O consequencialismo é a perspectiva normativa segundo a qual as consequências das nossas opções constituem o único padrão fundamental da ética. Esta perspectiva corresponde a um conjunto muito abrangente e diversificado de teorias da obrigação moral, do certo e do errado, e não há um acordo perfeito quanto às condições que uma teoria tem de satisfazer para ser classificada como “consequencialista”. (O egoísmo ético, por exemplo, nem sempre é considerado uma versão de consequencialismo.) No entanto, as teorias consequencialistas mais puras exibem seguramente três características importantes. Em primeiro lugar, aplicam-se directamente a actos individuais. Em segundo lugar, prescrevem a maximização do bem, isto é, afirmam que os agentes morais estão sob a obrigação permanente e ilimitada de dar origem aos melhores estados de coisas ou situações. Em terceiro lugar, pressupõem uma teoria do valor que resulta numa avaliação dos estados de coisas em termos estritamente impessoais.
De acordo com a interpretação prevalecente, mas objectável, o utilitarismo clássico de Jeremy Bentham (1789) e J. S. Mill (1861) (e em certa medida também de Henry Sidgwick (1907)) exibe estas três características. Pressupondo uma teoria hedonista do valor, segundo a qual o prazer é o único bem fundamental e a dor o único mal, os utilitaristas clássicos terão defendido que agir acertadamente é escolher, entre as opções disponíveis, aquela que resulta no maior total de prazer.
Os utilitaristas distinguem-se dos demais consequencialistas em virtude do tipo de teoria do valor em que se baseiam. O utilitarismo parte sempre de uma teoria welfarista do valor, ou seja, sustenta que o bem a promover consiste exclusivamente no bem-estar dos indivíduos que poderão ser afectados pela nossa conduta. Obviamente, o utilitarista não tem de advogar uma concepção hedonista do bem-estar: pode, como R. M. Hare (1981), identificar o bem-estar com a satisfação de desejos ou preferências, ou, à semelhança de G. E. Moore (1903), conceber o bem-estar em termos de uma pluralidade irredutível de valores, como a virtude, o conhecimento, a fruição estética e a amizade. No entanto, o utilitarista supõe sempre que só as entidades dotadas de estados mentais conscientes possuem bem-estar no sentido relevante: só essas entidades têm uma vida que pode ser boa ou má para si próprias. O consequencialista que inclui, por exemplo, a preservação dos ecossistemas entre os bens fundamentais a promover, rejeita o utilitarismo.
Afirma-se por vezes que, além de welfarista, a teoria do valor pressuposta em qualquer versão de utilitarismo tem de ser agregacionista: a avaliação dos estados de coisas deverá ser indiferente à distribuição do bem, consistindo no simples apuramento do bem total através da soma dos custos e benefícios para todos os indivíduos afectados.
De acordo com o consequencialismo objectivo ou actualista, o acto certo ou obrigatório é sempre aquele que efectivamente maximiza o bem, independentemente daquilo que o agente previu ou poderia ter previsto. O consequencialismo subjectivo ou probabilista, pelo contrário, identifica o acto obrigatório atendendo à perspectiva epistémica do agente: agir correctamente é seguir o curso de acção que, ponderadas as probabilidades à luz dos dados disponíveis, se apresenta mais promissor. Imagine-se, por exemplo, que um cirurgião pode escolher entre (A) uma operação extremamente arriscada mas que, em caso de sucesso, produzirá uma cura total e (B) uma operação com riscos negligenciáveis que produzirá seguramente uma cura quase total. Um consequencialista subjectivo dirá que o acto acertado é realizar a operação B. Mas suponha-se que o cirurgião opta pela operação A e que, contrariamente ao que seria de esperar, o paciente sobrevive e fica curado. Um consequencialista objectivo, como Hare, dirá que esse acto foi acertado.
Este exemplo pode sugerir que na sua versão objectiva o consequencialismo é demasiado contra-intuitivo para ser levado a sério. Mas importa agora observar que o consequencialismo costuma ser entendido explicitamente não como uma perspectiva sobre a forma correcta de tomar decisões morais, mas como um padrão que visa indicar as propriedades ou factores que tornam uma acção moralmente certa ou errada. Assim, o consequencialista objectivo pode reconhecer que o cirurgião realizou o acto acertado, mas acrescentar que esse acto resultou de uma decisão que não foi razoável ou racional e que, portanto, a sua conduta nada tem de louvável.
