propriedade, as universidades, o casamento, o governo, os coquetéis, as férias de verão, os impostos — todos são criados pela consciência. Mas a consciência que os cria é independente do observador, ou intrínseca; não é relativa ao observador. Como funciona isso? Responderei a esta questão posteriormente.
Quais são as características essenciais da consciência? Irei elencar algumas.
A primeira é uma característica frequentemente negada: a irredutibilidade da consciência. A consciência é irredutível; não nos podemos livrar dela. Há muitos filósofos que querem livrar-se da consciência; pensam que se acreditamos na consciência, estamos de volta a Descartes: temos de acreditar em Deus, na alma e na imortalidade. Quero afirmar que a consciência é um fenómeno biológico comum. Contudo, e isto é crucial, não nos podemos livrar da consciência mostrando que é uma ilusão, à semelhança do que podemos fazer com outras explicações científicas de ilusões. Mostramos que o pôr-do-sol é uma ilusão criada pela rotação da Terra em torno do eixo, e mostramos que os arcos-íris são ilusões criadas pela refracção da luz no vapor da água. Por que razão não podemos mostrar que a consciência é igualmente uma ilusão? E a resposta é que a distinção ilusão/realidade baseia-se na distinção entre como as coisas parecem conscientemente — conscientemente parece que há um arco no céu, ou que o Sol está a pôr-se atrás da montanha — e como elas são realmente. São realmente algo diferente daquilo que conscientemente parece que são. Contudo, com a própria existência da consciência não podemos fazer a distinção entre as coisas tal como conscientemente parece que são e as coisas tal como realmente são — porque se conscientemente nos parece que estamos conscientes, então estamos conscientes. Tenho respeito pelo neurobiólogos, mas se vierem dizer-me “Fizemos um estudo bastante cuidadoso do seu cérebro e você não está consciente. Descobrimos que a sua cabeça está completamente cheia de palha; você não pode em qualquer circunstância estar consciente” não pensarei “Bom, estas pessoas são muito inteligentes e talvez eu não esteja consciente”. Não pensarei isso; não pensarei “Temos de nos render aos especialistas”. No que diz respeito à própria existência da consciência, se conscientemente parece-me que estou consciente, então estou consciente. Não podemos traçar a distinção ilusão/realidade para a existência da própria consciência à semelhança do que podemos para fazer para o pôr-do-sol e os arcos-íris, e até para as cores e a solidez. É claro, no entanto, que podemos estar equivocados acerca dos detalhes da consciência. Duas pessoas pensavam, por exemplo, que estavam apaixonadas, mas afinal estavam bêbedas, ela parecia extremamente bonita àquela luz, e estava a tocar aquela música espanhola que eles gostam de tocar. Aquelas duas pessoas não estavam realmente apaixonadas, mas pensaram conscientemente que o estavam. Mas se o leitor pensa conscientemente que está consciente, então está consciente. Isto é um facto básico: a consciência é uma característica básica da nossa biologia, e não podemos livrar-nos dela mostrando que se trata de uma ilusão. Note-se que estamos ainda a falar de fenómenos biológicos comuns. Não há qualquer dualismo, qualquer alma, qualquer imortalidade; estamos apenas a falar de uma função do cérebro. O cérebro funciona para produzir e sustentar a consciência.
A segunda característica da consciência é que para cada estado consciente há algo que é o sentir-se naquele estado. Há aquilo a que chamo um carácter qualitativo de cada estado consciente. Todos os estados conscientes têm um sentir que é específico daquele estado consciente. Pense na diferença entre as experiências de beber água, escutar música e preencher a declaração de IRS. Esses são três estados conscientes distintos com três aspectos qualitativos diferentes. O aspecto qualitativo também é uma característica do processo de pensamento consciente. Podemos pensar que não há qualquer qualidade especial quando se pensa que sete mais cinco é doze. Mas é claro que há um certo aspecto qualitativo, e podemos ver isso se tentarmos pensar a mesma coisa em francês ou espanhol. No meu caso, o que sinto é bastante diferente de “sete mais cinco é doze”, muito embora as experiências tenham o mesmo conteúdo semântico.
