O ácido universal é um líquido tão corrosivo que perfura tudo! O problema é o seguinte: onde podemos guardá-lo?” Na sua juventude, Daniel Dennett, um dos filósofos da mente mais influentes deste século, sentiu-se fascinado por esta fantasia. Não podia então adivinhar que mais tarde viria a dedicar um livro inteiro a uma ideia parecida: a ideia perigosa de Darwin. À semelhança do ácido universal, a ideia de Darwin “perfura quase todos os conceitos tradicionais e deixa na sua esteira uma visão do mundo revolucionada, com a maioria dos antigos marcos ainda reconhecíveis, mas transformados de maneira fundamental”. Mas qual é ao certo o conteúdo e o alcance legítimo da ideia de Darwin? E como afecta ela as diversas áreas do conhecimento humano e a visão tradicional do nosso lugar no mundo? São estas as questões que Dennett enfrenta neste seu livro, que é, provavelmente, a defesa mais robusta e informada do darwinismo que já alguém escreveu.
A ideia perigosa de Darwin é, obviamente, a teoria da evolução das espécies por selecção natural. Na primeira das três partes do livro, Dennett explica o conteúdo desta teoria, situando-a no seu contexto histórico e descrevendo-a de uma forma muito peculiar. A descoberta fundamental de Darwin, defende, foi a de um “algoritmo”, ou seja, de um processo puramente mecânico que, seja qual for o substrato material em que se realiza, produz garantidamente um certo resultado a partir de certas condições iniciais. Deste modo, a ideia de Darwin é a de que todo o “design” ou “concepção” que observamos nos seres vivos resulta, não de uma misteriosa intervenção inteligente, mas de um processo selectivo cego que é algorítmico. Por esta razão, a ideia de Darwin, embora tenha florescido sobretudo na biologia, não tem que se restringir a esse domínio: o próprio mundo físico ou até a mente e sociedade humanas podem ser entendidos como resultados desse mesmo algoritmo.
A tese central de Dennett é a de que a ideia de Darwin tem um poder explicativo muito mais vasto do que geralmente se presume. A resistência ao darwinismo, no entanto, tem sido surpreendentemente forte, e provém não só daqueles que o vêm como uma ameaça aos dogmas religiosos, mas também de alguns dos elementos mais prestigiados das comunidades científica e filosófica. Por detrás desta resistência, pensa Dennett, não encontramos quaisquer argumentos fortes: ela parece basear-se antes no receio, em última análise infundado, de que esse ácido universal destrua muito daquilo que prezamos.
A segunda e terceira partes do livro têm, como seria de esperar, um carácter acentuadamente polémico. Na segunda, Dennett ocupa-se do darwinismo na biologia, argumentando decisivamente contra muitas das perspectivas influentes que Stephen Jay Gould defendeu. Na última parte, na qual Dennett se ocupa sobretudo da filosofia da linguagem, da filosofia da mente e até da ética, Noam Chomsky e Roger Penrose são alvos privilegiados através de uma crítica detalhada à sua resistência ao darwinismo.
Este é um livro invulgar por várias razões. Em primeiro lugar, devido ao estilo de escrita do próprio Dennett: sempre rigoroso, como é usual na melhor filosofia analítica, mas informal e até lúdico, mesmo quando estão em causa assuntos de complexidade teórica considerável. Em segundo lugar, o livro surpreende devido ao seu âmbito verdadeiramente enciclopédico. Dennett é um daqueles filósofos, hoje raros devido à enorme especialização do conhecimento científico, que associam a investigação em quase todas as disciplinas filosóficas principais a um domínio invejável de muitas áreas da ciência, como a linguística, a inteligência artificial e, como não podia deixar de ser, a biologia.
A Ideia Perigosa de Darwin não se enquadra num género bem definido: nele o esforço de divulgação cruza-se com a polémica científica e com a reflexão filosófica. A sua leitura nem sempre será fácil, mas o leitor atento pode esperar conseguir uma compreensão bastante profunda e actual daquilo que está em causa no darwinismo. Este é um daqueles casos em que a atenção compensa.