Para afastar a objecção ingénua segundo a qual o consequencialismo implica um modo de vida insustentavelmente calculista, basta perceber precisamente que este não consiste num procedimento de decisão, e que, por isso, não implica que os agentes devem estar sempre embrenhados na ponderação dos custos e benefícios dos diversos cursos de acção disponíveis em cada momento. No entanto, isto não significa que o consequencialismo nada nos possa dizer sobre a tomada de decisões — se fosse esse o caso, o próprio interesse prático desta perspectiva seria muito questionável.
Para tornar isto claro, vale a pena destacar as teorias consequencialistas que, como a de Hare, distinguem dois níveis diferentes de pensamento moral. Hare defende que, em virtude das nossas limitações cognitivas, o pensamento moral humano deve situar-se quase sempre no nível intuitivo: neste nível permanecemos indiferentes ao padrão consequencialista e limitamo-nos a agir em função das disposições e intuições que se exprimem nas regras morais simples habitualmente reconhecidas, isto é, limitamo-nos a seguir de perto a “moralidade comum”. No entanto, por vezes as regras morais entram em conflito. Precisamos de resolver dilemas — e precisamos também de determinar que intuições e disposições devemos inculcar e cultivar. Para estes efeitos, e só para estes efeitos, devemos ascender ao nível crítico do pensamento moral. É neste nível que tomamos decisões raciocinando de forma abertamente consequencialista. Esta distinção entre níveis de pensamento dá origem à seguinte perspectiva: os agentes morais não devem colocar-se acima da moralidade comum recorrendo sistematicamente ao padrão consequencialista para tomar todo o tipo de decisões, mas esse padrão tem uma relevância prática significativa, pois serve tanto para reformar a moralidade comum através do exame crítico das práticas que a sustentam como para fornecer orientação onde esta colapsa em conflitos de deveres.
Existem duas objecções fundamentais ao consequencialismo que apontam o seu carácter fortemente contra-intuitivo. Segundo a objecção da integridade (veja-se Scheffler: 1994), o consequencialismo é uma perspectiva demasiado exigente: implica que devemos dedicar todos os nossos recursos à promoção estritamente imparcial do bem, de tal maneira que qualquer acto que não maximize o bem terá de ser considerado errado. Na prática, isto significa que é moralmente errado fazer coisas como comprar um bilhete de cinema ou praticar desportos náuticos, pois o dinheiro ou o tempo assim despendidos poderiam ser canalizados para actividades mais proveitosas de um ponto de vista impessoal. Dada a extrema exigência do consequencialismo, alegam os críticos, este aliena o agente dos seus projectos e compromissos pessoais, ameaçando assim a sua integridade enquanto indivíduo autónomo.
De acordo com a objecção dos direitos, o consequencialismo falha também pela razão inversa, isto é, por propor um padrão moral demasiado permissivo. O exemplo mais utilizado para ilustrar este ponto é talvez o do transplante: para salvar cinco pacientes que estão prestes a morrer devido à falta de órgãos para transplante, um cirurgião mata outro paciente e usa os seus órgãos para os salvar. Embora este acto seja intuitivamente abominável, o consequencialismo parece sancioná-lo, pois não reconhece a existência de quaisquer direitos que imponham limites àquilo que é permissível fazer em nome do maior bem.
Podemos destacar três estratégias gerais para lidar com estas objecções. A primeira consiste em mitigar o peso das intuições morais através do recurso à distinção entre níveis do pensamento moral. Hare desenvolve esta estratégia da seguinte maneira: se considerarmos apenas situações realistas — as únicas relevantes para o pensamento intuitivo — o consequencialismo não implica, por exemplo, que o cirurgião deve matar o paciente para aproveitar os seus órgãos; só no nível crítico encontramos casos hipotéticos suficientemente idealizados para a obtenção de resultados contra-intuitivos, mas a este nível as intuições não têm a menor força probatória e, portanto, a ideia de que em certas circunstâncias muito específicas o cirurgião deveria matar o paciente não milita contra o consequencialismo.