Deste modo, temos duas características da consciência: é irredutível e qualitativa. A qualitatividade implica a subjectividade ontológica. Porque na consciência há um tipo especial de aspecto qualitativo, a consciência é ontologicamente subjectiva. Os estados conscientes só existem como eventos ocorrendo num ser consciente, algo que faz parte de um ser humano ou de um animal. Portanto, com a consciência, obtém-se uma ontologia subjectiva, e isso segue-se do seu aspecto qualitativo.
Uma quarta característica é uma coisa impressionante acerca da consciência (e isto será mais importante quando chegarmos à criação da realidade social — do dinheiro, da propriedade e do governo): todas as nossas experiências conscientes se organizam num domínio consciente unificado. Assim, não oiço apenas o som da minha voz, nem me limito a ter a experiência do sabor da água, nem olho apenas para as pessoas na plateia; além disso, tenho todas estas experiências como parte de um domínio consciente unificado. Todas as experiências qualitativas, como saborear a água ou ver a cor vermelha, fazem parte de uma imensa experiência qualitativa — o domínio consciente unificado.
Esta característica, talvez mais do que qualquer outra, confere à consciência o seu enorme poder. Posso incorporar, em qualquer experiência consciente, um vasto número de experiências específicas, e de todas tenho experiência como componentes da experiência ampla que constitui aquele estado consciente alargado ao longo do tempo. No momento presente, tenho consciência não apenas do meu esforço intelectual ao tentar compor estas frases, mas também das pessoas que vejo no auditório, do som da voz à medida que falo, das paredes e da mobília na sala, do gostinho ténue do café que tenho estado a beber, dos outros problemas importantes que tenho de resolver nesta palestra, etc., etc.… Tudo isto faz parte de um único domínio consciente unificado. Dos grandes filósofos, penso que só Kant estava completamente ciente da importância da unidade da consciência. A isto chamou “a unidade transcendental da apercepção”.
Esta característica da consciência será trivializada se dissermos que é uma questão de informação, que simplesmente temos informação acerca de todo um domínio consciente. Essa é uma trivialização da unidade da consciência num sentido que espero tornar claro quanto falar acerca das confusões que existem na noção de informação.
Há outras características importantes da consciência, e uma que será muito importante para o percurso desta investigação — e esta é uma quinta característica — é que a consciência funciona causalmente. É verdade que há muitos filósofos que dizem: bom, a consciência não poderia funcionar causalmente — como poderia o pensamento pôr a matéria em movimento? Quer ver como isso funciona? Decido levantar o meu braço — e, pasme-se!, o maldito levanta-se! Isto é certamente espantoso para os cartesianos, já se vê, mas não é realmente espantoso. Irei explicar como isto funciona a seu tempo, mas o importante é que não há qualquer dúvida de que a consciência funciona causalmente. Isto obcecou Descartes — como poderia a consciência funcionar causalmente? E os ocasionalistas disseram que não poderia funcionar causalmente. Na explicação deles, eu decido levantar o meu braço e Deus levanta-o.
E aqui está um facto incrível. Não dizemos que o facto de braço se erguer é como a chuva na Califórnia, em que às vezes chove e outras vezes não; não dizemos que o braço às vezes se ergue e outras vezes fica quieto. Não. O braço ergue-se quando quero que se erga. Quando quero levantar o braço, ele levanta-se, e isso é um facto impressionante, que devemos levar a sério. Os ocasionalistas, a propósito, tinham esse nome porque pensavam que não havia qualquer relação causal entre o mental e o físico; o evento mental de tentar levantar o braço era a ocasião, e não a causa, de o meu braço se erguer, e isso porque foi Deus na verdade que o causou, e a ocasião ocorreu, mas não foi a causa.
