São várias as revistas de filosofia que se publicam regularmente em Portugal. Mas dificilmente elas podem ser lidas com proveito por pessoas sem qualquer formação filosófica universitária — frequentemente nem sequer isso chega. Se qualquer outra pessoa sem formação académica na área estiver interessada em acompanhar e compreender melhor os problemas, teorias e argumentos filosóficos, certamente ficará decepcionada com o que tem à sua disposição. À parte uns poucos livros de carácter introdutório recentemente publicados entre nós, o mais genuíno amante da filosofia — aquele para quem os problemas filosóficos não surgem apenas como uma obrigação académica — não terá muito para onde se virar.
E o mesmo sucede com os estudantes e professores do secundário verdadeiramente empenhados em compreender melhor o que aprendem e o que ensinam, respectivamente. Isto num país em que a filosofia é uma disciplina de formação geral — obrigatória — para os jovens que passam pelo ensino secundário.
Curiosamente, num país como a Inglaterra em que a filosofia não se estuda no secundário, são várias as revistas de filosofia dedicadas ao seu ensino e destinadas a qualquer leitor inteligente, independentemente da sua formação académica de base. Think é a mais recente delas e o primeiro número está disponível desde Abril de 2002.
Apesar de se tratar de “filosofia para todos”, como se diz na capa deste primeiro número, os seus artigos são assinados por prestigiados nomes da filosofia e da ciência da actualidade: Richard Swinburne, Susan Haack, James Rachels, Mary Warnock ou Richard Dawkins.
Mas não se pense que estamos perante longos e impenetráveis textos sobre problemas que não lembram a mais ninguém. Bem pelo contrário, os artigos — que raramente vão além das 10 páginas — são sempre claros, acessíveis e informativos e discutem de forma argumentada problemas filosóficos bem precisos. Trata-se, pois, de problemas capazes de despertar imediatamente o interesse de qualquer pessoa cuja curiosidade intelectual não tenha ainda sido domesticada pelas ideias prontas a consumir. Há até textos bastante divertidos, como é o caso do interessante diálogo “Could a Machine Think?” de Stephen Law — que também é o director da revista. E o texto de Richard Dawkins intitulado “The Alabama Insert” é uma resposta taco-a-taco a um folheto que o estado americano do Alabama mandou colar em todos os manuais escolares de biologia, explicando que a teoria da evolução não tem mais valor científico do que o criacionismo. Este texto é, de resto, uma excelente exemplificação do que é a verdadeira dialéctica argumentativa e pode perfeitamente ser usado pelos professores que pretendam mostrar aos seus alunos o que é o pensamento crítico em acção. Sugestão feita pelos próprios editores da revista.
Os artigos cobrem as mais diversas disciplinas filosóficas: a ética, como é o caso do breve, mas excelente, “Ethics and the Bible” de James Rachels; a estética, como é o caso de “Is Beauty in the Eye of the Beholder?” de John Hyman; a filosofia da religião, como acontece com “Arguments from Design” de Richerd Swinburne; a filosofia da mente, como é o caso do artigo de Law acima referido. Há também duas rubricas permanentes, uma sobre lógica informal — neste número apresentam-se duas formas falaciosas de raciocínio, o apelo à autoridade e o falso dilema, frequentemente utilizadas na publicidade e no marketing — e a outra, da autoria de Michel Clark, sobre paradoxos — desta vez sobre o barco de Teseu. Além disso, todos os artigos começam com um pequeno parágrafo em que se apresenta de forma resumida o que irá ser defendido e de que maneira. Deste número constam ainda as recensões dos livros How to Think About Weird Things de Theodore Schick e Lewis Vaughn e Thinking Through Philosophy: An Introduction, de Chris Horner e Emrys Westacott.
Tudo isto num volume de 112 páginas, com uma encadernação igual à de um livro e uma capa de grafismo atraente. Três vezes por ano.
Aires Almeida