Subsistem por vezes algumas confusões com respeito ao termo “factivo”, confundindo-se com facticidade. Para efeitos de completude aproveito para esclarecer também outros termos relacionados.
A factividade é um termo da linguística. Um verbo, por exemplo, é factivo quando a oração encaixada representa algo como um facto. Ou seja, quando esse verbo implica o facto expresso pela oração encaixada. Por exemplo, o verbo “sonhar” não é factivo porque “O Asdrúbal sonhou com uma árvore” não implica a existência da árvore; mas “ver” é factivo porque “O Asdrúbal viu uma árvore” implica a existência da árvore. É neste sentido que o conhecimento é factivo: porque não faz sentido dizer que o Asdrúbal sabe que Lisboa é um país, porque Lisboa não é um país, é uma cidade. Mas a crença não é factiva, precisamente porque o Asdrúbal pode ter a crença de que Lisboa é um país.
A noção aplica-se habitualmente a verbos, mas pode igualmente aplicar-se a advérbios, adjectivos e modificadores. Assim, o modificador “pseudo” é contrafactivo porque a sua aposição implica a falsidade da afirmação sem o modificador: uma pseudovitória não é uma vitória, e um pseudo-intelectual, apesar de muito comum, não é um intelectual. A factividade e a contrafactividade distinguem-se da infactividade: o verbo “fingir” é infactivo porque “O Asdrúbal finge que está doente” não implica que ele está doente nem que não o esta (ele pode estar a fingir que está doente e estar doente sem o saber).
A facticidade não deve confundir-se com a factividade. A facticidade é a propriedade que algo tem de ser um facto. Heidegger e Sartre deram uma importância especial a este conceito, aplicando-o aos seres humanos, que descobrem a sua facticidade (aparentemente com alguma surpresa, o que em si é surpreendente): que nasceram num dia e não noutro, que têm determinadas características biológicas, que estão mergulhados num dado tempo histórico, etc. Hoje em dia é mais comum chamar “contingência” à facticidade, mas os dois conceitos não coincidem excepto se tivermos qualquer razão para pensar que todos os factos são contingentes e que só as contingências são factos (posição extremamente difícil de defender, mas característica do positivismo lógico).
O factício é um terceiro conceito irrelacionado com os outros dois: vitamina C factícia, por exemplo, é vitamina C produzida artificialmente, distinguindo-se da vitamina C que ocorre naturalmente nas laranjas. Descartes usou este termo para distinguir as ideias que inventamos das ideias inatas e das adventícias (as que recebemos dos outros).
Finalmente, um verbo é factitivo quando exprime um processo, nomeadamente causal, que atingiu um dado resultado: por exemplo, adormecer o Asdrúbal com um chorrilho de palavras caras, como as deste texto.
Evidentemente, trata-se de conceitos diferentes e o estudante rigoroso de filosofia terá o cuidado de os distinguir claramente.
Desidério Murcho