A filosofia baseia-se, em parte, em intuições. Os filósofos apresentam teorias para dar resposta a problemas como a natureza da verdade, a relação entre teorias e observação, e a justificação dos juízos morais. Estas teorias são defendidas ou criticadas de acordo com a sua capacidade para captar intuições associadas aos problemas em causa. Criticamos uma teoria filosófica por meio de contra-exemplos, que pretendem mostrar que uma dada teoria é falsa e cuja plausibilidade depende de intuições contrárias. A teoria tradicional do conhecimento afirma que o conhecimento é crença verdadeira justificada. Esta teoria enfrenta o seguinte contra-exemplo: imagine que o Gilson faz um passeio pelo campo e vê o que ele pensa ser uma ovelha. Passa a acreditar que há ovelhas no campo, pois viu o que parece ser uma ovelha — esta crença é justificada. E de fato há ovelhas no campo — a sua crença também é verdadeira. Agora suponha que o que o Gilson viu não foram ovelhas, mas poodles brancos que, vistos de longe, parecem ovelhas — as verdadeiras ovelhas estavam escondidas atrás dos poodles. Nesse caso, ao contrário do que prevê a teoria tradicional do conhecimento, parece intuitivamente óbvio que o fato de o Gilson ter uma crença verdadeira justificada não é suficiente para afirmar que tem conhecimento. Contra-exemplos como este convenceram a generalidade dos filósofos de que a teoria tradicional do conhecimento é falsa.
Uma conseqüência natural do uso de contra-exemplos é que as intuições não são apenas indícios para pensar que uma teoria é verdadeira ou falsa, mas também indícios para comparar teorias filosóficas rivais: uma teoria do conhecimento que está de acordo com as nossas intuições acerca do que é conhecimento é melhor do que uma teoria do conhecimento que colide com as nossas intuições acerca do que é o conhecimento. Portanto, os filósofos apresentam as intuições como dados neutros que todos aceitamos para comparar as teorias.
É claro que um filósofo pode defender sua teoria mesmo diante de intuições contrárias; mas para isso precisará de apresentar boas razões que expliquem por que as intuições contrárias estão equivocadas. Além disso, essas razões devem basear-se em intuições igualmente fortes quanto às intuições contrárias em questão.
O termo “intuição” pode ser enganador, pois é utilizado de maneira indiscriminada na filosofia, para falar um pouco de tudo: de “palpites” a “crenças de senso comum”. Para evitar confusões, há um quase consenso entre os filósofos que investigam o papel das intuições na filosofia de que esses usos do termo não devem ser confundidos com o uso das intuições entendidas como indícios para avaliar as teorias, que é o uso do termo que nos interessa.
O que são então as intuições? As intuições são realmente indícios da verdade de uma teoria ou apenas ilusões psicológicas? O uso de intuições requer algum tipo de faculdade mental particular? Se sim, de qual tipo? Como chegamos às intuições? Os filósofos ofereceram inúmeras respostas para essas questões. Uma resposta promissora é que as intuições são crenças fortes que, mesmo supondo todas as nossas crenças restantes, não temos razões independentes para pensar que estão erradas. O modo de chegar a essas crenças não envolve qualquer método além da tradicional análise de conceitos e raciocínio intenso. É por isso que os filósofos não testam as suas teorias num laboratório, mas sentados em suas cadeiras — a filosofia é uma profissão que se faz majoritariamente apenas com análise de conceitos e raciocínio intenso.
Vários filósofos criticaram o uso das intuições enquanto indícios e a concepção de filosofia associada a esse uso. Os empiristas radicais defendem que somente as observações e experiências dos sentidos devem ser consideradas fontes indiciárias e, por isso, são céticos quanto ao uso das intuições. Esse ceticismo empirista, contudo, é auto-refutante. O empirista conclui que somente a observação e a experiência dos sentidos contam como indícios, mas esta conclusão não é estabelecida pela observação e a experiência dos sentidos e sim por meio de argumentos filosóficos, que por sua vez se baseiam em intuições. Portanto, o empirista radical precisa utilizar intuições para concluir que as intuições devem ser descartadas, o que é auto-refutante.
Talvez o maior desafio à prática de usar intuições na filosofia seja o movimento da filosofia contemporânea denominado “filosofia experimental”. Usando métodos da psicologia experimental e pesquisas de opinião, estes filósofos sustentam que a concepção tradicional do filósofo sentado na cadeira raciocinando intensamente está profundamente equivocada. Os filósofos experimentais moderados criticam esta concepção de filosofia tradicional e defendem que a pesquisa empírica deve complementar o uso dos indícios. Os filósofos experimentais radicais vão ainda mais longe e defendem que a pesquisa empírica deve substituir inteiramente o uso das intuições. Este abandono das intuições se justificaria porque inúmeros testes indicam que as intuições das pessoas acerca de casos como o contra-exemplo à definição tradicional de conhecimento variam de acordo com o pano de fundo sócio-econômico e cultural. Portanto, as intuições não são dados objetivos para avaliar e comparar teorias, mas apenas um resultado de elementos culturais filosoficamente irrelevantes.
A posição do filósofo experimental radical enfrenta objeções difíceis de responder. A principal é que a sua posição é incoerente, pois os próprios filósofos experimentais usam intuições que não foram confirmadas a partir de testes — por exemplo, dependem da intuição de que apenas as intuições que foram testadas empiricamente são confiáveis. O filósofo experimental pode responder aqui que apenas emprega os métodos da psicologia experimental que têm demonstrado serem bem-sucedidos na psicologia. Mas esta resposta também não funciona, pois depende da intuição não confirmada empiricamente de que os métodos que funcionam em psicologia funcionarão também na filosofia. O filósofo experimental precisa apresentar argumentos contra as intuições que não envolvam o uso de intuições, mas isso é impossível.
O empirista radical e o filósofo experimental não foram capazes de demonstrar que as intuições não são confiáveis. O que os ataques ao uso da intuição conseguiram foi aumentar imenso a nossa compreensão do uso das intuições, além de fornecerem novas questões: será que as intuições de pessoas comuns acerca dos problemas de filosofia são as mesmas dos filósofos? Se não são, quais são as diferenças? E se forem diferentes, são igualmente confiáveis? Será que pesquisas de opinião ou questionários são meios adequados de determinar quais são as intuições das pessoas? De qualquer modo, quaisquer que sejam as respostas para essas questões, o uso das intuições continuará a ser um dos princípios metodológicos fundamentais de todo o filósofo.
Matheus Martins Silva