Nos últimos anos comecei a ensinar filosofia de forma diferente. É uma forma que muitos outros professores começaram a explorar. Começámos a fazer experiências com o nosso ensino para fazer frente a turmas cada vez maiores. Mas então descobrimos que os novos métodos funcionavam de facto melhor. Os estudantes aprendiam mais e o que aprendiam parecia-se mais com filosofia. Este livro foi escrito para ser usado num curso que se conforma a duas ideias centrais destes novos métodos. A primeira é que o modo de aprender filosofia é fazendo-a, em vez de memorizar factos sobre as conclusões a que os filósofos famosos chegaram. E a segunda é que ouvir longas lições torna o espírito dos estudantes passivo, receptivo (quer dizer, quando estão acordados), com as faculdades críticas essenciais para a filosofia desligadas. Vou começar por explicar os problemas de ensinar filosofia.
Ao ensinar filosofia está-se a tentar fazer duas coisas que à primeira vista parecem ser opostas. Por um lado, está-se a encorajar os estudantes a pensarem por si mesmos; na realidade, a tentar dar-lhes confiança para pensarem sobre coisas que podem ter presumido ser para eles, ou mesmo para qualquer pessoa, demasiado difícil pensar. E por outro lado, está-se a tentar ensiná-los a serem críticos, a rejeitarem coisas que não resistem à análise. A primeira destas coisas soa como “não há respostas correctas, qualquer coisa serve”. E a segunda pode soar como “isto está errado, aquilo está errado, cuidado, o que quer que possas pensar está errado”.
Ensinar por meio de lições tem muitos perigos. As vítimas das lições querem ser entretidas, mas também querem que lhes sejam dadas informações que possam recordar ou tomar nota e reproduzir em ensaios e exames. É para isso que as lições servem, não é? Assim, o professor aparece e diz “não há respostas correctas em filosofia; têm de pensar por vós próprios”. E os estudantes tomam nota nos seus cadernos “Não há respostas correctas em filosofia; têm de pensar por vós próprios” e esperam que o professor produza mais algumas verdades que possam absorver e recordar.
Pequenos grupos é melhor. Num grupo pequeno os estudantes podem aprender as técnicas de crítica e análise que são essenciais em filosofia. Aprendê-las praticando-as. E quando o fazem podem ver que o espírito crítico é absolutamente consistente com o espírito de liberdade intelectual. Podem pensar para si até chegarem a conclusões que os satisfaçam, e ao mesmo tempo aceitar que outra pessoa possa de uma forma igualmente rigorosa aceitar conclusões muito diferentes. Porque podem ver que algumas razões para pensar que uma conclusão é verdadeira são más, mas é enorme o leque de coisas que podem pensar por boas razões. Isto é algo que podem apreciar experimentando. E para termos experiência disso é preciso deitar mãos e cabeça ao trabalho: argumentar, refutar e ser refutado.
A solução óbvia poderá parecer ser não ter lições. Mas ensinar unicamente em pequenos grupos é muito dispendioso. Uma solução de compromisso que se está a tornar mais e mais comum no ensino universitário é a lição fragmentável. Isto é, uma lição que segue um formato como o seguinte: o professor introduz um tópico durante quinze ou vinte minutos. De seguida os estudantes separam-se em pequenos grupos de quatro a oito, que fazem uma tarefa para que a introdução do professor os preparou. Depois há uma breve discussão que envolve toda a audiência, seguida por outra pequena lição ou outra tarefa.
As técnicas para este género de ensino foram desenvolvidas para várias áreas. As tarefas normalmente consistem em colocar um problema e pedir aos grupos para darem a resposta correcta. Mas em filosofia não há respostas correctas. Pelo menos não as há de uma forma tão simples como em muitas outras áreas. Há então um problema para quem queira ensinar filosofia deste modo: o de formular tarefas exequíveis que um grupo de estudantes razoavelmente ingénuos possam levar a cabo, e para as quais haja um critério definido de sucesso. Este é o problema que penso que comecei a resolver.
As actividades neste livro foram imaginadas para serem usadas em lições fragmentáveis, em turmas mais pequenas e grupos de discussão. Os recursos principais para definir tarefas para pequenos grupos são argumentos, textos e exemplos. Para realizarem tarefas baseadas em argumentos os estudantes devem ter primeiro alguns conceitos de lógica informal. Devem saber o que são premissas, conclusões, validade e correcção, e devem saber o que é preciso para apresentar premissas suprimidas e contra-exemplos. Esta é uma razão por que são introduzidos estes conceitos e são usadas actividades centradas neles na Parte I deste livro. Uma tarefa baseada num texto terá um ou mais pequenos textos filosóficos, a que os estudantes têm que reagir ou comparar. Uma tarefa baseada num exemplo terá alguns exemplos descritos brevemente, que os estudantes terão de relacionar com uma ou mais posições filosóficas.