A consciência tem uma sexta característica: a intencionalidade. A nossa consciência direcciona-se tipicamente para objectos e estados de coisas no mundo. E no inglês adoptámos a palavra alemã Intentionalität, intencionalidade. Isto é lamentável em inglês, dado que faz parecer que tem uma conexão especial com intend (pretender), no sentido em que pretendo ir ao cinema. Por isso, quero abrandar e definir a intencionalidade. A intencionalidade é simplesmente aquela característica da mente em virtude da qual os estados mentais são acerca de objectos ou estados de coisas no mundo, ou direccionam-se para eles. A nossa consciência não é toda intencional neste sentido — por vezes temos sentimentos de ansiedade quando nenhuma razão há para nos sentirmos ansiosos; apenas nos sentimos ansiosos. Mas ter sede, ver algo do outro lado da sala ou ouvir um som têm todos esta intencionalidade intrínseca; todos integram um direccionamento. Irei falar detalhadamente acerca da natureza da intencionalidade nas palestras seguintes, mas é importante ver que de um ponto de vista darwinista, do ponto de vista da nossa sobrevivência, a intencionalidade da consciência é essencial, dado que nos permite ter consciência de objectos e estados de coisas por meio da nossa consciência. A intencionalidade consciente é um dispositivo cognitivo extraordinariamente poderoso por meio do qual nos tornamos cientes do nosso meio ambiente e o controlamos.
Essas são meia-dúzia de características principais da consciência, mas há muitas outras que quero mencionar, simplesmente para que o leitor esteja ciente delas. A consciência é um facto impressionante, e é muito fácil imaginar um universo em que não existe; mas, felizmente para nós, existe.
A próxima característica que quero descrever é a distinção entre consciência activa e a passiva. Há uma distinção entre fazer algo voluntária e intencionalmente, e algo limitar-se a ocorrer. É a experiência de ter consciência do agir livremente que nos dá a convicção de que temos livre-arbítrio. Não sei se temos livre-arbítrio. Falarei sobre isto no decorrer destas palestras. Mas é a consciência activa que nos dá a convicção do livre-arbítrio. A consciência passiva é típica da percepção. Portanto, se seguro esta chávena e olho para ela, vê-la não é uma questão de livre-arbítrio; está determinado pela física e pela biologia da situação. Note-se o facto importante de que falamos acerca da liberdade de acção, mas ninguém fala acerca da liberdade de percepção. Não há qualquer problema da liberdade de percepção de um modo comparável ao problema da liberdade de acção. E isto deve-se à distinção entre a consciência activa de fazer algo e a consciência passiva de ter experiência perceptiva de algo.
Outra característica importante da consciência é que todas as nossas experiências conscientes ocorrem num ou noutro estado de espírito. Não tem de ser um estado de espírito que tenha nome, como estar eufórico ou deprimido, mas há um sabor peculiar nas experiências conscientes. Vê-se isto quando se passa por uma mudança drástica. Por exemplo, o leitor chega a casa e descobre que tem uma carta das Finanças, e eles querem investigar a sua declaração de rendimentos porque pensam que o leitor tem vários milhares de dólares. Isto irá mudar o seu estado de espírito. Certa vez cheguei a casa e abri um envelope banal e estava prestes a deitá-lo fora, mas lá dentro estava um cheque de nove mil setecentos e sessenta e três dólares. Diziam que ganhei o cheque porque alguém esteve a usar o meu trabalho sem a minha permissão e aquilo era o pagamento dos direitos de autor. Eu não sabia fosse o que fosse sobre isso — o envelope veio de um escritório de advogados de Los Angeles — mas posso dizer-vos que aquilo mudou o meu estado de espírito. O meu estado de espírito melhorou imenso.
É verdade que o estado de espírito está relacionado a um aspecto de prazer ou desprazer da consciência, mas não é o mesmo. Para qualquer evento consciente, há questões como “Gostaste?” ou “Foi divertido?” ou “Foi desagradável, deprimente, excitante, emocionante, extasiante, deplorável, aborrecido ou entediante?” E isto significa simplesmente que, para qualquer experiência, há uma dimensão da experiência onde coisas como “Foi um prazer ou um desprazer?” entra em jogo; trata-se de categorias relevantes para qualquer experiência consciente.
