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Crítica
10 de Julho de 2008   Filosofia

Leitura ávida

Aires Almeida
Que Diria Sócrates? Os filósofos respondem às suas perguntas sobre o amor, o nada e tudo o resto
org. de Alexander George
Tradução de Cristina Carvalho
Revisão científica de Aires Almeida
Lisboa: Gradiva, Julho de 2008, 320 pp.

Muitas pessoas têm a crença estranha de que já não há filósofos. Outras não vão tão longe, mas acreditam, ainda assim, que os filósofos já nada têm para dizer às pessoas comuns. Este livro é a prova de que tais crenças são falsas. Nele se pode confirmar que a filosofia está de boa saúde e que não perdeu a sua capacidade de chegar a qualquer pessoa, dando continuidade ao exemplo paradigmático de Sócrates.

Como é sabido, Sócrates passava muito do seu tempo na rua, onde podia discutir publicamente com os cidadãos de Atenas, fossem eles velhos ou novos, ricos ou pobres. Eram discussões que interessavam naturalmente qualquer pessoa, pois abordavam problemas que tinham implicações directas ou indirectas na vida de cada um: nas suas convicções mais básicas e estruturantes e no modo como conduziam as suas acções. Ora, no início do sec. XXI o exemplo de Sócrates parece estar cada vez mais vivo, como podemos verificar em Que Diria Sócrates?

É isso mesmo que se passa com este interessantíssimo livro: filósofos profissionais desafiam publicamente todo o tipo de pessoas para discutir os mais variados problemas filosóficos que estas lhes queiram colocar, respondendo a todas as suas perguntas.

O desafio foi lançado há quase três anos no blogue AskPhilosophers.org pelo filósofo americano Alexander George, acompanhado por mais de duas dezenas de filósofos ligados a algumas das mais prestigiadas universidades do mundo. E o sucesso foi quase imediato, pois choveram diariamente perguntas sobre os mais diversos temas filosóficos — das questões sobre temas centrais da filosofia, como a metafísica e a epistemologia, até questões de ética prática, filosofia da arte, filosofia política, filosofia da mente, etc. — enviadas por pessoas dos vários cantos do mundo e com formações muito diferentes: estudantes, desempregados, médicos, advogados, operários, engenheiros, empresários, reformados. Em pouco mais de dois anos foram cerca de duas mil perguntas, algumas muito directas e outras muitíssimo bem articuladas. Todas as perguntas obtiveram respostas devidamente suportadas por argumentos e, por vezes, diferentes filósofos deram respostas discordantes, o que ilustra bem a verdadeira natureza da discussão filosófica.

Foi o enorme sucesso do blogue que levou Alexander George a reunir algumas das melhores perguntas e respostas para publicar em livro. Distribuiu-as por quatro temas gerais, inspirando-se nas quatro grandes questões kantianas: O que posso saber? O que devo fazer? O que posso esperar? O que é o Homem? O resultado é um livro que cobre praticamente todos os tópicos filosóficos, num tom descontraído e estimulante. Tópicos como o sentido da vida, a morte, a guerra, o terrorismo, o sexo, as emoções, Deus, a fé, a ficção, o aborto, o casamento, a liberdade e o determinismo, a felicidade, a hipocrisia, o altruísmo, o egoísmo, a objectividade, o relativismo, o tempo, a verdade, os sentidos, a razão, a ciência, a inteligência artificial, a linguagem, a imaginação e até a própria natureza da filosofia são abordados sem preconceitos e de forma muito esclarecedora — por vezes até com algum humor —, mostrando-nos como se pode pensar filosoficamente sobre tais coisas.

Não se pense que Que Diria Sócrates? é mais um desses livros de aconselhamento filosófico ou de auto-ajuda, muito em voga nos nossos dias. Nele não se encontram receitas nem teorias prontas a usar. E também não se trata de esclarecer o leitor sobre o que os filósofos A ou B dizem sobre as questões em causa. Neste livro não se encontram banalidades embrulhadas em linguagem pomposa e os nomes dos grandes filósofos só aparecem quando são mesmo inevitáveis ou quando permitem esclarecer melhor o que se está a discutir. Aqui vemos filósofos reais a servir-se do seu treino profissional, traçando distinções conceptuais importantes, desenvolvendo argumentos sólidos, apresentando exemplos esclarecedores, enfrentando dificuldades e estimulando o sentido crítico do leitor. Pelo caminho aprendemos a pensar melhor por nós próprios, compreendemos melhor a natureza dos problemas, desfazemos confusões básicas e desembaraçamo-nos de algumas ideias feitas. E isto é o que de melhor a filosofia pode fazer por nós.

Tratando de problemas reais, formulados por pessoas reais de todo o mundo — médicos, advogados, pessoas sem escolaridade, idosos e até crianças — Que Diria Sócrates? dirige-se a quem procura esclarecimento e orientação para pensar criticamente sobre a vida e o mundo. Concorde-se ou não com as respostas — por vezes os próprios filósofos dão respostas discordantes entre si —, este livro recorda-nos as famosas palavras de Sócrates “uma vida não examinada não merece ser vivida” e, ao fazê-lo, encoraja-nos a pensar melhor e mais filosoficamente.

Resta dizer que se trata de um livro de leitura ávida, acessível a qualquer pessoa que goste realmente de pensar, podendo o leitor começar por onde lhe apetecer. Os estudantes e professores de filosofia seguramente conseguem encontrar nele exemplos muito precisos e esclarecedores dos mais diversos problemas filosóficos, constituindo uma fonte riquíssima de material para explorar nas suas aulas.

Aires Almeida

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ISSN 1749-8457