Estas tarefas devem satisfazer quatro critérios.
O segundo ponto, a natureza delimitada da tarefa, pode sugerir o perigo de que os estudantes a vejam como trivial. E o terceiro ponto, a sua objectividade, pode sugerir que é de facto trivial, uma vez que as questões filosóficas profundas não têm respostas correctas e incorrectas que sejam incontroversas. Mas quando o professor faz actividades como as das Partes I e II deste livro com um grupo de estudantes do primeiro ano descobre-se que não é óbvio quais são as melhores respostas. E descobre-se algumas respostas verdadeiramente surpreendentes. Algumas das respostas darão a oportunidade de considerar pontos básicos que de outro modo poderiam parecer pedantes. E algumas darão a oportunidade de pequenas discussões delimitadas entre estudantes. (Gerir ambas exige capacidades e não as mesmas que exige dar uma lição.)
O facto de poder ser muito pouco claro para os estudantes que respostas são candidatas interessantes e quais são impossíveis tem uma consequência importante. Os estudantes podem ficar muito apreensivos com a possibilidade de parecerem estúpidos e ridículos pelo que dizem. Consequentemente, podem ficar reticentes quanto a falar, mesmo quando sabem o que pensam. Uma solução para isto consiste em usar grupos de modo que as respostas individuais sejam primeiro ventiladas na segurança comparativa dum pequeno grupo de outros estudantes e só depois expostas a uma audiência maior. Às vezes uma pessoa num grupo pode falar como seu representante, tornando claro que é o consenso do grupo e não a opinião do orador que está a ser afirmada. Numa turma suficientemente grande pode-se usar uma técnica “piramidal” em que os estudantes primeiro fazem a actividade aos pares ou aos trios e depois continuam outra vez numa discussão que envolve toda a turma. Algumas das actividades do livro são destinadas a permitir a aplicação desta técnica. À medida que o curso progride, os estudantes aprenderão que podem dizer o que pensam sem serem ridicularizados (desde que você não ridicularize os estudantes e desde que, quando os estudantes discutem entre si, distinga claramente entre argumentar e ridicularizar)! Depois deverá ser muito mais fácil que os estudantes dêem voluntariamente as suas opiniões, e que reajam individualmente uns aos outros com toda a turma a ouvir. E deverá então ser possível chamar pelo nome estudantes cujo temperamento filosófico conhece.
As respostas “incorrectas” são um material valioso. Podem revelar que os estudantes estão a interpretar uma posição filosófica de um modo que o professor não antecipou. Podem mostrar ambiguidades na exposição até deste livro. E podem mostrar que os estudantes pensam em exemplos novos e interessantes. Merece sempre a pena descobrir por que razão os estudantes apresentam respostas que parecem tão obviamente erradas. Mas isto tem de ser feito sem que eles se sintam estúpidos ou publicamente expostos.
As actividades têm de ser preparadas. Antes que um grupo possa realizar uma actividade eles têm de compreender os conceitos nela envolvidos, e têm de ter uma percepção da sequência de ideias do curso que se relacionam com eles. Por conseguinte, tem de despender tempo suficiente a explicar e a situar para que a actividade possa então funcionar. Para o fazer tem de conhecer a sua turma. Não pode simplesmente apresentar o conteúdo expositivo da secção relevante deste livro tal como está; tem de saber que aspectos terão de ser realçados para aquela audiência em particular. Ajuda, especialmente no princípio de um curso, ter um grupo específico de estudantes com quem se encontra para discutir a sua atitude para com o curso; ao sentir os seus preconceitos e o seu nível de sofisticação pode recolher informação valiosa sobre como preparar o material para a totalidade da audiência.