Também me parece que em relação à consciência temos de fazer uma distinção entre o centro e a periferia, e esta distinção é muitas vezes expressa no vocabulário da atenção: “A que estás a dar a atenção agora, e a que não estás a dar a atenção?” E na verdade temos uma quantidade considerável de investigação neurobiológica acerca da atenção, acerca do que é mudar aquilo a que se dá atenção. Portanto, neste momento não estou a dar atenção às luzes superiores; estão muito na periferia da minha consciência. E na verdade é quase irresistível usar a metáfora do projector: podemos deslocar a incidência da nossa consciência como quisermos; podemos fazer o farol da nossa consciência iluminar qualquer coisa que porventura nos interesse. Aquilo em que queremos concentrar-nos fica no centro da nossa consciência, e não na periferia.
Há outra característica que é mais difícil descrever, à qual chamarei a contextualidade da consciência. Isto significa que qualquer experiência consciente é acompanhada de um sentido de coisas como “Onde está a ocorrer?” ou “Onde estou?” Acordamos no meio da noite e pensamos “Que diabos, onde estou?” Na última noite perguntei-me “Onde está o meu cão? Onde está Tarski? Não está aqui? Devo estar num lugar muito estranho.” Isto é o que acontece quando viajamos. Porém, numa consciência normal, sabemos coisas como “Que época do ano é esta?”, ou “Já tomei o pequeno-almoço?”, ou “Em que mês estamos?” ou, na universidade, “Em que semestre estamos?” E há o facto deprimente de que quando se fica velho se tem uma espécie de vertigem, uma espécie de tontura, quando não se é capaz de lembrar coisas como “Onde estamos?”, “Em que mês estamos?”, “Que dia da semana é hoje?” Um sentido da contextualidade da consciência parece-me uma característica da consciência normal.
Há outra característica que nos traz muitas dificuldade filosóficas, mas penso que não podemos evitar enfrentá-las; é que qualquer consciência não patológica inclui um sentido do eu.
Neste momento, no meu fluxo de consciência presente, não se trata apenas de experiências conscientes a flutuar no vazio, como disse Hume; sou eu que tenho estas experiências conscientes. Ainda que me esqueça o meu nome ou de onde vim, todas as minhas experiências conscientes ocorrem a um único eu. Ora, quando falamos da mente, somos obrigados a falar de Descartes. E quando falamos do eu, somos obrigados a falar acerca de Hume, pois Hume disse que que não havia qualquer eu. Segundo Hume, os filósofos dizem-nos que há um eu, mas como encontramos esta entidade misteriosa? Suponha-se que franzo a testa, concentro toda a minha atenção e penso “O que é o eu?” Soa melhor em alemão: “Was ist das Ich?” E depois, diz Hume, quando olho bem de perto, o que descubro é que há uma sensação de pressão na minha testa — será isso o eu? Não, isso não pode ser o eu. Bom, onde está o eu? Hume diz que não há qualquer eu. Isso não é satisfatório, e voltarei a essa questão em palestras posteriores.
Até agora dei-vos uma dúzia de características da experiência consciente. Poderia continuar a lista, mas penso que temos material suficiente para fazer uso do conceito de consciência nas nossas investigações subsequentes. Agora quero voltar-me para uma série de erros graves na história da filosofia. Será para nós muito difícil ultrapassar estes erros, mas seja-me permitido mencionar alguns deles. Aqui estão os erros mais terríveis. O primeiro já mencionei, e esse é a grande batalha acerca da mente e do corpo. Penso que se trata de um erro grave, e ambos os lados estão igualmente equivocados. Um dos lados é o lado de Deus, da alma e da imortalidade, e o outro é o lado do materialismo científico. Ambos cometem exactamente o mesmo erro: dizem que a consciência não faz parte do mundo físico comum. Quero afirmar que é exactamente isto que a consciência é, tal como tenho estado a descrevê-la.