A segunda estratégia consiste em advogar uma versão indirecta de consequencialismo. Em vez de aplicar directamente o seu padrão normativo a actos, o consequencialista pode eleger outro tipo de ponto focal — por exemplo, regras, motivos ou traços de carácter. O consequencialismo das regras, cujo representante mais influente é talvez R. B. Brandt (1979), é a opção mais frequente. Segundo esta perspectiva, o estatuto moral de um acto depende da sua conformidade a regras, de tal maneira que um acto é errado se, e apenas se, estiver em desacordo com as regras morais correctas. E as regras morais são correctas apenas em virtude de a sua observância geral promover imparcialmente o bem. O consequencialista das regras pode condenar o cirurgião e absolver o praticante de desportos náuticos: dirá que o primeiro transgride uma regra vital para o bem-estar da sociedade, mas que a conduta do segundo está em conformidade com todas as regras sancionadas pelo padrão consequencialista.
A terceira estratégia consiste na adopção de uma teoria do bem que evite os resultados contra-intuitivos. Imagine-se, por exemplo, um “consequencialismo dos direitos”, ou seja, uma perspectiva consequencialista baseada na tese segundo a qual a melhor situação de um ponto de vista impessoal é aquela em que menos direitos são violados. Poder-se-ia alegar que o cirurgião — mas não o desportista — procedeu erradamente: ao matar o paciente violou o direito à vida de uma pessoa, mas não teria violado qualquer direito à vida caso tivesse deixado morrer os cinco pacientes.
Note-se que qualquer uma destas estratégias para responder às objecções da integridade e dos direitos requer uma justificação apropriada. Por que razão teremos de ignorar as intuições quando nos situamos no nível crítico do pensamento moral? Por que razão deveremos eleger um ponto focal como as regras em vez de aplicarmos o padrão consequencialista a actos? Ou por que razão deixar morrer alguém não deve contar como uma violação de um direito? Mesmo que esteja em conformidade com as nossas intuições onde isso pareça desejável, uma perspectiva consequencialista satisfatória não pode ser meramente ad hoc — tem de justificar as opções teóricas que asseguram tal conformidade.
Hare tentou justificar o consequencialismo a partir da universalizabilidade dos juízos morais; J. C. Harsanyi (1978) recorreu à teoria bayesiana da decisão para o mesmo efeito; mais recentemente, P. Pettit (1991) argumentou a favor da perspectiva salientando a sua elevada parcimónia. Apesar de os fundamentos do consequencialismo serem ainda objecto de grande controvérsia, esta perspectiva permanece muito influente, até porque as principais perspectivas rivais — a ética deontológica e a ética das virtudes — enfrentam problemas teóricos pouco invejáveis. No domínio da ética prática ou aplicada, as abordagens consequencialistas, em grande medida devido à influência de Peter Singer, continuam a florescer. Ver também deontologia, utilitarismo, valor, virtude. (Pedro Galvão)
Bentham, J. (1789), An Introduction to the Principles of Morals and Legislation, Oxford University Press, Oxford (1996).
Brandt, R. B. (1979), A Theory of the Good and the Right, Prometheus, Londres. Darwall, S. (2003) (org.), Consequentialism, Blackwell, MA.
Hare, R. M. (1981), Moral Thinking, Clarendon Press, Oxford.
Harsanyi, J.C. (1978) “Bayesian Decision Theory and Utilitarian Ethics”, in S. Darwall, Consequentialism, Blackwell, Oxford, (2003), págs. 197-206.
Mill. J. S. (1861), Utilitarismo. Tradução de Pedro Galvão, Porto Editora, Porto (2004).
Moore, G. E. (1903), Principia Ethica, Cambridge University Press, Cambridge (1993).
Parfit, D. (1984), Reasons and Persons, Oxford University Press, Oxford.
Pettit, P. (1991) “Consequentialism" in P. Singer, A Companion to Ethics, Blackwell, Oxford, págs. 230–240.
Scheffler, S. (1994), The Rejection of Consequentialism, ed. rev., Oxford University Press, Oxford.
Sidgwick, H. (1907), The Methods of Ethics, 7.ª ed., Hackett, Indianapolis e Cambridge (1981).
Singer, P. (1993), Ética Prática, Gradiva, Lisboa (2000).