Cada actividade no livro tem instruções que descrevem a forma de as fazer. Mas pode frequentemente escolher usar o material de um modo diferente, para exibir pontos que quer atingir, apelar para interesses que sabe que têm, ou para adaptar ao seu próprio estilo de ensino. Muitas vezes o procedimento implícito numa actividade pode ser usado noutra. Por exemplo a actividade na Secção 2 do Capítulo 15 é razoavelmente difícil. Mas usa o procedimento de pedir aos estudantes que façam uma previsão sobre as respostas que os outros estudantes darão. Se a previsão estiver errada, então exigem-se explicações, explicações da previsão e da resposta inesperada. Este procedimento pode ser usado num grande número de outras actividades. Em 15.2 o material que sugere a previsão encontra-se antes na actividade, mas nem sempre tem de ser. O agrupamento das respostas às secções com questionáriospode ser usado para preparar procedimentos deste género: por exemplo pode-se pedir a estudantes a quem foi dada uma actividade baseada num exemplo para preverem como os outros estudantes, classificados de acordo com um questionário anterior, responderão a cada exemplo.
Seja qual for o procedimento que esteja a usar, a maior parte das vezes é um método para fazer as coisas andarem. Com muita frequência a turma irá assumir o comando, entrando espontaneamente numa discussão que não faz parte do procedimento planeado. Acolha-a bem desde que corresponda a questões desse estádio do curso. A turma pode estar a sugerir-lhe outros procedimentos que funcionam com eles.
Enquanto os grupos estiverem a trabalhar numa actividade não se lhes dirija. É uma má ideia ler o jornal ou corrigir ensaios nesta altura, uma vez que a turma irá então pensar que o ensino baseado em actividades é uma forma de permitir que o professor tenha uma boa vida. É muito melhor que se mova de grupo para grupo passando alguns minutos com cada, ou junte-se a um grupo para a actividade, tendo o cuidado de não o dominar e de escolher diferentes grupos em diferentes ocasiões.
Quase todas as secções deste livro contêm material para uma actividade. Pode achar que o material é demasiado para usar na sua aula. Nesse caso retire algum. Diga à turma para fazer apenas as partes da actividade que pensa que eles podem tratar no tempo disponível. A última actividade numa secção é normalmente a mais difícil, pelo que é a mais natural para cortar. Mas a maior parte das turmas têm capacidades muito diversas, e o livro inclui deliberadamente algum material para os estudantes que precisam de mais desafios. Mesmo que explicitamente evite este material nas suas aulas os melhores alunos encontrá-lo-ão. Sabe quem são porque o encontraram.
Também na maior parte dos capítulos o último material é mais difícil. Não me admiraria que muitas turmas omitissem as últimas partes dos capítulos 5, 7 e 9.
Não é necessário usar cada secção juntamente com a sua actividade. Algumas podem ser usadas como leituras para preparar uma lição mais tradicional ou outra actividade. Algumas podem ser melhor dadas como actividades após os estudantes terem primeiro pensado acerca delas como trabalho para casa. Pode-se formar um grupo de discussão em torno de dificuldades que os estudantes encontraram enquanto trabalhavam sozinhos numa secção antes da aula. Planeie as coisas com antecedência! Use o seu conhecimento da turma e decida que secções usar para exposições, para trabalhos individuais anteriores às aulas, e para trabalhos de grupo nas aulas.
Irá provavelmente querer mandar fazer ensaios. É importante encontrar temas que não sejam demasiado difíceis ou demasiado confusos. Os estudantes, além disso, têm de ser lentamente introduzidos no que se espera na escrita filosófica: argumentos em vez de exposições, clarificação em vez de auto-expressão. Quando começam a perceber o que se pretende isso pode parecer intimidante. Para eles apanharem a ideia do que é um texto filosófico e para os convencer de que o podem fazer, convém que as primeiras 2 ou 3 tarefas escritas sejam muito pequenas. Uma página não é necessariamente demasiado pequeno. Pode em seguida encorajá-los e fazer uma crítica suave e detalhada. (Um método que usei e que gasta um tempo aceitável consiste em cada estudante escrever apenas um ou dois parágrafos em resposta a um de uma selecção de pequenos puzzles filosóficos. A Parte I deste livro e O Contrato fornecem numerosos puzzles adequados. Em seguida escrevo uma página em resposta. Depois o estudante escreve duas páginas em resposta à minha página, explicando como eu o interpretei mal e defendendo as suas ideias contra as minhas. E assim em diante. O resultado final é extraordinariamente parecido com um ensaio filosófico.)
Uma forma fácil de produzir temas de ensaio é escolher uma das questões com que começa cada capítulo, e fazer uma lista das secções que são mais relevantes para a questão, juntamente com itens escolhidos das leituras no fim do capítulo ou noutro lado qualquer. O estudante faz então as leituras e as actividades, fazendo algumas por si mesmo, e resumindo os resultados que obteve num relatório escrito.