A maioria dos meus alunos ficam maravilhados ao descobrir o quão extraordinária é a teoria de Descartes. Ficam surpreendidos ao descobrir que Descartes pensou que os animais não poderiam ter consciência. Mas consegue-se ver por que razão Descartes tem de dizer que um animal não tem consciência: porque o animal é apenas um corpo vivo. Se fôssemos apenas corpos, não teríamos consciência. O que nos torna conscientes é que Deus anexa uma alma ao corpo. Deus sabe onde a anexa, mas a alma não faz parte do mundo físico. E esta tradição, a tradição do dualismo, a tradição que afirma que a mente não faz parte do mundo comum, físico e biológico — que a consciência não é um processo comum como a digestão — tem tido em efeito muito negativo na nossa vida intelectual.
O pior aspecto deste erro é supor que porque a consciência é real e irredutível, não pode ser um aspecto físico comum do mundo. Este erro pode ser refutado com um exemplo simples. Quando conscientemente ergo o meu braço, um dos factores do evento é a experiência de agir, o esforço consciente. Outro factor do mesmíssimo evento é a secreção de acetilcolina na fenda sináptica dos neurónios motores. E há muitos outros processos neurobiológicos semelhantes. O que é importante enfatizar é que não há dois eventos separados, a tentativa consciente e a neurobiologia, embora sejam níveis diferentes de descrição de um e o mesmo evento: não se pode obter um sem o outro. Seja-me permitido insistir que este evento único é simultaneamente uma tentativa consciente e um complexo de processos neurobiológicos.
O segundo erro, contudo, devemos a Hume, e é o erro acerca da causalidade. Segundo esse erro, a causalidade não é uma relação real no mundo real. No mundo real, há apenas uma sequência regular de eventos; a alguns chamamos causas e a outros efeitos, dado que ocorrem juntos regularmente. Há uma “conjunção constante” de casos semelhantes. Mas Hume afirma que o mundo não se articula com a cola da conexão necessária. Penso que se articula exactamente com a cola da conexão necessária e que Hume está enganado.
Um terceiro erro, e este é realmente grave, diz que nunca vemos o mundo real. Aquilo que vemos é o efeito do mundo real no nosso sistema nervoso. Quando Quine deu estas palestras, penso que falou não acerca da percepção consciente, mas sim de “estímulos”. Na sua teoria, há estímulos, e eu respondo a estes estímulos. Penso que essa é uma abordagem incorrecta. O único interesse dos estímulos é produzir percepções conscientes do mundo real. Vejo a minha mão, por exemplo. Ao contrário de mim, há toda uma tradição que diz “Não, não poderias ver a tua mão; o máximo que poderás alguma vez ver são as tuas ideias, ideias na mente”. Estes objectos de percepção imediata têm nomes diferentes — Descartes e Locke chamaram-lhes “ideia”, Hume chamou-lhes “impressões”, Kant chamou-lhes “representações”, e muitos filósofos recentes chamaram-lhes “dados dos sentidos”. Mas em qualquer destes casos não podemos ver o mundo real; tudo o que podemos ver são as nossas próprias impressões, ideias ou dados dos sentidos. Quero afirmar que isso é um erro grave. Mas caso se pense que ninguém defendeu esta perspectiva, seja-me permitido explicar de quem estou a falar — Locke, Berkeley, Hume, Descartes, Leibniz, Spinoza, Kant, Hegel e Mill. Simplesmente quase toda a gente, todos os grandes filósofos, acreditavam que não podemos ter acesso perceptivo directo ao mundo real. Na Palestra 4, sobre a percepção, argumentarei que isso é exactamente o que temos. Vejo a chávena na minha mão — não vejo uma imagem da chávena ou uma representação da chávena, e não estou a responder ao estímulo da chávena; vejo de facto a chávena. E seja-nos permitido usar esta expressão horrorosa: vejo a chávena em si, a chávena “an sich”. Gostaria de reescrever Kant, de modo a que ele dissesse na primeira página da Crítica da Razão Pura: “Tipicamente, numa situação perceptiva, vemos as coisas em si e vêmo-las como realmente são”. Neste momento vejo uma chávena de café em si, e vejo-a quase vazia.