Do princípio ao fim do livro há secções que são baseadas em questionários, nos quais os estudantes dão respostas a algumas pequenas questões e depois usam um sistema de pontuaçãopara aplicar várias denominações a si mesmos. Estes questionários pretendem expor os estudantes aos problemas implícitos nas questões e dar-lhes uma ideia do significado das denominações. Devem também revelar aos estudantes que outros têm atitudes filosóficas que diferem mais radicalmente do que podem ter imaginado.
As classificações que resultam dos questionários podem ser exploradas para preparar discussões. Espera-se que pessoas com auto-classificações diferentes difiram nos problemas relacionados que aparecem nas secções ulteriores. Deve ser capaz de tirar respostas dos estudantes dizendo, por exemplo “isso soa a uma resposta convencional; as pessoas que se auto-pontuaram como tendendo mais para o dogmatismo científico podem querer pensar se concordam com isso”.
Algumas das denominações usadas nestas classificações podem parecer pejorativas. Os estudantes podem não gostar de serem denominados dogmáticos, por exemplo. Há duas respostas a isto. Uma é explicar que se tratam de meras denominações para resumir uma atitude intelectual complexa, e pedir aos estudantes que encontrem uma descrição melhor da atitude que está na base do padrão de respostas. Outra é pedir-lhes que expliquem porque razão a denominação não é uma descrição do que pensam. Isto poderia acontecer, por exemplo, porque a selecção de questões no questionário é desequilibrada. De qualquer modo, começou-se uma discussão e os estudantes são forçados a dar razões e a pôr as suas atitudes em palavras.
Ao preparar uma aula, um terço do seu tempo deve ser gasto a pensar nas ideias filosóficas e dois terços a pensar em como apresentá-las. Pense nuns quantos pontos para cada aula (dois é suficiente) que possa tornar realmente vivos. Há muitas maneiras de o fazer.
Os adereços podem ser uma ajuda. Dei várias vezes uma aula sobre a identidade ao longo do tempo, um tema particularmente sofisticado para estudantes do primeiro ano, usando um grande número de balões. À medida que os estudantes vagueiam na sala de aula eu vou rebentando balões. O primeiro tema é esculturas de balões. Ato os balões de modo a formar várias esculturas representativas e abstractas e pergunto-lhes as suas opiniões. Os balões estoiram e as esculturas tornam-se ligeiramente caóticas. Então discutimos se uma das esculturas de balões que apareceu no início era a mesma que qualquer das que apareceu no fim. Vê-se que uma escultura de balões não é o mesmo que uma colecção de balões, o que as suas diferentes condições de identidade, passados apenas poucos minutos, mostram.
Durante tudo isto, à medida que os balões eram substituídos numa escultura, fui pondo-os de lado, de modo que posso apresentar a partir deles o puzzle do “barco de Teseu”: a estrutura recriada com todos os balões originais é uma melhor candidata a ser a mesma escultura que a escultura que sofreu mudanças frequentes nas suas partes? (Veja Capítulo 14, Secção 8.) No fim da aula peço comparações com carros, plantas e pessoas. Verifico que a turma espontaneamente formula teses muito sofisticadas sobre as condições de identidade dos membros destas categorias.
Eles podem cansar-se de si e da sua voz. Um professor convidado pode ajudar. Alguém apresentado por si que procede então à demolição das suas posições favoritas pode ser para eles um choque salutar. A apresentação dogmática estilizada de uma posição por alguém que depois se retira, permitindo que você e a sua turma peguem nas falhas do que foi dito, proporcionaprática na argumentação crítica. A turma pode ouvir uma apresentação maliciosa cheia de opiniões aparentemente inofensivas com a instrução de “encontrar três asserções difíceis de acreditar no que esta pessoa disse”. Conheça a sua turma; use a sua imaginação.
Pode-se encontrar mais ideias e materiais em muitos sítios. Há a revista Teaching Philosophy, e a revista dirigida aos estudantes Cogito. Três livros estimulantes que todo o professor deveria conhecer são:
No fim de cada capítulo há uma lista de leituras. Alguns dos livros mencionados são demasiado difíceis para o estudante médio do primeiro ano. (Mas lembre-se de que alguns não são estudantes médios do primeiro ano.) Se tivesse que escolher vinte livros para pôr numa lista bibliográfica de reservapara acompanhar um curso derivado deste livro (em particular as Partes I e II) a minha lista seria:
Claro que pode querer fazer uma selecção diferente, dependendo do curso que estiver a dar, a partir da bibliografia completa deste livro.
Uma última palavra: os estudantes, tal como você, devem estar à espera de gostar do curso e de que ele mude as suas opiniões.